1.º − Sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de facto que se insira de forma relevante na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta ou componente relevante da resposta àquelas questões, ou cuja determinação de sentido exija o recurso a critérios jurídicos, deve o mesmo ser eliminado.
2.º – A noção de justa causa de despedimento, consagrada no artigo 351.º, do Código de Trabalho de 2009, pressupõe um comportamento culposo do trabalhador, violador de deveres estruturantes da relação de trabalho, que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência do vínculo laboral;
3.º − Viola os deveres de respeito e de urbanidade para com os colegas de trabalho, consagrados, respetivamente, na alínea a) do n.º 1 do artigo 128.º, do Código do Trabalho de 2009, o trabalhador que exercendo funções de chefia determina, pontualmente, aos seus subordinados a realização de atos de serviço fora do horário de trabalho, em prejuízo do respetivo direito ao descanso e toma no trato com esses subordinados atitudes violadoras da respetiva integridade moral.
4.º – A conduta do trabalhador descrita no número anterior, apesar de ilícita, não tendo afetado de forma intolerável a confiança que o empregador nele depositava, não integra justa causa de despedimento.
5.º − A reformulação da estrutura empresarial do empregador, e os factos descritos supra no ponto 3, bem como a sua projeção na relação do despedido com os restantes trabalhadores, tornam gravemente prejudicial e perturbador do funcionamento do empregador a reintegração do trabalhador, justificando a não reintegração do mesmo.
Não disponível.
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
I
AA instaurou ação para impugnação da regularidade e licitude do despedimento contra BB – HEALTH and FITNESS S.A., requerendo que seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do mesmo.
A empregadora veio apresentar articulado onde imputa ao trabalhador comportamentos reveladores de desrespeito, provocação repetida de conflitos, violação de direitos e garantias laborais e desobediência para com aquela e demais trabalhadores, que fundamentaram o despedimento do trabalhador com justa causa e deduziu oposição à reintegração. Concluiu pedindo que seja julgado improcedente o requerimento para declaração da ilicitude do despedimento, e caso assim não seja entendido, pede a exclusão da reintegração do trabalhador.
O Autor veio apresentar contestação, alegando a falta de poder disciplinar da aqui empregadora relativamente aos factos alegadamente ocorridos entre 03.10.2011 e 01.06.2012 e a caducidade do procedimento disciplinar. Alegou ainda que os factos imputados são falsos, distorcidos e descontextualizados pela empregadora, inexistindo justa causa para o despedimento. Pede, em via reconvencional, que se declare a ilicitude do despedimento e que a empregadora seja condenada a reintegrá-lo e a pagar-lhe todas as prestações devidas em consequência do despedimento ilícito e ainda as demais que indica no seu articulado.
A ação prosseguiu os seus termos e veio a ser decidida por sentença de 4 de agosto de 2014, que integra o seguinte dispositivo: «Pelo exposto julgo lícito o despedimento operado pela empregadora e improcedente por não provado o pedido reconvencional, absolvendo, em consequência a entidade empregadora do pedido».
Inconformado com esta decisão dela recorreu o Autor para o Tribunal da Relação do Porto, arguindo a nulidade da sentença e «pedindo a sua revogação e substituição por acórdão que julgue o despedimento ilícito e procedente o pedido reconvencional».
O Tribunal da Relação veio a conhecer do recurso interposto por acórdão de 15 de junho de 2015, nos seguintes termos: «Termos em que se julga a apelação parcialmente procedente, se revoga a sentença recorrida, se substitui a mesma pelo presente acórdão, e em consequência se julga ilícito o despedimento de AA e se condena a BB – HEALTH AND FITNESS S.A.
1. A reintegrar aquele AA no seu posto de trabalho nos termos indicados no artigo 389º, nº1, al. b) do CT/2009.
2. A pagar-lhe as retribuições [nelas se incluindo a retribuição base e os 140 litros por mês de combustível, para uso particular (cartão frota)] que deixou de auferir desde 05.11.2012 até ao trânsito em julgado do presente acórdão – artigo 390º, nº1 do CT – e sem prejuízo do disposto na al. c) do nº 2 da mesma disposição legal, a liquidar oportunamente, nomeadamente o valor da sua retribuição em espécie.
3. A pagar a sanção pecuniária compulsória no montante de € 500,00 por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de reintegração, sendo metade destinada ao aqui trabalhador e a outra metade ao Estado.
4. A pagar-lhe, sobre as quantias indicadas em 2, os juros de mora, à taxa de 4% ao ano, a contar da notificação da contestação à empregadora e até ao trânsito em julgado da sentença, sendo à taxa de 5% ao ano a partir desta data e até integral pagamento.
5. Dos demais pedidos se absolve a BB.
* * *
Custas em ambas as instâncias a cargo do aqui trabalhador e da aqui empregadora na proporção de metade para cada um».
Irresignada com esta decisão veio a Ré interpor recurso de revista para este Tribunal, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:
«1.ª - O douto acórdão recorrido, nas alterações que efetuou à decisão sobre a matéria de facto, deu por "não escritos" diversos pontos ali incluídos, por ter considerado que os mesmos constituíam matéria conclusiva.
2.ª - A Recorrente discorda desta eliminação, quanto aos pontos 41 (este quanto à parte final: "quando os managers reclamavam ou discordavam das opiniões do TRABALHADOR, a resposta que lhes dava era que se demitissem se não estavam satisfeitos"), 42, 54, 81 (na parte: "mesmo com os seus pares, o TRABALHADOR, para expor as suas ideias, não hesitava em gritar e discutir") e 82 a 85, que não comportam nenhum juízo valorativo, pelo que devem manter-se na matéria assente.
3.ª - Note-se que mesmo na justificação para a eliminação de cada um dos ditos pontos, o Tribunal da Relação não considera "conclusiva" a respetiva matéria. Foi violado, por errada interpretação, o disposto no artigo 607.°, n.º 4 do CPC,
4.ª - Na ponderação do ponto 82, o Tribunal da Relação censurou a inclusão, na sentença, dos nomes de trabalhadores, que não constavam da decisão de despedimento, mas tal contraria a posição do próprio Recorrido que no seu recurso de apelação não a pôs em causa, além de não atender ao disposto no artigo 5.°, n.º 2, al. b) do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art, 1.º, n.º 2, al. a) do Código do Processo do Trabalho, pelo que deve ser mantido na matéria assente.
5.ª - Acresce que o douto acórdão recorrido desconsiderou ainda outros factos da matéria assente, com fundamento em os mesmos não estarem "circunstanciados/concretizados no tempo", com o que a Recorrente não pode conformar-se. Estão neste grupo os factos dos pontos 33, 34, 35, 38, 39, 60, 61, 75 e 77. Verificou-se, por parte do Tribunal a quo, uma errada interpretação do artigo 353.°, n.º 1 do Código do Trabalho.
Com efeito,
6.ª - Na decisão acerca da justa causa de despedimento não poderá deixar de se atender igualmente aos factos assentes 33, 34, 35, 38, 39, 60, 61, 75 e 77 (desconsiderados, como se disse, pelo Tribunal da Relação) porquanto, embora alguns deles não estejam circunstanciados, o Recorrido mostrou conhecê-los e pronunciou-se sobre os mesmos, pelo que pôde exercer o seu direito de defesa.
7.ª - Sendo que a omissão do momento (exato) da prática dos mesmos não releva, não só pela circunstância referida na conclusão anterior, como pelo facto de não ter prescrito o direito a exercer o poder disciplinar, porquanto o Recorrido não tinha um ano de antiguidade no momento em que foi notificado da nota de culpa.
8.ª - Os factos praticados pelo Recorrido constituem violações de direito de outros trabalhadores - insultos, humilhações e desrespeito pelos subordinados (factos assentes 33, 34, 38, 45, 46, 49, 56, 57, 60, 61, 63 a 65, 66, 67) - outros configuram mesmo urna situação de mobbing - sugestão para apresentar demissão feita a dois club managers (factos assentes 33, 34 e 38) - pelo que são ilícitos. Os mesmos, não só legitimam, como exigem uma atuação disciplinar por parte da Recorrente em relação do Recorrido, sob pena de com essa omissão aquela estar a violar os direitos e garantias dos trabalhadores visados.
9.ª - Por outro lado, são factos que assumem especial gravidade pelo facto de o Recorrido ser um trabalhador altamente qualificado - Diretor -, o Responsável máximo pelo Negócio de Fitness, a quem se exige um especial cuidado na forma de relacionamento com os demais trabalhadores, desde logo um especial cuidado com a linguagem adotada e com as atitudes em relação aos demais, e em relação ao qual terá que haver um especial grau de confiança.
10.ª - Além de os factos serem graves, as consequências dos mesmos também o são porquanto desmotivadores (factos assentes 33, 34, 38 e facto 82 que a Recorrente entende dever ser considerado assente) e criadores de um ambiente pouco saudável nas relações profissionais da Recorrente (factos assentes 47, 61), patente, desde logo, no facto de alguns trabalhadores terem expressamente manifestado a sua indignação pelos comportamentos do Recorrido (factos assentes 17,35,61).
11.ª - Não é exigível que o empregador mantenha ao serviço um trabalhador que se dirige aos seus subordinados em termos e linguagem impróprios, chegando ao ponto de os insultar, que provoca repetida e desnecessariamente conflitos com eles, que os intimida, que os desmotiva, que duvida do seu trabalho, que viola os direitos e garantias laborais dos seus subordinados, designadamente do gozo de férias e de períodos de descanso, assumindo tais atos especial gravidade, não só pelo cargo ocupado pelo Recorrido, mas igualmente por serem praticados na presença de vários trabalhadores da Recorrente.
12.ª - A Recorrente não pode pactuar com situações como as descritas nos presentes autos, sob pena de criar um estado de insegurança e receio dos demais trabalhadores. Na verdade, se a Recorrente permitisse estes comportamentos (insultos, ameaças, humilhações e desrespeito pelos descanso dos trabalhadores) e não os sancionasse disciplinarmente, não estaria a proporcionar aos outros trabalhadores, nomeadamente aos Club Managers, boas condições de trabalho.
13.ª - A violação reiterada dos direitos e garantias dos trabalhadores da empresa, a provocação de conflitos com outros trabalhadores da empresa e a prática, no âmbito da empresa, de injúrias ou outras ofensas punidas por lei sobre trabalhador da empresa constituem justa causa de despedimento (artigo 351.º n.º 1 e 2, alíneas b), c) e i) do Código do Trabalho).
14.ª - O exercício das funções de Diretor de Operações, responsável máximo do negócio de fitness da Recorrente, requer confiança absoluta do empregador no trabalhador.
15.ª - Esta confiança foi abalada de forma irremediável pelos comportamentos do Recorrido.
16.ª - O próprio Tribunal da Relação do Porto deu como assente que "O cargo ocupado pelo trabalhador pressupõe confiança absoluta na pessoa que o ocupa" (facto assente 86) e que "A imputação ao TRABALHADOR dos factos que determinaram o seu despedimento fez cessar a confiança inerente à sua contratação" (facto assente 93), pelo que não pode deixar de se concluir pe1a licitude do despedimento do Recorrido.
17.ª - O despedimento do Recorrido foi lícito, porque com justa causa, pelo que a decisão a que chegou o tribunal a quo deverá ser revogada, concluindo-se pela licitude do despedimento do Recorrido.
Sem prescindir, e a título subsidiário
18.ª - A Recorrente pretende a revisão da sua condenação na reintegração do "(...) AA, no seu posto de trabalho" ..
19.ª - Na verdade, estão verificados todos os pressupostos de que a lei (art. 392.°, n.º 1 do Código do Trabalho) faz depender o direito de o empregador se opor à oposição do trabalhador: a) tratar-se de trabalhador que ocupa cargo de direção - o Recorrido era o Responsável do Negócio do Fitness, reportando diretamente à Administração, tendo como função dirigir, planear, coordenar as atividades do negócio de fitness, gerindo os clubes da cadeia BB e tendo a seu cargo a coordenação dos club managers e demais pessoal dos clubes da cadeia BB (factos assentes 4, 5, 7 a 11, 90 e 92);
20.ª - b) a reintegração do Recorrido seria gravemente prejudicial e perturbador do funcionamento da empresa/Recorrente, pela forma como o Recorrido se relacionava publicamente (ie com o conhecimento dos demais club managers) com alguns club managers - conflituosa, geradora de conflitos, malcriada, agressiva - pelo que a sua reintegração causaria uma grave perturbação e seria prejudicial ao funcionamento da Recorrente.
21.ª - c) por seu turno, o despedimento do Recorrido não tem por fundamento qualquer ato persecutório, nomeadamente relacionado com a discriminação em função de motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, porquanto se baseou em factos graves imputados ao trabalhador, nunca tendo sido alegada pelo Recorrido nenhuma discriminação em função destes motivos;
22.ª - d) finalmente, o empregador não criou culposamente o fundamento justificativo da oposição à reintegração, antes esta baseia-se em factos graves efetivamente praticados pelo trabalhador Recorrido e que foram dados como assentes pelo tribunal a quo.
23.ª - O caráter gravemente prejudicial e perturbador do funcionamento da Recorrente é evidente atendendo desde logo ao exposto nas conclusões 8.ª a 12.ª, devendo ainda atender-se para este efeito a toda a matéria assente, sendo ainda relevante o facto de o posto de trabalho ocupado pelo Recorrente ter sido extinto, pelo que haveria ainda uma impossibilidade objetiva de incumprimento desta obrigação ou obrigaria à criação de novo posto, não por uma decisão de gestão, mas por determinação do tribunal.
24.ª - Pelo exposto, caso o Supremo Tribunal de Justiça venha, ao contrário daquele que é o entendimento da Recorrente, a considerar o despedimento ilícito, deverá ser julgado procedente o pedido de oposição da Recorrente à reintegração do Recorrido.»
Termina pedindo que seja dado provimento ao presente recurso: «a) revogando-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra que julgue lícito o despedimento do Recorrido; subsidiariamente, e caso assim não se entenda, b) revogando-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que julgue procedente o pedido de oposição a reintegração e substitua a obrigação de reintegração do Recorrido pela obrigação de pagamento de uma indemnização».
O Autor respondeu ao recurso interposto, tendo pedido a ampliação do respetivo objeto nos termos do n.º 1 do artigo 636.º do Código de Processo Civil, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:
«Da impugnação da decisão do Tribunal da Relação sobre os pontos 41, 42, 54, 81 e 82 a 85:
A. Nos termos do art. 662°/1 e 4 do CPC, da decisão tomada pelo Tribunal da Relação do Porto sobre os pontos 41, 42, 54, 81 e 82 dos Factos Provados, não cabe recurso para o STJ, pelo que o mesmo deve ser, desde logo, julgado improcedente.
B. De qualquer modo, sem conceder, os pontos 41, 42, 54, 81 e 82 dos Factos Provados foram dados como não escritos pelo Tribunal da Relação quer por serem conclusivos, quer por não conterem o circunstancialismo em que tais situações ocorriam, reportando-se a meras afirmações genéricas, sem concretização prática, que nunca poderiam prevalecer em matéria disciplinar. Deste modo, a decisão recorrida não merece qualquer censura nesta matéria.
C. De qualquer modo, mesmo que assim não se entendesse, atendendo à fundamentação constante no acórdão recorrido, sempre os mesmos teriam de se considerar como não provados, pois parece-nos evidente que o Tribunal da Relação optou por não valorar as afirmações genéricas e não concretizadas proferidas pelas testemunhas no que respeita a estes específicos pontos da matéria de facto.
D. Relativamente ao caso específico do item 82 da matéria de facto, parece-nos importante salientar que, como refere o Acórdão recorrido, o Tribunal da 1.ª instância fez introduzir na sua redação a alusão concreta aos trabalhadores CC, DD e EE, factos esses que não haviam sido alegados pela empregadora, quer na nota de culpa, quer na sua decisão final de despedimento. Ora, nos termos do art- 387°/3 do CT/2009, a empregadora não poderia beneficiar de factos e fundamentos que não alegou quer na sua nota de culpa, quer na decisão final de despedimento. E se não podia beneficiar desses factos, também o Tribunal da 1.ª Instância não poderia suprir esse vício, concretizando oficiosamente as referidas acusações genéricas e abstratas. Ao atuar desse modo, o Tribunal da 1.ª Instância desrespeitou o disposto no art. 387°/3 do Código do Trabalho, pelo que o douto acórdão recorrido não merece qualquer censura.
