I. Da conjugação do disposto no artigo 671.º, n.º 2, alínea a), com o preceituado no artigo 629.º, n.º 2, alínea d), ambos do Código de Processo Civil, resulta que pode ser objeto de revista o acórdão da Relação que aprecie decisão interlocutória sobre questão de natureza adjetiva quando o mesmo «esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme».
II. A ratio legis da norma do artigo 794º, nº1 do Código de Processo Civil, tendo subjacente razões de certeza jurídica e de proteção tanto do devedor executado como dos credores exequentes, postula que ambas as execuções se encontrem numa relação de dinâmica processual ou, pelo menos, a possibilidade do dinamismo da execução em que primeiramente ocorreu a penhora sobre o mesmo bem e em que o credor deve fazer a reclamação do seu crédito.
III. Não está nessa situação de dinamismo processual a execução fiscal em que a Autoridade Tributária está impedida, nos termos do disposto no artigo 244º, nº 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, de promover a venda do imóvel penhorado por este constituir a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar.
IV. Tendo sido suspensa, nos termos do disposto no artigo 794º, nº1 do Código de Processo Civil, a execução comum em que foi penhorado imóvel do executado destinado exclusivamente a sua habitação própria e permanente e do seu agregado familiar e sobre o qual incide penhora com registo anterior realizada em execução fiscal e encontrando-se esta execução parada por a Autoridade Tributária não poder promover a venda deste imóvel, em virtude do impedimento legal constante do artigo 244º, nº 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, impõe-se determinar o levantamento da sustação da execução comum, que deve prosseguir os seus termos, com citação da Fazenda Nacional para reclamar os seus créditos na execução comum.
Não disponível.
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
2ª SECÇÃO CÍVEL
I. Relatório
1. A Caixa Geral de Depósitos, S.A. intentou execução sumária contra AA e BB, com vista ao pagamento da quantia de € 99.213,95, com base em dois contratos de mútuo com hipoteca com eles celebrados e que não foram cumpridos, titulados por duas escrituras públicas apresentadas como título executivo.
2. Tratando-se de execução hipotecária a exequente indicou à penhora o imóvel hipotecado, propriedade dos executados, que constituiu garantia do cumprimento dos contratos de mútuo com eles celebrados.
3. O referido imóvel veio a ser penhorado na execução em 19.05.2017.
4. Constatou-se, porém, que sobre o imóvel em questão já incidiam duas penhoras anteriores, registadas, respetivamente, em 30.12.2014 e 16.04.2015 e realizadas no âmbito de dois processos de execução fiscal intentados pela Fazenda Pública contra os aqui executados.
5. Oficiado o Serviço de Finanças com vista a informar se iria promover a venda do imóvel penhorado à ordem dos autos de execução fiscal pendentes, veio este serviço comunicar que não se encontrava agendada a venda do imóvel penhorado, por o mesmo constituir a habitação própria permanente dos executados, estando, por isso, inviabilizada a sua venda em sede de execução fiscal.
6. Na sequência desta informação, veio a exequente requerer o levantamento da sustação da execução quanto o imóvel penhorado, com vista a permitir que a sua venda fosse efetuada nos presentes autos, tendo a Senhora Agente de Execução decidido, em 28.03.2018, levantar a sustação da execução sobre o imóvel em causa.
7. Em 23.10.2018, foi proferido despacho judicial que, considerando ilegal a decisão proferida pela agente de execução, determinou a notificação da mesma para proferir decisão no sentido da sustação da execução atento o disposto no artigo 794º do Código de Processo Civil, tendo em consideração o previsto no nº4 da mesma disposição legal.
8. Inconformada com esta decisão, dela apelou a exequente para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão proferido em 21.02.2019, julgou procedente o recurso e, revogando a decisão recorrida, determinou a prossecução da execução com o imóvel penhorado.
