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ECLI:PT:STJ:2020:1199.15.7T8GMR.G2.S2

Relator: Maria João Vaz Tomé

Descritores: Resolução bancária; Contrato de arrendamento; Carácter sinalagmático; Caráter sinalagmático; Sucessão na posição contratual; Transmissão da posição do arrendatário; Ofensa do caso julgado; Caso julgado formal; Extensão do caso julgado; Autoridade do caso julgado; Trânsito em julgado; Interpretação de sentença; Admissibilidade de recurso; Recurso de revista

Processo: 1199/15.7T8GMR.G2.S2

Data do Acordão: 02/06/2020

Votação: Unanimidade

Texto Integral: S

Meio Processual: Revista

Decisão: Concedida a revista e devolvidos autos à Relação paea apreciação

Indicações eventuais: Transitado em julgado

Área Temática: 1ª Secção (Cível)

Sumário

I - De acordo com jurisprudência do STJ, no que respeita à ofensa de caso julgado enquanto fundamento do recurso, basta a possibilidade de verificação dessa violação para que o recurso seja admissível - ainda que circunscrito à apreciação dessa questão.

II - Ao réu originário foram aplicadas, pelo BdP, duas medidas de resolução: a alienação parcial ou total da atividade e a segregação de ativos.

III - Deve partir-se do princípio de que o sinalagma ou nexo de sinalagmaticidade, que une as posições ativas e passivas dos autores e do réu no contrato de arrendamento, foi respeitado pela medida de resolução da “alienação parcial da atividade” (art. 145.º-N, n.º 7, do RGICSF).

IV - No acórdão recorrido, o tribunal da Relação parte do pressuposto de que ao réu subsequente não foi reconhecida, em acórdão anterior do mesmo tribunal, a qualidade de arrendatário no contrato que serve de base à presente ação. Todavia, o réu subsequente sucedeu ao réu originário na qualidade de atual arrendatário. Foi justamente por isso que ocupou a sua posição na presente lide. Não se pode atribuir outro sentido ao acórdão anterior, pois que foi claramente a alteração subjetiva da relação substantiva que conduziu à sucessão do réu subsequente na posição processual passiva do réu originário. E a força de caso julgado dessa decisão impõe-se dentro destes autos.

V - Não pode considerar-se que o réu subsequente tem legitimidade para litigar em juízo e, simultaneamente, sustentar que o contrato de arrendamento não lhe é oponível, porque não é arrendatário. Não deve permitir-se uma cisão artificiosa entre o fenómeno da modificação subjetiva da relação processual e a modificação subjetiva da relação contratual.

VI - A autoridade de caso julgado formal impede não apenas a reapreciação de uma questão – processual – já submetida à apreciação judicial, mas também a invocação de meios de oposição que não foram feitos valer anteriormente e podiam tê-lo sido (relativamente a essa matéria adjetiva). A decisão, transitada em julgado, que determinou a modificação subjetiva da instância, consolidou-se na ordem jurídica: todas as questões impeditivas da transmissão da posição de arrendatário do réu originário para o réu subsequente, por força das deliberações do Conselho de Administração do BdP, constituíram a res iudicanda. Uma vez transitada em julgado a decisão, o caso julgado consome-as.

Decisão Texto Parcial

Não disponível.

Decisão Texto Integral

Proc. n.º 1199/15.7T8GMR.G2.S2

 

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça,

 

I- Relatório

  1. AA e Mulher, BB intentaram contra o Banif – Banco Internacional do Funchal, S.A. (doravante Banif), a presente ação declarativa comum de condenação. Pediram, em síntese, a condenação do Réu no cumprimento de um contrato de arrendamento, sendo as rendas em mora acrescidas de 50%, nos termos legais.
  2. Para o efeito, alegam, em suma, que, entre eles, foi celebrado um contrato de arrendamento por trinta anos, para fins não-habitacionais, contrato esse que o Réu - Banif- resolveu antecipada e ilicitamente por carta de 29 de dezembro de 2014.
  3. O Réu - Banif - contestou, pugnando pela improcedência da ação, invocando a licitude da resolução, porquanto firmada na alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de celebrar o contrato.
  4. Na pendência da ação, o Banco de Portugal (doravante BdP), mediante duas Deliberações do seu Conselho de Administração, de 19 e 20 de dezembro de 2015, determinou o início do processo de resolução do Banif, alienando direitos, obrigações, responsabilidades e elementos extrapatrimoniais à Naviget S.A. (Anexo 2, Deliberação de 20 de dezembro) e ao BST (Anexo 3, ponto 1, da Deliberação de 20 de dezembro). A adoção destas medidas de resolução, à luz dos arts. 145.º-C e 145.º-E do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras (doravante RGICSF), teve por base o risco de insolvência do Banif.
  5. Os Autores - AA e BB- responderam, terminando como na petição inicial.
  6. A 15 de fevereiro de 2016, data inicialmente agendada para julgamento, foi junto documento que constitui cópia da Deliberação do Conselho de Administração do BdP de 20 de dezembro de 2015, e dos respetivos anexos, relativos aos estatutos da sociedade Naviget, S.A. (veículo de gestão de ativos que teve por objeto a administração dos direitos e obrigações transferidos do Banif: anexo 1), aos direitos e obrigações correspondentes a ativos do Banif transferidos para a Naviget, S.A. (anexo 2) e aos direitos e obrigações que constituem ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão, do Banif, transferidos para o BST (anexo 3).
  7. Nessa sede, as partes solicitaram “a suspensão da instância por dez dias com vista a tomar posição sobre a eventual necessidade de regularização da instância do lado passivo, decorrente da resolução do Banco de Portugal no que ao Banif respeita”.

 

  1. Atendendo ao conteúdo da Deliberação do Conselho de Administração do BdP de 19 de dezembro 2015, a 24 de fevereiro de 2016, os Autores pediram a substituição na causa do Banif pelo BST.
  2. O BST opôs-se, invocando que a responsabilidade em apreço não lhe havia sido transmitida, porquanto o direito em litígio se integrava no âmbito das exceções à transmissão operada por via da resolução (anexo 3, al. b) xii, da Deliberação do Conselho de Administração do BdP de 20 de dezembro de 2015).
  3. O Banif, por seu turno, também deduziu oposição, que, todavia, foi considerada extemporânea.
  4. A substituição do Banif pelo BST, solicitada pelos Autores, foi admitida por despacho de 31 de maio de 2016. O Tribunal, ao abrigo do art. 145.º-N, n.º 7, do RGICSF, entendeu e decidiu que uma alienação meramente parcial de direitos e obrigações não deveria prejudicar a cessão integral das posições contratuais do Banif, com transmissão das responsabilidades associadas aos elementos do ativo transferidos. Fundamentalmente, o Tribunal sufragou a tese segundo a qual "o ativo transferido é perseguido pelo respetivo passivo".
  5. Na sequência do recurso interposto pelo BST, o Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 24 de novembro de 2016, confirmou a decisão do Tribunal de 1.ª Instância. Segundo este acórdão:

“(…) efetivamente, do que se trata de decidir, nesta fase, não é se o contrato de arrendamento invocado pelos AA ainda subsiste em termos jurídicos, com o que se estaria já a decidir, pelo menos em parte, o mérito da causa, mas antes se o Apelante deve ingressar na posição processual do R., admitindo como possível aquela subsistência”.

 

Cotejando os ativos transferidos para a Naviget., S.A., e para o BST, o Tribunal da Relação de Guimarães considerou, além do disposto no art. 145.º-N, n.º 7, do RGICSF, que o ativo respeitante ao contrato de arrendamento em apreço apenas poderia ter sido transmitido para o BST. Também este Tribunal perfilhou a tese segundo a qual "o ativo transferido é perseguido pelo respetivo passivo".

  1. Como consequência, a Banif deixou de figurar no processo e a acção passou a correr apenas contra a BST.
  2. O BST, no dia da audiência de julgamento, apresentou um articulado superveniente, invocando o anexo 3 da Deliberação do Conselho de Administração do BdP de 20 de dezembro de 2015. Alegou que, como ao tempo da Deliberação do Conselho de Administração do BdP a agência do Banif de ..., que funcionara no prédio locado em causa nestes autos, não se encontrava registada na contabilidade desta instituição de crédito, o respetivo ativo não transitou para o BST e, consequentemente, este não era titular da posição contratual de arrendatário. Acrescentou ainda que, de qualquer modo, como era litigiosa à data da adoção da medida de resolução, essa responsabilidade, por força do ponto l, alínea b), subals. (vii) e (xii) do anexo 3, constituía um passivo excluído da transmissão para o BST. Invoca, outrossim, a sua ilegitimidade substantiva para a causa.
  3. O Tribunal, por despacho de 3 de abril de 2017, na própria audiência, não admitiu o referido articulado superveniente e decidiu que:

“(…)tendo em atenção o preceituado no art. 130 do CPCiv., nos termos do qual é proibido praticar no processo atos inúteis; tendo em conta, por outro lado, a circunstância do Tribunal da Relação de Guimarães ter já proferido uma decisão no âmbito deste processo, nos termos do qual se refere que o contrato de arrendamento em causa nestes autos constitui um ativo transferido para o Banco Santander Totta SA, tomo como precludida a possibilidade de voltar a discutir no processo a possibilidade de dirigir contra o Santander os pedidos formulados na PI. Efectivamente, caso o Tribunal da Relação de Guimarães tivesse entendido que os pedidos em causa não poderiam ser dirigidos contra o Santander não poderia ter deixado de o referir, donde, independentemente da verificação dos pressupostos formais dos artigos 588.º e ss do CPCiv, por força da verificação de caso julgado formal no processo quanto à questão de saber se, sim ou não, os autores poderiam prosseguir com a acção nos exatos termos em que a propuseram contra esta nova entidade, indefiro liminarrnente o requerido”.

 

O Tribunal entendeu, pois, que essa questão estava já decidida pelo acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24 de novembro de 2016, já transitado em julgado.

  1. Aquando da audiência, foi ampliado o pedido no sentido de incluir uma indemnização para o caso de improcedência do pedido principal, o que foi admitido por despacho, sem prejuízo de saber, atendendo às Deliberações do Conselho de Administração do BdP, se ela poderia ser exigida ao BST.
  2. Realizou-se o julgamento e, a 3 de maio de 2017, foi proferida sentença que, julgando a ação totalmente procedente e perante a substituição processual operada, condenou o BST no pagamento das rendas vencidas – aquelas que não haviam sido pagas até abril de 2017 -, acrescidas de 50%, assim como das vincendas, eventualmente acrescidas dessa percentagem, no caso de mora. Conforme a sentença:

“(…)por via da substituição operada a cumprir o contrato (. . .) que se mantém em vigor, cabendo-lhe proceder ao pagamento das rendas que se venceram, sendo as não pagas até Abril de 2017 acrescidas de 50% e as demais no valor acordado, sem prejuízo do acréscimo desse percentual em caso de mora”.

 

  1.  O Réu BST recorreu quer da sentença – de 3 de maio de 2017 -, quer do despacho - de 3 de abril de 2017 -, que não admitiu o articulado superveniente por si apresentado.
  2. A 25 de janeiro de 2018, o Tribunal da Relação de Guimarães deu provimento ao recurso, na parte relativa ao articulado superveniente, fazendo baixar os autos ao Tribunal de 1.ª Instância. Com efeito, o Tribunal da Relação de Guimarães concedeu provimento ao recurso interposto pelo BST e revogou o despacho de indeferimento do articulado superveniente, anulando a decisão recorrida e determinando o prosseguimento da lide para audiência de julgamento.

No que respeita ao indeferimento do articulado apresentado pelo BST, o Tribunal da Relação de Guimarães entendeu que estariam em causa factos supervenientes, porquanto as Deliberações do Conselho de Administração do BdP em causa, de 19 e 20 de dezembro de 2015, eram posteriores à data da audiência prévia – 16 de junho de 2015 - e eram também suscetíveis de assumir natureza impeditiva do direito que os Autores pretendem exercer nesta ação, competindo ao Tribunal determinar se o direito dos Autores na manutenção do arrendamento é oponível ao BST.

  1. Tornando a causa ao Tribunal de 1.ª Instância, foi reinquirida uma testemunha e juntos ofícios do BdP, sendo prolatada nova sentença, a 25 de maio de 2018, que, desta vez, julgando a ação improcedente, absolveu o Réu - BST - do pedido. Considerando a resolução ilícita, o Tribunal afirmou a subsistência do contrato de arrendamento. Contudo, em observância do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 25 de janeiro de 2018, que ordenou a reapreciação das deliberações do BdP, para efeitos de verificar a (in)oponibilidade do contrato ao BST, o Tribunal referiu que:

"não obstante assistir aos autores o direito à vigência do contrato de arrendamento que haviam celebrado com o Banif, não a podem exigir do Santander".

 

  1. Inconformados com esta decisão, os Autores interpuseram recurso de apelação, invocando, inter alia, a violação do caso julgado formal: a substituição do Banif pelo BST já havia sido decidida, por acórdão transitado em julgado.
  2. O Réu - BST - contra-alegou, preconizando a improcedência do recurso e a confirmação da sentença.
  3. O Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 2 de maio de 2019, confirmou a sentença recorrida. Em síntese, entendeu que o seu acórdão anterior, de 24 de novembro de 2016, apenas decidira sobre a legitimidade processual do BST e, por isso, apenas e tão somente sobre a sua legitimidade formal. Quanto ao mais, manter-se-ia a liberdade do julgador para decidir o mérito da causa. Decidiu, assim, pela inverificação da exceção de caso julgado, porque a decisão recorrida apenas apreciou a questão de se saber se os Autores têm o direito que se arrogam perante o BST. No seu entendimento, não estava em causa a questão processual. Segundo o referido acórdão:

“Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso totalmente improcedente e confirma na íntegra decisão recorrida.

Custas pelos recorrentes (art. 527º,1,2 CPC)”.

 

  1. Os Autores, inconformados, interpuseram recurso de revista com as seguintes Conclusões:

“1) O acórdão da RG de 24/11/2016, transitado em julgado, confirmou o despacho de 31/05/2016 que havia decidido a substituição do BANIF pelo BST na posição de réu: “é com” este “que os autos prosseguirão”;

2) Consta expressamente desse acórdão que o contrato de arrendamento em causa nestes autos constitui “um ativo patrimonial (…) que foi transferido” para o BST;

3) A substituição processual não implicou qualquer alteração do objeto do litígio, fixado na audiência prévia;

4) Ficou, assim, definitivamente decidido, por decisão transitada, que as partes na ação são os autores e o BST e que o objeto do litígio é contrato de arrendamento e a (in)validade e (in)eficácia da declaração resolutiva por alteração das circunstâncias;

5) Apesar disso, surpreendentemente, o acórdão da RG de 25/01/2018 revogou o despacho proferido em primeira instância, de indeferimento do articulado superveniente do BST, em que este pretendia demonstrar, sem para tal invocar qualquer facto novo, que “os autos, padecem de um vazio de objeto, no que diz respeito ao BST” uma vez que “o contrato de arrendamento (…) não (lhe) foi transmitido (…), nos termos da deliberação do BdP que aplicou a medida de resolução ao BANIF”.

6) E, para além disso, anulou a sentença entretanto proferida, ordenando o prosseguimento da audiência de julgamento;

7) Ambas as decisões, revogada e revogatória, são interlocutórias e esta, em si própria, contradiz o caso julgado decorrente do acórdão de 24/11/2016: enviesadamente quanto à decisão e diretamente nos fundamentos que a suportam.