Da desconsideração dos Factos Assentes 33, 34, 35, 38, 39, 60, 61, 63, 75 e 77 na sua decisão:
E. Relativamente a esta matéria, importa logo salientar que não corresponde à verdade a afirmação da empregadora na sua alegação de que, apesar de as referidas acusações não se encontrarem circunstanciadas, o recorrido trabalhador mostrou conhecê-los, pelo que pôde exercer o seu direito de defesa. Muito pelo contrário, este sempre se insurgiu contra essa falta de concretização e invocou que a mesma prejudicava o seu direito de defesa, como se pode comprovar na sua resposta à nota de culpa de fls. 104 dos autos. Sucede que, apesar de ter alegado isso na sua defesa, a empregadora manteve a carência de concretização na sua decisão final de despedimento, transcrevendo integralmente os factos da nota de culpa na sua decisão final, pelo que agora tem de se sujeitar às respetivas consequências, atendendo à flagrante violação do estipulado no artigo 353°, n.º 1 do CT/2009.
F. O acórdão recorrido não merece assim qualquer censura, pois:
• Os factos assentes 33, 34, 35, 38, 39, 60, 61, 63, 75 e 77 não se encontram circunstanciados/concretizados no tempo desrespeitando o disposto no art. 353°, n.º 1, parte final, do CT/2009;
• Na sua resposta à nota de culpa, o trabalhador insurgiu-se expressamente contra a generalidade e abstração das acusações que lhe eram imputadas na Nota de Culpa, alegando que a mesma impedia o exercício do seu direito de defesa.
• Apesar disso, a empregadora manteve na decisão final de despedimento essa ausência de concretização, impedindo assim o trabalhador de ponderar e organizar corretamente a sua defesa.
• Consequentemente, estes episódios não poderão relevar para a apreciação da justa causa de despedimento.
Da alegada justa causa de despedimento:
G. Relativamente ao conceito de justa causa de despedimento, o Acórdão do STJ de 07/03/2012 (CJ, acórdãos do STJ, 2012, tomo 1, pág. 258) refere que " ... O despedimento sanção é a solução postulada sempre que, na análise diferencial concreta dos interesses em presença se conclua num juízo de probabilidade/prognose sobre a viabilidade do vínculo, basicamente dirigido ao suporte psicológico e fiduciário que a interação relacional pressupõe - que a permanência do contrato constitui objetivamente uma insuportável e injusta imposição ao empregador, ferindo, desmesurada e violentamente, a sensibilidade e liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição do real empregador. ( ... )" (realce e sublinhado nosso)
H. Acrescentando o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05/01/2009, Processo 0846103 (com texto integral disponível em www.dgsi.pt), decidiu que: "( ... ) caberá dizer que o apuramento da "justa causa" se corporiza, essencialmente, no elemento da impossibilidade prática e imediata da subsistência da relação de trabalho. Relativamente à interpretação desta componente objetiva de "justa causa", importa considerar as seguintes vertentes:
- a impossibilidade de subsistência do vínculo laboral deve ser reconduzida à ideia de "inexigibilidade" da manutenção vincu1ística;
- exige-se uma "impossibilidade prática", com necessária referência ao vínculo laboral em concreto;
- e "imediata" no sentido de comprometer, desde logo e sem mais, o futuro do contrato.
Para integrar este elemento, torna-se necessário fazer um prognóstico sobre a viabilidade da relação contratual, no sentido de saber se ela mantém, ou não, a “aptidão e idoneidade para prosseguir a função típica que lhe está cometida” (Cfr. Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, Verbo, 2000, págs. 490 e seguintes).
I. Segundo Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, Almedina, 12.ª Edição, pág. 557 e seguintes, "inexigibilidade" determina-se mediante um balanço, em concreto, dos interesses em presença fundamentalmente o da urgência na desvinculação e o da conservação do vínculo -, havendo "impossibilidade prática de subsistência da relação laboral" sempre que a continuidade do contrato represente (objetivamente) uma insuportável e injusta imposição ao empregador, isto é sempre que a subsistência do vínculo e das relações que ele supõe sejam " ... de molde a ferir, de modo desmesurado e violento, a sensibilidade e a liberdade de uma pessoa normal, colocada na posição do empregador". Torna-se necessário, em suma, que nenhum outro procedimento se revele adequado a sanar a crise contratual.
J. Ora, para uma ponderação adequada destes fatores, é necessário comprDDnder o contexto em que o presente processo disciplinar foi movido ao recorrido trabalhador e as suas reais motivações. Nesse sentido, parece-nos de essencial relevância as considerações tecidas pelo Acórdão recorrido sobre esta matéria, pois aí reside o fulcro da questão: "( ... ) Deste modo, e em conclusão, cumpre então analisar se a conduta do apelante, circunscrita aos factos 17, 18, 43 a 47, são aptos a prDDncher a justa causa de despedimento - artigo 351°, n.° 1 e n.º 2, al. f) do CT/2009. A descrita conduta não conduz, por si só, à inexigibilidade da manutenção da relação laboral, na medida em que a continuidade do contrato de trabalho não representa, em termos objetivos, uma "insuportável e injusta imposição ao empregador" (Monteiro Fernandes, obra citada, página 561). Na verdade, não é de todo indiferente a este Tribunal o facto de após as "tentativas" de fazer cessar o contrato de trabalho do aqui apelante por mútuo acordo, o mesmo tenha cessado funções em 02/08/2012, por ordem da empregadora, ficando desocupado, apenas cumprindo horário, o que aconteceu até ao momento em que lhe é instaurado o procedimento disciplinar com suspensão preventiva - factos 101 a 105 da factualidade provada. Ou seja, não obstante a descrita e provada conduta do aqui trabalhador, afigura-se-nos que o seu "despedimento com justa causa" tem mais a ver com os "maus" resultados do negócio que o aqui trabalhador geria e comandava do que propriamente com atitudes com as atitudes que tomava com os seus subordinados. Por isso, e apesar de a conduta do aqui trabalhador ser censurável a mesma não justifica a aplicação da sanção máxima: o despedimento. Assim, é o despedimento ilícito nos termos do artigo 381°, al. b) do CT12009, ( ... )" (acórdão recorrido, realce e sublinhado nosso)
K. Consequentemente, tendo em conta os factos provados supra mencionados, a sanção de despedimento aplicada ao trabalhador sempre teria de ser considerada manifestamente desproporcional e excessiva, logo, ilícita.
L. De qualquer modo, o trabalhador entende serem pertinentes as seguintes considerações adicionais sobre os concretos factos provados:
M. Relativamente ao episódio ocorrido em abril de 2012 com EE, factos provados 17, 18, 43, 44, 45, 46 e 47: - os factos ocorreram em abril de 2012, logo mais de 5 meses antes da notificação da nota de culpa; - o trabalhador arguido e o referido EE, por email, conseguiram conversar e entender-se - cfr. troca de emails de fls. 299 e 300 dos autos, não existindo registo de qualquer outro desentendimento; - o trabalhador alegadamente ofendido EE já não é funcionário da BB, trabalhando em Abu Dhabi como demonstram os autos, pelo que já não existe o risco de criar mau ambiente na empresa; - tratou-se de um caso isolado, ocorrido num momento de grande tensão, atento o elevado número de desistências que a empregadora estava a sofrer; - o processo disciplinar e subsequente despedimento só ocorrem após diversas "tentativas" de fazer cessar o contrato de trabalho do aqui trabalhador por mútuo acordo sem qualquer sucesso; - por ordem da empregadora, o trabalhador já tinha cessado funções em 02/08/2012, ficando desocupado, apenas cumprindo horário, o que aconteceu até ao momento em que lhe foi instaurado o procedimento disciplinar com suspensão preventiva - factos 101 a 105 da factualidade provada; - Essa cessação de funções foi comunicada pela BB a toda a estrutura mesmo antes de levantado o respetivo processo disciplinar:
- Como referiu o acórdão recorrido "(...) afigura-se-nos que o seu "despedimento com justa causa" tem mais a ver com os "maus" resultados do negócio que o aqui trabalhador geria e comandava do que propriamente com atitudes com as atitudes que tomava com os seus subordinados. (...)"
- Deste modo, parece-nos que a conduta do trabalhador recorrido não assume gravidade bastante que torne praticamente impossível a subsistência do vínculo laboral, no sentido de ser inexigível à recorrente a manutenção do vínculo laboral. Pensamos, por isso, que o comportamento do autor, embora suscetível de integrar uma infração disciplinar, não coloca irremediavelmente em causa o contrato de trabalho, sendo apenas passível de sanção disciplinar conservatória do vínculo laboral e não da "pena máxima", o despedimento.
N. Relativamente à tarefa atribuída pelo trabalhador em abril de 2012, factos provados 49, 50, 51, 53, 55, 56 e 57: fazemos nossas as considerações tecidas pelo Tribunal da Relação, pelo que, por celeridade, vamos reproduzi-las, aderindo às mesmas: "( ... ) Relativamente à tarefa atribuída pelo aqui trabalhador a todos os clube managers, não se alcança qual o dever que o mesmo violou. Com efeito, à data, a situação não era a melhor, com muitos cancelamentos, tendo o apelante entendido que a "captação" de clientes deveria ser feita durante o fim de semana. Ora, e perante esse mesmo circunstancialismo, a única coisa que ocorreu foi a de que os club managers tiveram de prestar trabalho suplementar, o qual deverá ser remunerado pela aqui empregadora. Mas mais do que isto não parece existir e muito menos uma violação dos deveres laborais por parte do apelante. (...)"
O. Relativamente aos episódios ocorridos com CC no 1° semestre de 2012 e com DD no primeiro semestre de 2012 e em dezembro de 2012: Também fazemos nossas as considerações tecidas pelo Tribunal da Relação: "(… ) Quanto ao ocorrido com CC ... e com DD "igualmente não se alcança qualquer violação por parte do aqui trabalhador, para além de alguma "pressão" decorrente dos maus resultados que o negócio estava a ter à data.
( ... )"
P. Relativamente à questão do registo de horas-facto provado 63: Relativamente a esta matéria, não se vê como é que a mesma pode consubstanciar uma violação dos deveres laborais por parte do apelante. Com efeito, existindo 2 sistemas de controlo de tempo, um automático (controlado pela máquina, que regista automaticamente as horas de entrada e de saída) e outro manual (onde é o trabalhador que insere manualmente as horas de entrada e de saída), é de todo plausível que o trabalhador tenha contactado os diversos clube managers para não registarem manualmente naquela plataforma as horas de trabalho diárias, optando pelo recurso ao sistema de ponto automático, que assegurava um maior controlo dos reais tempos de trabalho. Mas isso não quer dizer, que o trabalhador tenha dado ordens para que fossem inseridos tempos de trabalho falsos, nem tal resultou dos factos provados. Deste modo, este facto é inócuo, não sendo suscetível de fundamentar qualquer censura disciplinar ao trabalhador.
Do pedido subsidiário de oposição da recorrente à reintegração do recorrido:
Q. Nos termos do artigo 392°, n.º 1 do CT/2009 "Em caso de microempresa ou de o trabalhador que ocupe cargo de administração ou direção, o empregador pode requerer ao tribunal que exclua a reintegração, com fundamento em factos e circunstâncias que tornem o regresso do trabalhador gravemente prejudicial e perturbador do funcionamento da empresa". Sucede que, como defende o acórdão recorrido, os factos alegados e provados pela recorrente empregadora são manifestamente insuficientes para se poder concluir que o regresso do recorrido torna "gravemente prejudicial e perturbador o funcionamento da empresa", sendo os mesmos bem escassos para se concluir pela perturbação do funcionamento da empresa se for ordenada a reintegração do aqui trabalhador. Pelo que deve improceder o pedido de oposição à reintegração.
Da ampliação do âmbito recurso nos termos do art. 636°/1 do CPC:
Da falta de poder disciplinar sobre o trabalhador relativamente aos factos ocorridos entre 03.10.2011 e 01.06.2012
R. Desde logo, entende o recorrido que, para a ponderação de saber se estamos na presença de factos duradouros ou instantâneos, teremos necessariamente de considerar apenas os factos considerados provados e não a totalidade dos factos alegados pela empregadora, independentemente de terem sido declarados provados ou não, como defende o douto Acórdão recorrido. Caso contrário, a empregadora poderia sempre manipular os factos alegados, sabendo que não os conseguiria provar, com o objetivo de perseguir disciplinarmente os seus trabalhadores ... Tal não faria qualquer sentido e feriria de modo grave qualquer sentido de justiça, equidade e proporcionalidade.
S. Sucede que, analisando os mesmos, constata-se que apenas foram declarados provados factos anteriores à cessão da posição contratual ocorrida em 01/06/2012. Ora, como refere o Professor Mota Pinto (cfr. Supra) "Quando o facto - pressuposto da resolução for um acontecimento instantâneo já ocorrido, mesmo que subsistam as suas consequências, ou uma situação duradoura já superada, no momento da cessão, o cessionário não pode, pois, em princípio, resolver o contrato.
T. Consequentemente, uma vez que os factos considerados provados se concretizaram antes da cessão da posição contratual (antes de 01/06/2012), quando o trabalhador não estava ao serviço da Recorrente BB, mas sim da FF, e não se tendo provado que os mesmos se prolongaram no tempo ao serviço daquela, após a referida cessão, parece-nos indubitável que a BB não os poderia invocar para exercer o poder disciplinar sobre o trabalhador e muito menos para, com base neles, resolver o respetivo contrato de trabalho (despedimento com justa causa).
U. No entendimento do recorrido trabalhador, ofenderia os mais basilares princípios de direito que alguém pudesse exercer o poder disciplinar sobre factos passados alegadamente praticados ao serviço de outra entidade distinta por mero efeito de cessão de posição contratual como pretende defender a douta sentença recorrida.
V. Como é óbvio, a cessionária só poderá exercer o poder disciplinar para o futuro, não podendo "apreciar" alegadas condutas anteriores à cessão, numa altura em que não tinha poder disciplinar sobre o trabalhador em causa, a não ser que se prove que essas condutas se prolongaram no tempo, mais concretamente após a cessão, o que aquela não logrou fazer.
W. Consequentemente, o despedimento do recorrido promovido pela recorrente BB com base em factos alegadamente ocorridos durante o um período em que não era a detentora do poder disciplinar é manifestamente ilícito, o que deve ser desde logo declarado pelo Tribunal.»
Termina referindo que deve ser «negado provimento ao presente recurso, mantendo-se o douto Acórdão recorrido e respetiva condenação, tudo com as consequências legais» e requereu, «nos termos e para os efeitos previstos no art. 636°/1 do CPC, a ampliação do âmbito do presente recurso, solicitando» que o Tribunal se pronuncie «também sobre o fundamento invocado supra da falta de poder disciplinar da recorrente BB sobre o trabalhador, relativamente aos factos ocorridos entre 03/10/2011 e 01/06/2012, por, nesse período, se encontrar ao serviço da FF e não da recorrente, pretensão essa que foi julgada improcedente pelo Tribunal da Relação».
A Ré respondeu ao pedido de ampliação do objeto do recurso, referindo em conclusão que «deverá a ampliação do âmbito do recurso requerida pelo Recorrido ser indeferida ou, se assim não se entender, deverá a exceção invocada pelo Recorrido ser julgada totalmente improcedente, no mais se concluindo como nas alegações de recurso apresentadas pela Recorrente».
Neste Tribunal, o Exm.º Magistrado do Ministério Público proferiu parecer, nos termos do n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho, pronunciando-se no sentido da concessão da revista, referindo que «o despedimento deverá ser declarado lícito, absolvendo-se a ré dos pedidos formulados, concedendo-se, assim, provimento ao recurso, repristinando-se a sentença proferida na 1.ª instância».
Notificado este parecer às partes veio o Autor pronunciar-se sobre o mesmo na linha das posições por si tomadas no recurso.
Sabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 3, e 639.º do Código de Processo Civil, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, está em causa na presente revista saber:
a) − Se a alteração da matéria de facto levada a cabo pelo Tribunal da Relação respeitou os parâmetros decorrentes do artigo 662.º do Código de Processo Civil e é suscetível de censura nos termos dos artigos 674.º, n.º 3 e 682.º, n.º 3 do mesmo código.
b) – Se na apreciação da existência de justa causa de despedimento o Tribunal da Relação devia ter tomado em consideração os factos dados como provados nos pontos n.ºs 33 a 35, 38, 39, 60, 61, 75 e 77;
c) – Se os factos dados como provados integram justa causa de despedimento;
d) − Se existe fundamento para a oposição à reintegração do trabalhador;
e) – Se se verifica falta de poder disciplinar da empregadora sobre o trabalhador relativamente a factos ocorridos entre 03.10.2011 e 01.06.2012.
II
É a seguinte a matéria de facto fixada:
«1. O EMPREGADOR tem por objeto a exploração de centros (adiante designados por «clubes») para a prática desportiva e para a manutenção da saúde, nomeadamente HEALTH CLUBS, SPA, FITNESS CENTERS, centros de ténis e squash, centros de balneoterapia e talas soterapia e piscinas, e a prestação dos serviços respetivos, incluindo musculação, ginástica, dança, artes marciais, massagem, estética e nutricionismo, podendo ser, a título complementar, prestados serviços de bar, cafetaria ou restauração e comércio de artigos desportivos.
2. O TRABALHADOR foi admitido ao serviço da FF – …, S.A., em 03.10.2011.
3. Em 01.06.2012, com o consentimento do TRABALHADOR, a FF – … S.A., cedeu ao EMPREGADOR a posição contratual de entidade empregadora daquele.
4. O TRABALHADOR tinha a categoria profissional de Diretor, tendo sido contratado para o desempenho da função de Responsável do Negócio de FITNESS.
5. Nessa qualidade, competia ao TRABALHADOR, essencialmente, dirigir, planear e coordenar as atividades operacionais e comerciais do negócio de FITNESS, nas suas diversas vertentes, de acordo com as orientações estratégicas e políticas estabelecidas no plano de ações e recursos, tendo em vista atingir os objetivos estabelecidos, bem como otimizar o desenvolvimento desse negócio.
6. Quer a FF – … S.A., quer o EMPREGADOR eram sociedade totalmente detidas pela GG TURISMO, SGPS, S.A.
7. O TRABALHADOR, quer ao serviço da FF – … S.A., quer ao serviço do EMPREGADOR, exerceu ininterruptamente as funções de Responsável do negócio de FITNESS deste último.
8. Dirigiu, planeou e coordenou as atividades operacionais e comerciais do mesmo negócio, de acordo com as orientações e políticas estabelecidas pelo EMPREGADOR.
9. Para tanto, quer ao serviço da FF – … S.A., quer ao serviço do EMPREGADOR, o TRABALHADOR geriu, de forma contínua, os mesmos clubes da cadeia BB.
10. Coordenou os seus subordinados, designadamente os clubs managers de tais clubes e demais pessoal a estes afeto, independentemente da identidade dos respetivos empregadores.
11. Reportou a sua atividade ao seu superior hierárquico, HH, administrador do EMPREGADOR.
12. Desempenhou funções nas instalações do EMPREGADOR.
13. Cumpriu os tempos de trabalho pelo mesmo estabelecidos.
14. O negócio de FITNESS tem sofrido acentuadas quebras de clientela, em consequência, por um lado, do aumento da taxa do IVA de 6% para 23% e, por outro, da concorrência externa de entidades dedicadas ao mesmo negócio.
15. No exercício da função referida, competia ao TRABALHADOR reunir-se, diversas vezes por mês, presencialmente ou através de acesso remoto, com os seus subordinados clube managers dos diversos clubes da cadeia BB.
16. Nessas reuniões trata-se, sobretudo, matéria relativa à retenção de clientela, isto é, captação, manutenção e recuperação de sócios que, entretanto, tenham cancelado a respetiva inscrição no clube.
17. Em 10.04.2012 EE enviou um e-mail ao TRABALHADOR, nos termos do qual referiu, além do mais, que (…) “nada justifica seja em que situação for, pessoal ou profissional, e muito menos naquele contexto que me tivesses respondido da maneira insultuosa como fizeste, Em momento algum e seja em que circunstância for, tens o direito de me dizer o que disseste” (…) “Não é suposto, não se espera, em situação alguma se pode admitir, que a falta de respeito comece por ti”, conforme documento de folhas 73.
18. Em abril de 2012, o TRABALHADOR reuniu-se, numa sexta-feira à tarde, através de acesso remoto, com os diversos club managers.
19. Em meados de 2011, foi implementado nos clubes um sistema de controlo eletrónico de assiduidade e pontualidade, sendo que, em caso de esquecimento no registo de saída com o cartão, os trabalhadores procedem ao registo manual da mesma na plataforma eletrónica.
20. O procedimento disciplinar contra o TRABALHADOR foi instaurado em 07.08.2012.
21. O TRABALHADOR foi notificado da nota de culpa no dia 28.09.2012.
22. À qual respondeu em 17.10.2012.
23. O TRABALHADOR foi notificado da decisão final de aplicação da sanção disciplinar de despedimento com justa causa no dia 05.11.2012.
24. O TRABALHADOR ocupava cargo de direção no EMPREGADOR, sendo, à data, o responsável máximo pelo seu único negócio, o de FITNESS.
25. O TRABALHADOR auferia retribuição base mensal no valor ilíquido de € 6.500,00.
26. A título de subsídio de refeição, ao TRABALHADOR era atribuído o valor de € 6,41 por cada dia de trabalho efetivamente prestado.
27. Para o exercício das respetivas funções, designadamente por exigirem visitas frequentes aos diversos clubes da cadeia BB, dispersos em todo o território nacional, o EMPREGADOR atribuiu ao TRABALHADOR o veículo automóvel que, a dada momento, estivesse disponível na respetiva frota.
28. O TRABALHADOR utilizou, em momentos sucessivos, 3 veículos automóveis, a saber, de marca B…, modelo …, de marca …., modelo … e de marca …., modelo ….
29. O TRABALHADOR beneficiava de seguro de saúde, seguro de vida e de seguro de acidentes pessoais atribuídos pelo EMPREGADOR.
30. Não escrito.
31. Não escrito.
32. Não provado.
33. Numa reunião realizada através de acesso remoto com os diversos club managers, após análise dos resultados dos vários clubes, o TRABALHADOR insinuou a CC, clube manager de Vila Nova de Gaia, que apresentasse a demissão, referindo-lhe “está na altura de enviares uma carta com outro conteúdo aos Recursos Humanos”.
34. CC sentiu-se ofendido e humilhado à frente de todos os colegas.
35. Tendo recebido, no final da reunião, algumas chamadas telefónicas de apoio dos colegas, igualmente incomodados e incrédulos com o sucedido.
36. Não provado.
37. Não provado.
38. Também a DD Sousa, clube manager do clube do ..., foi sugestionado pelo TRABALHADOR que apresentasse a demissão caso não se sentisse capaz de atingir os objetivos propostos.
39. O que foi rejeitado por aquele.
40. Não escrito.
41. O TRABALHADOR quando estes [managers] reclamavam ou discordavam das suas opiniões, a resposta que lhes dava era que se demitissem se não estavam satisfeitos.[1]
42. O TRABALHADOR exaltava-se, gritava com os club managers, era agressivo no trato.[2]
43. Em 10.04.2012, numa reunião mantida com os diversos club managers, o TRABALHADOR questionou EE, clube manager do clube do ..., sobre os red alerts.
44. Tendo o mesmo respondido que uma rececionista do clube estava a tratar do assunto.
45. Em resposta e sem que nada o justificasse, o TRABALHADOR, perante os demais colegas presentes na reunião, respondeu-lhe “puta que te pariu”.
46. Tendo utilizado, uma segunda vez, tal expressão.
47. A situação gerou constrangimento entre os presentes, sobretudo tendo tido origem em quem exercia funções de direção.
48. Não escrito.
49. Na reunião de abril de 2012, e após análise dos resultados de retenção de clientela, o TRABALHADOR exigiu a todos os clube managers que telefonassem durante o fim de semana a todos os sócios que haviam cancelado a inscrição nesse mês.
50. Exigindo a elaboração do respetivo relatório até domingo.
51. O número de chamadas telefónicas a realizar, consoante os clubes, variava entre 100 e 300.
52. Não escrito.
53. A exigência do TRABALHADOR implicou a prestação de trabalho durante o período de descanso semanal dos club managers.
54. Não escrito.
55. Muitos dos clube managers, apesar de discordarem da medida, obedeceram.
56. Um dos club managers, DD, no final da reunião, contactou o TRABALHADOR, solicitando-lhe autorização para efetuar as chamadas telefónicas, cerca de 300, na segunda-feira seguinte, uma vez que tinha agendado passar esse fim de semana fora com a família.
57. O TRABALHADOR mostrou-se, como de costume, inflexível, limitando-se a responder que DD fizesse o que entendesse, mas que os resultados ter-lhe-‑iam de ser entregues até domingo.
58. Não provado.
59. Não escrito.
60. Após esta ação, numa reunião através de acesso remoto mantida com os diversos club managers, o TRABALHADOR insinuou que CC não tinha realizado as referidas chamadas telefónicas, uma vez que, relativamente ao seu clube, apenas se tinham reinscrito dois ou três clientes.
61. No final da reunião, CC telefonou ao TRABALHADOR manifestando o seu desagrado pela insinuação, referindo-lhe não admitir desconfiança, dado ser trabalhador da Empresa há mais de 18 anos, sem que os seus superiores hierárquicos alguma vez tivessem duvidado do seu trabalho.
62. Não provado.
63. O TRABALHADOR contactou os diversos club managers, a fim de que não fossem registadas manualmente naquela plataforma as horas de trabalho diárias.
64. Em data não apurada, mas no primeiro semestre de 2012, o TRABALHADOR telefonou às 8H para CC e ordenou-lhe que fosse imediatamente para o clube e lhe enviasse um determinado ficheiro.
65. A hora de entrada ao serviço de CC é às 10H.
66. Igualmente em data não apurada, mas no primeiro semestre de 2012, DD recebeu, às 7H, uma chamada telefónica do TRABALHADOR, o qual o informou estar no clube do ..., ir fazer uma caminhada e querer saber se havia phones disponíveis para utilizar.
67. O TRABALHADOR bem sabia que, no dia anterior, DD havia estado a trabalhar no clube até às 22H, pelo que este se sentiu desrespeitado, ao ser incomodado no seu descanso sobre um assunto sem relevância.
68. Em data não apurada, mas em dezembro de 2011, DD Sousa tinha férias marcadas e já aprovadas, tendo porém, solicitado alteração das mesmas, para que tivessem início dois dias antes, alteração que não veio a ser validada.
69. No dia anterior a ir de férias, DD contactou o TRABALHADOR para relembrar que iria de férias e disponibilizar-se para ser contactado telefonicamente.
70. Não provado.
71. Não provado.
72. Sendo que o TRABALHADOR afirmou não estar aprovado o pedido de alteração de férias.
73. Não provado.
74. Não escrito.
75. Em data não apurada, mas em 2012, o TRABALHADOR, na sexta-feira anterior ao início das férias de CC, comunicou-lhe que teria que estar presente numa formação a ocorrer no primeiro dia de férias daquele CC.
76. Provado o que consta do ponto 75.
77. CC assistiu a essa formação.
78. Não escrito.
79. Não escrito.
80. O TRABALHADOR exigia que todas as informações sejam prestadas por escrito.
81. Mesmo com os seus pares, o TRABALHADOR, para expor as suas ideias, não hesitava em gritar e discutir.[3]
82. Não escrito.
83. Não escrito.
84. Não escrito.
85. Não escrito.
86. O cargo ocupado pelo trabalhador pressupõe confiança absoluta na pessoa que o ocupa.
87. Na qualidade de Responsável do Negócio de FITNESS, o TRABALHADOR celebra contratos em representação do EMPREGADOR.
88. Mantém relações privilegiadas com clientes e fornecedores.
89. Toma conhecimento de informação sensível respeitante à atividade do EMPREGADOR e seus resultados, formação de preços e orientações comerciais e de marketing.
90. Compete-lhe a tomada de decisões estratégicas na condução do negócio.
91. Conhece a política de recursos humanos do EMPREGADOR, designadamente em matéria de fixação de salários e comissões.
92. E exerce poderes de autoridade sobre os demais trabalhadores.
93. A imputação ao TRABALHADOR dos factos que determinaram o seu despedimento fez cessar a confiança inerente à sua contratação.
94. A atribuição de prémio variável anual ao TRABALHADOR, bem como aos demais trabalhadores enquadrados no mesmo grupo funcional, depende do cumprimento de objetivos pré-definidos, designadamente relativos à holding do grupo societário (volume de negócios ... e cash flow da GG TURISMO, SGPS, S.A.), ao negócio de FITNESS e ao contributo individual para o sucesso coletivo.
95. Em 2012, nenhum objetivo referido nos artigos 25 e 26 foi atingido, motivo por que não se verificaram as condições de atribuição do prémio variável ao TRABALHADOR.
96. O EMPREGADOR, antes da aplicação da sanção disciplinar de despedimento, nunca havia aplicado ao TRABALHADOR quaisquer outras sanções disciplinares.
97. Anteriormente o aqui TRABALHADOR já tinha sido trabalhador do EMPREGADOR no período compreendido entre 2004 e 2009: 1. Em 2004, foi contratado pelo aqui EMPREGADOR para exercer o cargo de gerente do HEALTH CLUB de … (ainda em fase de abertura); 2. De seguida foi-lhe ainda atribuída a responsabilidade pela reestruturação técnica nacional da Ré; 3. De seguida, o EMPREGADOR atribui-lhe ainda a responsabilidade pela gestão do HEALTH CLUB do …, em acumulação com os cargos anteriores; 4. De seguida foi nomeado gestor da área norte, acumulando a gestão dos HEALTH CLUBS de …, … e Braga; 5. Posteriormente, o EMPREGADOR atribui-lhe ainda, em acumulação com o anterior, o cargo de responsável nacional do Projeto Day SPA.
98. O aqui TRABALHADOR saiu da BB em 2009 para abraçar outros projetos profissionais.
99. Quando o aqui EMPREGADOR convidou o aqui TRABALHADOR para ingressar nos seus quadros já conhecia o seu modo de trabalhar, quer pelo seu passado enquanto seu trabalhador no período compreendido entre 2004 e 2009, quer no período desde 03.10.2011 a 01.06.2012.
100. A BB, em face dos maus resultados do negócio até julho de 2012, decidiu proceder a uma reorganização empresarial e desse modo extinguir os postos de trabalho do Diretor Comercial e do Diretor de Negócios, respetivamente, II e o aqui TRABALHADOR.
101. No dia 01.08.2012, o aqui TRABALHADOR recebeu um e-mail da Direção de Recursos Humanos com uma proposta de acordo para rescisão do seu contrato de trabalho por alegada extinção do posto de trabalho.
102. O aqui TRABALHADOR e o II não aceitaram a proposta.
103. No dia 02.08.2012, o administrador da BB, HH afirmou ao aqui TRABALHADOR que a decisão de rescisão do contrato tinha como causa os resultados obtidos até essa altura.
104. No dia 02.08.2012 a BB enviou uma comunicação a toda a equipa do aqui TRABALHADOR, bem como aos restantes colaboradores e ainda aos da GG CAPITAL SGPS, SA, a informar que este deixaria de exercer funções com efeitos imediatos.
105. Desde essa altura e até 28.09.2012 – data em que o mesmo ficou suspenso no âmbito do processo disciplinar – o aqui TRABALHADOR ficou sem qualquer função na empresa, apenas cumprindo o horário.
106. A BB informou o aqui TRABALHADOR que iria cancelar a sua formação prevista para setembro.
107. O aqui TRABALHADOR ficou suspenso preventivamente sem perda de retribuição, tendo sido retirados o veículo automóvel, cartão frota, plafond de tlm, computador e placa de internet.
108. O EMPREGADOR atribuiu ao aqui TRABALHADOR o direito de beneficiar de 140 litros por mês de combustível para uso particular, mediante cartão frota.»
III
1 – Nas conclusões 1.ª a 4.ª das alegações apresentadas, insurge-se a recorrente contra a alteração levada a cabo pelo Tribunal da Relação da matéria de facto dada como provada pela 1.ª instância, no que se refere aos pontos n.ºs 41, 42, 54, 81 e 82 a 85.