9. Inconformado com esta decisão, o executado AA dela interpôs recurso de revista excecional, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
« 1. O presente recurso é admissível, por a decisão nele proferida estar em contradição com a maioria dos acórdãos já proferidos no domínio da mesma legislação nomeadamente nº 2 do art.º 244º do CPPT e 794, n.º 1, do C.P.C. , e sobre a mesma questão fundamental de direito, pelo que nos termos do disposto na alínea c), n.º 1, do Artigo 672.º do C.P.C., é admissível o presente recurso de revista
2. O douto Acórdão proferido nos presentes autos, está em contradição com o Acórdão proferido em 24/10/2017 pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra – Processo N.º 249/13.6TBSPS-A.C1 e já transitado em julgado.
3. Ambos os acórdãos foram proferidos no domínio da mesma legislação e incidiram os dois sobre a mesma questão fundamental de direito, qual seja, a prossecução da execução relativamente ao imóvel penhorado nos autos principais quando sobre tal bem incida uma penhora anterior, nomeadamente fiscal, sendo que é nesta que o Exequente terá que reclamar o seu crédito.
4. A douta decisão proferida é susceptível de interferir com a tranquilidade, a segurança jurídica, ou a paz social da comunidade e em ultima ratio, de haver a possibilidade de descredibilizar as instituições ou a aplicação do direito, bem como de criar alarme social que coloquem em crise a confiança e tranquilidade da comunidade.
5. A decisão ora recorrida violou o disposto nos artigos 244.º do CPPT e 794.º do C.P.C e 1.º, 13.º, 18.º e 65.º, da Constituição da República Portuguesa.
6. É entendimento da Recorrente que a interpretação seguida no douto Acórdão comporta uma violação ao valor supremo da dignidade humana, da igualdade, segurança jurídica pilares essenciais da Constituição da República Portuguesa, tornando, por tal via, aqueles normativos, com tal interpretação, inconstitucional».
Termos em que requer que este Supremo Tribunal:
« 1. Se pronuncie sobre uma questão de particular relevância social,
2. Bem como a inconstitucionalidade do douto Acórdão de que se recorre, já que o mesmo comporta uma violação interferir com a tranquilidade, a segurança jurídica, ou a paz social da comunidade e em ultima ratio, de haver a possibilidade de descredibilizar as instituições ou a aplicação do direito, bem como de criar alarme social que coloquem em crise a confiança e tranquilidade da comunidade.
3. E, que a execução dos presentes autos relativamente ao bem imóvel penhorado deve ser sustada já que existe penhora anterior efectuada em sede de execução fiscal é aí que o Exequente terá que reclamar o seu crédito e direito a vê-lo pago pelo produto da venda do bem penhorado».
10. A exequente respondeu, terminando as suas contra alegações, com as seguintes conclusões que se transcrevem:
« I. A tese defendida no acórdão fundamento não representa a melhor interpretação das normas contidas nos artigos 794º nº 1 do CPC e 244º nº 2 do CPPT, conduzindo, ademais, a um resultado injusto e impraticável;
II. O acórdão fundamento, defendendo que a impossibilidade de venda prevista no artigo 244º nº 2 do CPPT não se aplica aos credores comuns – com o que se concorda – indica um caminho manifestamente impraticável, qual seja o de o exequente comum promover, na execução fiscal, a venda do imóvel penhorado;
III. Promoção esta que é manifestamente impossível já que o exequente comum não pode substituir-se, no âmbito de uma execução fiscal, ao órgão de execução fiscal;
IV. Acaso o pudesse fazer, não suscitaria a interpretação e conjugação das normas contidas nos artigos 794º nº 1 do CPC e 244º nº 2 do CPPT as dúvidas que têm motivado a prolação de jurisprudência sobre o assunto;
V. A interpretação das citadas normas propugnada no acórdão recorrido é a única interpretação possível e a única que conduz a um resultado justo, permitindo a satisfação dos créditos de todos os credores do Executado, quer fiscais, quer comuns;
VI. O comportamento do Recorrente, ao interpor o presente recurso, consubstancia um manifesto abuso de direito;
VII. Quer porque, notificado da decisão de prosseguimento da execução, nada disse;
VIII. Quer porque é manifesto que o único interesse que este pretende alcançar com a interposição do recurso é o de protelar indefinidamente a satisfação dos direitos de crédito da Recorrida;
IX. O Recorrente não concretiza em que medida a interpretação defendida no acórdão em crise é “suscetível de interferir com a tranquilidade, a segurança jurídica, ou a paz social da comunidade e em ultima ratio, de haver a possibilidade de descredibilizar as instituições ou a aplicação do direito, bem como de criar alarme social que coloquem em crise a confiança e tranquilidade da comunidade”;
X. Nem em que medida a interpretação seguida no acórdão em crise “comporta uma violação ao valor supremo da dignidade humana, da igualdade, segurança jurídica pilares essenciais da Constituição da República Portuguesa, tornando, por tal via, aqueles normativos, com tal interpretação, inconstitucional.”;
XI. Apenas se vislumbrando que que o Recorrente invoque tais alegadas violações ou possíveis violações para fundamentar quer o recurso de revista excecional, quer um eventual recurso ao Tribunal Constitucional, como mais um meio de alcançar o fim pretendido, qual seja o de protelar indefinidamente a satisfação do direto de crédito da Recorrida».