8) De qualquer maneira: a extensão do caso julgado aos próprios fundamentos, não impede – pelo contrário, implica - a aplicação do artº 625 nº 1 do CPC: deve necessariamente cumprir-se a decisão transitou em julgado em primeiro lugar;

9) A segunda sentença – integralmente confirmada pelo acórdão recorrido – é, em grande parte, a cópia fiel da sentença anulada;

10) Nela, a M. Juiz, após concluir pela ilicitude da declaração resolutiva, considerando, por conseguinte, que o contrato de arrendamento celebrado não se extinguiu, mantendo a sua vigência nos termos previstos pelas partes contratantes viu-se obrigada a analisar e decidir “se este direito dos autores em ver mantido o contrato de arrendamento é ou não oponível ao ora réu, Santander”.

11) E isto porque “o Tribunal da Relação considerou que a última decisão vinda de citar não constituíra preclusão lógica à apreciação da oponibilidade, ao atual réu, do direito à vigência do contrato”;

12) Neste diferendo, a razão está, toda ela e sem quaisquer dúvidas, com a M. Juiz de 1ª instância: como a própria sentença claramente o demonstra, havia e há uma decisão transitada, que o entendimento – e a decisão – da Relação frontalmente violam;

13) A relevância das Deliberações do BdP esgotou-se na apreciação do pressuposto processual da legitimidade. O BANIF deixou de ser parte legítima, porquanto tanto a 1.ª como a 2ª Instâncias sustentaram, após análise dessas Deliberações, que houve transmissão para o BST da posição contratual até então detida pelo BANIF.

14) Não é, pois, lícito retirar das Deliberações do BdP novas e contraditórias ilações quanto à legitimidade do BST.

15) Mas foi exatamente isso que o acórdão recorrido fez, ao socorrer-se dos mesmos factos e do mesmo suporte legal (art. 145 RGICSF; Deliberação do BdP de 19/12/2015 e 20/12/2015 – e, desta última, anexo 3) para justificar uma decisão que contraria, esvaziando-a, uma outra decisão anterior, transitada em julgado;

16) A substituição processual decidida implica necessariamente o ingresso do substituendo na posição material do substituído, com tudo o que isso representa – a não ser que a própria decisão exclua ou excecione uma sua qualquer parcela, o que, neste caso, claramente não sucedeu;

17) Ao decidir de forma diferente, o acórdão recorrido interpretou erradamente e violou, para além das disposições referidas na conclusão 15, o art. 356 do CPC – e incorreu em inconstitucionalidade por violação dos princípios da segurança e da inviolabilidade das decisões judiciais transitadas em julgado;

18) Trata-se, aliás, de uma dupla violação do caso julgado: ao não admitir tal violação pela sentença e ao ele próprio incorrer no mesmo vício;

19) O reconhecimento desta(s) violação(ões) do caso julgado vem por cobro a um absurdo processual: os autores verem confirmada a validade e vigência de um contrato que celebraram com o BANIF mas não podem exigir o seu cumprimento a quem veio tomar a posição processual dele no âmbito deste processo!

20) A violação do caso julgado implica a nulidade ou ineficácia de todos os atos processuais posteriores que contrariam a decisão transitada;

21) Assim e no acórdão recorrido (e na sentença por ele confirmada) só não está abrangida a parte desta sentença (transcrita no acórdão) que demonstrou e concluiu “pela ilicitude da declaração resolutiva, considerando, por conseguinte que o contrato de arrendamento celebrado não se extinguiu, mantendo a sua vigência nos termos previstos pelas partes contratantes”.

22) Se o contrato se mantém em vigor e se as partes do contrato são, agora, os autores e o BST como réu, então, este terá necessariamente de ser condenado no pedido. Ou seja e transcrevendo o dispositivo da 1ª sentença:

“Pelo exposto, vai a presente ação julgada totalmente procedente e, em consequência, o réu Banco Santander Totta, S.A., por via da substituição processual operada, condenado a cumprir o contrato de arrendamento que celebrou com os autores (…) que se mantém em vigor, cabendo-lhe proceder ao pagamento das rendas que se venceram, sendo as não pagas até Abril de 2017 acrescidas de 50% e as demais no valor acordado, sem prejuízo do acréscimo desse percentual em caso de mora”.

Sem prejuízo e por mera cautela

23) A matéria da última parte do ponto 35 da matéria de facto (“nem estava registada na contabilidade desse Banco”) teria necessariamente de ser provada documentalmente;

24) Como não foi junta aos autos prova documental, o facto deverá ser considerado como não provado;

25) O ponto 35 dos factos provados, face à prova produzida, deve passar a ter a redação seguinte: “Em 20.12.2015, a agência do BANIF de ... estava encerrada”;

26) Nessa data:

- o BANIF era titular de uma posição contratual, com o seu ativo e passivo, sendo que este segue necessariamente aquele,

- existia um ativo sob gestão do BANIF que foi transmitido para o BST por força da alínea a) do nº 1 do Anexo 3.

27) A qualificação da posição do BANIF como “responsabilidade litigiosa” de origem contratual não é correta – pelo contrário, é contraditória nos seus próprios termos;

28) Mas ainda que se tratasse de responsabilidade litigiosa ela não se enquadraria na previsão das exceções referidas nas subalíneas vii e xii da alínea b) do anexo 3 da deliberação de 20/12/2015;

29) E isto porque:

- o pedido formulado na petição inicial vai no sentido do cumprimento de um contrato de arrendamento;

- a “responsabilidade” em causa não era desconhecida, contingente ou incluída no âmbito de alienação de entidades ou de atividades;

30) Mas ainda que se considere litigiosa, o certo é que respeita a “área de negócio” ou “ativo” transferido para o BST;

31) Ao decidir de modo diferente, o acórdão recorrido interpretou erradamente essas disposições da deliberação do Bdp de 20/12/2015 e, também, o artº 145º-N do RGICSF;

32) É ilegal e totalmente infundamentada a afirmação de que “a solução para a questão central agora em apreciação emerge tão só da deliberação tomada pelo Banco de Portugal” uma vez que essa deliberação serviu apenas e só para aferir e decidir a substituição processual do BANIF pelo BST;

33) Não é verdade que a substituição tenha tido por base um ato de terceiro: o BST não foi coagido a adquirir o que quer que seja do BANIF, tendo participado nas negociações que antecederam as medidas da Resolução;

34) A transmissão de direitos e obrigações “de forma geral e abstrata” abrangeu a generalidade das situações adquiridas pelo BST (contas de depósito, financiamentos, posições contratuais em arrendamentos de balcões no ativo, etc.);

35) Se o princípio defendido no acórdão recorrido se aplicasse a todas as situações estava aberta a porta de fuga para todas aquelas que ao BST parecessem indesejáveis ou menos convenientes;

36) Decidida por trânsito em julgado a substituição processual do BANIF pelo BST, a ação prosseguiu os seus termos apenas e só para se apreciar o objeto do litígio, circunscrito à apreciação da validade e eficácia da declaração resolutiva do contrato de arrendamento.

37) Ao decidir em sentido contrário o douto acórdão recorrido interpretou erradamente e violou o caso julgado e as disposições legais citadas.

Deve, pois, ser revogado o douto acórdão recorrido e proferida decisão que condene o réu BST no pedido, nos exatos termos em que a 1ª sentença o havia feito”.

 

  1. Os Réus, por seu turno, apresentaram contra-alegações com as seguintes Conclusões:

“A. A final foi proferida sentença, no Juízo Central Cível de Guimarães – Juiz 4, que declarou “improcedente a acção e, em consequência, vai o réu “Santander Totta, S.A.” absolvido do pedido.”

B. Os Autores apelaram para a Relação de Guimarães que, por unanimidade, confirmou o julgado (“(…) este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso totalmente improcedente e confirma na íntegra decisão recorrida.”).

C. Vêm, agora, os Recorrentes pedir revista, invocando o requisito da alínea a) do n.º 2 do artigo 629.º do Código de Processo Civil, ofensa de caso julgado.

D. Ora, salvo melhor opinião, não existe qualquer ofensa de caso julgado sendo o recurso inadmissível.

E. Por outro lado, verifica-se nos presentes autos ter ocorrido uma situação de dupla conformidade consistente na confirmação integral – “sobreposição” tal qual – pela Relação do julgado da 1.ª Instância.

F. Tal conformidade é impeditiva da revista normal (ou revista-regra) como dispõe o n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil.

G. Pelo que, ocorrendo dupla conforme, os Recorrentes tentaram lançar mão da revista excepcional invocando o requisito da alínea c) – contradição de julgado – do n.º 1 do artigo 672.º do CPC.

H. Sucede que, não há qualquer contradição de julgado porque as decisões invocadas pelos Recorrentes não têm o mesmo objecto, não devendo assim, o presente recurso de revista “excepcional” ser admitido por falta de fundamento legal.

I. O Recorrido apresentou no decurso da audiência de julgamento realizada no passado dia 03/04/2017 um articulado superveniente que foi indeferido.

J. Sucede que, tal decisão da primeira instância de indeferimento do articulado superveniente apresentado pelo Recorrido foi revogada pelo Acórdão de 26/01/2018, já transitado em julgado.

K. Este aresto esclareceu ainda não estar em conflito com o acórdão proferido pela Relação de Guimarães, em 25/11/2016, já que no próprio texto desta decisão se pode ler “o objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes restringe-se à questão de saber se o Apelante deve, ou não, ser admitido a intervir nos autos principais em substituição do BANIF".(negrito nosso)

L. Foi apenas esta a questão decidida – a intervenção do Santander em substituição do BANIF nos presentes autos.

M. A força de caso julgado daquele acórdão, proferido em 2016, impede voltar a discutir-se se o SANTANDER é ou não parte processual legítima para substituir, do lado passivo da lide, o BANIF, não tendo ocorrido qualquer decisão sobre a substância do litígio.

N. Se dúvidas houvesse, ficam esclarecidas quando lemos no acórdão da Relação de Guimarães de 2016 "efectivamente, do que se trata de decidir, nesta fase, não é se o contrato de arrendamento invocado pelos AA ainda subsiste em termos jurídicos, com o que se estaria já a decidir, pelo menos em parte, o mérito da causa, mas antes se o apelante deve ingressar na posição processual do R, admitindo como possível aquela subsistência. Foi esta, de resto, sempre a motivação para a demanda do R, pelos AA: ou seja, a razão pela qual lhe foi reconhecida legitimidade processual para esta acção.

E, tal como resulta do disposto no artigo 30°, nº 3 do Código de Processo Civil, essa legitimidade afere-se, na falta de disposição legal em contrário, pela tese do autor. (...).

De modo que, atendendo à tese dos AA, é inegável não só a legitimidade processual do R, como subsequentemente, do Apelante, em substituição daquele".(sublinhado nosso)

O. O Acórdão proferido em 2016 pronunciou-se assim apenas sobre a legitimidade processual do BST (constituindo nessa medida apenas caso julgado formal sobre a legitimidade processual), já que se limitou a aderir à “tese dos Autores/Apelantes” para aferir a medida e pressuposto da legitimidade do BST, sem que existisse ainda qualquer produção de prova sobre a questão de fundo (transferência ou não da responsabilidade pela Medida de Resolução).

P. Em conclusão, resta apenas referir que a força de caso julgado formal do Acórdão de 2016 impede que se volte a discutir no âmbito deste mesmo processo a legitimidade processual do Recorrido. A questão sobre a qual a decisão a quo, de que se pretende voltar a recorrer (apesar de já confirmada pela Relação) se veio pronunciar é algo diferente: a de saber se os autores/Recorrentes têm sobre o Requerido o direito a que se arrogam.

Q. O Acórdão de 02/05/2019 começou também por se debruçar sobre a questão que os Recorrentes novamente colocaram de saber se a sentença recorrida violou o “caso julgado formal emergente do acórdão desta Relação de 24/11/2016, o qual determinou, com trânsito em julgado, que o BST sucedeu na posição contratual do BANIF, na sequência da Medida de Resolução do BdP.”

R. O Tribunal da Relação afirmou que esta era uma não questão já que o “acórdão desta Relação proferido em 25/1/2018 (e por nós relatado), determinou a admissão do articulado superveniente apresentado pelo réu, anulou a sentença proferida pela primeira instância, e determinou o prosseguimento da audiência de julgamento.”

S. Posteriormente, a sentença recorrida, “no cumprimento dessa decisão da Relação, determinou a produção de prova, a final, decidiu a substância do litígio. Nunca essa sentença pode ser acusada de ter violado o caso julgado formal. Se essa imputação pudesse ser feita a alguma decisão, então o primeiro e único candidato seria o anterior acórdão desta Relação, e nunca a sentença da primeira instância que seguiu os trâmites que aquele lhe impôs.”

T. Ora aqui voltamos ao ponto de partida que fundamenta a inadmissibilidade do presente recurso, independentemente da forma que revista: a falha que os Recorrentes cometeram quando não se revoltaram contra o acórdão com esse fundamento (de 25/01/2018), aceitando-o para todos os efeitos.

U. Assim, a força de caso julgado formal daquele Acórdão de 25/01/2018 apenas impede que se volte a discutir no âmbito deste mesmo processo a legitimidade processual do réu Banco Santander Totta, SA. Está definitivamente assente que este réu é parte legítima nesta acção e é aqui que se estende a força de caso julgado (formal) do Acórdão da Relação de Guimarães.

V. Sucede que a questão que o réu BST veio trazer aos autos através do articulado superveniente é a de saber se os autores/Recorrentes têm sobre o réu/Recorrido BST o direito que se arrogam.

X. E foi sobre isso que se pronunciou a sentença e acórdão agora recorridos.

Y. Concluido, não se verifica qualquer violação de caso julgado.

W. Invocam também os Recorrentes haver, nos presentes autos, uma oposição de julgado.

Z. A oposição de julgados exigida pelo artigo 672.º, n.º 1 alínea c) pressupõe:

- existência de um acórdão de uma Relação ou do Supremo Tribunal de Justiça em oposição com o recorrido sobre a mesma questão fundamental de direito, verificando-se aquela oposição quando o núcleo da situação de facto, à luz da norma aplicável, é idêntica em ambos;

- O acórdão dito em oposição, o denominado acórdão fundamento ser anterior e haver transitado em julgado;

- a jurisprudência perfilhada no acórdão recorrido não estar de acordo com a jurisprudência uniformizada pelo STJ.

AA. A verificação da oposição de julgados exige, tal como é habitualmente entendido, que as asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito fixar ou consagrar soluções diferentes para a mesma questão fundamental de direito; que as decisões em oposição sejam expressas; que as situações de facto e o respectivo enquadramento jurídico sejam em ambas as situações idênticas.

BB. A expressão “soluções opostas” pressupõe que nos dois acórdãos é idêntica a situação de facto e, em ambas havendo expressa resolução de direito e que a oposição respeite às decisões e não aos fundamentos. Só há, assim, oposição de julgados justificativos de recurso, quando os mesmos preceitos forem interpretados e aplicados diversamente, a factos idênticos, de tal modo que não haverá oposição quando as decisões invocadas tenham por base situações de facto diferentes.

CC. Os aqui Recorrentes socorrem-se do acórdão de 25/01/2018 proferido nos presentes autos para preencher essa oposição de julgados, que terá de ser analisado como acórdão fundamento.

DD. A única questão que os aqui Recorrentes levantam como objecto desta revista traduz-se em discordar da interpretação e aplicação à situação em apreço das Deliberações do BdP e do RGICSF feita pelo Acórdão recorrido.