Refere que os pontos em causa, nomeadamente, os segmentos que indica dos pontos 41 e 81 não têm natureza conclusiva nem comportam juízos de valor, pelo que não deveriam ter sido considerados como não escritos, tendo-se violado o disposto no artigo 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil.
Por outro lado, relativamente ao ponto n.º 82 da matéria de facto, a recorrente insurge-‑se contra o facto de o Tribunal da Relação censurar a «inclusão, na sentença, dos nomes de trabalhadores, que não constavam da decisão de despedimento», referindo que a alteração desse ponto «contraria a posição do próprio Recorrido que no seu recurso de apelação não a pôs em causa, além de não atender ao disposto no artigo 5.°, n.º 2, al, b) do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art, 1.º, n.º 2, al. a) do Código do Processo do Trabalho».
Os pontos em causa da matéria de facto tinham a seguinte redação:
«41. O TRABALHADOR gerava, assim, um clima de intimidação e medo sobre aqueles managers e, quando estes reclamavam ou discordavam das suas opiniões, a resposta que lhes dava era que se demitissem se não estavam satisfeitos.
42. O TRABALHADOR exaltava-se, gritava com os club managers, era agressivo no trato.
54. E realizar número elevado de chamadas telefónicas em reduzido período de tempo, sem que houvesse justificação aparente, pois o negócio em nada se alteraria se tais chamadas fossem realizadas no início da semana seguinte.
81. Mesmo com os seus pares, o TRABALHADOR, para expor as suas ideias, não hesitava em gritar, discutir e manter uma atitude desafiadora.
82. O ambiente de medo, humilhação e desmotivação gerado pelo TRABALHADOR sobre os seus subordinados fez com que alguns destes – como o CC, o DD e o EE – perdessem ânimo e vontade de trabalhar.
83. Se sentissem desrespeitados enquanto pessoas e profissionais.
84. Se desresponsabilizassem pelo rumo e resultados do negócio, dados que apenas eram válidas opiniões e decisões do TRABALHADOR.
85. Se escusassem a tomar decisões, com receio de represálias que o TRABALHADOR pudesse sobre os mesmos exercer.»
2 - Estes pontos da matéria de facto dada como provada pela 1.ª instância foram declarados «não escritos», pelo Tribunal recorrido invocando-se como fundamento do decidido o seguinte:
«Os pontos 40 e 41 contêm tão só matéria conclusiva pelo que terão de ser dados como não escritos. Com efeito, se as «provadas insinuações» são formas de pressão e ameaças é matéria que compete ao Tribunal concluir, em face do circunstancialismo provado, sendo certo que da conjugação de todos os depoimentos não alcançamos qualquer «temor» por parte dos trabalhadores que se encontravam hierarquicamente dependentes do aqui trabalhador.
O ponto 42 [O TRABALHADOR exaltava-se, gritava com os clube managers, era agressivo no trato] é matéria igualmente conclusiva por não conter o circunstancialismo em que tais situações ocorriam. Aliás, e no que respeita a tal matéria, foi abundante «as conclusões» a que chegaram as testemunhas, predominando as afirmações genéricas, o que, e salvo o devido respeito, não pode prevalecer em sede de matéria disciplinar. Por isso, tal matéria terá de ser declarada não escrita».
«Relativamente ao ponto 52 – “tal exigência do TRABALHADOR foi sentida pelos clube managers como uma represália e sanção” – e ao ponto 54 – “e realizar número elevado de chamadas telefónicas em reduzido período de tempo, sem que houvesse justificação aparente, pois o negócio em nada se alteraria se tais chamadas fossem realizadas no início da semana seguinte” – os mesmos constituem matéria conclusiva na medida em que apenas foi referido em audiência que existiam muitos cancelamentos, que havia necessidade de recuperar inscrições atentos os péssimos resultados obtidos naquela data, sendo que não foi minimamente explicado ser indiferente, para o caso, realizar a tarefa durante os dias úteis de trabalho [as testemunhas limitaram-se a dizer que a tarefa poderia ser realizada durante a semana de trabalho mas não explicaram como é que isso não trazia qualquer alteração ou inconveniência para o negócio, para além do facto de terem de trabalhar em dia de descanso]. Por isso, e ao abrigo do artigo 607º, n.ºs 4 e 5 do CPC, se declara não escritos os pontos 52 e 54 da matéria de facto, e altera-se o ponto 53 do seguinte modo: A exigência do TRABALHADOR implicou a prestação de trabalho durante o período de descanso semanal dos clube managers.»
«O Tribunal a quo deu como provado que: (…). Mesmo com os seus pares, o TRABALHADOR, para expor as suas ideias, não hesitava em gritar, discutir e manter uma atitude desafiadora. O ambiente de medo, humilhação e desmotivação gerado pelo TRABALHADOR sobre os seus subordinados fez com que alguns destes – como o CC, o DD e o EE – perdessem ânimo e vontade de trabalhar. Se sentissem desrespeitados enquanto pessoas e profissionais. Se desresponsabilizassem pelo rumo e resultados do negócio, dados que apenas eram válidas opiniões e decisões do TRABALHADOR. Se escusassem a tomar decisões, com receio de represálias que o TRABALHADOR pudesse sobre os mesmos exercer.
(…) Pelos motivos que já atrás indicamos, a matéria constante dos pontos 30, 31, 78, 79 e 81 é meramente conclusiva [aqui a deixámos transcrita: (…); Mesmo com os seus pares, o TRABALHADOR, para exercer as suas ideias, não hesitava em gritar, discutir e manter uma atitude desafiadora]. Com efeito, não podemos esquecer que o artigo 353º, nº 1, do CT/2009 obriga a empregadora a proceder, na nota de culpa, à descrição circunstanciada dos factos, ou seja, é dever da empregadora «pormenorizar» «particularizar» os factos, o que não é caso dos pontos 30,31, 78, 79 e 81 da matéria de facto, pois os mesmos traduzem em afirmações de ordem genérica que só ao Tribunal será lícito retirar dos «concretos factos alegados». Por isso, se declara tal matéria não escrita.
Restam os pontos 82 a 85, os quais correspondem ao alegado pela empregadora nos artigos 101 a 104 do seu articulado, com a seguinte particularidade: o Tribunal a quo intercalou, quanto ao ponto 82, a alusão aos trabalhadores CC, DD e EE – «como o CC, o DD e o EE» – matéria não alegada pela empregadora nem na nota de culpa nem na decisão final de despedimento. Por outras palavras: o que a empregadora «acusa» o aqui trabalhador, de forma genérica e abstrata, foi de algum modo concretizada pelo Tribunal a quo, fazendo referência aos ditos trabalhadores, o que não pode ser atendido atento o disposto no artigo 387º, nº3 do CT/2009.
E em face disso só podemos concluir que a matéria dos referidos artigos é igualmente conclusiva/genérica e como tal terá de ser dada como não escrita [reitera-se aqui a afirmação já anteriormente feita de que as testemunhas, para além dos concretos casos passados com elas – ou por elas presenciados – limitaram-se a considerações de ordem genérica, não podendo tal generalidade ser motivo de acolhimento na matéria de facto, com vista a fundamentar o despedimento – artigo 353º, nº 1, última parte do CT/2009 onde se fala em «descrição circunstanciada dos factos»].
As alterações introduzidas na matéria de facto em análise ocorrem no contexto da reapreciação da matéria de facto, no âmbito do recurso de apelação interposto pelo Autor, estando subjacente ao decidido, não apenas uma mera censura de natureza jurídica sobre a conformação dos concretos pontos que integram o acervo factual fixado, mas, mais do que isso, invocam-se como fundamento do decidido os meios de prova ponderados pelo Tribunal da Relação, nomeadamente, a prova testemunhal.
Para além disso, está subjacente ao decidido a ponderação do disposto nos artigos 353.º, n.º 1 e 387.º, n.º 3 do Código do Trabalho, a propósito do conteúdo da nota de culpa no procedimento disciplinar e da decisão de despedimento, nomeadamente, a exigência de «descrição circunstanciada dos factos imputados», dispositivos de que se extraíram corolários sobre a conformação da matéria de facto fixada.
3 - De acordo com o disposto no artigo 682.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, «aos factos materiais fixados pelo Tribunal recorrido, o Supremo aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado», sendo que «a decisão proferida pelo Tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, a não ser no caso excecional previsto no n.º 3 do art. 674.º».
Nos termos desta disposição, «o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de Lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova».
Deste modo, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa só pode ser objeto do recurso de revista quando haja ofensa de «disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova».
Acresce que, por força do disposto no n.º 3 do artigo 682.º do Código de Processo Civil, «o processo só volta ao Tribunal recorrido quando o Supremo entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de Direito, ou quando ocorram contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito».
A decisão do Tribunal da Relação quanto à matéria de facto não pode, assim, ser alterada pelo Supremo Tribunal de Justiça, salvo nas situações acima excecionadas, em caso de erro sobre regras de direito probatório material, ou quando seja insuficiente e deva ser ampliada «em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito».
À luz do exposto, a alteração da matéria de facto levada a cabo pelo Tribunal da Relação, na medida em que a mesma decorre dos poderes atribuídos àquele Tribunal pelos artigos 639.º e 640.º do Código de Processo Civil, fora das situações acima referidas, não pode ser objeto de censura por este Tribunal.
Já o mesmo não se passa na parte em que aquele tribunal invoca o disposto no artigo 607.º, n.º 4 e 5 do Código de Processo Civil.
Mau grado o Código de Processo Civil em vigor não contenha um dispositivo com o mesmo conteúdo do n.º 4 do artigo 646.º do anterior código que referia «têm-se por não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito (…)», entende-se que esse facto não priva o Tribunal da Relação e este Supremo Tribunal dos poderes de censura sobre a matéria de facto que eram consignados naquela norma.
Na verdade, conforme se considerou no acórdão desta Secção de 7 de maio de 2014, proferido na revista n.º 39/12.3T4AGD.C1.S1[4]: «11. A matéria de facto “não pode conter qualquer apreciação de direito, isto é, qualquer valoração segundo a interpretação ou a aplicação da lei ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica”[5], pelo que as questões de direito que constarem da seleção da matéria de facto devem considerar-se não escritas (embora o NCPC não contenha norma correspondente à ínsita no art. 646º, n.º 4, 1ª parte, do anterior CPC, chega-se à mesma conclusão interpretando a contrario sensu o atual art. 607.º, n.º 4, segundo o qual na fundamentação da sentença o juiz declara os “factos” que julga provados).»
(…)
12. Embora esteja vedado ao Supremo Tribunal de Justiça avaliar a bondade da decisão de facto propriamente dita, não lhe está vedado, todavia, por tal constituir matéria jurídica (cfr. arts. 662.º, n.º 4, 674.º, n.º 3, e 682.º, CPC), apreciar se determinada asserção – tida como “facto” provado - consubstancia na realidade uma questão de direito ou um juízo de natureza conclusiva/valorativa, caso em que, sendo objeto de disputa das partes, deverá ser julgada não escrita, nos termos sobreditos».
4 - Na análise das questões suscitadas continua a ter relevo a jurisprudência formulada na vigência do anterior Código de Processo Civil sobre o referido n.º 4 do artigo 646.º daquele Código e, nomeadamente, a delimitação entre factos, juízos de valor sobre factos, e valorações jurídicas de factos, que é essencial à ponderação da intervenção levada a cabo pelo Tribunal da Relação.
Conforme se considerou no acórdão desta Secção de 24 de novembro de 2011, proferido na revista n.º 740/07.3TTALM.L1.S2[6], «o n.º 4 do artigo 646.º do Código de Processo Civil, dispõe que “têm-se por não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”» e «atento a que só os factos podem ser objeto de prova, tem-se considerado que o n.º 4 do artigo 646.º citado estende o seu campo de aplicação às asserções de natureza conclusiva, “não porque tal preceito, expressamente, contemple a situação de sancionar como não escrito um facto conclusivo, mas, como tem sido sustentado pela jurisprudência, porque, analogicamente, aquela disposição é de aplicar a situações em que em causa esteja um facto conclusivo, as quais, em retas contas, se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objeto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum» — acórdão desde Supremo Tribunal, de 23 de setembro de 2009, Processo n.º 238/06.7TTBGR.S1, da 4.ª Secção, disponível in www.dgsi.pt.”».
Por thema decidendum deve entender-se o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado, em nome dos princípios que inspiravam a norma do referido n.º 4 do artigo 646.º do anterior Código de Processo Civil.
Mas nem todas as proposições de natureza conclusiva sobre a matéria de facto envolvem valorações de natureza jurídica a justificar a sua retirada da matéria de facto.
A distinção, por um lado, entre factos e juízos de valor sobre matéria de facto que terão necessariamente de ter factos concretos como fundamento, e matéria de direito, por outro, nem sempre é fácil.
Conforme refere ANTUNES VARELA, «os factos (a matéria de facto), no campo do direito processual, abrangem principalmente, embora não exclusivamente, as ocorrências concretas da vida real»[7].
Estas realidades concretas da vida fazem parte do objeto da prova a produzir, não esgotando o universo da factualidade que é suporte da valoração jurídica inerente ao processo decisório.
Na aceção de MANUEL DE ANDRADE, cabem no objeto da prova «tanto os factos (estados ou acontecimentos) que − direta ou indiretamente – sirvam de pressuposto às normas legais aplicáveis, como os chamados factos acessórios (…)», «tanto os factos do mundo exterior [factos externos (…)] como os da vida psíquica (factos internos)», «tanto os factos reais (segundo a respetiva afirmação da parte) como os chamados factos hipotéticos (…)», «tanto os factos nus e crus (se verdadeiramente os há) como os juízos de facto (…)»[8].
Muitas vezes o preenchimento das normas jurídicas envolve efetivamente a necessidade de formulação de juízos de valor que resultam da avaliação de elementos da matéria de facto que não se podem confundir com a valoração jurídica inerente às questões de direito.
Importa, pois, distinguir nesses juízos de natureza valorativa sobre os factos, os casos em que os mesmos se inserem na análise jurídica do caso, daqueles que a ela são alheios e que poderão subsistir no acervo factual base a considerar.
Neste último caso, conforme refere ANTUNES VARELA, ou seja, se «algum dos juízos de valor sobre os factos (ou seja, sobre a matéria de facto) for indevidamente incluído no questionário, a resposta do coletivo a esses quesitos não deve ser tida por não escrita, por aplicação do disposto no n.º 4 do artigo 646.º do Código de Processo Civil, visto não se tratar de verdadeiras questões de direito»[9].
Segundo aquele autor, estes juízos de valor sobre a matéria de facto situam-se «a meio da encosta entre os puros factos (que correm na planície terrena da vida) e as questões de direito (situadas nas cumeadas das normas jurídicas), constituem o alvo específico da prova pericial (por contraste com a prova testemunhal) e encontram-se profusamente espalhadas por toda a legislação como parte integrante do Tatbestand de numerosas disposições legais»[10].
Torna-se, pois, necessária uma avaliação da matéria de facto fixada sob esta perspetiva, não se podendo confundir juízos de valor sobre factos, que as instâncias podem levar a cabo, por presunção natural, desde que a matéria de facto lhes confira suporte bastante, e a valoração jurídica de factos, que, por integrar matéria de direito, deve efetivamente ser retirada da matéria de facto dada como provada.
Na verdade, conforme refere o autor acima citado, «há que distinguir nesses juízos de facto (juízos de valor sobre matéria de facto) entre aqueles cuja emissão ou formulação se há-de apoiar em simples critérios próprios do bom pai de família, do homo prudens, do homem comum e aqueles que, pelo contrário, na sua formulação apelam essencialmente para a sensibilidade ou intuição do jurista, para a formação especializada do julgador».
Neste cenário «os primeiros estão fundamentalmente ligados à matéria de facto e a última palavra acerca deles, por isso mesmo, deve caber à Relação. Os segundos estão mais presos ao sentido da norma aplicável ou aos critérios de valoração da lei e, por isso, o Supremo pode e deve, como tribunal de revista, controlar a sua aplicação»[11].