Termos em que requer seja negado provimento ao recurso.
11. A Formação de Juízes a que alude o art. 672, nº 3 do CPC, proferiu acórdão e, considerando não se verificar conformidade entre as duas decisões, pressuposto básico do recurso de revista com fundamento excecional, determinou que se procedesse à distribuição do processo nos termos gerais.
12. Recebidos os autos neste Supremo Tribunal, em sede de exame preliminar e em 28.10.2019, foi proferido despacho de não admissão do recurso de revista, que aqui se transcreve:
« (…)
II. Decidida a não admissão do recurso de revista com fundamento excecional, cumpre, então, equacionar a questão da admissibilidade, em termos gerais, do recurso de revista interposto pelo executado com fundamento na contradição de julgados.
O presente recurso vem interposto do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido em 21.02.2019 que, considerando que a Fazenda Nacional estava impossibilitada, nos termos do disposto no art. 244, nº 2 do CPPT, de realizar a venda do imóvel penhorado em execução fiscal, em data anterior à da penhora realizada nos presente autos, por aquele imóvel ser usado como habitação própria e permanente pelos executados, decidiu não haver fundamento para manter a sustação da presente execução, nos termos do art. 794º, nº1 do CPC, determinando o seu prosseguimento.
E, como fundamento do recurso de revista, invocou o recorrente a existência de contradição entre o acórdão recorrido e o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido, em 24.10.2017, no processo nº 249/13.6TBSPS-A.C1 e já transitado em julgado.
*
Sobre a admissibilidade do recurso de revista no âmbito de uma ação executiva, dispõe o art. 854º do CPC. que «Sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apenas cabe revista, nos termos gerais, dos acórdãos da Relação proferidos em recurso nos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução »
Ora, versando o acórdão recorrido sobre decisão interlocutória em matéria processual – sustação da execução - , é bom de ver que a situação em apreço não se enquadra em nenhuma das decisões expressamente previstas no citado art. 854º, pelo que, tendo o presente recurso de revista por fundamento a contradição de julgados, resta, então, indagar se a decisão em apreço configura algum dos casos em que é sempre admissível recurso de revista, nos termos do disposto nos arts. 629º, nº 2, al. d ) e 671º, nº 2, al. b), ambos do CPC.
E a este respeito diremos, desde logo, na esteira de Miguel Teixeira de Sousa[1], que « o disposto no art. 629º, nº 2, al. d) CPC não é cumulável com o estabelecido no art. 671º, nº 2, al. b),CPC », pois « se se pudesse aplicar aos acórdãos relativos a decisões interlocutórias o disposto no art. 629º, nº 2, al. d), CPP ter-se-ia que concluir que, além de um acórdão da Relação relativo a uma decisão interlocutória admitir revista por contradição com um acórdão da do STJ (regime do art. 671º, nº 2, al. b), CPC), esse acórdão também admitiria revista por contradição com um acórdão da mesma ou de outra Relação (regime do art. 629º, nº 2, al. d), CPC) » .