EE. No acórdão da Relação de Guimarães de 25/01/2018, decidiu-se a legitimidade processual, e apenas esta, do Banco Santander Totta, não se verificando assim o preenchimento dos requisitos de oposição de julgados acima apontados, restando concluir que a questão fundamental de direito em causa nos dois acórdãos em confronto assenta em matéria diversa.

FF. A conclusão que o acórdão fundamento chegou no sentido de que o “que se trata de decidir, nesta fase, não é se o contrato de arrendamento invocado pelos AA ainda subsiste em termos jurídicos, com o que se estaria já a decidir, pelo menos em parte, o mérito da causa, mas antes se o apelante deve ingressar na posição processual do R, admitindo como possível aquela subsistência. Foi esta, de resto, sempre a motivação para a demanda do R, pelos AA: ou seja, a razão pela qual lhe foi reconhecida legitimidade processual para esta acção.”

Assentou assim em factualidade que nada tem a ver com a que motivou a decisão oposta do acórdão recorrido que considerou “o encabeçamento da posição de locatário no contrato de arrendamento que está em discussão neste processo judicial configura uma responsabilidade litigiosa, que não foi transferida para o adquirente BST.”

GG. Logo inexiste oposição de julgados entre o referido acórdão fundamento e o aqui recorrido.

HH. Pretendem ainda os Recorrentes fazer valer que a posição contratual do BANIF, como arrendatário é um activo transferido para o BST por aplicação do no 1, alínea (b), ponto (xii), sub alínea (A), do anexo 3, activo esse que gera obrigações inerentes ao exercício da actividade bancária (a celebração de contratos de arrendamento para instalação de agências está abrangida nesse âmbito).

II. Sucede que, o Acórdão de que se recorre e que confirmou na íntegra a sentença de primeira instância, concluiu pela ilicitude da declaração resolutiva, considerando, por conseguinte, que o contrato de arrendamento celebrado não se extinguiu, mantendo a sua vigência nos termos previstos pelas partes contratantes.

JJ. Aqui chegados, foi necessário analisar e determinar quem é que, neste momento, ocupa o pólo passivo da relação locatícia supra referida, uma vez que, por força da intervenção do Banco de Portugal, através das Deliberações do seu Conselho de Administração de 19/12/2015 (18:00) e de 20.12.2015 (23:30 horas), na redacção que lhe foi dada pela Deliberação do Conselho de Administração do BdP de 04.01.2017, que determinaram o início do processo de resolução da instituição BANIF, SA (a primeira) e dispersaram todos os direitos, obrigações, responsabilidades e elementos extrapatrimoniais do BANIF pela sociedade NAVIGET, SA e pelo Banco Santander Totta SA (a segunda), nos termos constantes dos anexos 1 a 3 dessa mesma deliberação, sendo que o que não foi transferido para nenhuma dessas duas entidades permaneceu na esfera jurídica do BANIF.”

KK. A questão central que foi assim decidida de igual forma pela primeira instância e pelo acórdão recorrido emergiu da Deliberação tomada pelo Banco de Portugal, pelo que “a transmissão resulta de um acto de terceiro, neste caso o Banco de Portugal, que o faz no exercício dos seus poderes de regulação e supervisão, e que, gozando de discricionariedade técnica, determina, de forma geral e abstracta, o destino a dar aos direitos e obrigações em geral, da entidade bancária resolvida.”

LL. A agência de Cabeceiras foi encerrada muitos meses antes da Deliberação do BdP, não estando, por isso, registada na contabilidade do Banco.

MM. Não havendo agência bancária, já encerrada, e não estando esta registada na contabilidade, coloca-se a hipótese, avançada pelo predito acórdão, de estarmos perante um activo sob gestão do Banif - alínea e) do no 1 do Anexo 3.

NN. Ora tendo em conta que o Banif resolvera já o contrato de arrendamento aquando da medida de resolução -ainda que de modo ilícito-, não estará propriamente em causa um activo gerido pelo mesmo mas sim uma responsabilidade litigiosa.

OO. Por conseguinte das várias alíneas da deliberação não resulta que tenha havido transferência desta responsabilidade para o Santander.

PP. “Assim, e prestando atenção apenas ao que agora nos interessa, da referida alínea b) emerge que as responsabilidades do BANIF perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste são transferidos na sua totalidade para o adquirente BST. Todavia, não são transferidas as responsabilidades contingentes e litigiosas, a não ser as que respeitem às áreas de negócio, activos, direitos ou responsabilidades transferidos para o adquirente em resultado da presente deliberação, e as que sejam constituídas pelo BANIF no âmbito da sua normal actividade bancária (incluindo as obrigações do BANIF ao abrigo de depósitos, cartas de conforto, garantias bancárias, performance bonds e outras contingências similares”.

QQ. Daqui emerge, tal como decidido na sentença recorrida, que o encabeçamento da posição de locatário no contrato de arrendamento que está em discussão neste processo judicial configura uma responsabilidade litigiosa, que não foi transferida para o adquirente BST.”

Termos em que se requer não seja o presente recurso admitido por falta de fundamento processual e legal. Assim não se entendendo, requer seja o presente recurso julgado totalmente improcedente, assim se fazendo JUSTIÇA!”

 

  1. Os Autores/Recorrentes juntaram dois pareceres jurídicos.

 

  1. Por acórdão de 10 de outubro de 2019, a Formação decidiu o seguinte:

“Os AA. vieram interpor recurso de revista, mas começaram por invocar a sua admissibilidade ao abrigo do art. 629°, n° 2, al. a), a partir da alegada violação do caso julgado formal.

“Nestes termos, impõe-se que se proceda à distribuição nos termos gerais, sem embargo de oportuna intervenção da Formação para eventual apreciação da revista com fundamento excecional.

Notifique”.

 

II – Questões a decidir

      Atendendo às conclusões do recurso, que, segundo os arts. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, do CPC, delimitam o seu objeto, e não podendo o Supremo Tribunal de Justiça conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excecionais de conhecimento oficioso, está em causa a questão de se saber se se verifica – ou não - ofensa de caso julgado, id est, saber se a sentença de 25 de maio de 2018, confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 2 de maio de 2019, ofende – ou não – o caso julgado formal constituído pelo acórdão do mesmo Tribunal de 24 de novembro de 2016, no que respeita à sucessão do BST na posição de arrendatário do Banif e, por isso, na respetiva posição processual, na sequência de uma das medidas de resolução – a alienação parcial da atividade - aplicadas ao último pelo BdP. Subsidariamente, está também em causa a questão de se saber se se verifica – ou não - contradição de julgados nos termos invocados pelos Autores (art. 672.º, n.º 1, al. c), do CPC).

Nesta sede, importa recordar que a admissão do recurso ao abrigo do art. 629.º, n.º 2, al. a), do CPC, com fundamento na ofensa de caso julgado, tem como consequência a circunscrição do respetivo objeto à análise da questão que está na base da sua admissão, não podendo estender-se a outras questões[1], sem prejuízo de, subsidariamente, no caso de essa violação não se verificar, se remeterem o autos para a Formação em vista de apreciação preliminar sumária sobre o fundamento da contradição de julgados, nos termos do art. 672.º, n.º 3, do CPC.

III - Fundamentação

  1. De facto

Foram considerados como provados os seguintes factos:

“1) Por escrito particular denominado “contrato de arrendamento comercial” datado de 15.06.2007, os autores declararam ceder ao Banif – Banco Internacional do Funchal, S.A.” o gozo da loja no rés-do-chão existente no prédio urbano sito na Praça ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ... e inscrito na matriz sob o artigo 25, da referida freguesia, com o alvará de licença de utilização número …., emitido pela Câmara Municipal de ... a 04.10.2000.

2) No escrito particular referido em 1) o réu declarou aceitar aquela cedência do gozo, declarando comprometer-se a pagar, como contrapartida, a quantia mensal de € 1.000,00, anualmente actualizável nos termos consignados pelos contraentes, o que foi aceite pelos autores.

3) O fim estipulado foi o exercício do comércio bancário, sendo permitido o subarrendamento entre empresas do Grupo Banif.

4) Foi acordado um prazo de vigência daquele acordo de vontades por 30 anos, com início na data da sua outorga (11.06.2007), com a possibilidade de prorrogação por períodos sucessivos de dez anos”.

5) Ficou também expressamente estipulado que o contrato “(…) não pode ser denunciado por qualquer das partes mas qualquer delas pode opor-se à sua renovação com a antecedência mínima de 180 dias por meio de carta registada com aviso de recepção”.

6) Mais acordaram que as rendas se vencem a partir do início do décimo primeiro ano de vigência do contrato, sendo que qualquer um dos outorgantes pode tomar a iniciativa de proceder a uma correcção extraordinária da renda para o valor locativo do rés-do-chão nessa data, tendo em conta todas as circunstâncias objectivas que nela possam influir, nelas se incluindo o montante inicial da renda.

7) Acordaram também que o novo valor da renda seria atribuído por um perito nomeado por ambas as partes ou, na falta de acordo, por três peritos nomeados, um por cada parte, sendo que estes cooptarão um terceiro.

8) (…) e que a nova renda seria devida no mês seguinte àquele em que ocorreu a avaliação mediante comunicação do senhorio, podendo a revisão do montante da renda ser repetida decorridos que fossem 10 anos sobre a última correcção extraordinária.

9) A última renda paga ao autor foi em 02.01.2015, no valor mensal de € 1.102,81.

10) Por carta datada de 29.12.2014 mas recebida apenas em 05.01.2015, o réu comunicou ao autor marido que: o contrato “(…) foi celebrado num contexto de expansão económica e de crescimento do próprio Banif, no qual se estipulou o arrendamento do imóvel pelo prazo de 30 anos sem possibilidade de denúncia antecipada”. “(…) passados 7 anos, as circunstâncias existentes à data da celebração do contrato alteraram-se de forma muito significativa e anormal, nomeadamente as circunstâncias de crescimento económico em que o nosso país se encontrava alteraram-se para um contexto de evidente e reconhecida recessão económica e, por consequência, também a política de investimento, expansão e abertura de agências adoptada pelo Banif, que na altura pelas circunstâncias descritas encontrava plena justificação deixou de fazer qualquer sentido”. “(…) não só as circunstâncias que fundaram a vontade de celebração do referido contrato de arrendamento se alteraram anormalmente, como, actualmente, o Banif está obrigado, por força do seu Plano de Recapitalização, a encerrar um número muito significativo de agências até ao final do presente anos de 2014, entre as quais a agência instalada no imóvel de qual V. Exª é senhorio”. “(…) a manutenção de um contrato de arrendamento por mais 23 anos, sem que, pelas razões expostas, o Banif possa exercer naquela localidade a actividade para a qual arrendou o imóvel e, por consequência, fazer qualquer utilização do mesmo, consubstancia uma imposição demasiado onerosa e gravosa para o Banif com os princípios da boa fé”.

11) Os autores responderam por carta de 09.01.2015, na qual comunicaram a não aceitação da resolução do contrato e a não aceitação da entrega das chaves.

12) O réu suportou o pagamento de indemnização no valor de € 65.000,00 ao anterior inquilino para disponibilizar o imóvel e, em obras de adaptação do imóvel necessárias à instalação de uma agência bancária gastou € 100.259,91.

13) O Banif apresentou um resultado líquido negativo de 161,6 milhões de euros no ano de 2011, de 576,4 milhões de euros em 2012 e de 470,3 milhões de euros em 2013.

14) O Banif recorreu a processo de recapitalização previsto na Lei 63/2008, de 24 de Novembro, tendo sido injectado no mesmo a quantia aproximada de 1.100 milhões de euros em 2013 e estabelecida a necessidade de fusão, tendo sido constituído o BANIF SGPS, SA no início de 2015.

15) O Banif ficou sujeito a um plano de recapitalização que compreendia: (i) a descrição das medidas adequadas a serem adoptadas pelo Banif com o objectivo de assegurar a sua viabilidade a médio prazo; (ii) o calendário de implementação das medidas de viabilidade, e (iii) a demonstração da sua consistência operacional/solidez (cfr. art. 9º,1 da Lei nº 63/2008, na redacção que lhe foi conferida pela Lei nº 4/2012, de 11 de Janeiro).

16) O referido Plano de Recapitalização foi aprovado em reunião da Assembleia Geral do Banif de 16 de Janeiro de 2013, após ter merecido o parecer favorável do Banco de Portugal.

17) A recapitalização foi aprovada pelo Despacho n.º 1527-B/2013, de 23 de Janeiro de 2013 pelo Ministro de Estado e das Finanças.

18) O Banif ficou obrigado a reformular o seu modelo de negócio, a implementar profundas medidas de reestruturação e a reduzir o seu número de agências e a limitar o seu âmbito de actuação geográfica.

19) A implementação destas medidas está a ser acompanhada e fiscalizada pelo Banco de Portugal, pelo Ministério das Finanças e pela Direcção-Geral para Concorrência da Comissão Europeia.

20) O Plano de Reestruturação prevê uma significativa redução do número de agências bancárias do Banif, especialmente em Portugal Continental e no interior do país, em linha com as indicações da Comissão Europeia.

21) As medidas de desinvestimento incidiram essencialmente sobre venda de imobiliário e participações sociais detidas sobre empresas no estrangeiro.

22) Os cortes de custos assentaram designadamente na redução do quadro de funcionários e no fecho de agências.

23) O anterior inquilino do locado era a agência ... que aí exerceu a sua actividade desde Março de 2001 até Maio de 2007.

24) A última renda paga foi de 807,26 € mensais.

25) Havia um excelente relacionamento entre CC – sócio e gerente da ... - e os ora autores, então senhorios, relacionamento esse que se estendia também ao nível profissional, já que as actividades dos autores (advocacia) e da inquilina (contabilidade) eram em muitas situações, complementares.

26) Estabeleceu-se, assim, uma profícua colaboração com benefícios para todos.

27) Chegou a perspectivar-se a constituição de uma sociedade entre os autores e CC para exploração de um franchising na área de aconselhamento em decisões na área financeira (Decisões e soluções, compra e venda, arrendamento, leasings, créditos, entre outros).

28) Essa sociedade funcionaria no locado e teria o apoio técnico dos autores (na parte jurídica e formal).

29) Em princípio de Março de 2007, o autor marido foi contactado por CC, gerente da ..., no sentido de saber se estaria disposto a arrendar o locado ao Banif, admitindo que, por si, estaria disposto a revogar o contrato de arrendamento com a ..., posto ter negociado já com o Banif as condições em que assumiria tal disponibilidade.

30) O Banif pagou a CC o valor de € 65.000,00 para o mesmo deixar o locado, acedendo na revogação do contrato que tinha celebrado com os autores.

31) O termo daquela relação de senhorio/arrendatário ditou o fim do projecto de constituição da sociedade, uma vez que na perspectiva das partes ele só faria sentido se funcionasse no locado.

32) A autorização temporária conferida pela Direcção Geral da Concorrência comunitária para o sector financeiro nacional à recapitalização do Banif dependia do cumprimento das medidas impostas.

33) A crise financeira internacional que sobreveio a partir de 2009 aumentou os custos de financiamento da Banca em Portugal.