Feita esta delimitação haverá que concluir que só não podem ser considerados no plano da aplicação do direito os enunciados constantes da matéria de facto que, para sua cabal compreensão, exijam o recurso a critérios estritamente jurídico‑normativos, que deverão ser retirados da base factual da decisão a proferir.
5 - Analisados os pontos em causa da matéria de facto dada como provada pelo tribunal da 1.ª instância, não pode deixar de se concluir que os mesmos integram, em dimensão maior ou menor, proposições de natureza conclusiva, comportando verdadeiros juízos de valor sobre condutas imputadas ao Autor e sobre a forma de relacionamento deste com os seus subordinados, ou com os “seus pares”, bem como sobre as consequências que se fazem derivar dessas condutas, sem que da mesma matéria de facto constem os elementos que suportam esses juízos.
Podem excecionar-se desta apreciação os segmentos individualizados pela recorrente dos pontos n.ºs 41 e 81 e o ponto n.º 42 da mesma matéria de facto.
Relativamente a estes últimos pontos, nomeadamente, a referência feita no ponto n.º 41, a «quando os club managers reclamavam ou discordavam das suas opiniões a resposta que lhes dava era que se demitissem se não estavam satisfeitos», no ponto n.º 42, quando afirma que «o trabalhador exaltava-se, gritava com os club managers e era agressivo no trato» e no ponto n.º 81, quando se afirmava que «mesmo com os seus pares, o TRABALHADOR, para expor as suas ideias, não hesitava em gritar e discutir», pode afirmar-se têm uma dimensão objetiva que permite uma valoração da conduta do Autor.
Embora estes pontos se refiram a formas de agir do Autor e não a concretas atuações que se assumam como expressivas da violação dos deveres inerentes à relação de trabalho que o vinculam, a base objetiva que aqueles pontos da matéria de facto integram justifica a sua manutenção no âmbito do acervo factual a ponderar como base da decisão, sendo excessiva e injustificada a intervenção do Tribunal da Relação quando os declarou não escritos.
Relativamente aos restantes pontos da matéria de facto sob censura, não pode deixar de se considerar que integram afirmações de natureza valorativa a que falta objetividade bastante que viabilize o contraditório, uma vez que não constam da matéria de facto os elementos fácticos concretos que suportem as valorações que integram.
Contudo, tais juízos de valor sobre condutas do Autor e respetivas consequências não integram componentes de natureza jurídica cuja determinação de sentido exija o recurso a critérios estritamente jurídico-normativos que justifiquem, só por si, a sua retirada da matéria de facto dada como provada.
É o caso da 1.ª parte do ponto n.º 41, quando se afirma que o «trabalhador gerava um clima de intimidação e medo sobre aqueles club managers» e da última parte do ponto 81, quando se afirma «e manter uma atitude desafiadora», bem como dos pontos 82, 83, 84 e 85 que se inserem na forma de descrever e de valorar as condutas imputadas ao Autor e as respetivas consequências, tendo por base a intimidação dos seus subordinados e consequências que lhe são imputadas.
No que se refere ao ponto n.º 82, a recorrente insurge-se contra o decidido, referindo que a retirada dos nomes dos trabalhadores em causa «contraria a posição do próprio Recorrido que no seu recurso de apelação não a pôs em causa, além de não atender ao disposto no artigo 5.°, n.º 2, al, b) do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art, 1.º, n.º 2, al. a) do Código do Processo do Trabalho, pelo que deve ser mantido na matéria assente».
Recorde-se que na versão desse ponto da matéria de facto resultante da decisão da 1.ª instância se indicavam os nomes de quaisquer trabalhadores em relação aos quais teriam ocorrido as ameaças.
Com efeito, referia-se naquele ponto que «82. O ambiente de medo, humilhação e desmotivação gerado pelo TRABALHADOR sobre os seus subordinados fez com que alguns destes – como o CC, o DD e o EE – perdessem ânimo e vontade de trabalhar.»
No recurso de apelação que interpôs o Autor pretendia que os factos em causa fossem dados como não provados.
O Tribunal da Relação, conforme acima se referiu, criticou a decisão da 1.ª instância no sentido da especificação dos nomes dos trabalhadores visados, e referiu que se tratava de matéria «não alegada pela empregadora nem na nota de culpa nem na decisão final de despedimento» e uma vez que «a empregadora acusa» o aqui trabalhador, de forma genérica e abstrata, foi de algum modo concretizada pelo Tribunal a quo, fazendo referência aos ditos trabalhadores, o que não pode ser atendido atento o disposto no artigo 387.º, n.º 3 do CT/2009».
Na base deste raciocínio declarou-se também como não escrito esse ponto da matéria de facto, referindo a recorrente que a intervenção do Tribunal da Relação viola o disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Civil.
Como se referiu, o Tribunal da Relação não se limitou a retirar do ponto em causa os nomes dos trabalhadores que ali foram introduzidos pelo tribunal da 1.ª instância, mas declarou-o não escrito, integrando a ponderação deste número no contexto global do juízo que formulou em relação a este conjunto de factos.
Tomou como ponto de referência o disposto no artigo 387.º, n.º 3 do Código do Trabalho, do qual decorre que «na apreciação judicial do despedimento, o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador».
Na base do decidido está, por um lado, o facto de a especificação em causa não constar da decisão de despedimento comunicada pela empregadora ao trabalhador, o que impediria a utilização dessa especificação no âmbito do processo judicial, mas, para além disso, está igualmente em causa a natureza conclusiva do facto, do que decorreu que o mesmo tenha sido considerado não escrito.
Acresce que, não constando tal especificação da decisão de despedimento proferida pela empregadora, a mesma jamais poderia ser usada no contexto fundamentação do despedimento do Autor, em sede de processo judicial, por a tanto se opor a invocada norma do artigo 387.º, n.º 3 do Código do Trabalho, o que afasta a aplicabilidade nesta sede do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Civil.
Para além disso, na decisão do tribunal está também presente a ponderação da prova produzida na audiência, conforme se alcança, nomeadamente, na questão da intimidação dos subordinados, referindo-se ali que «da conjugação de todos os depoimentos não alcançámos qualquer «temor» por parte dos trabalhadores que se encontravam hierarquicamente dependentes do aqui trabalhador».
É essa intimidação que é assumida neste ponto da matéria de facto como causa da «perda do ânimo e vontade de trabalhar», referida no ponto n.º 82 e que se projeta igualmente sobre os pontos n.ºs 83, 84 e 85, estando ainda presente nos pontos n.º 41, 1.ª parte, onde se refere «o trabalhador gerava um clima de intimidação e medos sobre aqueles managers», e na última parte do ponto n.º 81, quando se refere a «manter uma atitude desafiadora».
Igualmente resultado da ponderação da prova feita pelo Tribunal da Relação é o decidido relativamente ao ponto n.º 54, onde, para além da afirmação da natureza conclusiva do facto, está presente a ponderação da prova levada a cabo pelo Tribunal da Relação.
A intervenção do Tribunal da Relação, no uso dos poderes que lhe são conferidos pelos artigos 639.º e 640.º do Código de Processo Civil, tendo por base a ponderação de prova testemunhal, escapa à sindicância deste Tribunal, o que já não aconteceria com uma intervenção de natureza formal sobre a matéria de facto, em ordem a expurgá-la de considerações de natureza jurídica, suportada hoje pelo artigo 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil.
Por terem como fundamento a ponderação da prova levada a cabo pelo Tribunal da Relação, para além da censura formal que justificou que fossem declarados não escritos, escapam à sindicância deste Tribunal as alterações aos segmentos da 1.ª parte do ponto 41, ao ponto 54, a última parte do ponto 81 e os pontos n.ºs 82 a 85, não se conhecendo dessa parte do recurso.
No restante, recuperam-se os segmentos acima destacados dos pontos n.ºs 41 e 81 da matéria de facto dada como provada, que ficam com a seguinte redação: «41. O TRABALHADOR quando estes [managers] reclamavam ou discordavam das suas opiniões, a resposta que lhes dava era que se demitissem se não estavam satisfeitos» e «81. Mesmo com os seus pares, o TRABALHADOR, para expor as suas ideias, não hesitava em gritar e discutir», bem como o ponto n.º 42, com a redação - «42. O trabalhador exaltava-se e gritava com os club managers, era agressivo no trato», no mais improcedendo as conclusões 1.ª a 4.ª da revista.
IV
1 - Nas conclusões 5.ª a 17.ª insurge-se a recorrente contra a decisão recorrida na parte \em que considerou que os factos imputados ao Autor não integravam justa causa de despedimento.
Refere que o tribunal não ponderou integral e corretamente os factos dados como provados, que esses factos integram violação dos direitos dos seus trabalhadores, subordinados do Autor, que os factos em causa são graves, atentas funções desempenhadas por aquele e as consequências que derivaram dos mesmo, nomeadamente, a desmotivação dos trabalhadores.
Entende, assim, que os factos em causa integram justa causa de despedimento, não lhe sendo exigível manter ao autor ao seu serviço.
Destaca que «não é exigível que o empregador mantenha ao serviço um trabalhador que se dirige aos seus subordinados em termos e linguagem impróprios, chegando ao ponto de os insultar, que provoca repetida e desnecessariamente conflitos com eles, que os intimida, que os desmotiva, que duvida do seu trabalho, que viola os direitos e garantias laborais dos seus subordinados, designadamente do gozo de férias e de períodos de descanso, assumindo tais atos especial gravidade, não só pelo cargo ocupado pelo Recorrido, mas igualmente por serem praticados na presença de vários trabalhadores da Recorrente» e que «não pode pactuar com situações como as descritas nos presentes autos, sob pena de criar um estado de insegurança e receio dos demais trabalhadores. Na verdade, se a Recorrente permitisse estes comportamentos (insultos, ameaças, humilhações e desrespeito pelos descanso dos trabalhadores) e não os sancionasse disciplinarmente, não estaria a proporcionar aos outros trabalhadores, nomeadamente aos Club Managers, boas condições de trabalho».
Realça ainda que «a violação reiterada dos direitos e garantias dos trabalhadores da empresa, a provocação de conflitos com outros trabalhadores da empresa e a prática, no âmbito da empresa, de injúrias ou outras ofensas punidas por lei sobre trabalhador da empresa constituem justa causa de despedimento (artigo 351.º n.º 1 e 2, alíneas b), c) e i) do Código do Trabalho)» e que «o exercício das funções de Diretor de Operações, responsável máximo do negócio de fitness da Recorrente, requer confiança absoluta do empregador no trabalhador» e que «esta confiança foi abalada de forma irremediável pelos comportamentos do Recorrido».
2 - A decisão recorrida considerou que os factos dados como provados não integravam justa causa de despedimento com base na seguinte fundamentação.
«Vejamos, seguidamente, se os comportamentos indicados nos pontos 17, 18, 43 a 47, 49, 50, 51, 53, 55 a 57, 64 a 69 e 72 traduzem violação dos deveres impostos ao aqui trabalhador.
Relativamente ao episódio passado com EE, podemos afirmar que o aqui trabalhador violou o dever de respeito, urbanidade e probidade consignado no artigo 128º, nº1, al. a) do CT/2009 e atentou contra a integridade moral daquele EE – artigo 15º do CT/2009.
Relativamente à tarefa atribuída pelo aqui trabalhador a todos os clube managers, não se alcança qual o dever que o mesmo violou. Com efeito, à data, a situação não era a melhor, com muitos cancelamentos, tendo o apelante entendido que a «captação» de clientes deveria ser feita durante o fim de semana. Ora, e perante esse mesmo circunstancialismo, a única coisa que ocorreu foi a de que os clube managers tiveram de prestar trabalho suplementar, o qual deverá ser remunerado pela aqui empregadora. Mas mais do que isto não parece existir e muito menos uma qualquer violação dos deveres laborais por parte do apelante.
Quanto ao ocorrido com CC [Em data não apurada, mas no primeiro semestre de 2012, o TRABALHADOR telefonou às 8H para CC e ordenou-lhe que fosse imediatamente para o clube e lhe enviasse um determinado ficheiro. A hora de entrada ao serviço de CC é às 10H] e com DD [Igualmente em data não apurada, mas no primeiro semestre de 2012, DD recebeu, às 7H, uma chamada telefónica do TRABALHADOR, o qual o informou estar no clube do ..., ir fazer uma caminhada e querer saber se havia phones disponíveis para utilizar. O TRABALHADOR bem sabia que, no dia anterior, DD havia estado a trabalhar no clube até às 22H, pelo que este se sentiu desrespeitado, ao ser incomodado no seu descanso sobre um assunto sem relevância. Em data não apurada, mas em dezembro de 2011, DD tinha férias marcadas e já aprovadas, tendo porém, solicitado alteração das mesmas, para que tivessem início dois dias antes, alteração que não veio a ser validada. No dia anterior a ir de férias, DD contactou o TRABALHADOR para relembrar que iria de férias e disponibilizar-se para ser contactado telefonicamente. Sendo que o TRABALHADOR afirmou não estar aprovado o pedido de alteração de férias] igualmente não se alcança qualquer violação por parte do aqui trabalhador, para além de alguma «pressão» decorrente dos maus resultados que o negócio estava a ter à data.
(…)
Deste modo, e em conclusão, cumpre então analisar, se a conduta do apelante, circunscrita aos factos 17,18, 43 a 47, são aptos a preencher a justa causa de despedimento – artigo 351.º, n.º1 e n.º2, al. i) do CT/2009.
A descrita conduta não conduz, por si só, à inexigibilidade da manutenção da relação laboral, na medida em que a continuidade do contrato de trabalho não representa, em termos objetivos, uma “insuportável e injusta imposição ao empregador” [Monteiro Fernandes, obra citada, página 561]. Na verdade, não é de todo indiferente a este Tribunal o facto de após as «tentativas» de fazer cessar o contrato de trabalho do aqui apelante por mútuo acordo, o mesmo tenha cessado funções em 2.08.2012, por ordem da empregadora, ficando desocupado, apenas cumprindo horário, o que aconteceu até ao momento em que lhe é instaurado procedimento disciplinar com suspensão preventiva – factos 101 a 105 da factualidade provada. Ou seja, não obstante a descrita e provada conduta do aqui trabalhador, afigura-se-nos que o seu «despedimento com justa causa» tem mais a ver com os «maus» resultados do negócio que o aqui trabalhador geria e comandava do que propriamente com as atitudes que tomava com os seus subordinados.
Por isso, e apesar de a conduta do aqui trabalhador ser censurável a mesma não justifica a aplicação da sanção máxima: o despedimento.»
3 - A relação de trabalho no contexto da qual ocorreram os factos eventualmente integradores de justa causa de despedimento iniciou-se em 3 de outubro de 2011, já na vigência do Código do Trabalho de 2009, diploma à luz do qual aqueles factos deverão ser ponderados.
Nos termos do n.º 1 do artigo 351.º daquele Código, constitui justa causa de despedimento «o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho», especificando o número 2 daquele artigo, de forma exemplificativa, várias situações que poderão preencher aquele conceito.
Deste modo, são elementos do conceito de justa causa de despedimento: a) a existência de uma conduta do trabalhador que evidencie uma violação culposa dos seus deveres contratuais; b) que essa conduta seja objetivamente grave em si mesma e nas suas consequências; c) e que por força dessa gravidade seja imediata e praticamente impossível a manutenção da relação laboral.
Na síntese de M. do ROSÁRIO PALMA RAMALHO, o conceito de justa causa exige a verificação cumulativa de «um comportamento ilícito, grave em si mesmo ou pelas suas consequências, e culposo do trabalhador (é o elemento subjetivo da justa causa); a impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral (é o elemento objetivo da justa causa); a verificação de um nexo de causalidade entre os dois elementos anteriores, no sentido em que a impossibilidade de subsistência do contrato tem de decorrer, efetivamente, do comportamento do trabalhador»[12].
Os factos integrativos do conceito de justa causa hão de materializar um incumprimento culposo dos deveres contratuais por parte do trabalhador, numa dimensão suscetível de ser considerada como grave, quer a gravidade se concretize nos factos em si mesmos, quer ocorra nas suas consequências.
Para além disso, exige-se que essa dimensão global de gravidade torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, a que a Doutrina vem chamando elemento objetivo da justa causa.
A subsistência do contrato é aferida no contexto de um juízo de prognose em que se projeta o reflexo da infração e do complexo de interesses por ela afetados na manutenção da relação de trabalho, em ordem a ajuizar da tolerabilidade da manutenção da mesma.