Daí concluir-se que, quando o recurso de revista de um acórdão respeitante a uma questão interlocutória em matéria processual tenha por fundamento a contradição de julgados, é o art. 671º, nº 2, al. b), do CPC que define as únicas condições em que é admissível o recurso de revista.
Sendo assim e porque, no caso dos autos, o recorrente invocou como fundamento do recurso a contradição do acórdão recorrido com um acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, quando é certo exigir o citado art. 671º, nº 2, al. b) a contradição com um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, não podemos deixar de concluir pela inadmissibilidade do recurso de revista interposto pelo executado, que se rejeita, ao abrigo do disposto no art. 641º, nº 2, al. a), do CPC.
***
III. Nestes termos e pelos fundamentos expostos, não se admite o recurso de revista interposto.
Notifique.».
13. Vem, agora, o recorrente, reclamar deste despacho para a conferência, apresentando as seguintes conclusões, que se transcrevem:
«1 - A interpretação dada pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça aos artigos 854.º, 629.º alínea d), 671.º, n.º 3 e 672.º, do Código de Processo Civil é inconstitucional por ofender além do mais os princípios da adequação, da igualdade, bem como o disposto nos artigos 1.º, 13º, 18.º, 65.º e 202.º, da Constituição da República Portuguesa e do disposto nos artigos 244.º do CPPT e 794.º do C.P.C.
2 - O Recorrente interpôs o presente recurso para o Venerando Supremo Tribunal de Justiça nos termos do disposto, além do mais, nos artigos 672, n.º 1, alíneas a), b), e c) 675.º, 676.º e 677.º, do C.P.C.. Por estar “…em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja necessária para uma melhor aplicação do direito” e por entender que estão “…em causa interesses de particular relevância social.” --- vide a este propósito Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça Proc. N.º 3959/09.9TBOER.L1.S1, de 07/09/2010 e N.º 1246/10.9TJLSB.L1.S1, de 30/01/2014;
3 – O Douto Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto revogou a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância.
4 - A Alegada inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos supra mencionadas, cuja inconstitucionalidade foi suscitada pela Recorrente nas alegações do Recurso interposto para o Venerando Supremo Tribunal de Justiça, cujo teor se dá aqui como integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
5 - 1. A decisão ora reclamada violou o disposto nos artigos 854.º, 629.º alínea d), 671.º, n.º 3 e 672.º, do Código de Processo Civil é inconstitucional por ofender além do mais os princípios da adequação, da igualdade, bem como o disposto nos artigos 1.º, 13º, 18.º, 65.º e 202.º, da Constituição da República Portuguesa e do disposto nos artigos244.º do CPPT e 794.º do C.P.C.
6 - Comporta uma violação ao valor supremo da dignidade humana, da igualdade, segurança jurídica pilares essenciais da Constituição da República Portuguesa, tornando, por tal via, aqueles normativos, com tal interpretação, inconstitucional
7- O acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, está em contradição com o Acórdão proferido em 24/10/2017 pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra – Processo N.º 249/13.6TBSPS-A.C1 e já transitado em julgado.
8 - Ambos os acórdãos foram proferidos no domínio da mesma legislação, e incidiram os dois sobre a mesma questão de direito, ou seja da sustação da execução relativamente ao bem penhorado que seja objecto de penhora anterior mormente em execução fiscal.
9 – Nos termos do disposto na alínea c), n.º 1, do Artigo 672.º do C.P.C., é admissível o presente recurso de revista a título excepcional para o Supremo Tribunal de Justiça».
Termos em que requer seja revogada a decisão singular de não admissibilidade de recurso.
14. Não foi deduzida resposta.
15. Dispensados os vistos, cumpre, pois, apreciar e decidir.
***
II. Do mérito da reclamação
Posto que a decisão de não admissibilidade do recurso de revista, por via excecional, proferida pela Formação de Juízes a que alude o nº 3 do art. 672º, do CPC, nos termos do nº 4 deste mesmo artigo, não é suscetível de reclamação ou recurso, a questão a dirimir na presente reclamação prende-se com a admissibilidade, ou não, do recurso de revista, por via normal, interposto pelo executado, AA, do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 21.02.2019 com fundamento na contradição de julgados entre este acórdão e o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido, em 24.10.2017, no processo nº 249/13.6TBSPS-A.C1 e já transitado em julgado.