34) Dou por integralmente reproduzido o teor da Deliberação do Conselho de Administração do BdP datada de 20.12.2015 (23:30 horas), na redacção que lhe foi dada pela Deliberação do Conselho de Administração do BdP de 04.01.2017, designadamente o Anexo 3, relativo aos direitos e obrigações que constituam activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão, do Banif transferidos para o Santander, onde se refere que:

a. activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banif, registados na contabilidade, são objecto de transferência para o adquirente [Santander], de acordo com os seguintes critérios onde se refere o seguinte: (a) todos os activos, licenças e direitos, incluindo direitos de propriedade do Banif, são transferidos na sua totalidade para o adquirente com excepção dos seguintes (“Activos Excluídos”).

b. São activos excluídos [1, alínea b), subalínea xii] «[todas as responsabilidades não conhecidas e as responsabilidades contingentes e litigiosas e as responsabilidades no âmbito de alienação de entidades ou de actividades, com excepção (A) das que respeitem às áreas de negócio, activos, direitos ou responsabilidades transferidos para o adquirente em resultado da presente deliberação (B) bem como das que sejam constituídas pelo Banif no âmbito da sua normal actividade bancária (incluindo as obrigações do Banif ao abrigo de depósitos, cartas de conforto, garantias bancárias, performance bonds e outras contingências similares).

c. As responsabilidades e os elementos extrapatrimoniais do Banif que não foram objecto de transferência para o adquirente nem para a Naviget S.A., permaneceram na esfera jurídica do Banif [alínea d) do nº 1 do anexo 3) à deliberação de 20/12/2015].

35) Em 20.12.2015 a agência do Banif de ... não existia nem estava registada na contabilidade desse Banco”.

 

  1. De Direito

(In)admissibilidade do recurso de revista

  1. De acordo com jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça[2], no que respeita à ofensa de caso julgado enquanto fundamento do recurso, basta a possibilidade de verificação dessa violação para que o recurso seja admissível - ainda que circunscrito à apreciação dessa questão. Os Autores/Recorrentes limitam o objeto do recurso à questão de se saber se o BST, que substituiu o Banif na presente lide, também lhe sucedeu na posição contratual de arrendatário. É precisamente sobre essa questão que recai a alegada ofensa de caso julgado, assim como a invocada contradição de julgados. Por isso, segundo o acórdão da Formação, de 10 de outubro de 2019, começa-se por apreciar o fundamento da ofensa de caso julgado.
  2. Os Autores/Recorrentes alegam que o acórdão recorrido – do Tribunal da Relação de Guimarães, de 2 de maio de 2019 - violou o caso julgado formado pelo acórdão, do mesmo Tribunal, de 24 de novembro de 2016 - já transitada em julgado.
  3. O art. 629.º, n.º 2, al. a), do CPC, prevê a admissibilidade de recurso, independentemente do valor da causa ou do valor da sucumbência, quando esteja em causa a impugnação das decisões relativamente às quais seja invocada a ofensa de caso julgado (formal ou material).
  4. “O art. 671.º, n.º 2, al. a), sanou qualquer dúvida quanto à prevalência do regime especial constante do art. 629.º. n.º 2, al. a), sobre os pressupostos da admissibilidade da revista normal (artigo 671.º, n.ºs 1 e 3). Tendo por fundamento a ofensa de caso julgado, a revista será de admitir fora do condicionalismo geral, ainda que porventura se verifique uma  situação de dupla conforme (art. 671.º, n.º 3) ou mesmo que se trate de acórdão que não reúna as condições previstas no n.º 1”[3].
  5. “A ampliação da recorribilidade da decisão justifica-se, aqui, pela necessidade de preservar os efeitos que decorrem de decisões já transitadas em julgado ou cobertas pela eficácia ou autoridade do caso julgado, evitando a sua inconveniente contradição ou a inútil confirmação (art. 580.º, n.º 2)”[4]. Com efeito, de acordo com o art. 580.º, n.º 2, do CPC, o caso julgado impõe uma proibição de contradição ou uma proibição de repetição da decisão transitada.
  6. Verifica-se a ofensa do caso julgado formal quando, no mesmo processo, não é respeitada decisão anterior transitada em julgado, pressupondo que esta se pronunciou sobre idêntico objeto.

A resolução do Banif pelo BdP

  1. O Banif é uma instituição de crédito portuguesa a que o BdP aplicou, a 20 de dezembro de 2015, duas medidas de resolução: a alienação parcial ou total da atividade e a segregação de ativos.
  2. Conforme as deliberações tomadas pelo seu Conselho de Administração a 19 e 20 de dezembro[5], o BdP começou por apreciar a (in)conveniência da aplicação de uma medida de resolução ao Banif no decurso de uma investigação efetuada pela Comissão Europeia[6] a propósito do (des)conformidade com as normas europeias do auxílio estatal[7] - no montante de mil e cem milhões de euros – concedido a esta instituição de crédito em vista do cumprimento dos requisitos mínimos de fundos próprios legais e regulamentares[8].
  3. A 18 de dezembro de 2015, a Comissão Europeia – através da Direção Geral da Concorrência - pronunciou-se sobre a impossibilidade de uma alienação da atividade do Banif quando combinada com a prestação de auxílio estatal. Assim, a Comissão Europeia esclareceu ainda que, de acordo com a Diretiva 2014/59/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014 - que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento[9] -, no caso de solicitação de apoio financeiro público extraordinário,  competia ao  BdP - enquanto autoridade de supervisão e de resolução  - declarar que o Banif se encontrava “em risco ou em situação de insolvência” (art. 145.º, n.º 2, al. a), do RGICSF)[10].
  4. A decisão da CMVM de 17 de dezembro de 2015, de suspender a negociação das ações do Banif na Euronext Lisbon, conduziu o BdP, a 20 de dezembro de 2015, a anunciar a venda do Banif ao BST pelo preço de 150 milhões de euros. Esta operação envolveu ainda um apoio público de 2.255 milhões de euros (1.766 milhões diretamente do Estado e 489 milhões de euros do Fundo de Resolução) para “cobrir contingências futuras”. O BdP referiu que, a 19 de dezembro, o Ministério das Finanças o informou de que não tinha sido possível celebrar a venda de ativos e passivos do Banif no âmbito de um processo de alienação voluntária, porque as propostas apresentadas pelos principais compradores implicavam auxílio adicional por parte do Estado[11].
  5. Nestes moldes, tendo em conta a verificação da impossibilidade prática de alienação voluntária da atividade do Banif desacompanhada da concessão de auxílio estatal, com o objetivo de “proteger os depositantes e de assegurar a continuidade dos serviços financeiros essenciais para a economia prestados pelo Banif, salvaguardando a estabilidade do sistema financeiro com menos custos para o erário público”[12] e considerando também que, na ausência da adoção urgente de uma medida de resolução, o Banif ficaria inevitavelmente numa situação de cessação de pagamentos conducente à revogação da sua autorização para o exercício da atividade bancária - o que representaria um significativo risco sistémico – e consequente liquidação[13], o BdP deliberou o início da aplicação da medida de resolução da alienação parcial ou total da atividade (art. 145.º-E, n.º 1, al. a), do RGICSF) e a promoção de diligências junto das instituições (Banco Popular Español, S.A., e BST) que haviam demonstrado interesse na aquisição da participação social do Estado no Banif[14].
  6. A alienação parcial ou total da atividade constitui, nos termos da lei, a primeira medida de resolução de uma instituição de crédito com insuficiência de capital (art. 145.º-E, n.º 1, al. a), do RGICSF). Conforme o art. 145.º-M, n.º 1, do RGICSF, o BdP “pode determinar a alienação parcial ou total de direitos e obrigações de uma instituição de crédito objeto de resolução, que constituam ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão da instituição, e da titularidade das ações ou outros títulos representativos do seu capital social” [15]. Esta medida consente tornar a instituição de crédito objeto de resolução mais atrativa para potenciais adquirentes. Os direitos e obrigações que não sejam alienados permanecerão nessa instituição de crédito – que será ulteriormente liquidada -, ou, se for caso disso, serão transferidos para um veículo de gestão de ativos para o efeito constituído[16]. Também se encontra prevista a alienação da titularidade das ações ou de outros títulos representativos do seu capital social.
  7. Os acionistas e credores cujas posições não sejam transmitidas não gozam de qualquer direito sobre os ativos e passivos transferidos para o adquirente. Serão, todavia, protegidos ao abrigo do princípio NCWO (“no creditor worse off”) – art. 145.º-D, n.º 1, al. c), do RGICSF -, porquanto não poderão ficar em pior situação do que aquela em que se encontrariam se a instituição de crédito tivesse entrado em liquidação. Se, porventura, ficarem em pior situação, serão compensados da diferença entre os prejuízos que teriam suportado se a instituição de crédito objeto de resolução tivesse entrado em liquidação e os que efetivamente sofreram em consequência da aplicação da medida de resolução à respetiva instituição de crédito, pelo Fundo de Resolução (arts. 145.º-H, n.os 14 e 16, e 145.º-AA, n.º 1, al. f), do RGICSF.
  8. Conforme o art. 145.º- N, n.º 1, do RGICSF, esta alienação deve ser realizada em condições comerciais, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, a avaliação (art. 145.º- H) e as regras de Direito da Concorrência, em matéria de auxílios do Estado.
  9. O BdP tem o poder de dirigir convites à apresentação de propostas em ordem à aquisição – parcial ou total - da atividade (art. 145.º-M, n.º 4, do RGICSF). Apenas poderão ser apresentadas propostas de aquisição por instituições de crédito autorizadas a exercer a atividade em causa ou que tenham requerido essa autorização junto do BdP, ficando, neste caso, a decisão de alienação sujeita à condição de obtenção da respetiva autorização (art. 145.º- M, n.º 7) do RGICSF.
  10. De acordo com o art. 145.º-N, n.º 6, do RGICSF, “A decisão que determine a alienação prevista no n.º 1 do artigo anterior produz, por si só, o efeito de transmissão da titularidade dos direitos e obrigações transferidos da instituição de crédito objeto de resolução para o adquirente, sendo este considerado, para todos os efeitos legais e contratuais, como sucessor nos direitos e obrigações alienados”.
  11. Segundo o art. 145.º-N, n.º 7, do RGICSF, “A eventual alienação parcial dos direitos e obrigações não deve prejudicar a cessão integral das posições contratuais da instituição de crédito objeto de resolução, com transmissão das responsabilidades associadas aos elementos do ativo transferidos, nomeadamente no caso de contratos de garantia financeira, de operações de titularização ou de outros contratos que contenham cláusulas de compensação e de novação”.
  12. De resto, de acordo com o art. 145.º-N, n.º 8, do RGICSF, “A decisão que determine a alienação prevista no n.º 1 do artigo anterior produz efeitos independentemente de qualquer disposição legal ou contratual em contrário, sendo título bastante para o cumprimento de qualquer formalidade legal relacionada com a alienação”. Essa decisão produz, pois, efeitos, independentemente de qualquer disposição legal ou contratual em contrário, não depende do consentimento dos acionistas ou titulares de outros títulos representativos do capital social da instituição de crédito objeto de resolução, das partes em contratos de que decorrem os direitos e obrigações a alienar, ou de quaisquer terceiros. Corresponde a uma cessão de direitos que opera por força da lei, considerando que a decisão que determine a alienação gera como efeito a transmissão da titularidade dos direitos e obrigações transferidos da instituição de crédito objeto de resolução para o adquirente, sendo este considerado, para todos os efeitos legais e contratuais, sucessor nos direitos e obrigações alienados[17].
  13. Segundo o art. 145.º-N, n.º 5, al. b), do RGICSF, “Sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 145.º-L, o produto da alienação reverte para: b) A instituição de crédito objeto de resolução, caso a alienação tenha sido realizada através da alienação de parte ou da totalidade de direitos e obrigações”.
  14. Na deliberação de 20 de dezembro de 2015, o Conselho de Administração do BdP refere que apenas o BST havia apresentado uma proposta vinculativa para a aquisição total ou parcial da atividade do Banif.
  15. O Banif representa o segundo caso de resolução ocorrido em Portugal[18]. Em virtude das especificidades da sua situação, o BdP decidiu não lhe aplicar uma solução semelhante àquela adotada para o BES: a constituição de uma instituição de transição. Muito diferentemente, conforme referido supra, optou-se pela alienação parcial da atividade do Banif e da maior parte dos seus ativos ao BST, assim como pela transferência de alguns ativos daquele para um veículo de gestão de ativos, constituído para esse efeito[19] - porquanto o BST não se mostrou interessado na aquisição da totalidade dos ativos e passivos do Banif.
  16. Aquele veículo de gestão - a Naviget, S.A., atualmente denominada como Oitante, S.A. –, conforme o art. 145.º-S, n.º 3, do RGICSF, destinava-se a receber e administrar a parte ou a totalidade dos direitos e obrigações do Banif[20].
  17. Nesta sede, importa notar que o BdP, por deliberação do seu Conselho de Administração, de 4 de janeiro de 2017, exerceu a prerrogativa de proceder à “clarificação, retificação e conformação dos perímetros de transferência dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banif – Banco Internacional do Funchal, S.A., para a Oitante, S.A. e para o Banco Santander Totta, S.A.”[21].  
  18. Por seu turno, em vista do pagamento da contrapartida devida pela transmissão de direitos, o veículo de gestão emitiria obrigações representativas de dívida, que seriam garantidas pelo Fundo de Resolução[22]. Esta garantia prestada pelo Fundo de Resolução seria, por sua vez, contra-garantida pelo Estado Português, que se havia comprometido a prestar auxílio financeiro ao veículo de gestão de ativos (com respeito pelos princípios e orientações da União Europeia sobre os auxílios do Estado)[23].
  19. Também em virtude da transferência da parcela mais significativa da respetiva atividade e património[24], o BdP, por deliberação do seu Conselho de Administração de 20 de dezembro de 2015, a título complementar, aplicou duas medidas de intervenção corretiva ao Banif, tendo em vista i) a proibição de concessão de crédito e a aplicação de fundos em quaisquer espécies de ativos, exceto na medida em que a aplicação de fundos se revelasse necessária para a preservação e valorização do seu ativo”[25], ii) a proibição de receção de depósitos, e iii) a dispensa, por um ano - até 20 de dezembro de 2016 - do cumprimento das normas prudenciais aplicáveis.
  20. Por força da aplicação da medida de resolução traduzida na “alienação parcial da atividade” de que foi objeto, o Banif deixou de exercer a atividade bancária, porquanto, conforme mencionado supra, a parcela mais significativa da sua atividade foi vendida ao BST ou transferida para a Oitante, S.A.[26].
  21. A revogação da autorização do Banif para o exercício da atividade bancária teve lugar a 22 de maio de 2018, por parte do BCE. Esta revogação acarretou a dissolução do Banif e o a consequente liquidação. Para o efeito, o BdP requereu, junto do Tribunal de Comércio, o início da sua liquidação judicial, que “incidirá apenas sobre o património do Banif à data da revogação da sua autorização para o exercício da atividade”[27].
  22. Transferiram-se, pois, para o veículo de gestão - Naviget, S.A., atualmente denominada como Oitante, S.A. -, direitos e obrigações do Banif que constituíam ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão da instituição, com o objetivo de maximizar o seu valor em vista de uma ulterior alienação ou liquidação - art. 145.º- S, n.º 1, do RGICSF – e não de assegurar a continuidade da atividade. Trata-se, neste caso, de ativos sem valor estratégico; relacionados com um mercado enfraquecido; que comportam riscos considerados inaceitáveis; e/ou que podem ser inadequados para obter financiamento a longo prazo. Note-se que a transferência de direito e obrigações para um veículo de gestão apenas pode ter lugar nos termos previstos no art. 145.º-T, n.º 2, do RGICSF.