Por isso mesmo, por força do disposto no n.º 3 do mesmo artigo, «na apreciação da justa causa, deve atender-se ao quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao caráter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes».
A ponderação integral deste conjunto de circunstâncias permite projetar os factos imputados ao trabalhador no contexto da relação de trabalho e ponderar a partir daí o reflexo dos mesmos na estabilidade daquela relação, como base do juízo de tolerabilidade da sua manutenção.
A impossibilidade de manutenção da relação laboral deve ser apreciada no quadro da inexigibilidade com a ponderação de todos os interesses em presença, existindo sempre que a subsistência do contrato represente uma insuportável e injusta imposição ao empregador.
Segundo MONTEIRO FERNANDES, «o que significa a referência legal à “impossibilidade prática” da subsistência da relação de trabalho – é que a continuidade da vinculação representaria (objetivamente) uma insuportável e injusta imposição ao empregador» e que «[n]as circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações (pessoais e patrimoniais) que ele supõe seria de molde a ferir de modo desmesurado e violento a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição do empregador»[13].
M. do ROSÁRIO RAMALHO, debruçando-se sobre a construção jurisprudencial deste elemento da justa causa, afirma que «o requisito da impossibilidade de subsistência do vínculo laboral deve ser reconduzido à ideia de inexigibilidade, para a outra parte, da manutenção do contrato, e não apreciado como impossibilidade objetiva»; «a impossibilidade de subsistência do contrato de trabalho tem que ser impossibilidade prática, no sentido em que deve relacionar-se com o vínculo laboral em concreto» e «a impossibilidade de subsistência do contrato tem que ser imediata»[14].
Sobre o conceito de justa causa referiu-se no acórdão desta Secção de 2 de dezembro de 2013, proferido na revista n.º 1445/08.3TTPRT.P2.S1[15], o seguinte:
«O despedimento‑sanção, correspondendo à ultima ratio das penas disciplinares, reserva-se aos comportamentos culposos e graves do trabalhador subordinado, violadores de deveres estruturantes da relação, que reclamem um forte juízo de censura, maxime quando a relação de confiança em que assenta o vínculo seja fatalmente atingida, tornando inexigível ao empregador a manutenção do contrato.
A impossibilidade prática da subsistência da relação juslaboral é um conceito normativo-objetivo (.), impossibilidade perspetivada enquanto inexigibilidade da sua constância, que se preenche com um comportamento que atinge, de modo irreparável, o suporte psicológico da relação, a confiança, o dever de lealdade, na sua faceta subjetiva, criando, irreversivelmente, a dúvida, no espírito do empregador, sobre a idoneidade da conduta futura do trabalhador arguido.
Na respetiva apreciação, para além das circunstâncias que se mostrem particularmente relevantes no caso concreto, ponderam-se, com objetividade e razoabilidade, os fatores a que alude o n.º 2 do art. 396.º, aferindo-se a final a gravidade do comportamento em função do grau de culpa e da ilicitude, como é regra do direito sancionatório, nela incluído necessariamente o princípio da proporcionalidade, convocado aquando da seleção da sanção disciplinar tida por adequada – art. 367.º.
O despedimento-sanção é, em suma, a solução postulada sempre que, na análise diferencial concreta dos interesses em presença, se conclua – num juízo de probabilidade/prognose sobre a viabilidade do vínculo, basicamente dirigido ao suporte psicológico e fiduciário que a interação relacional pressupõe – que a permanência do contrato constitui objetivamente uma insuportável e injusta imposição ao empregador, ferindo, desmesurada e violentamente, a sensibilidade e liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição do real empregador.»
Importa, contudo, ter presente, conforme refere MONTEIRO FERNANDES, que «“a confiança” não pode ser senão um modo de formular o “suporte psicológico» de que a relação de trabalho, enquanto relação duradoura, necessita para subsistir. Ao fazer apelo às ideias de confiança, a jurisprudência reflete a perceção desse elemento mas deriva, não raro, para a deformação consistente em se atribuir relevância absoluta e indiscriminada à “confiança pessoal” do empregador no trabalhador»[16].
3.1- Na alínea a) do n.º 1 do artigo 128.º do Código de Trabalho de 2009 consagra-se o dever de respeito e urbanidade, referindo-se que o trabalhador deve «respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade»
O dever de respeito, que não se confunde com o dever de urbanidade, tem uma dimensão múltipla direcionada para os superiores hierárquicos, para os colegas de trabalho e até para terceiros que entrem em relação com a empresa.
Na dimensão direcionada aos companheiros de trabalho, este dever atinge vários níveis de concretização, nomeadamente, quando se perspetiva uma relação de natureza hierárquica entre os trabalhadores envolvidos e não se confunde com o dever de obediência.
Na verdade, a obrigação de acatamento de ordens tem autonomia face à obrigação de respeito que impende sobre quem, igualmente na qualidade de subordinado, dirige outros colegas de trabalho.
A concretização deste dever depende, assim, da multiplicidade de fatores que caracterizam a situação do trabalhador no contexto da relação de trabalho e, como MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO, «deve ter em conta o contexto específico de cada vínculo laboral»[17].
4 – Nas conclusões 5.ª e 6.ª das alegações apresentadas, insurge-se a recorrente contra a decisão recorrida na parte em que para a ponderação da existência de justa causa desconsiderou os factos descritos nos pontos 33, 34, 35, 38, 39, 60, 61, 75 e 77 da matéria de facto com fundamento em os mesmos não estarem “circunstanciados-‑concretizados no tempo", entendendo que se verificou uma errada interpretação do artigo 353.°, n.º 1, do Código do Trabalho.
Está em causa o seguinte segmento da decisão recorrida:
«Não relevam, para apreciação da existência de justa causa, os factos seguintes:
1. Os episódios ocorridos com CC, por não circunstanciados/concretizados no tempo – factos 33, 34, 35, 60, 61, 75 e 77 [Numa reunião realizada através de acesso remoto com os diversos clube managers, após análise dos resultados dos vários clubes, o TRABALHADOR insinuou a CC, clube manager de Vila Nova de Gaia, que apresentasse a demissão, referindo-lhe “está na altura de enviares uma carta com outro conteúdo aos Recursos Humanos”. CC sentiu-se ofendido e humilhado à frente de todos os colegas. Tendo recebido, no final da reunião, algumas chamadas telefónicas de apoio dos colegas, igualmente incomodados e incrédulos com o sucedido. Após esta ação, numa reunião através de acesso remoto mantida com os diversos clube managers, o TRABALHADOR insinuou que CC não tinha realizado as referidas chamadas telefónicas, uma vez que, relativamente ao seu clube, apenas se tinham reinscrito dois ou três clientes. No final da reunião, CC telefonou ao TRABALHADOR manifestando o seu desagrado pela insinuação, referindo-lhe não admitir desconfiança, dado ser trabalhador da Empresa há mais de 18 anos, sem que os seus superiores hierárquicos alguma vez tivessem duvidado do seu trabalho. Em data não apurada, mas em 2012, o TRABALHADOR, na sexta-feira anterior ao início das férias de CC, comunicou-lhe que teria que estar presente numa formação a ocorrer no primeiro dia de férias daquele CC. CC assistiu a essa formação].
2. O episódio ocorrido com DD, por não circunstanciado/concretizado no tempo – factos 38 e 39 [Também a DD, clube manager do clube do …, foi sugestionado pelo TRABALHADOR que apresentasse a demissão caso não se sentisse capaz de atingir os objetivos propostos. O que foi rejeitado por aquele].
3. A questão do registo de horas, por não circunstanciado/concretizado no tempo – facto 63 [O TRABALHADOR contactou os diversos clube managers, a fim de que não fossem registadas manualmente naquela plataforma as horas de trabalho diárias]».
Refere a recorrente que, «embora alguns deles não estejam circunstanciados, o Recorrido mostrou conhecê-los e pronunciou-se sobre os mesmos, pelo que pôde exercer o seu direito de defesa», «sendo que a omissão do momento (exato) da prática dos mesmos não releva, não só pela circunstância referida na conclusão anterior, como pelo facto de não ter prescrito o direito exercer o poder disciplinar, porquanto o Recorrido não tinha um ano de antiguidade no momento em que foi notificado da nota de culpa».
Mau grado não se encontrem completamente demonstradas as circunstâncias de tempo que rodearam a prática dos factos, daí não decorre que os mesmos não devam ser ponderados no contexto da factualidade imputada ao Autor, no sentido de saber se a mesma integra ou não justa causa de despedimento.
Na verdade, os factos em causa ocorreram no contexto da relação de trabalho existente entre as partes, cujos momento inicial e final estão concretamente definidos, não estando em causa a prescrição do procedimento disciplinar, ou qualquer outra circunstância extintiva da responsabilidade disciplinar que exija a individualização das circunstâncias de tempo que rodearam a sua prática.
Impõe-se, pois, que os mesmos sejam ponderados.
5 - No contexto da matéria de facto dada como provada, relevam particularmente para aferir da existência de justa causa de despedimento os seguintes factos:
«19. Em meados de 2011, foi implementado nos clubes um sistema de controlo eletrónico de assiduidade e pontualidade, sendo que, em caso de esquecimento no registo de saída com o cartão, os trabalhadores procedem ao registo manual da mesma na plataforma eletrónica.
33. Numa reunião realizada através de acesso remoto com os diversos clube managers, após análise dos resultados dos vários clubes, o TRABALHADOR insinuou a CC, clube manager de …, que apresentasse a demissão, referindo-lhe “está na altura de enviares uma carta com outro conteúdo aos Recursos Humanos”.
34. CC sentiu-se ofendido e humilhado à frente de todos os colegas.
35. Tendo recebido, no final da reunião, algumas chamadas telefónicas de apoio dos colegas, igualmente incomodados e incrédulos com o sucedido.
38. Também a DD, clube manager do clube do ..., foi sugestionado pelo TRABALHADOR que apresentasse a demissão caso não se sentisse capaz de atingir os objetivos propostos.
39. O que foi rejeitado por aquele.
42. O TRABALHADOR exaltava-se, gritava com os club managers, era agressivo no trato
43. Em 10.04.2012, numa reunião mantida com os diversos clube managers, o TRABALHADOR questionou EE, clube manager do clube do ..., sobre os red alerts.
44. Tendo o mesmo respondido que uma rececionista do clube estava a tratar do assunto.
45. Em resposta e sem que nada o justificasse, o TRABALHADOR, perante os demais colegas presentes na reunião, respondeu-lhe “puta que te pariu”.
46. Tendo utilizado, uma segunda vez, tal expressão.
47. A situação gerou constrangimento entre os presentes, sobretudo tendo tido origem em quem exercia funções de direção.
49. Na reunião de abril de 2012, e após análise dos resultados de retenção de clientela, o TRABALHADOR exigiu a todos os clube managers que telefonassem durante o fim de semana a todos os sócios que haviam cancelado a inscrição nesse mês.
50. Exigindo a elaboração do respetivo relatório até domingo.
51. O número de chamadas telefónicas a realizar, consoante os clubes, variava entre 100 e 300.
53. A exigência do TRABALHADOR implicou a prestação de trabalho durante o período de descanso semanal dos club managers.
55. Muitos dos clube managers, apesar de discordarem da medida, obedeceram.
56. Um dos clube managers, DD, no final da reunião, contactou o TRABALHADOR, solicitando-lhe autorização para efetuar as chamadas telefónicas, cerca de 300, na segunda-feira seguinte, uma vez que tinha agendado passar esse fim de semana fora com a família.
57. O TRABALHADOR mostrou-se, como de costume, inflexível, limitando-se a responder que DD fizesse o que entendesse, mas que os resultados ter-lhe-iam de ser entregues até domingo.
60. Após esta ação, numa reunião através de acesso remoto mantida com os diversos clube managers, o TRABALHADOR insinuou que CC não tinha realizado as referidas chamadas telefónicas, uma vez que, relativamente ao seu clube, apenas se tinham reinscrito dois ou três clientes.
61. No final da reunião, CC telefonou ao TRABALHADOR manifestando o seu desagrado pela insinuação, referindo-lhe não admitir desconfiança, dado ser trabalhador da Empresa há mais de 18 anos, sem que os seus superiores hierárquicos alguma vez tivessem duvidado do seu trabalho.
63. O TRABALHADOR contactou os diversos clube managers, a fim de que não fossem registadas manualmente naquela plataforma as horas de trabalho diárias.
64. Em data não apurada, mas no primeiro semestre de 2012, o TRABALHADOR telefonou às 8H para CC e ordenou-lhe que fosse imediatamente para o clube e lhe enviasse um determinado ficheiro.
65. A hora de entrada ao serviço de CC é às 10H.
66. Igualmente em data não apurada, mas no primeiro semestre de 2012, DD recebeu, às 7H, uma chamada telefónica do TRABALHADOR, o qual o informou estar no clube do ..., ir fazer uma caminhada e querer saber se havia phones disponíveis para utilizar.
67. O TRABALHADOR bem sabia que, no dia anterior, DD havia estado a trabalhar no clube até às 22H, pelo que este se sentiu desrespeitado, ao ser incomodado no seu descanso sobre um assunto sem relevância.
68. Em data não apurada, mas em dezembro de 2011, DD tinha férias marcadas e já aprovadas, tendo porém, solicitado alteração das mesmas, para que tivessem início dois dias antes, alteração que não veio a ser validada.
69. No dia anterior a ir de férias, DD contactou o TRABALHADOR para relembrar que iria de férias e disponibilizar-se para ser contactado telefonicamente.
72. Sendo que o TRABALHADOR afirmou não estar aprovado o pedido de alteração de férias.
75. Em data não apurada, mas em 2012, o TRABALHADOR, na sexta-feira anterior ao início das férias de CC, comunicou-lhe que teria que estar presente numa formação a ocorrer no primeiro dia de férias daquele CC.
77. CC assistiu a essa formação.»
Para um correto enquadramento destes factos e da ponderação do seu relevo para saber se integram justa causa de despedimento, relevam ainda os seguintes factos:
«4. O TRABALHADOR tinha a categoria profissional de Diretor, tendo sido contratado para o desempenho da função de Responsável do Negócio de FITNESS.
5. Nessa qualidade, competia ao TRABALHADOR, essencialmente, dirigir, planear e coordenar as atividades operacionais e comerciais do negócio de FITNESS, nas suas diversas vertentes, de acordo com as orientações estratégicas e políticas estabelecidas no plano de ações e recursos, tendo em vista atingir os objetivos estabelecidos, bem como otimizar o desenvolvimento desse negócio.
96. O EMPREGADOR, antes da aplicação da sanção disciplinar de despedimento, nunca havia aplicado ao TRABALHADOR quaisquer outras sanções disciplinares.
97. Anteriormente o aqui TRABALHADOR já tinha sido trabalhador do EMPREGADOR no período compreendido entre 2004 e 2009: 1. Em 2004, foi contratado pelo aqui EMPREGADOR para exercer o cargo de gerente do HEALTH CLUB de Viana do Castelo (ainda em fase de abertura); 2. De seguida foi-‑lhe ainda atribuída a responsabilidade pela reestruturação técnica nacional da Ré; 3. De seguida, o EMPREGADOR atribui-lhe ainda a responsabilidade pela gestão do HEALTH CLUB do …, em acumulação com os cargos anteriores; 4. De seguida foi nomeado gestor da área norte, acumulando a gestão dos HEALTH CLUBS de …, … e Braga; 5. Posteriormente, o EMPREGADOR atribui-lhe ainda, em acumulação com o anterior, o cargo de responsável nacional do Projeto …..
98. O aqui TRABALHADOR saiu da BB em 2009 para abraçar outros projetos profissionais.
99. Quando o aqui EMPREGADOR convidou o aqui TRABALHADOR para ingressar nos seus quadros já conhecia o seu modo de trabalhar, quer pelo seu passado enquanto seu trabalhador no período compreendido entre 2004 e 2009, quer no período desde 03.10.2011 a 01.06.2012.
100. A BB, em face dos maus resultados do negócio até julho de 2012, decidiu proceder a uma reorganização empresarial e desse modo extinguir os postos de trabalho do Diretor Comercial e do Diretor de Negócios, respetivamente, II e o aqui TRABALHADOR.