Vejamos.
A presente revista vem interposta do Acórdão da Relação do Porto proferido em 21.02.2019 que, reapreciando o decidido pelo Tribunal de 1.ª instância e considerando que a Fazenda Nacional estava impossibilitada, nos termos do disposto no art. 244, nº 2 do CPPT, de realizar a venda do imóvel penhorado em execução fiscal, em data anterior à da penhora realizada nos presente autos, por aquele imóvel ser usado como habitação própria e permanente pelos executados, decidiu não haver fundamento para manter a sustação da presente execução, nos termos do art. 794º, nº1 do CPC, determinando o seu prosseguimento.
Estamos, por isso, em presença de um acórdão que incidiu sobre uma decisão interlocutória (decisão não final) que recaiu unicamente sobre a relação processual, pelo que, nos termos do disposto no art. 671.º, n.º 2, do CPC, só pode ser objeto de revista:
« a) Nos casos em que o recurso é sempre admissível;
b) Quando estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme ».
Esta limitação recursória encontra justificação no facto do legislador, motivado pela necessidade de racionalizar a administração da Justiça, evitando que o debate entre as partes sobre determinadas questões de cariz essencialmente processual se prolongue excessivamente, ter considerado ser bastante o duplo grau de jurisdição, tal como já ocorria no âmbito do pretérito regime dualista concernente ao recurso de agravo.
Daí não sofrer dúvida que um acórdão da Relação que verse sobre questões desta natureza apenas pode ser objeto de revista em duas situações excecionais:
i) se as questões processuais sobre que incidiu se enquadrarem em alguma das previsões constantes do art. 629º, nº 2 do CPC ( al. a) do nº 2 do citado art. 671º);
ii) quando a resposta dada pela Relação à questão jurídica essencial para a decisão esteja em contradição direta com acórdão do Supremo, já transitado em julgado, proferido no domínio da mesma legislação sem que tal divergência jurisprudencial se encontre ainda resolvida por acórdão de uniformização de jurisprudência (al. b) do nº 2 do citado art. 671º) [2].
Mas a verdade é que no caso do recurso de revista interposto de alguma destas decisões interlocutórias ter por fundamento a contradição de julgados entre acórdãos da Relação (e não entre um acórdão da Relação e um acórdão do Supremo), não deixa de ser controversa, quer na doutrina, quer na jurisprudência, a sua admissibilidade.
Prova disso, é a existência, mesmo ao nível da jurisprudência deste Supremo Tribunal, de duas posições diversas.
Uma que considera admissível recurso de revista sobre questão relativa à relação processual suscitada e resolvida na 1.ª instância e na Relação, nos termos do n.º 2 do art. 629.º ou nos termos do n.º 2 do art. 671.º, ambos do CPC [3].
E outra que, em face do disposto no art. 671, nº 2, do CPC, defende não ser admissível recurso de revista sobre questões desta natureza, tal como se afirmou expressamente, entre outros, Acórdão do STJ de 26.09.2017 (revista n.º 2193/13.8TJVNF.G1-A.S1)[4] e o recente Acórdão do STJ, de 26.11.2019 ( processo nº 1320/17.0T8BCR.C1-A.S1)[5]
Também, na doutrina, sustenta Miguel Teixeira de Sousa[6], que «o disposto no art. 629º, nº 2, al. d) CPC não é cumulável com o estabelecido no art. 671º, nº 2, al. b),CPC », pois « se se pudesse aplicar aos acórdãos relativos a decisões interlocutórias o disposto no art. 629º, nº 2, al. d), CPP ter-se-ia que concluir que, além de um acórdão da Relação relativo a uma decisão interlocutória admitir revista por contradição com um acórdão do STJ ( regime do art. 671º, nº 2, al. b), CPC), esse acórdão também admitiria revista por contradição com um acórdão da mesma ou de outra Relação ( regime do art. 629º, nº 2, al. d), CPC) », defendendo que « o art. 671.º, n.º 2, CPC define as únicas condições em que é admissível o recurso de revista de um acórdão respeitante a uma questão interlocutória em matéria processual», sendo, por isso, de afastar a aplicação do art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC.