Âmbito de relevância do art. 145.º-N, n.º 7, do RGICSF

  1. Está igualmente em causa, no caso sub judice, a determinação do âmbito de relevância do art. 145.º-N, n.º 7, do RGICSF.
  2. Na verdade, deve partir-se do princípio de que o sinalagma ou nexo de sinalagmaticidade, que une as posições ativas e passivas dos Autores e do Réu no contrato de arrendamento celebrado em 2007, foi respeitado pela medida de resolução da “alienação parcial da atividade” aplicada pelo BdP ao Banifid est, o direito de gozar a coisa locada foi transferido para o BST acompanhado da respetiva obrigação de pagar a renda.
  3. É que o BdP, na conformação da medida de resolução, encontra-se certamente limitado pelo respeito desta sinalagmaticidade, não podendo cindir-se o direito de gozar a coisa locada da obrigação de pagar a renda[28].
  4. O art. 145.º-N, n.º 7, do RGICSF, que não possui uma hipótese tipificadora, tem, naturalmente, um âmbito de relevância mais amplo do que aquele que resulta da enumeração casuística nele contida, que é meramente exemplificativa, dos casos em que a eventual transferência parcial dos direitos e obrigações para o adquirente não deve prejudicar a cessão integral das posições contratuais da instituição de crédito objeto de resolução, com transmissão das responsabilidades associadas aos elementos do ativo transferidos. Nessa enumeração meramente exemplificativa – e não taxativa - encontram-se os contratos de garantia financeira, as operações de titularização ou outros contratos que contenham cláusulas de compensação e de novação.
  5. A primeira parte do preceito do art. 145.º-N, n.º 7, do RGICSF, procura circunscrever, através de uma cláusula geral, as situações em que a eventual transferência parcial dos direitos e obrigações para o adquirente não deve prejudicar a cessão integral das posições contratuais da instituição de crédito objeto de resolução. Por seu turno, a última parte da mesma disposição, mediante uma enumeração exemplificativa (“nomeadamente”), aponta para os tipos de critérios segundo os quais se deverá aferir, para o efeito, da insusceptibilidade de dissociação das posições ativas e passivas da instituição de crédito objeto de resolução.
  6. Esta enumeração exemplificativa serve para ilustrar de certo modo o alcance da cláusula geral[29]. As realidades negociais enumeradas a título meramente exemplificativo indicam a necessidade de respeitar o sinalagma - vínculo existente entre duas obrigações quando cada uma delas apenas se constitui e vincula o respetivo devedor se a contra-obrigação se constituir e se desenvolver, apenas sendo assumida para que a contra-obrigação se constitua e desenvolva - que une posições ativas e passivas.
  7. Por outro lado, no que respeita ao crédito indemnizatório – em causa no pedido formulado pelos Autores a título subsidiário -, há que levar em devida linha de conta que a responsabilidade contratual é geneticamente indissociável da obrigação de cujo incumprimento emerge e que, por isso, a sua (in)transmissibilidade fica dependente de se ter - ou não - transmitido a obrigação primária inadimplida[30].

Interpretação do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24 de novembro de 2016 e alcance do caso julgado

  1. A exigência de segurança feita ao Direito é, com efeito, suscetível de conflituar com a exigência de justiça. Em certos casos, na relação de tensão dialética existente entre os dois valores, a segurança prevalece sobre a justiça. Institutos como o do caso julgado, visando colocar um ponto final nos litígios e assegurar a paz jurídica, são, fundamentalmente, inspirados pelo valor da segurança[31].
  1. Impõe-se proceder à interpretação da decisão judicial proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães a 24 de novembro de 2016.
  2. Consubstanciando-se a decisão judicial num ato jurídico, aplicam-se-lhe as regras de interpretação estabelecidas para a declaração negocial (arts. 236.º-238.º do CC ex vi do art. 295º do mesmo corpo de normas[32]). De acordo com o art. 236.º, n.º 1 do CC, “a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante (…)”.
  3. Atendendo à sua natureza e características, considera-se que a interpretação do ato jurídico “decisão judicial” visa “a descoberta do sentido preceptivo que se evidencia no texto do acto processual, a determinação da estatuição nele presente”[33]. Esse sentido consiste, precisamente, na indicação dos respetivos efeitos (jurídicos).
  4. Exprimido a decisão judicial “uma injunção aplicativa do direito, a vontade da lei”, no caso concreto, correspondendo ao “resultado de uma operação intelectual que consiste no apuramento de uma situação de facto e na aplicação do direito objectivo a essa situação”[34], compreende-se que a jurisprudência preconize, maioritariamente, a sua interpretação de acordo com o sentido que um declaratário normal – figura normativamente construída[35] -, colocado na posição real do declaratário - a parte ou, mutatis mutandis, outro tribunal, onde já cabem considerações que supõem conhecimentos jurídicos no declaratário - possa deduzir do seu contexto[36] ou a necessidade de levar em linha de conta as regras da interpretação da lei (art. 9.º do CC)[37].
  5. É, pois, através da interpretação que se obtém o sentido do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24 de novembro de 2016 e o alcance do caso julgado[38]. Sendo as decisões judiciais atos formais - amplamente regulados pela lei processual e implicando uma objetivação da composição de interesses nelas contida -, tem de se aplicar à respetiva interpretação a regra fundamental segundo a qual não pode a decisão valer com um sentido que não tenha no respetivo texto um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso[39].
  6. Nas declarações formais, o resultado a que se chegar não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de ressonância no respetivo texto, ainda que imperfeitamente expresso. Com efeito, segundo o art. 238.º, n.º 1, do CC, o sentido da declaração formal, para valer, há-de ter um mínimo de correspondência “no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso”. O sentido da declaração não necessita de se refletir perfeitamente no texto.
  7. No caso em apreço, a propósito da interpretação do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24 de novembro de 2016, e atendendo ao seu dispositivo, o acórdão recorrido, do mesmo Tribunal, sustenta o seguinte:

“Dito isto, compreende-se que a situação possa suscitar algumas reservas. Parece a priori estranho que possa dentro de um mesmo processo haver uma decisão interlocutória que conclui que o BST sucedeu nos direitos e obrigações do BANIF para efeitos de ter legitimidade para prosseguir na lide em vez deste, e uma sentença proferida a final que entende que o BST não sucedeu nesta obrigação em concreto e o absolve do pedido.

Porém, a estranheza é fácil de ultrapassar.

É sabido que a técnica e os conceitos jurídicos funcionam através de sucessivas camadas de abstracção, em que por vezes o mesmo facto concreto, do mundo do ser, é analisado à luz de uma primeira camada normativa e dele é extraída uma determinada conclusão jurídica, e posteriormente é inserido num outro plano normativo diferente, e aí já dá lugar a uma decisão diferente.

Foi exactamente o que se passou neste caso. Com base em determinado factos, e numa determinada camada de abstracção jurídica foi proferida uma decisão que lhes aplicou o Direito e extraiu uma conclusão jurídica, a qual assumiu força de caso julgado formal.

Agora, numa camada completamente diferente de abstracção, com base nos mesmos factos, foi aplicado o Direito e foi extraída uma outra conclusão. Os recorrentes insurgem-se porque vêm esta segunda decisão a contradizer a primeira, e entendem que o não poderia fazer, sob pena de violação do caso julgado.

Sem nos querermos repetir, a contradição desaparece, ou talvez, não tanto desaparece como torna-se compreensível e juridicamente aceitável, se pensarmos que as duas decisões estão situadas e emergem de duas dimensões jurídicas, uma processual e outra substantiva. A ofensa ao caso julgado só seria real se a segunda decisão contraditória da primeira se situasse na mesma dimensão desta.

O que manifestamente não é o caso.

E não vemos que haja nada de errado ou de perverso nesta conclusão. É apenas a forma como os conceitos inseridos num sistema jurídico se entrecruzam e relacionam entre si, primeiro em abstracto, e depois em concreto. Quando, no plano teórico, há um choque entre conceitos abstractos de forma a causar uma disfunção no sistema jurídico, a solução só pode emergir de intervenção legislativa. Quando a disfunção só emerge ou só se torna visível perante um caso concreto, é aos Tribunais que cumpre ultrapassar a mesma.

Diga-se que a alternativa, defendida pelos recorrentes, também não deixava de conter uma disfunção no seu âmago: colocava o Juiz do julgamento numa estranha posição, a de ter de aceitar que uma das questões centrais do litígio que ele tinha à sua frente para decidir já estava decidida, previamente, numa decisão interlocutória recaindo sobre a relação processual.

Concluímos dizendo que a força de caso julgado formal do acórdão desta Relação de 24/11/2016 não se impõe ao Tribunal recorrido, nem a esta Relação, quando está em causa a decisão sobre o mérito da causa.

Donde improcede a excepção de caso julgado”.

  1. Tem sido entendimento da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que o âmbito objetivo do caso julgado se estende à apreciação das questões preliminares que constituam antecedente lógico necessário da parte dispositiva da decisão[40].

Sendo controvertida a consideração autónoma dessa extensão do caso julgado a outros litígios entre as mesmas partes, designadamente quando se verifique uma relação de prejudicialidade, é comumente aceite a sua dimensão interpretativa[41].

  1. In casu, a interpretação do dispositivo do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24 de novembro de 2016, na parte em que refere que “Em suma, entendemos que a solução adoptada na decisão recorrida é a juridicamente correcta e, portanto, aderindo aos seus fundamentos, nada mais resta do que confirmá-la, assim improcedendo o presente recurso”, depende da apreciação dos fundamentos que conduziram àquela decisão:

(…) do que se trata de decidir, nesta fase, não é se o contrato de arrendamento invocado pelos autores ainda subsiste em termos jurídicos, com o que se estaria já a decidir, pelo menos em parte, o mérito da causa, mas antes se o apelante [Santander] deve ingressar na posição processual do réu, admitindo como possível aquela subsistência. (…) De modo que, atendendo à tese dos autores, é inegável não só a legitimidade processual do réu como, subsequentemente, do apelante, em substituição daquele. Até porque o direito ao arrendamento em causa, a existir, como sufraga aquela tese, constitui inegavelmente um activo patrimonial para o respectivo titular. A questão que se poderia colocar é se esse activo não estando comprovado o seu registo na contabilidade do Banif, ainda assim se transmitiu para o apelante [Santander] face aos termos da deliberação do Banco de Portugal de 20.12.2015, que aparentemente exige esse registo. Mas a decisão recorrida solucionou esta questão em termos que temos por correctos; ou seja, considerando, em primeiro lugar, que aquele activo, no confronto entre os que foram afectos à Naviget, S.A. e ao apelante, só a este último se pode ter por atribuído; e, depois, em função do estipulado no artigo 145º-N, nº7, do RGICSF, que consagra o princípio de que as responsabilidades se transmitem com os elementos do activo a que estão associadas, também ao apelante se devem ter por imputadas. De qualquer modo, também entendemos que o referido registo contabilístico tem de ser entendido em termos hábeis. Ou seja, considerando que o mesmo engloba todos os activos que eram passíveis desse registo. Foi nesse pressuposto, temos por certo, que a deliberação do Banco de Portugal foi tomada. Até porque, ao contrário das responsabilidades e dos elementos extrapatrimoniais do Banif que não foram objecto de transferência para o adquirente nem para a Naviget S.A., em que se deliberou que permaneceriam na esfera jurídica do Banif [alínea d) do nº 1 do anexo 3) à deliberação de 20/12/2015], o mesmo não foi previsto para os activos em geral. E mesmo para os activos sob a gestão do Banif, também eles foram transferidos para a gestão do adquirente [alínea e) do mesmo anexo]”.

 

  1. No acórdão recorrido, o Tribunal da Relação de Guimarães parte do pressuposto de que ao Réu/Recorrido – BST - não foi reconhecida, no acórdão de 24 de novembro de 2016, a qualidade de arrendatário no contrato que serve de base à presente ação. Todavia, na verdade, e tal como resulta claramente dos fundamentos de facto da decisão a 24 de novembro de 2016, o Réu/Recorrido – BST - sucedeu ao Banif na qualidade de atual arrendatário do imóvel em que funcionava a agência de .... Foi justamente por isso que ocupou a sua posição na presente lide.
  2. E foi precisamente neste sentido que se pronunciaram tanto o despacho de 31 de maio de 2016 como o acórdão de 24 de novembro de 2016.
  3. Não se pode atribuir outro sentido ao acórdão de 24 de novembro de 2016, pois que foi claramente a alteração subjetiva da relação substantiva que conduziu à sucessão do BST na posição processual passiva do Banif.
  4. Com efeito, o Tribunal da Relação de Guimarães, a 24 de novembro de 2016, pronunciou-se sobre a questão de se saber se o BST devia – ou não - ser admitido a intervir nos autos principais em substituição do Banif. A decisão recaiu sobre a relação processual e substantiva, decidindo sobre a legitimidade do BST para intervir nestes autos em substituição do Banif. E a força de caso julgado dessa decisão impõe-se dentro destes autos, através da certeza de que não se voltará a discutir se o BST tem - ou não - legitimidade para substituir, do lado passivo da lide, o Banif.
  5. Decidiu, definitivamente, a questão da legitimidade do BST:

“efectivamente, do que se trata de decidir, nesta fase, não é se o contrato de arrendamento invocado pelos AA ainda subsiste em termos jurídicos, com o que se estaria já a decidir, pelo menos em parte, o mérito da causa, mas antes se o apelante deve ingressar na posição processual  do R, admitindo como possível aquela subsistência”.

 

  1. Assim, a força de caso julgado formal do acórdão de 24 de novembro de 2016 impede que se volte a discutir no âmbito deste mesmo processo a legitimidade processual do BST. Está definitivamente assente que o BST é parte legítima nesta acção, precisamente porque, sucedendo nos direitos e obrigações do Banif, lhe foi transferida a posição contratual de arrendatário. E é até aqui que se estende a força de caso julgado – formal - desse acórdão de 24 de novembro de 2016.
  2. Em sede de interpretação de uma decisão judicial, a compatibilidade de um sentido com a lei deve, de resto, constituir um fator de preferência desse sentido[42].
  3. O caso julgado, na medida que se consubstancia numa decisão judicial que se consolidou na ordem jurídica, há-de encerrar uma presunção de conformidade com a ordem normativa[43].
  4. Não parece razoável preconizar que o BST tem legitimidade para litigar em juízo e que o contrato de arrendamento não lhe é oponível por não ter a posição de arrendatário. Por isso, não pode prevalecer o sentido que o acórdão recorrido acaba por atribuir ao acórdão de 24 de novembro de 2016.
  5. Não se compreende, deste modo, a conclusão do acórdão recorrido, nos termos da qual:

“Dito isto, compreende-se que a situação possa suscitar algumas reservas. Parece a priori estranho que possa dentro de um mesmo processo haver uma decisão interlocutória que conclui que o BST sucedeu nos direitos e obrigações do BANIF para efeitos de ter legitimidade para prosseguir na lide em vez deste, e uma sentença proferida a final que entende que o BST não sucedeu nesta obrigação em concreto e o absolve do pedido. Porém, a estranheza é fácil de ultrapassar. As duas decisões estão situadas e emergem de duas dimensões jurídicas, uma processual e outra substantiva. A ofensa ao caso julgado só seria real se a segunda decisão contraditória da primeira se situasse na mesma dimensão desta. O que manifestamente não é o caso. Concluímos dizendo que a força de caso julgado formal do acórdão do Tribunal da Relação de 24 de novembro de 2016 não se impõe ao Tribunal recorrido, nem a esta Relação, quando está em causa a decisão sobre o mérito da causa. Donde improcede a exceção de caso julgado”.