101. No dia 01.08.2012, o aqui TRABALHADOR recebeu um e-mail da Direção de Recursos Humanos com uma proposta de acordo para rescisão do seu contrato de trabalho por alegada extinção do posto de trabalho.
102. O aqui TRABALHADOR e o II não aceitaram a proposta.
103. No dia 02.08.2012, o administrador da BB, HH afirmou ao aqui TRABALHADOR que a decisão de rescisão do contrato tinha como causa os resultados obtidos até essa altura.»
6 - Ponderando globalmente os factos acima descritos, constata-se que os comportamentos imputados pela Ré ao Autor ocorrem no contexto da relação do Autor com os club managers e outro pessoal ao serviço desses clubes, materializando um menor respeito pelos direitos desses trabalhadores, nomeadamente, na concretização dos tempos de trabalho e do direito ao descanso, e, em alguns casos, desrespeito mesmo pelas pessoas desses trabalhadores, nomeadamente, nos factos descritos nos factos 45 e 46.
Decorre desses factos a imposição aos subordinados de exigências em termos de produtividade e de realização de objetivos que colidem com aqueles direitos, sendo certo que nada resulta da matéria de facto relativamente à compensação dessas exigências feitas aos trabalhadores, nomeadamente, em termos de pagamento de trabalho suplementar e de concessão de períodos de descanso.
Revelam ainda alguns desses factos uma forma do exercício da função, nomeadamente, os factos 56 e 57, não dialogante com os subordinados, senão mesmo autoritária.
A forma de exercício da função por parte do Autor é relevante no contexto da sua relação com a Ré e das motivações que podem ter estado subjacentes à sua contratação.
Na verdade, decorre da matéria de facto dada como provada que o Autor desempenhou funções para a Ré entre 2004 e 2009 e que a Ré quando o convidou para ingressar nos seus quadros «já conhecia o seu modo de trabalhar, quer pelo seu passado (…) quer no período que decorreu entre 03.10.2001 a 01.06.2012».
A verdade é que conhecendo a forma de trabalhar do Autor, a Ré o contratou, sendo certo que não lhe aplicou anteriormente qualquer sanção disciplinar.
Ponderando estes factos à luz do acima dito sobre justa causa de despedimento, nos termos do artigo 351.º do Código do Trabalho, pode concluir-se que, embora violadores de direitos dos trabalhadores ao serviço da Ré e, consequentemente ilícitos, a ilicitude e a culpa que esses factos exprimem, não revestem um nível de gravidade que permita considerá-los como justa causa de despedimento do Autor.
Com efeito, o desrespeito pelos tempos de descanso dos demais trabalhadores, levado a cabo pelo Autor, entenda-se ao serviço da Ré, deveria ter satisfação na compensação das exigências feitas àqueles e surge na busca de resultados, nomeadamente, em termos de produtividade que iriam beneficiar a Ré.
Não pode, deste modo, afirmar-se que os factos que são imputados pela Ré ao Autor tenham tornado insustentável a manutenção da relação de trabalho entre ambos, embora não se possam olvidar as preocupações da Ré com o respeito pelas suas hierarquias intermédias dos direitos dos trabalhadores ao seu serviço.
Por outro lado, o despedimento do Autor surge no contexto de reorganização empresarial da Ré que, conforme resulta da matéria de facto dada como provada, decidiu extinguir os postos de trabalho de Diretor Comercial e de Diretor de Negócios, respetivamente ocupados por um outro trabalhador e pelo aqui Autor, em circunstâncias que este não terá aceite por razões que estão fora do objeto do presente processo.
Assim, os factos dados como provados, como bem se ajuizou na decisão recorrida, não podem ser considerados justa causa de despedimento do Autor.
Improcedem deste modo as conclusões 5.ª a 17.º das alegações da recorrente.
V
1 – Nas conclusões 18.ª a 24.º das alegações apresentadas veio a recorrente insurgir-se contra o segmento da decisão recorrida em que se considerou que não havia fundamento para afastar a reintegração do Autor.
Entende que estão verificados os pressupostos estabelecidos no artigo 392.º do Código do Trabalho para fundamentar a exclusão da reintegração, nomeadamente, a existência de factos e circunstâncias que tornem o regresso do trabalhador gravemente prejudicial e perturbador do funcionamento da empresa.
Destaca assim que «estão verificados todos os pressupostos de que a lei (art. 392.°, n.º 1 do Código do Trabalho) faz depender o direito de o empregador se opor à oposição do trabalhador: a) tratar-se de trabalhador que ocupa cargo de direção - o Recorrido era o Responsável do Negócio do Fitness, reportando diretamente à Administração, tendo como função dirigir, planear, coordenar as atividades do negócio de fitness, gerindo os clubes da cadeia BB e tendo a seu cargo a coordenação dos club managers e demais pessoal dos clubes da cadeia BB (factos assentes 4, 5, 7 a 11, 90 e 92); b) a reintegração do Recorrido seria gravemente prejudicial e perturbador do funcionamento da empresa/Recorrente, pela forma como o Recorrido se relacionava publicamente (ie com o conhecimento dos demais club managers) com alguns club managers - conflituosa, geradora de conflitos, malcriada, agressiva - pelo que a sua reintegração causaria uma grave perturbação e seria prejudicial ao funcionamento da Recorrente; c) por seu turno, o despedimento do Recorrido não tem por fundamento qualquer ato persecutório, nomeadamente relacionado com a discriminação em função de motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, porquanto se baseou em factos graves imputados ao trabalhador, nunca tendo sido alegada pelo Recorrido nenhuma discriminação em função destes motivos; d) finalmente, o empregador não criou culposamente o fundamento justificativo da oposição à reintegração, antes esta baseia-se em factos graves efetivamente praticados pelo trabalhador Recorrido e que foram dados como assentes pelo tribunal a quo».
Realça que «o caráter gravemente prejudicial e perturbador do funcionamento da Recorrente é evidente atendendo desde logo ao exposto nas conclusões 8.ª a 12.ª, devendo ainda atender-se para este efeito a toda a matéria assente, sendo ainda relevante o facto de o posto de trabalho ocupado pelo Recorrente ter sido extinto, pelo que haveria ainda uma impossibilidade objetiva de incumprimento desta obrigação ou obrigaria à criação de novo posto, não por uma decisão de gestão, mas por determinação do tribunal».
2 - O Tribunal da Relação na decisão recorrida considerou que não havia fundamento para afastar a reintegração do Autor e condenou a Ré a reintegrá-lo no seu posto de trabalho.
O decidido fundamentou-se no seguinte:
«A aqui empregadora veio no seu articulado opor-se à reintegração do aqui trabalhador alegando que o mesmo ocupa cargo de direção, sendo responsável pelo negócio de FITNESS sendo certo que a imputação dos factos que determinaram o seu despedimento fez cessar a confiança inerente à sua contratação. Vejamos então se o requerido pela empregadora procede.
Nos termos do artigo 392.º, n.º 1 do CT/2009 “Em caso de microempresa ou de trabalhador que ocupe cargo de administração ou de direção, o empregador pode requerer ao tribunal que exclua a reintegração, com fundamento em factos e circunstâncias que tornem o regresso do trabalhador gravemente prejudicial e perturbador do funcionamento da empresa”.
Neste particular provou-se a seguinte matéria: O cargo ocupado pelo trabalhador pressupõe confiança absoluta na pessoa que o ocupa. Na qualidade de Responsável do Negócio de FITNESS, o TRABALHADOR celebra contratos em representação do EMPREGADOR. Mantém relações privilegiadas com clientes e fornecedores. Toma conhecimento de informação sensível respeitante à atividade do EMPREGADOR e seus resultados, formação de preços e orientações comerciais e de marketing. Compete-lhe a tomada de decisões estratégicas na condução do negócio. Conhece a política de recursos humanos do EMPREGADOR, designadamente em matéria de fixação de salários e comissões. E exerce poderes de autoridade sobre os demais trabalhadores. A imputação ao TRABALHADOR dos factos que determinaram o seu despedimento fez cessar a confiança inerente à sua contratação.
Salvo o devido respeito, os factos acabados de descrever são manifestamente insuficientes para se poder concluir que o regresso do aqui apelante torna «gravemente prejudicial e perturbador o funcionamento da empresa», até porque os factos imputados ao apelante, e acolhidos no presente acórdão, são bem escassos para se concluir pela perturbação do funcionamento da empresa se for ordenado a reintegração do aqui trabalhador.
Por isso, improcede o pedido de oposição formulado pela empregadora, assistindo ao trabalhador o direito a ser reintegrado – artigo 389º, nº1, al. b) do CT/2009.»
Em síntese, considerou-se que os factos dados como provados não permitem afirmar que a reintegração do Autor seja gravemente prejudicial e perturbadora do funcionamento da Ré.
Tal como resulta das conclusões acima transcritas, a recorrente entende que esse pressuposto decorre da forma «como o Recorrido se relacionava publicamente (i.e. com o conhecimento dos demais club managers) com alguns club managers - conflituosa, geradora de conflitos, malcriada, agressiva - pelo que a sua reintegração causaria uma grave perturbação e seria prejudicial ao funcionamento da Recorrente», sendo «ainda relevante o facto de o posto de trabalho ocupado pelo Recorrente ter sido extinto, pelo que haveria ainda uma impossibilidade objetiva de incumprimento desta obrigação ou obrigaria à criação de novo posto, não por uma decisão de gestão, mas por determinação do tribunal».
3 - Torna-se, pois, necessário avaliar a matéria de facto dada como provada no sentido de saber se a Ré provou factos que permitam afirmar que a reintegração do Autor é gravemente prejudicial e perturbadora para o funcionamento da empresa, preenchendo o pressuposto da oposição à reintegração previsto no n.º 1 do artigo 392.º do Código do Trabalho.
Debruçando-se sobre esse segmento daquela norma, refere MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO que «já no caso de despedimento de trabalhadores com cargos de direção ou administração, o fundamento da oposição do empregador à reintegração pode ser um de dois: no caso de se tratar de despedimento disciplinar, pode invocar-se a impossibilidade de reconstituição da relação de confiança entre as partes que subjaz a estes vínculos, por força das funções exercidas pelo trabalhador, tornando-se inexigível para o empregador a subsistência do contrato, independentemente do motivo da ilicitude do despedimento; e, em geral, pode esta solução justificar-se pela menor necessidade de tutela destes trabalhadores».[18]
Na busca de um sentido para o segmento em causa, PEDRO ROMANO MARTINEZ refere que «qualquer facto perpetrado pelo trabalhador que, pela sua gravidade, comprometa a relação de confiança, inviabilizando a sã prossecução da atividade empresarial pode justificar o preenchimento deste pressuposto» e prossegue afirmando que «trata-se de um conceito indeterminado, que tem de ser preenchido perante o caso concreto. Ainda assim, sempre se dirá que o prejuízo grave associado com a perturbação da atividade empresarial ao ponto de justificar a oposição à reintegração será fácil de ocorrer no que respeita a trabalhadores que ocupam cargos de administração ou de direção, porque, quanto a estes, verifica-se amiúde a perda total da relação de confiança que perturba o prosseguimento da atividade»[19].
Numa perspetiva mais restritiva do que deve entender-se por «gravemente prejudicial e perturbador do funcionamento da empresa», afirma JÚLIO GOMES, tomando como ponto de referência a norma do artigo 438.º, n.º 2 do Código de Trabalho de 2003, que «a oposição só é possível se o empregador demonstrar que o regresso do trabalhador é “gravemente prejudicial e perturbador para a prossecução da atividade empresarial” (artigo 438.º, n.º 2, parte final) o que é, na nossa opinião coisa bem distinta e muito mais exigente do que dizer simplesmente (…) que a reintegração terá de ser “inconveniente para a prossecução da atividade empresarial”. Na verdade, pensamos poder afirmar-se que raras vezes a reintegração deixará de ser inconveniente, pelo menos na perspetiva do empregador … Exige-se, pois, algo muito mais grave que uma mera inconveniência: um prejuízo, uma perturbação tão grave para a atividade empresarial, que justifiquem que um facto ilícito não seja objeto de reparação in natura»[20].
A recorrente centraliza a pretensão de oposição à reintegração, por um lado, nas relações do Autor com os responsáveis dos clubes, os club managers, referindo que se trata de uma relação «conflituosa, geradora de conflitos, malcriada, agressiva, pelo que a sua reintegração causaria uma grave perturbação e seria prejudicial ao funcionamento da Recorrente», e, por outro lado, no facto de o posto de trabalho ocupado pelo Recorrente ter sido extinto, «pelo que haveria ainda uma impossibilidade objetiva de incumprimento desta obrigação ou obrigaria à criação de novo posto, não por uma decisão de gestão, mas por determinação do tribunal».
4 - No que se refere à extinção do posto de trabalho anteriormente ocupado pelo Autor, de acordo com a matéria de facto dada como provada, essa extinção decorre de medidas de gestão implementadas pela Ré, «em face dos maus resultados do negócio», tendo a Ré proposto ao Autor a rescisão do contrato, o que aquele não aceitou. Essa proposta foi apresentada, de acordo com a matéria de facto dada como provada, em 1 de agosto de 2012.
O processo disciplinar movido ao Autor foi instaurado em 7 de agosto de 2012 e veio a ser objeto de decisão comunicada ao Autor em 5 de novembro do mesmo ano, ou seja, depois da recusa de aceitação da proposta de rescisão.
A extinção do posto de trabalho anteriormente ocupado pelo Autor não pode ser entendida, em abstrato e só por si, como fundamento legítimo para a rejeição da reintegração.
Na verdade, a reintegração não impõe, à luz do Código do Trabalho em vigor, a colocação do trabalhador no posto de trabalho que ocupava antes de ser despedido, sendo explícita a referência da alínea b) do n.º 1 do artigo 389.º daquele código à reintegração «no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade», o que permite afirmar que «a declaração judicial de reintegração tem como efeito recuperar o vínculo laboral preexistente, tal como ele se configurava ou em moldes equivalentes, conferindo a ambas as partes o direito a ver cumpridos os deveres inerentes a esse vínculo – o que inclui o dever de ocupação efetiva do trabalhador, tal como ele é atualmente cominado no art. 129.º, n.º 1 b) do CT», e que «não sendo exigível que o empregador recrie para o trabalhador a função que detinha, este dever impõe que seja atribuído ao trabalhador uma função compatível com a sua categoria e estatuto».[21]
Esta circunstância, no entanto, não obsta a que o facto de o posto de trabalho ter sido extinto não seja ponderado no âmbito da análise dos pressupostos da oposição à reintegração, nomeadamente, na resposta à questão de saber se o regresso do trabalhador é gravemente prejudicial e perturbador do funcionamento da empresa.
Cumpre então ponderar se os factos imputados pela Ré ao Autor e a extinção do posto de trabalho que este anteriormente ocupava, motivada em preocupações de gestão, preenchem os pressupostos da substituição da reintegração a pedido do empregador, nos termos do n.º 1 do artigo 392.º do Código do Trabalho.
De acordo com a matéria de facto dada como provada, o Autor «tinha a categoria profissional de Diretor, tendo sido contratado para o desempenho da função de Responsável do Negócio de FITNESS» e, nessa qualidade, competia-lhe «essencialmente, dirigir, planear e coordenar as atividades operacionais e comerciais do negócio de FITNESS, nas suas diversas vertentes, de acordo com as orientações estratégicas e políticas estabelecidas no plano de ações e recursos, tendo em vista atingir os objetivos estabelecidos, bem como otimizar o desenvolvimento desse negócio»; «reportava a sua atividade diretamente «ao seu superior hierárquico, HH, administrador do EMPREGADOR» e «ocupava cargo de direção no EMPREGADOR, sendo, à data, o responsável máximo pelo seu único negócio, o de FITNESS».
Por outro lado, ainda de acordo com a matéria de facto dada como provada, «o cargo ocupado pelo trabalhador pressupõe confiança absoluta na pessoa que o ocupa» e na «qualidade de Responsável do Negócio de FITNESS, o TRABALHADOR celebra contratos em representação do EMPREGADOR»; «mantém relações privilegiadas com clientes e fornecedores»; «toma conhecimento de informação sensível respeitante à atividade do EMPREGADOR e seus resultados, formação de preços e orientações comerciais e de marketing»; «compete-lhe a tomada de decisões estratégicas na condução do negócio»; «conhece a política de recursos humanos do EMPREGADOR, designadamente em matéria de fixação de salários e comissões», e «exerce poderes de autoridade sobre os demais trabalhadores».