Aliás, foi nesta linha de entendimento que foi proferida, pela ora relatora, a decisão de não admissibilidade do recurso interposto pelo ora reclamante.
Julgamos, porém, que a relevância jurídica da questão em causa impõe uma análise mais profunda da razão teleológica que subjaz à remissão feita pela al. a) do nº 2 do citado art. 671º, para o art. 629º, nº 2, al. d) (casos em que o recurso é sempre admissível), por forma a aquilatar se esta norma é, ou não, cumulável com o estabelecido na al. b) do nº 2 do referido art. 671º.
E a esse respeito diremos constituir entendimento unânime na doutrina e na jurisprudência que ao repristinar[7], com a norma constante do art. 629º, nº 2, al. d) do CPC, «a possibilidade de interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça em casos em que esse acesso seja vedado por razões estranhas à alçada da Relação, ou seja, em que o único impedimento a tal recurso resida em motivos de ordem legal que sejam estranhos à interseção entre o valor do processo e o valor da alçada da Relação», quis o legislador ampliar « as possibilidades de serem dirimidas em última instância contradições jurisprudenciais que, de outro modo, poderiam persistir, considerando o facto de, em regra, emergirem de processos em que, apesar de terem um valor processual superior à alçada da Relação, não admitem recurso de revista (…) ou em que o recuso de revista está condicionado por outros factores (…)»[8], por forma a evitar a propagação de decisões contraditórias, como garantia dos princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei consagrado no art. 13º da CRP [9].
Mas, se esta foi a vontade do legislador e se a al. a) do citado art. 671.º, n.º 2, remete para a norma do citado art. 629º, nº 2, al. d), cujo segmento faz referência expressa à contradição de julgados entre acórdãos da Relação, sem afastar esta possibilidade, a conclusão a tirar, de acordo com o estipulado no art. 9º, nºs 1 e 3 do C. Civil, é a de que o legislador, intencionalmente, entendeu por bem admitir o recurso de revista dos acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam sobre questão de natureza processual quando o acórdão recorrido da Relação «esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação», não podendo, agora, o intérprete restringir o campo de aplicação do citado art. 629º, nº 2, al. d), ex vi art. 671º, nº 2, al. a).
Aliás, só assim se compreende que o próprio legislador venha logo a seguir, na al. b) do nº 2 do art. 671º do CPC, alargar o recurso de revista aos casos em que os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam sobre questão de natureza processual «estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça » .
Daí não podermos deixar de concluir que, da conjugação do disposto no art. 671.º, n.º 2, al. a), com o preceituado no art. 629.º, n.º 2, al. d), ambos do CPC, resulta que poderá ser objeto de revista o acórdão da Relação que aprecie decisão interlocutória sobre questão de natureza adjetiva quando o mesmo «esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme».
Mas ainda que se perfilhe este entendimento, a verdade é que, estando em causa um acórdão que apreciou uma decisão interlocutória que versou sobre uma questão adjetiva, não deixa de suscitar dúvidas o sentido a dar, neste caso, à expressão “ por motivo estranho à alçada do tribunal” para efeitos de preenchimento dos pressupostos específicos que justificam a admissibilidade da revista ao abrigo do citado art. 629º, nº1, al. d), por força da remissão operada pelo art. 671º, nº 2, al. a).
Dito de outra forma, importa saber se, na previsão deste art. 629º, nº 2, al. d), apenas se incluem as decisões interlocutórias proferidas no âmbito dos processos, relativamente aos quais existe uma “norma legal específica” a excluir ou a condicionar a admissibilidade do recurso de revista por razões que nada têm a ver com a alçada, (tal como acontece com os arts. 370º, nº 2 do CPC, 66º, nº 5 do Código das Expropriações, 180º do Código do Notariado, 240º, nº 3, 251º, nº 2 e 291º do Código de Registo Civil e bem assim idênticos preceitos do Código de Registo Comercial, do Código de Registo Predial e do Código da Propriedade Industrial) ou se, ao invés, mostra-se igualmente abrangida por essa previsão normativa a contradição atinente a decisões interlocutórias proferidas pela Relação no âmbito de qualquer processo relativamente aos quais não existe uma “norma legal específica” a vedar ou a condicionar o acesso ao terceiro grau de recurso.