 

  1. O acórdão recorrido, ao decidir pela inverificação da ofensa de caso julgado formal e confirmar a decisão do Tribunal de 1.ª Instância de 25 de maio de 2018, viola de forma manifesta o caso julgado formal constituído pelo acórdão de 24 de novembro de 2016. Na verdade, se o BST foi considerado, por decisão transitada em julgado, como sucessor nos direitos e obrigações do Banif, assumindo a posição contratual de arrendatário, não pode, subsequentemente, discutir-se a questão da (in)oponibilidade do contrato ao BST.

Ofensa de caso julgado formal

  1. A primeira questão que os Autores/Recorrentes colocam é, com efeito, a de se saber se o acórdão recorrido violou – ou não  - o caso julgado formal constituído pelo acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24 de novembro de 2016 – que confirmou o despacho de 31 de maio de 2016 -, o qual determinou, com trânsito em julgado, que o BST sucedeu na posição contratual do Banif, na sequência da medida de resolução “alienação parcial da atividade” aplicada ao último pelo BdP. Na verdade, por força desta medida de resolução, os Autores, a 24 de fevereiro de 2016, requereram a substituição do Banif pelo BST no lado passivo da lide, alegando que a posição contratual de arrendatário do Banif constitui um ativo transferido para o BST por aplicação do n.º 1, al. (b), ponto (xii), subal. (A), do anexo 3 da Deliberação do Conselho de Administração do BdP de 20 de dezembro. Segundo os Autores/Recorrentes, qualquer outra pronúncia sobre esta questão consubstancia uma ofensa ao caso julgado formal (art. 620.º do CPC), sendo que, mesmo que tal suceda, prevalecerá e cumprir-se-á a decisão que primeiramente transitou em julgado (art. 625.º, n.º 2, do CPC).  O acórdão de 24 de novembro de 2016 transitou. Na ausência de um recurso de revisão (696º do CPC), essa questão não pode voltar a ser discutida.
  2. Afigura-se pacífico que entre os Autores e o Banif foi celebrado um contrato de arrendamento para fins não habitacionais, pelo qual os primeiros cederam ao segundo o gozo do prédio onde funcionava a agência de Cabeceira de Basto, mediante o pagamento de uma renda, pelo período de trinta anos, sem opção de denúncia. O locatário - Banif - pretendeu pôr fim ao contrato antes de decorrido o referido prazo, invocando a alteração anormal de circunstâncias.
  3. Conforme a decisão do Tribunal de 1.ª Instância, de 31 de maio de 2016:

Os autores suscitaram nos autos a substituição processual do primitivo réu o BANIF pelo Banco Santander Totta SA acostados na deliberação do Banco de Portugal que (…) transferiu para esta entidade o universo de activos e passivos do BANIF a qual datada de 19.12.2015, entre os quais entendem os AA se inclui o objecto deste processo. Em sentido contrário se pronunciou o Santander após notificação para o efeito, defendendo que o direito aqui discutido cai no âmbito das excepções à transmissão operada conforme anexo 3 alínea b) xii. Também o BANIF se veio pronunciar pela não transferência da posição jurídica aqui discutida para o Santander, (fls. 218v.), mas tendo-o feito ultrapassado o prazo de dez dias que lhe foi concedido para o efeito, tem-se por não escrito o seu requerimento. Decidindo. (…)A Deliberação do Conselho de Administração do BdP de 19.12.2015 sujeitou à aplicação de uma medida de resolução [ao Banif], [que] visou “a alienação da respectiva actividade (ponto 5)” mercê do risco de situação de insolvência em que o mesmo banco se encontrava ao tempo e com a finalidade de proteger os depositantes e de assegurar a continuidade dos serviços financeiros essenciais (…) salvaguardando a estabilidade do sistema financeiro (…)”. O BdP utilizou como instrumentos legais na deliberação (…), designadamente, “a alienação parcial ou total da actividade da instituição” por ter entendido que esta é a medida mais adequada ao fim proposto (ptos. 14 e 15 da Deliberação). Subsequentemente surgiu a Deliberação do BdP de 20.12.2015, em cujo ponto 8 se refere que: “a selecção dos direitos a transferir para o veículo de gestão de activos teve em conta a indisponibilidade do B Santander para os adquirir (…) e teve por objecto maximizar as receitas de uma futura alienação (…). Tendo sido constituída a Naviget SA com o fim de assumir todos os activos e passivos que não fossem objecto da transferência para o Santander (pto. 14 a), a c), sendo que na alínea d) foi deliberada a alienação ao Santander dos direitos e obrigações que constituam activos, passivos elementos extrapatrimoniais sob gestão do BANIF constantes do anexo 3 à mesma – sublinhado acrescentado.

No anexo 2 deliberou-se que são objecto de transferência os seguintes activos e direitos do BANIF para a Naviget SA (…) “Os activos, licenças e direitos associados aos serviços centrais do BANIF em Portugal Continental (entendendo-se como tal quaisquer departamentos do BANIF em Portugal Continental para além da rede de agências de retalho e empresarial)”. Por outro lado no anexo 3 ponto 1 ficou a constar a transferência de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do BANIF registados na contabilidade para o Banco Santander. A estes foram abertas várias excepções designadamente, exclui-se “Os activos, licenças e direitos associados aos serviços centrais do BANIF em Portugal Continental (entendendo-se como tal quaisquer departamentos do BANIF em Portugal Continental para além da rede de agências de retalho e empresarial” (ponto iv). Do exposto, resulta que considerando a teleologia e o critério assumido na transferência tanto no anexo 3 como no anexo 2 ficaram salvaguardadas das exclusões elencadas no anexo 2 os “activos das redes de agências de retalho”… que deste modo enquanto tal terão de haver-se por transferidas “desde que registados na contabilidade”. (…) A deliberação apenas se pronuncia sobre os activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do BANIF “registados na contabilidade”. Isso só pode querer dizer que os elementos não contabilizados, na realidade, estão para além da Deliberação. Ora, quanto às responsabilidades e contingências que não estejam registadas na contabilidade – como em geral sucede – , a solução sobre a transferibilidade decorre directamente do disposto no RGICSF que expressamente dispõe que «a eventual transferência parcial dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão para o banco de transição não deve prejudicar a cessão integral das posições contratuais da instituição de crédito originária, com transmissão das responsabilidades associadas aos elementos do activo transferidos, nomeadamente no caso de contratos de garantia financeira, de operações de titularização ou de outros contratos que contenham cláusulas de compensação ou de novação» (cfr. o artigo 145.º-H, n.º 13) – sublinhado acrescentado. Esta aliás uma consequência de ser o Santander SA o sucessor na actividade que era desenvolvida pelo BANIF (sendo que, como regra, a responsabilidade segue a actividade) – sublinhado acrescentado. O princípio geral constante da citada norma é o de que as responsabilidades se transmitem com os elementos do activo a que estão associadas; independentemente, claro, de se encontrarem ou não registados contabilisticamente.

Por outro lado, são excepções à transferência elencadas designadamente as elencadas no ponto xii “responsabilidades (…) contingentes e litigiosas” destas se ressalvando as (…) que respeitem às áreas de negócio activos direitos ou responsabilidades transferidos para o adquirente em resultado da presente deliberação” sendo certo que daqui não se retira que a responsabilidade em causa embora litigiosa esteja excepcionada à transferência. Bem ao contrário. Como se disse o activo transferido é perseguido pelo respectivo passivo.

Como escreve RAÚL VENTURA, Fusão, Cisão, Transformação de Sociedades - Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Coimbra, Almedina, 1990, pp. 394 “Seria absurdo –– que, a pretexto do destaque duma unidade económica, a sociedade cindida pusesse a cargo da nova sociedade todas e quaisquer das suas dívidas, bem como não se justificaria que a sociedade cindida criasse a nova sociedade atribuindo-lhe apenas o activo da unidade económica, sem o passivo que lhe correspondesse”. Saber se o objecto da lide corresponde a um activo em tais termos implica responder negativamente à questão da eficácia da resolução contratual, extrajudicial com fundamento na alteração superveniente das circunstancias, por mera declaração à parte, conforme resulta claramente do artº 437º nº 1 e 2º (…). Pelo que, e a admitir-se uma tal resposta, em tal caso, ou para prevenir tal caso, é de concluir que estamos na presença de um activo que foi transferido para o Santander o que como tal afasta a excepção do ponto xii do anexo 2 á Deliberação de 20.12.2015. A transferência opera ope legis cfr. art. 145º do RGIFSC.

Com fundamento no exposto, decido que é com o Banco Santander Totta SA em substituição do BANIF que os autos prosseguirão. Notifique. Após conclua a fim de ser designada data para o julgamento”.

 

  1. Esta decisão foi integralmente confirmada pelo acórdão da Relação de Guimarães de 24 de novembro de 2016, no qual se refere o seguinte:

(…) do que se trata de decidir, nesta fase, não é se o contrato de arrendamento invocado pelos autores ainda subsiste em termos jurídicos, com o que se estaria já a decidir, pelo menos em parte, o mérito da causa, mas antes se o apelante [Santander] deve ingressar na posição processual do réu, admitindo como possível aquela subsistência. (…) De modo que, atendendo à tese dos autores, é inegável não só a legitimidade processual do réu como, subsequentemente, do apelante, em substituição daquele. Até porque o direito ao arrendamento em causa, a existir, como sufraga aquela tese, constitui inegavelmente um activo patrimonial para o respectivo titular. A questão que se poderia colocar é se esse activo não estando comprovado o seu registo na contabilidade do Banif, ainda assim se transmitiu para o apelante [Santander] face aos termos da deliberação do Banco de Portugal de 20.12.2015, que aparentemente exige esse registo. Mas a decisão recorrida solucionou esta questão em termos que temos por correctos; ou seja, considerando, em primeiro lugar, que aquele activo, no confronto entre os que foram afectos à Naviget, S.A. e ao apelante, só a este último se pode ter por atribuído; e, depois, em função do estipulado no artigo 145º-N, nº7, do RGICSF, que consagra o princípio de que as responsabilidades se transmitem com os elementos do activo a que estão associadas, também ao apelante se devem ter por imputadas. De qualquer modo, também entendemos que o referido registo contabilístico tem de ser entendido em termos hábeis. Ou seja, considerando que o mesmo engloba todos os activos que eram passíveis desse registo. Foi nesse pressuposto, temos por certo, que a deliberação do Banco de Portugal foi tomada. Até porque, ao contrário das responsabilidades e dos elementos extrapatrimoniais do Banif que não foram objecto de transferência para o adquirente nem para a Naviget S.A., em que se deliberou que permaneceriam na esfera jurídica do Banif [alínea d) do nº 1 do anexo 3) à deliberação de 20/12/2015], o mesmo não foi previsto para os activos em geral. E mesmo para os activos sob a gestão do Banif, também eles foram transferidos para a gestão do adquirente [alínea e) do mesmo anexo]. Em suma, entendemos que a solução adoptada na decisão recorrida é a juridicamente correcta e, portanto, aderindo aos seus fundamentos, nada mais resta do que confirmá-la, assim improcedendo o presente recurso”.

 

  1. O acórdão do Tribunal da Relação de 25 de janeiro de 2018, por seu turno, determinou a admissão do articulado superveniente apresentado pelo Réu – BST -, anulou a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância e ordenou o prosseguimento da audiência de julgamento.
  2. A sentença de 25 de maio de 2018, no cumprimento do acórdão do Tribunal da Relação, de 25 de janeiro de 2018, determinou a produção de prova e decidiu o litígio. De acordo com aquela sentença:

Como já se referiu supra, no momento em que foi necessário decidir se, por força da Deliberação do BdP datada de 20.12.2015 (23:30 horas), em lugar do Banif deveria figurar, no lado passivo, o Santander, os tribunais (1ª instância e Relação) responderam afirmativamente, decidindo-se que estava em causa um ativo transferido pelo Banif ao Santander”.

 

  1. Todavia, o Tribunal de 1.ª Instância, a 25 de maio de 2018, julgou a ação improcedente e absolveu o BST do pedido. Considerando a resolução ilícita, o Tribunal afirmou a subsistência do contrato de arrendamento. Contudo, em observância do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 25 de janeiro de 2018, que ordenou a reapreciação das deliberações do BdP, para efeitos de verificar a (in)oponibilidade do contrato ao BST, o Tribunal referiu que:

"não obstante assistir aos autores o direito à vigência do contrato de arrendamento que haviam celebrado com o Banif, não a podem exigir do Santander".

 

  1. O Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 2 de maio de 2019, confirmou a sentença recorrida, de 25 de maio de 2018. Entendeu que o seu acórdão de 24 de novembro de 2016 apenas decidira sobre a legitimidade processual do BST e, por isso, apenas e tão somente sobre a sua legitimidade formal. Quanto ao mais, manter-se-ia a liberdade do julgador para decidir o mérito da causa. Decidiu, assim, pela inverificação da exceção de caso julgado, porque na decisão recorrida apenas se apreciou a questão de se saber se os Autores têm – ou não - o direito que se arrogam perante o BST. No seu entendimento, não estava em causa a questão processual. Segundo o referido acórdão:

“Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso totalmente improcedente e confirma na íntegra decisão recorrida.

Custas pelos recorrentes (art. 527º,1,2 CPC).”

.