Do mesmo modo, «a imputação ao TRABALHADOR dos factos que determinaram o seu despedimento fez cessar a confiança inerente à sua contratação» e «a BB, em face dos maus resultados do negócio até julho de 2012, decidiu proceder a uma reorganização empresarial e desse modo extinguir os postos de trabalho do Diretor Comercial e do Diretor de Negócios, respetivamente, II e o aqui TRABALHADOR».
Decorre desta factualidade que o Autor era o responsável pela área de negócios em que se inseria a sua atividade, reportando diretamente à Administração da Ré que extinguiu o lugar ocupado pelo mesmo no âmbito de uma reorganização empresarial.
Não resulta da matéria de facto a solução que foi adotada relativamente à prossecução da atividade que era desempenhada pelo Autor, nomeadamente, quem a passou a desempenhar, perspetivando-se a hipótese de a respetiva reintegração exigir a criação de um lugar adequado com respeito pela categoria e antiguidade daquele.
Na conformação das funções desse novo lugar deveriam ser tomadas em consideração as funções desempenhadas pelo Autor ao longo dos anos e que motivaram até a respetiva contratação.
Tal criação poderia implicar alterações no modelo orgânico adotado na sequência da extinção do anterior lugar, de forma a encontrar uma solução compatível com as condições legais inerentes à reintegração e com aquela experiência profissional.
Nesse plano importa também ter em consideração que a atividade prosseguida pelo Autor ao longo dos anos tinha uma componente fundamental na área da coordenação dos clubes, em cuja execução ocorreram muitos dos factos que lhe são imputados, não podendo olvidar-se que a relação do Autor com os responsáveis por esses clubes e com os demais trabalhadores foi atingida pelo facto de o mesmo ter sido despedido, o que põe em causa, não só a sua imagem e autoridade, mas também as bases em que assenta a sua relação com esses trabalhadores.
Tal relação começou por ser afetada pelas formas de gestão do Autor e pelos factos que lhe são imputados, que, embora não se possam considerar justa causa de despedimento, revelam ilicitude e tem potencialidade para afetar o seu relacionamento com os demais trabalhadores da Ré.
Por outro lado, não pode também ignorar-se que a relação de confiança existente entre o Autor e a Ré saiu profundamente abalada da forma com aquele foi despedido, sendo certo que dada a natureza das funções desempenhadas, com uma componente de direção fortíssima, a confiança necessária ao desempenho de funções naquela área era elevada, não sendo evidente que a mesma seja facilmente reconstruída, objetivo sobre o qual a matéria de facto dada como provada se mostra completamente omissa.
Na ponderação de todos esses fatores pode concluir-se que a reintegração do Autor seria gravemente prejudicial e perturbadora do funcionamento da Ré, pelo que se consideram preenchidos os pressupostos da substituição da reintegração, tal como os mesmos decorrem da parte final do n.º1 do artigo 392.º do Código do Trabalho.
Impõe-se, assim, a procedência das conclusões 18.ª a 24.ª das alegações da recorrente.
5 – Nos termos do n.º 3 do artigo 392.º do Código do Trabalho, «caso o tribunal exclua a reintegração, o trabalhador tem direito a indemnização, determinada pelo tribunal entre 30 e 60 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, nos termos do n.º 1 e 2 do artigo anterior, não podendo ser inferior a seis meses de retribuição base e diuturnidades».
Da remissão para os números 1 e 2 do artigo 391.º do mesmo código decorre a aplicabilidade dos fatores de graduação da indemnização estabelecidos no n.º 1 desse artigo, ou seja, o valor da retribuição e o grau de ilicitude revelado, bem como a imposição decorrente do respetivo n.º 2 no sentido de que o tribunal atenda «ao tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial».
No caso dos autos haverá assim que atender, para além da retribuição mensal de € 6 500, 00 (ponto n.º 25 da matéria de facto), à antiguidade decorrente da matéria de facto dada como provada, nomeadamente, que a relação de trabalho teve o seu início em 3 de Outubro de 2011 (ponto n.º2).
Ponderando globalmente todos esses fatores, nomeadamente, o nível da ilicitude do despedimento do Autor, considera-se adequado fixar a indemnização devida pela Ré ao Autor em substituição da reintegração em 50 dias de retribuição base por cada ano completo ou fração de antiguidade, ou seja, a indemnização de € 46.793,97, calculada com base na antiguidade do Autor, reportada a 3 de outubro de 2011, perfazendo, nesta data – 28 de janeiro de 2016 - 4 anos, 3 meses e 25 dias e a retribuição mensal auferida pelo Autor que ascendia a € 6.500,00.
Deste modo, tendo a indemnização devida ao Autor em substituição da reintegração sido fixada em 50 dias de retribuição base por cada ano completo ou fração de antiguidade, tem o Autor direito, até à presente data, à quantia de € 46.793,97, assim calculada:
€ 6.500,00 (RM) : 30 dias x 50 dias : = € 10.833,33;
€ 10.833,33 x 4 anos = € 43.333,33;
€ 10.833,33 : 12 x 3 meses = € 2.708,33;
€ 10.833,33: 12 : 30 x 25 dias = € 752,31;
€ 43.333,33 + € 2.708,33 +€ 752,31 = € 46.793,97.
A este valor acrescem os juros de mora, calculados à taxa legal, desde o trânsito em julgado deste acórdão.
6 – O decidido prejudica o conhecimento da ampliação do objeto do recurso, nos termos do n.º 1 do artigo 636.º do Código de Processo Civil, relativamente à falta de poder disciplinar da empregadora sobre o trabalhador, relativamente a factos ocorridos entre 03.10.2011 e 01.06.2012, pedido pelo recorrido, de que se não conhece, nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável aos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto nos conjugados artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do citado Código.
VI
Em face do exposto, acorda-se em conceder parcialmente a revista e, em consequência, condena-se a Ré a pagar ao Autor a indemnização de € 46.793,97 (quarenta e seis mil setecentos e noventa e 3 euros e noventa e sete cêntimos), em substituição da reintegração, revogando-se os pontos n.ºs 1 e 3 do dispositivo da decisão recorrida, sendo devidos juros de mora, nos termos acima consignados.
Mais se acorda em confirmar a parte restante da decisão recorrida.
Custas nas instâncias e na revista em função do decaimento.
Junta-se sumário do acórdão.
Lisboa, 28 de janeiro de 2016
António Leones Dantas (relator)
Mário Belo Morgado
Ana Luísa Geraldes (Voto de vencida)
_____________
Revista nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1
Voto de Vencida (Ana Luísa Geraldes)
Votei vencida pelas razões que se enunciam de seguida, e em síntese:
1. A minha discordância centra-se sobretudo no facto de ter sido acolhida a interpretação que foi feita pelo Tribunal da Relação de que determinados pontos da matéria de facto deviam ser considerados como “não escritos”.
A norma que previa essa cominação – o art. 646º, nº 4, do CPC de 1961 – não foi acolhida no actual CPC, de modo que, em meu entender, necessário se torna adaptar o discurso judiciário ao novo contexto legal.
2. Não pondo em causa a distinção conceptual entre matéria de facto e matéria de direito, aceite pela doutrina e jurisprudência e que também encontra eco em normas jurídicas, designadamente as que delimitam o recurso de revista, considero que a detecção no âmbito da decisão da “matéria de facto” de matéria de direito ou, como ocorre com mais frequência, de matéria de pendor conclusivo, não determina necessariamente a sua eliminação.
Por um lado, há que considerar a admissibilidade de certos elementos quando traduzam efectivamente a realidade, designadamente quando estão em causa factos do foro interno. Por outro lado, certos elementos, apesar de algum pendor conclusivo, podem servir ainda assim para retractar a realidade, sendo facilmente apreendidos com esse sentido.
Acresce que quando, porventura, a 1ª instância tenha assumido como matéria de facto o que efectivamente seja matéria de direito, não está afastada a possibilidade de a Relação, em sede de substituição, traduzir tais elementos por outros que melhor correspondam à prova produzida nos autos. A eliminação pura e simples de tais elementos deve ser o último recurso a utilizar apenas quando nenhum dos anteriores seja viável.
3. O entendimento que defendo passa pela apreciação e valoração das alterações que foram introduzidas no Novo CPC, quer em termos de alegação dos factos, quer em termos de delimitação dos factos provados e não provados na sentença (e no Acórdão da Relação).
Com efeito, constituindo ónus das partes a alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir ou em que se baseiam as excepções (art. 5º, nº 1, do NCPC), tal significa que o referido ónus foi atenuado, tornando legítima uma diversa forma de alegação em comparação com o modelo tradicional que, vigorando desde 1939, já havia sofrido fortes alterações com a Reforma do processo civil de 1995/96.
A possibilidade de serem tidos em conta, posteriormente, factos instrumentais que resultem da instrução da causa e, mais do que isso, a atendibilidade superveniente de factos complementares ou concretizadores emergentes da discussão, nos termos do art. 5º, nº 2, als. a) e b), do NCPC, determina que a sentença não tenha que reproduzir simplesmente os factos tal qual foram alegados pelas partes, devendo ser ponderadas as novas regras aquando da respectiva fundamentação, nos termos consagrados no art. 607º, nº 4, do actual CPC.
Trata-se de uma norma que, aliás, é aplicável na Relação, como expressamente o determina o art. 663º, nº 2, do NCPC.
Esta nova percepção das regras processuais vem sendo evidenciada em diversos arestos deste Supremo Tribunal de Justiça, sendo de destacar, para o caso, os Acórdãos datados de 28/5/2015 (Relatado por Granja da Fonseca) e de 13/2/2014, (Relatado por Lopes do Rego), in www.dgsi.pt.
4. Esclarecedor, a este propósito, é o conteúdo do sumário do citado Acórdão do STJ, de 28/5/2015, de onde ressalta que:
“IV - A inserção, na matéria de facto, de conceitos que podem ser tidos como de direito é irrelevante – e não determina que se tenham os mesmos por não escritos – se os mesmos forem factualizados e usualmente utilizados na linguagem comum, possuindo um sentido apreensível” -(sublinhado nosso).
Consta, igualmente, do sumário do Acórdão do STJ, de 13/02/2014, Relatado por Lopes do Rego, que:
“2. Compete identicamente ao STJ sindicar o critério normativo extraído pelas Relações do estatuído no nº4 do art. 646º do CPC, enquanto fundamento da distinção entre questões de facto e matéria de direito, cujo julgamento era tradicionalmente atribuído a órgãos jurisdicionais diversos – o tribunal colectivo e o juiz singular, dotados de diferentes competências funcionais.
3. Nas causas em que não haja tido intervenção o tribunal colectivo - cabendo por isso a apreciação da matéria do litígio, quer nos seus aspectos fácticos, quer na vertente jurídica, ao juiz singular - deverá aplicar-se com particulares cautelas esse regime normativo, não se decretando o radical efeito preclusivo aí estatuído quando a matéria quesitada - apesar de padecer de algum défice de densificação e concretização no plano factual - não se reconduza ao uso de puros conceitos normativos, de que dependeria - de forma imediata - o desfecho no plano jurídico da causa, manifestamente insusceptíveis de apreensão na realidade da vida social e, por isso, absolutamente inidóneos e imprestáveis para servir de base às diligências de instrução e de enunciação e descrição inteligível do substrato factual do litígio” -(sublinhado nosso).
E a fundamentação exarada neste Acórdão é bastante elucidativa, aí se explicitando que:
(…)
“A referida norma (o nº 4 do art. 646º do CPC) – que já não figura no texto do CPC em vigor – tinha como base fundamental a distinção entre as competências jurisdicionais cometidas ao tribunal colectivo (valorar livre-mente as provas desprovidas de valor legal, fazendo reflectir essa livre e prudente valoração nas respostas aos quesitos ou aos pontos da base instrutória) e ao juiz singular (proferir sentença, aplicando o direito aos factos tidos por provados pelo colectivo, articulados com os meios probatórios dotados de força legal ou plena que lhe cumpria – apenas a ele próprio - apreciar e valorar, nos termos do nº 3 do art. 659º): a sanção então cominada no nº 4 do art. 646º – inexistência da resposta a certo ponto quesitado que traduzisse invasão pelo colectivo das competências jurisdicionais do juiz singular – surgia, portanto, como decorrência da atribuição de competências diferenciadas para o julgamento da causa a órgãos jurisdicionais diversos, decorrendo a amputação da resposta indevidamente dada pelo colectivo a certa questão que lhe estava legalmente subtraída (por integrar, em rigor, o conteúdo de uma verdadeira questão de direito) como consequência peculiar da respectiva incompetência funcional.
E daí que – num sistema em que foi definitivamente eliminado, na jurisdição civil, a figura do tribunal de estrutura colectiva, cabendo o julgamento em 1ª instância da causa, quer no seus aspectos factuais, quer no plano jurídico, ao juiz singular (cf. o recente Ac. de 29/10/13, proferido pelo STJ no P. 1410/05.2TCSNT.L1.S1) – haja desaparecido a referida norma adjectiva, enquanto potenciadora de um gravoso e, em muitos casos desproporcionado, efeito cominatório e preclusivo, totalmen-te surpreendente para a parte a quem aproveitava a realidade factual subjacente à drástica amputação factual decretada… pela Relação” - (sublinhado nosso).
5. Ora, no caso concreto, não se justificava, da parte da Relação, proceder à eliminação dos pontos de facto, na medida em que, no contexto em que se integravam, todos eles acabavam por contribuir para retratar a realidade que subjaz ao presente processo de impugnação da regularidade e licitude do despedimento.
Mas ainda que relativamente a alguns deles se pudesse afirmar a sua natureza conclusiva, nem assim se justificava a eliminação pura e simples, de tais pontos de facto, devendo a Relação fazer uso dos poderes conferidos enquanto Tribunal de instância que conhece da matéria de facto, ao abrigo do preceituado no art. 662º do CPC.
De modo algum se justificava por parte da Relação a solução formal e, além do mais, sem base legal no actual modelo processual, de uma eliminação daquela natureza, retirando do leque de factos que foram alegados e discutidos nos autos alguns segmentos que contribuíam para uma mais justa decisão da causa, à semelhança do que, aliás, aconteceu com as respostas aos pontos de facto/quesitos 41º e 42º.
Na medida em que o Tribunal da Relação fez um uso ilegítimo desses poderes, entendo que deveria ser ordenada a remessa dos autos àquele Tribunal, a fim de a Relação dar aos referidos pontos de facto as respostas que efectivamente correspondessem ao resultado formado sobre os meios de prova que foram produzidos.
Lisboa, 28 de Janeiro de 2016.
Ana Luísa de Passos Geraldes
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[1] Versão resultante da presente decisão. Tinha sido declarado não escrito integralmente pela decisão recorrida.
[2] Versão resultante da presente decisão. Tinha sido declarado não escrito integralmente pela decisão recorrida
[3] Redação resultante desta decisão. A decisão recorrida tinha declarado integralmente não escrito este ponto.
[4] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.
[5] MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o Processo Civil, 312.
[6] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.
[7] Anotação ao Acórdão deste Tribunal, de 8 de Novembro de 1984, in “Revista de Legislação e de Jurisprudência”, Ano 122.º, n.º 3785, Novembro de 1989, pp. 213 e ss.
[8] Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1976, p. 194.
[9] Obra citada, p. 222.
[10] Obra citada, p. 219
[11] Obra citada, p. 220.
[12] Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 3.ª Edição, 2010, Almedina, pp. 899 e 900.
[13] Direito do Trabalho, 2009, Almedina, 14.ª Edição, p. 591.
[14] Obra citada, pp. 903 e 904.
[15] Disponível nas Bases da Dados Jurídicas da DGSI.
[16] Direito do Trabalho, 13.ª Edição, Almedina, 2006, p. 564.
[17] Obra citada, p. 425.
[18] Obra citada, p. 950.
[19] Direito do Trabalho, Almedina, 2010, 5.ª Edição, p. 1103.
[20] Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 2007, p. 1031.
[21] MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO, Obra citada, p. 948, nota 333.