  1. Importa recordar que o Banif decidiu encerrar a sua agência de ... a 31 de janeiro de 2014, que esta foi encerrada a 5 de dezembro de 2014 e que o BdP a fechou com efeitos a partir desta data. Por conseguinte, de acordo com o acórdão recorrido, aquela agência não estava registada na contabilidade do Banif aquando da aplicação da medida de resolução pelo BdP. Acresce que como o Banif havia resolvido o contrato de arrendamento – ainda que de modo ilícito – antes da aplicação da medida de resolução de que foi objeto, não estaria em causa um ativo gerido por esta instituição de crédito, mas antes uma responsabilidade litigiosa que, como tal, não se transferiu para o BST. Foi assim que o Tribunal da Relação de Guimarães, no seu acórdão de 2 de maio de 2019, julgou improcedente o recurso interposto pelos Autores e confirmou a decisão do Tribunal de 1.ª Instância.
  2. Ora, a alienação dos ativos e passivos, no âmbito de uma das medidas de resolução – alienação parcial da atividade - aplicadas pelo BdP ao Banif, não acarretou qualquer alteração da causa de pedir – baseada tanto na celebração de um contrato de arrendamento entre os Autores e o Banif, com a duração de 30 anos, como na resolução ilícita antecipadamente efetuada - e/ou da pretensão originárias – de condenação no cumprimento do contrato. Apenas desencadeou uma mudança na titularidade da relação material controvertida.
  3. A substituição do Banif pelo BST não atingiu o objeto principal da causa: a (i)licitude da resolução antecipada do contrato de arrendamento.
  4. Deve, assim, concluir-se que o Tribunal da Relação de Guimarães, a 24 de novembro de 2016, entendeu que o BST devia substituir o Banif na presente lide justamente porque lhe sucedeu na situação material subjacente.
  5. Recorde-se que, a 3 de abril de 2017, no início da audiência de julgamento, quase um ano após ter sido proferida – a 31 de maio de 2016 - decisão a admitir a substituição do Banif pelo BST, confirmada pelo Tribunal da Relação de Guimarães a 24 de novembro de 2016, o BST apresentou um "articulado superveniente" destinado a demonstrar que “o contrato de arrendamento (…) não (lhe) foi transmitido (. . .), nos termos da deliberação do BdP que aplicou a medida de resolução ao BANIF”. Sustentou que, em data posterior ao término dos articulados e à audiência prévia que fixou o objeto do litígio e os temas da prova, se verificou um "facto impeditivo novo " constante das Deliberações do Conselho de Administração do BdP, de 19 e 20 de dezembro de 2015. Defendeu que constitui um facto impeditivo do direito dos Autores a “não transmissão do arrendamento para o BST e a consequente impossibilidade de o ter que cumprir, no caso de procedência da causa”, em virtude de a agência de ... não estar registada na contabilidade do Banif, como um ativo ou direito, à data da aplicação da medida de resolução, além de configurar uma responsabilidade contingente e litigiosa que está excluída da transmissão. O Tribunal de 1.ª Instância, por despacho de 3 de abril de 2017, considerou não admissível o articulado superveniente, porquanto entendeu que o conhecimento da questão da transmissão já se encontrava precludido pela força de caso julgado do acórdão de 24 de novembro de 2016. Contudo, na sequência de interposição de recurso, julgado procedente, o Tribunal da Relação de Guimarães, a 25 de janeiro de 2018, revogou o despacho de indeferimento do articulado, anulou a decisão recorrida e determinou o prosseguimento da audiência de julgamento.
  6. A interpretação do acórdão, do mesmo Tribunal, de 25 de janeiro de 2018, não conduz a um resultado de desrespeito pelo caso julgado. Neste acórdão, o Tribunal limitou-se a admitir um articulado superveniente com certos meios de prova, os quais poderiam “interferir” com aspetos da decisão final, mas não com aqueles respeitantes à sucessão do BST na posição do Banif, pois estes estavam já definitivamente decididos.
  7. Depois de se ter pronunciado sobre a (i)licitude da resolução do contrato de arrendamento, o Tribunal de 1.ª Instância, por sentença de 25 de maio de 2018, refere que, em vista do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães a 25 de janeiro de 2018 (que admitiu o articulado superveniente, anulou a sentença recorrida e determinou o prosseguimento da audiência final), lhe "caberá determinar se este direito dos autores em ver mantido o contrato de arrendamento é ou não oponível ao ora réu, Santander".
  8. Não pode, todavia, considerar-se que o BST tem legitimidade para litigar em juízo e, simultaneamente, sustentar que o contrato de arrendamento não lhe é oponível, porque não é arrendatário. Uma vez que o BST não é terceiro, pois que assumiu o estatuto de parte principal, na qualidade de titular da esfera jurídica em que se repercutirão os efeitos da decisão final, não se coloca em relação a si a questão da (in)oponibilidade do contrato de arrendamento. A substituição processual não alterou o conteúdo do direito ao cumprimento do contrato de arrendamento[44].
  9. Deste modo, se o BST foi considerado, por decisão transitada em julgado, "sucessor nos direitos e obrigações" do Banif, assumindo a posição de arrendatário, discutir, subsequentemente, a quem é oponível o contrato de arrendamento viola a estabilidade e a segurança jurídica conferidas pela força de caso julgado.
  10. Verifica-se, pois, no acórdão recorrido, uma cisão artificiosa entre o fenómeno da modificação subjetiva da relação processual e a modificação subjetiva da relação contratual.
  11. Insiste-se: o requerimento de modificação subjetiva da instância do lado passivo foi deferido pelo despacho de 31 de maio de 2016, confirmado por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24 de novembro de 2016. Neste acórdão, o Tribunal frisou que não estava então em causa decidir sobre a subsistência do contrato de arrendamento, mas antes se BST devia ingressar na posição de Réu, naturalmente porque lhe era reconhecida a titularidade da posição de arrendatário, até então da esfera de pertinência do Banif. De resto, esta mesma solução decorria já do art. 145.º-N, n.º 6, do RGICSF, que refere que o adquirente é considerado, para todos os efeitos legais e contratuais, como sucessor nos direitos e obrigações alienadas.
  12. Tanto o Tribunal de 1.ª Instância – a 31 de maio de 2016 - como o de 2.ª Instância – a 24 de novembro de 2016 - decidiram que o Réu originário - Banif - perdeu a legitimidade para litigar sobre o objeto controvertido, id est, deixou de ser titular da relação material controvertida.
  13. Pode dizer-se que a medida de resolução – alienação parcial da atividade - aplicada pelo BdP ao Banif teve reflexos processuais e substantivos. O Tribunal pronunciou-se pela transmissão da posição contratual do Banif para o BST e pela consequente sucessão processual. Assim, a modificação, operada no lado passivo do processo, resultou forçosa e necessariamente da sucessão na relação jurídica litigiosa. Da transmissão atuada pela medida de resolução – alienação parcial da atividade – decorreu uma modificação subjetiva da relação material controvertida que, por seu turno, implicou uma modificação subjetiva da relação processual. O Banif perdeu a legitimidade para permanecer na lide em virtude de ter perdido a legitimidade material sobre a coisa ou direito litigioso. Via de regra, a legitimidade processual é atribuída aos titulares da relação material controvertida[45].
  14. Se assim não fosse, teria lugar uma desarmonia sistemática e teleológica resultante de o processo não ser conduzido em função de um direito material do sujeito processual, mas em função de um direito de outrem[46]. Teve-se em vista manter a coincidência entre o alegado titular da relação material controvertida e a parte adjetiva.
  15. Note-se ainda que a questão da sucessão processual - suscitada no Requerimento de "Substituição Processual" apresentado pelos Autores – foi objeto de adequado debate, em pleno respeito pelo princípio do contraditório. Discutiu-se e julgou-se não apenas e exclusivamente uma mera intervenção na lide, como também o próprio fundamento que legitimou a substituição do Banif pelo BST (nomeadamente o anexo 3 da Deliberação do Conselho de Administração do BdP de 20 de dezembro de 2015 (23:00)), facultando-se às partes interessadas a oportunidade de expor as divergências sobre a densificação das referidas Deliberações do Conselho de Administração do BdP e sua aplicação ao caso concreto.
  16. E o Tribunal respondeu e decidiu que "o ativo transferido é perseguido pelo respetivo passivo", ou seja, que uma alienação meramente parcial de direitos e obrigações não deveria prejudicar a cessão integral das posições contratuais da instituição de crédito objeto de resolução – Banif -, com transmissão das responsabilidades associadas aos elementos do ativo transferidos (art. 145.º-N, n.º 7, do RGICSF).
  17. Deste modo, após o trânsito em julgado do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24 de novembro 2016, a legitimidade do BST - para litigar em nome próprio sobre situação controvertida incluída na sua esfera jurídica - adquiriu a estabilidade inerente à força de caso julgado formal (art. 620.º do CPC).
  18. O Réu originário - Banif - perdeu legitimidade[47] para a causa e o BST adquiriu-a com base num "título de transmissão" resultante da densificação das referidas Deliberações do Conselho de Administração do BdP. Por efeito desta densificação, operada pelos Tribunais de l.ª e de 2.ª Instâncias, o novo destinatário dos efeitos emergentes da ação ficou identificado – o BST.
  19. Uma decisão transitada em julgado sobre uma questão processual não deixa de constituir uma resolução judicial de uma situação de incerteza, mediante a colocação de uma das afirmações nela envolvidas numa situação especial de indiscutibilidade e inimpugnabilidade.
  20. Assim, a sentença de 25 de maio de 2018 e, depois, o acórdão recorrido – de 2 de maio de 2019 -, violaram o caso julgado formal constituído pelo acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24 de novembro de 2016.

Preclusão e caso julgado

  1. A eventual não transmissão do arrendamento do Banif para o BST foi objeto de discussão para efeitos de determinar quem passou a ser a parte legítima na lide após a aplicação da medida de resolução “alienação parcial da atividade” pelo BdP ao Banif.
  2. A pertinência das Deliberações do Conselho de Administração do BdP, de 19 e 20 de dezembro de 2015, relativas à alienação parcial da atividade do Banif, esgotou-se na identificação do sucessor do Banif na relação material e na consequente sucessão processual do mesmo pelo BST: serviu para resolver a questão, surgida incidentalmente, da sucessão no processo pendente. Daquelas Deliberações nada mais se retira para julgar o(s) pedido(s) fundados na causa de pedir delineada na petição inicial. A factualidade respeitante à transmissão de ativos, passivos e responsabilidades litigiosas foi objeto de debate em ordem a apreciar a alteração subjetiva da instância, achando-se precludida qualquer tentativa de oposição a essa sucessão na relação material controvertida.
  3. A consequência de qualquer preclusão é sempre a irrelevância do ato precludido. “A preclusão realiza duas funções primordiais. Uma destas é a função ordenatória, dado que a preclusão garante que os actos só podem ser praticados no tempo fixado pela lei ou pelo juiz. Uma outra função da preclusão é a função de estabilização: uma vez inobservado o ónus de praticar o acto, estabiliza-se a situação processual decorrente da omissão do acto, não mais podendo esta situação ser alterada ou só podendo ser alterada com um fundamento específico. Por exemplo: se o réu não contestar, estabiliza-se a sua situação de revelia, que apenas justifica a revisão da sentença proferida pelo tribunal se a citação do réu tiver faltado ou for nula (cf. art. 696.º, al. e))”[48].

 

  1. Depois de haver ocupado a posição processual do Banif, o BST passou a litigar sobre a situação jurídica contratual que lhe foi transmitida. Os efeitos de mérito projetar-se-ão, necessariamente, na sua esfera jurídica.
  2. No caso em apreço, a autoridade de caso julgado formal impede não apenas a reapreciação de uma questão – processual - já submetida à apreciação judicial, mas também a invocação de meios de oposição que não foram feitos valer anteriormente e podiam tê-lo sido (relativamente a essa matéria adjetiva) - tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debebat.
  3. Pode dizer-se que a imutabilidade implicada pelo caso julgado resulta da preclusão: da preclusão dos factos ou das ocorrências supervenientes verificadas até ao encerramento da discussão em 1.ª Instância, mas não alegadas em juízo até esse momento[49].
  4. O caso julgado visa evitar que sejam proferidas decisões repetidas ou contraditórias sobre matéria que já foi apreciada e julgada (art. 580.º, n.º 2, do CPC).
  5. Transitou em julgado a decisão que determinou a modificação subjetiva da instância. Essa decisão consolidou-se na ordem jurídica. Id est, todas as questões impeditivas da transmissão da posição de arrendatário do Banif para o BST, por força das referidas Deliberações do Conselho de Administração do BdP, constituíram a res iudicanda. Uma vez transitada em julgado a decisão, o caso julgado consome-as. A indiscutibilidade processual, conferida pela autoridade de caso julgado, abrange também os factos que podiam ter sido deduzidos e não o foram, e não apenas os factos que foram, efetivamente, julgados. Havendo tido oportunidade de carrear para os autos todos os factos que, na sua perspetiva, obstavam à sucessão processual, não pode o BST invocar, mais tarde, que não houve causa legítima para essa sucessão.
  6. Decidindo-se pela verificação da exceção de caso julgado – formal -, não compete ao Supremo Tribunal de Justiça pronunciar-se sobre uma questão já estável e coberta de autoridade.
  7. A violação do caso julgado implica a nulidade ou ineficácia de todos os atos processuais subsequentes que contrariam a decisão transitada.
  8. Verificando-se a ofensa de caso julgado nos termos peticionados pelos Autores/Recorrentes, fica prejudicada a apreciação da contradição de julgados por si invocada e que tinha como objeto precisamente a mesma questão de saber se no caso sub judice o BST sucedeu ao Banif na posição contratual de arrendatário.

Matéria de Facto

A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça na decisão da matéria de facto está limitada aos casos previstos nos arts 674.º, n.º 3, e 682.º, n.º 3, do CPC, pelo que é definitivo o juízo formulado pelo Tribunal da Relação, no âmbito do disposto no art.º 662.º, n.º 1, do mesmo corpo de normas, sobre a prova sujeita a livre apreciação, como são os depoimentos de testemunhas, os documentos sem força probatória plena ou o uso de presunções judiciais.

 

IV – Decisão

            Nos termos expostos, julga-se procedente o recurso, revogando-se o acórdão recorrido e determinando-se a baixa dos autos para apreciação da (i)licitude da resolução efetuada pelo Banif e das respetivas consequências.

           

Custas pelo Recorrido.

Lisboa, 2 de junho de 2020

 

Este acórdão obteve o voto de conformidade dos Excelentíssimos Senhores Conselheiros Adjuntos António Magalhães e Fernando Dias, a quem o respetivo projeto já havia sido apresentado, e que não o assinam por, em virtude das atuais circunstâncias de pandemia de covid-19, provocada pelo coronavírus Sars-Cov-2, não se encontrarem presentes (art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, que lhe foi aditado pelo DL n.º 20/2020, de 1 de maio).

 

Maria João Vaz Tomé (Relatora)

António Magalhães

Jorge Dias

________________________

[1]  Vide, neste sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de julho de 2019, proc. n.º 1332/07.2TBMTJ.L2.S1; de 4 de julho de 2019, proc. n.º 3142/07.8TBGMR-B.G1.S1; de 04-12-2018 , proc. n.º 190/16.0T8BCL.G1.S1; de 22 de novembro de 2018, proc. n.º 408/16.0T8CTB.C1.S1; de 18 de outubro de 2018, proc. n.º 3468/16.0T9CBR.C1.S1; de 28 de junho de 2018, proc. n.º 4175/12.8TBVFR.P1.S1; de 13 de setembro de 2018, proc. n.º 679/14.6TBALQ.L1.S1.

[2] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de setembro de 2018, proc. n.º 679/14.6TBALQ.L1.S1.

[3] Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2018, pp.52-53.

[4] Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2018, p.50.

[5]Disponíveis para consulta in https://www.bportugal.pt/ptPT/OBancoeoEurosistema/Esclarecimentospublicos/Paginas/infobanif.aspx.

[6] Que informou o Estado Português do decurso dessa investigação a 24 de julho de 2015.

[7] Auxílio estatal n.º SA.36123 (2015/C).

[8] Cfr. Nuno Saldanha de Azevedo, Medidas de resolução no setor bancário: O novo paradigma da Diretiva 2014/59/EU, Instituto dos Valores Mobiliários da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2016, pp.34-35, disponível para consulta in  https://institutovaloresmobiliarios.pt/estudos/pdfs/1484760549medidas_de_resolu%C3%A7%C3%A3o_sector_banc%C3%A1rio_nsa_vf.pdf.

                Note-se que, em 2012, em virtude da dificuldade sentido pelo Banif para cumprir os requisitos mínimos de fundos próprios legais e regulamentares, o Estado Português adquiriu cerca de 60% do seu capital social. O BANIF não passou, por outro lado, os “testes de stress” realizados pelo BdP. Em dezembro do mesmo ano, “o Estado anuncia a injeção de 1.100 milhões de euros no Banif: 700 milhões de euros diretamente em capital (capital para 1270 milhões de euros) e 400 milhões de euros em obrigações convertíveis em ações (as chamadas “CoCos bonds”). O Estado ficou então dono de 99,2% das ações do Banif e de 98,7% dos direitos de voto” – vide Cronologia do caso Banif, disponível in https://aventar.eu/cronologia-do-caso-banif/. Esta intervenção do Estado Português foi provisoriamente autorizada pela Comissão Europeia, sob condição da apresentação de um plano de reestruturação daquela instituição de crédito. Por força desta exigência europeia, o Banif apresentou, sem sucesso, diversas versões do seu plano de restruturação. Cfr. Marisa Filipa Oliveira Manso, Uma análise das medidas de resolução bancária, Lisboa, ISCTE-IUL, 2018, p.93, disponível para consulta in https://repositorio.iscte-iul.pt/handle/10071/17938.

[9] E que altera a Diretiva 82/891/CEE do Conselho, e as Diretivas 2001/24/CE, 2002/47/CE, 2004/25/CE, 2005/56/CE, 2007/36/CE, 2011/35/CE, 2012/30/UE e 2013/36/UE e os Regulamentos (UE) n. ° 1093/2010 e (UE) n. ° 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho.

[10] Cfr. Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, de 19 de dezembro de 2015, p. 3 – disponível para consulta in https://www.bportugal.pt/sites/default/files/deliberacao20151219.pdf; Marisa Filipa Oliveira Manso, Uma análise das medidas de resolução bancária, Lisboa, ISCTE-IUL, 2018, p.94, disponível para consulta in https://repositorio.iscte-iul.pt/handle/10071/17938.

                A inexistência de um plano aprovado de restruturação do banco e a conjuntura económica desfavorável não permitiram ao Banif cumprir as suas obrigações para com o Estado. Cfr. Carolina Beatriz Antunes da Mota Nunes Mendes, Regulação Financeira e Supervisão Bancária, análise crítica das problemáticas do BPN, BPP, BES e Banif, Coimbra, Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, 2016, p. 146 – disponível para consulta in https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/42979/2/Carolina%20Mendes.pdf, acedido a 03.10.2017.

[11] Cfr. Cronologia do caso Banif, disponível in https://aventar.eu/cronologia-do-caso-banif/; Marisa Filipa Oliveira Manso, Uma análise das medidas de resolução bancária, Lisboa, ISCTE-IUL, 2018, p.94, disponível para consulta in https://repositorio.iscte-iul.pt/handle/10071/17938.

[12] “Nas presentes circunstâncias e em face das alternativas disponíveis, o Banco de Portugal considera que a aplicação de uma medida de resolução é a única solução capaz de proteger os depositantes e de assegurar a continuidade dos serviços financeiros essenciais para a economia prestados pelo BANIF (em particular nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores), salvaguardando a estabilidade do sistema financeiro com menos custos para o erário público” – vide Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, de 19 de dezembro de 2015 (18:00), p. 3.

[13] Cfr. Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, de 19 de dezembro de 2015 (18:00), p. 4.

[14] Cfr.  Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, de 19 de dezembro de 2015 (18:00), p. 4.

[15] Como decorre do art. 145.º-M, n.º 6, do RGICSF, é possível, considerando as circunstâncias do caso concreto, organizar diferentes conjuntos de direitos e obrigações, ou de ações, ou de outros títulos representativos do capital social da instituição de crédito objeto da medida de resolução que, por sua vez, poderão ser adquiridos por diversos compradores.

                Com a alienação do capital social “(…) irá transferir-se a propriedade daquela instituição na sua totalidade, devendo a entidade adquirente ser considerada como sucessora nos direitos e obrigações transferidos da instituição objeto de resolução. De facto, a medida de alienação da atividade permite a descontinuidade da instituição que se encontrava em desequilíbrio ao mesmo tempo que permite uma continuidade da sua atividade e proteção dos seus credores caso o Banco de Portugal considere essa proteção legítima ao abrigo dos princípios que pautam a aplicação das medidas de resolução” - vide Nuno Saldanha de Azevedo, Medidas de resolução no setor bancário: O novo paradigma da Diretiva 2014/59/EU, Instituto dos Valores Mobiliários da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2016, p.26, disponível para consulta in https://institutovaloresmobiliarios.pt/estudos/pdfs/1484760549medidas_de_resolu%C3%A7%C3%A3o_sector_banc%C3%A1rio_nsa_vf.pdf. A transferência de ações, ou a transferência parcial de direitos e obrigações, afigura-se relevante para a autorização de exercício da atividade.

Cfr. Marisa Filipa Oliveira Manso, Uma análise das medidas de resolução bancária, Lisboa, ISCTE-IUL, 2018, p.40, disponível para consulta in https://repositorio.iscte-iul.pt/handle/10071/17938.

[16] Cfr. Marisa Filipa Oliveira Manso, Uma análise das medidas de resolução bancária, Uma análise das medidas de resolução bancária, Lisboa, ISCTE-IUL, 2018, p.39, disponível para consulta in https://repositorio.iscte-iul.pt/handle/10071/17938.

[17] Cfr. Mafalda Miranda Barbosa, Medidas de Resolução como remédio para a insolvência de uma instituição financeira e alteração superveniente das circunstâncias: uma relação de necessária exclusão?, REJUR - Revista Jurídica da UFERSA Mossoró, v. 1, n. 2, ago./dez. 2017, pp.7-8.

[18] Cfr. Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, de 20 de dezembro de 2015 (23:00). Ponto de agenda - “Aplicação de medidas de resolução ao Banif - Banco Internacional do Funchal, S.A.” - disponível para consulta in https://www.bportugal.pt/sites/default/files/deliberacao_20151220_2330.pdf.

[19] “(…) A alienação parcial ou total da atividade da instituição é a medida mais adequada a esta situação, tendo em consideração a existência de potenciais interessados na aquisição de parte do património do BANIF, já manifestada no contexto do processo de alienação voluntária. A urgência imposta pela situação acima descrita não permite que o Banco de Portugal inicie um processo de convite a um número alargado de potenciais adquirentes para apresentarem propostas de aquisição. A negociação da venda deve, portanto, ser conduzida com instituições que participaram nas negociações tendentes a conseguir a venda voluntária” - vide Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, de 19 de dezembro de 2015, p. 4.

Pretendeu-se “garantir a total proteção das poupanças das famílias e das empresas confiadas ao Banif, quer no que diz respeito a depósitos constituídos juntos do Banif quer a obrigações seniores emitidas pelo próprio Banif e que constituam sua dívida própria, bem como o financiamento à economia e a continuação dos serviços financeiros até aqui prestados por esta instituição” – vide Banco de Portugal, Informações sobre o Banif - perguntas frequentes (última atualização a 15 de janeiro de 2016), p.1 - disponível para consulta in https://www.bportugal.pt/sites/default/files/faq_banif.pdf.

O capital social daquele veículo de gestão de ativos, no montante de 50.000 euros, foi integralmente subscrito pelo Fundo de Resolução – art. 145.º-S, n.º 4, do RGICSF: “O capital social do veículo de gestão de ativos é subscrito e realizado total ou parcialmente pelo Fundo de Resolução com recurso aos seus fundos, sem prejuízo dos poderes do Banco de Portugal sobre o veículo de gestão de ativos”.

Não se levam agora em linha de conta os direitos insuscetíveis de alienação, nos termos do art. 145.º-N, n.º 4, do RGICSF.

[20] Este conjunto de ativos era composto essencialmente por ativos imobiliários, créditos em incumprimento e participações financeiras, tendo, como contrapartida, a emissão pela Oitante, S.A., de obrigações no valor de 746 milhões de euros. Cfr. Tribunal de Contas, Auditoria à Atividade do Fundo de Resolução (Processo 30/2016 - Audit, Relatório n.º 05/2017 - 2ª Secção), Departamento de Auditoria II, março de 2017, p. 29 - disponível em https://www.tcontas.pt/pt/actos/rel_auditoria/2017/2s/rel005-2017-2s.pdf.

[21] Disponível para consulta in https://www.bportugal.pt/sites/default/files/deliberacao_20170104.pdf. Ainda a propósito do poder de retransmissão, o art. 3.º n.º 2 dos estatutos da Oitante, S.A., preveem que “o Banco de Portugal pode a todo o tempo determinar a devolução ao Banif - Banco Internacional do Funchal, S.A., de direitos e obrigações que tenham sido transferidos para a Oitante, S.A., nos termos legalmente previstos”- vide Estatutos da Oitante, S.A., disponíveis para consulta in http://www.oitante.net/docs/estatutos_oitante_site.pdf, p. 2.

[22]  Que iria outrossim absorver os prejuízos do Banif.

[23] Cfr. Nuno Saldanha de Azevedo, Medidas de resolução no setor bancário: O novo paradigma da Diretiva 2014/59/EU, Instituto dos Valores Mobiliários da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2016, pp.36-37, disponível para consulta in https://institutovaloresmobiliarios.pt/estudos/pdfs/1484760549medidas_de_resolu%C3%A7%C3%A3o_sector_banc%C3%A1rio_nsa_vf.pdf.

[24] O património do Banif, que não foi alienado ao BST nem transferido para a Oitante, S.A, integra “(…) um conjunto limitado de ativos, que será alvo de futura liquidação, bem como os passivos correspondentes a obrigações subordinadas e depósitos e outros fundos detidos por partes relacionadas” – vide Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, Respostas às perguntas mais frequentes dos investidores sobre a situação do Banif - Banco Internacional do Funchal, S.A., de 9 de março de 2018, disponível para consulta in http://www.cmvm.pt/pt/AreadoInvestidor/Faq/Pages/20160308y.aspx -, cuja gestão ficou a cargo de administradores para o efeito nomeados pelo BdP.

[25] Cfr. Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, de 20 de dezembro de 2015 (23:45). Ponto de Agenda - “Aplicação de medidas de intervenção corretiva ao Banif - Banco Internacional do Funchal, S.A. e dispensa temporária desta instituição da observância de normas prudenciais”, p.2 - disponível para consulta in https://www.bportugal.pt/sites/default/files/deliberacao_20151220_2345.pdf.

[26] Cfr. Banco de Portugal, Informações sobre o Banif - perguntas frequentes (última atualização a 15 de janeiro de 2016), p.1 – disponível para consulta in https://www.bportugal.pt/sites/default/files/faq_banif.pdf.

[27] Cfr. Banco de Portugal, Informações sobre o Banif - perguntas frequentes (última atualização a 15 de janeiro de 2016), p. 2 – disponível para consulta in https://www.bportugal.pt/sites/default/files/faq_banif.pdf.

[28] Cfr. Mafalda Miranda Barbosa, Tutela de credores e medida de resolução: do princípio do tratamento igualitário de credores ao princípio da igualdade, disponível para consulta in www.revistadedireitocomercial.com, 2019-01-14, pp.143-145.

[29] Cfr. João Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, Almedina, 1987, pp.116-118.

[30] Cfr. Mafalda Miranda Barbosa, “Os limites da medida de resolução”, in Working Papers/Boletim de Ciências Económicas, Coimbra, Instituto Jurídico/Faculdade de Direito/Universidade de Coimbra, setembro de 2016, pp.32-33, 37.

[31] Cfr. João Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, Almedina, 1996, pp.55-57.

[32] É que o art. 295.º manda aplicar as regras dos negócios jurídicos aos atos jurídicos na medida em que a analogia das situações o justifique.

[33] Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15 de janeiro de 2013, Proc. nº 1500/03.6TBGRD-B.C1; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14 de junho de 2017, Proc. n.º 426/11.4TBPTL-A.G1 - disponíveis para consulta in www.dgsi.pt.

[34] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 3 de fevereiro de 2011, Proc. nº 190-A/1999.E1.S1; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14 de junho de 2017, Proc. n.º 426/11.4TBPTL-A.G1 - disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.

[35] Segundo Carlos Ferreira de Almeida, Texto e Enunciado na Teoria do Negócio Jurídico, Volume II, Coimbra, Almedina, 1992, pp.762 e ss, declaratário pode ser a “pessoa ou conjunto de pessoas que são receptores efectivos ou potenciais da declaração e a quem esta interessa e se dirige”.

[36] Inter alia, cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de dezembro de 2012Proc. n.º 02B3349;  Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de novembro de 2009, Proc. n.º 4800/05.TBAMD-A.S1; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de fevereiro de 2011, Proc. n.º 190-A/1999.E1.S1; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de abril de 2012, Proc. n.º 289/10.7TBPTB.G1.S1; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de março de 2014Proc. n.º 392/10.3TBBRG.G1.S1; Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15 de janeiro de 2013, Proc. n.º 1500/03.6TBGRD-B.C1; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14 de junho de 2017, Proc. n.º 426/11.4TBPTL-A.G1 - disponíveis para consulta in www.dgsi.pt.

[37] Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22 de março de 2011, Proc. n.º 243/06.3TBFND-B.C1; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14 de junho de 2017, Proc. n.º 426/11.4TBPTL-A.G1 - disponíveis para consulta in www.dgsi.pt.

[38] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de julho de 2019, proc. n.º 3142/07.8TBGMR-B.G1.S1.

[39]  Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de fevereiro de 2011, Proc. n.º 190-A/1999.E1.S1.

[40]  Vide, inter alia, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de março de 2019, Proc. n.º 6659/08.3TBCSC.L1.S1; de 7 de fevereiro de 2019, Proc. n.º 3263/14.0TBSTB.E1.S1; de 4 de dezembro de 2018, Proc. n.º 190/16.0T8BCL.G1.S1; de 8 de novembro de 2018, Proc. n.º 478/08.4TBASL.E1.S1; de 27 de setembro de 2018,  Proc. n.º 10248/16.0T8PRT.P1.S1; de 19 de junho de 2018, Proc. n.º 3527/12.8TBSTS.P1.S2; de 22 de fevereiro de 2018, Proc. n.º 3747/13.8T2SNT.L1.S1.

[41] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de dezembro de 2018, Proc. n.º 190/16.0T8BCL.G1.S1.

Segundo alguma doutrina, “Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão” -  cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 1997, pp.578-579.

[42] A interpretação segundo modelos de normalidade e razoabilidade – aliás, segundo as regras da experiência, a maioria dos sujeitos observa, na sua conduta, os princípios e normas jurídicas - adequa-se aos casos em que a declaração não tem um destinatário determinado, mas interessa a uma generalidade de pessoas.

[43] Cfr. Paulo Otero, Ensaio Sobre o Caso Julgado Inconstitucional, Lisboa, Lex, 1993, pp.42, 55.

[44] Cfr. Parecer anexado da Senhora Prof. Doutora Maria José Capelo.

[45] Cfr. Paula Costa e Silva, A transmissão da coisa ou direito em litígio, Contributo para o estudo da substituição processual, Coimbra, Coimbra Editora, 1992, p.307.

[46] Cfr. Paula Costa e Silva, A transmissão da coisa ou direito em litígio, Contributo para o estudo da substituição processual, Coimbra, Coimbra Editora, 1992, p.303.

[47] De acordo com o art. 30.º, n.º 3, do CPC, é parte legítima o titular da relação material controvertida tal como é configurada pelo autor.

[48] Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Preclusão e caso julgado, p.2, disponível para consulta in https://www.academia.edu/22453901/TEIXEIRA_DE_SOUSA_M._Preclus%C3%A3o_e_caso_julgado_02.2016_.

[49] Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Preclusão e caso julgado, p.9, disponível para consulta in https://www.academia.edu/22453901/TEIXEIRA_DE_SOUSA_M._Preclus%C3%A3o_e_caso_julgado_02.2016_.

Descritores:
 Resolução bancária; Contrato de arrendamento; Carácter sinalagmático; Caráter sinalagmático; Sucessão na posição contratual; Transmissão da posição do arrendatário; Ofensa do caso julgado; Caso julgado formal; Extensão do caso julgado; Autoridade do caso julgado; Trânsito em julgado; Interpretação de sentença; Admissibilidade de recurso; Recurso de revista