Trata-se, outrossim, de questão que ainda não ganhou o consenso neste Supremo Tribunal, tal como ilustram os Acórdãos de 26.09.2017 (processo n.º 2193/13.8TJVNF.G1-A.S1), em cujo sumário se afirma, que «A admissibilidade do recurso de revista ao abrigo do disposto nos arts. 671.º, n.º 1, e 629.º, n.º 2, al. d), ambos do CPC, reserva-se aos casos em que, por determinação legal, o acesso ao terceiro grau de recurso estaria vedado, apesar de a causa apresentar um valor que admitiria normalmente o recurso»[10], de 26.11.2019 ( processo nº 1320/17.0T8CBR.C1.A.S1), de cujo sumário consta que « [(…) II. O recurso prescrito na alínea d) do nº 2 do artigo 629º do CPC tem como justificação o objetivo de garantir que não fiquem sem possibilidade de resolução conflitos de jurisprudência verificados entre acórdãos das Relações, em matérias que, por motivos de ordem legal que não dizem respeito à alçada do tribunal, nunca poderiam vir a ser apreciadas pelo Supremo Tribunal de Justiça- como por exemplo, em sede de insolvência (artigo 14º, nº1, do CIRE), expropriações ( artigo 66º, nº5, do Código das Expropriações) ou providências cautelares ( artigo 370º, nº 2 , do CPC)] e o Acórdão de 01.03.2018 (processo n.º 3580/14.0T8VIS-A.C1.S1)[11], que não obstante não se pronunciar expressamente sobre esta questão, conheceu da oposição de julgados quanto a decisão intercalar sobre questão de natureza processual.
Quanto a nós e tomando posição sobre esta problemática diremos que, nos casos em que está em causa um acórdão da Relação que apreciou uma decisão interlocutória incidente sobre questões de natureza essencialmente processual, a interpretação mais conforme com a vontade do legislador e com a unidade do sistema jurídico, é a de que é o próprio art. 671º, nº 2 do CPC (ao estabelecer que só caberá revista nos casos em que o recurso seja sempre admissível) que constitui a norma ou “disposição especial” que condiciona o acesso ao STJ “ por motivo estranho à alçada”.
É que a não entender-se assim, mal se compreenderia que o STJ pudesse dirimir contradições jurisprudenciais das Relações relativamente a questões adjetivas que tenham sido apreciadas em decisões interlocutórias quando estas tenham sido proferidas em processos relativamente aos quais existe uma “norma legal específica” a excluir ou a condicionar a admissibilidade de revista por razões que nada têm a ver com a alçada da Relação, mas já não o pudesse fazer quando essas decisões tenham sido proferidas nos demais processos ainda que as questões adjetivas, em relação às quais se verifica a contradição, sejam exatamente as mesmas.
Acresce que a defender-se a restrição do âmbito de aplicação do art. 671.º, n.º 2, al. a), por referência ao art. 629.º, n.º 2, al. d), ambos do CPC, aos casos em que o acórdão da Relação que apreciou a decisão interlocutória tenha sido proferido em processo do qual não caiba recurso por força de disposição especial, tal se traduziria num esvaziamento do conteúdo da norma constante da al. b) do nº 2 do art. 671º do CPC, pois não se admitindo o recurso de revista em caso de oposição entre acórdãos da Relação quanto a decisões interlocutórias que versem sobre questões adjetivas, estas questões nunca chegariam ao Supremo.
E sendo assim, também não se vê como poderão existir acórdãos do STJ incidentes sobre questões desta natureza e que possam ser invocados como estando em contradição com outras decisões da Relação, ficando, deste modo, frustradas as funções de orientação e de uniformização de jurisprudência especialmente atribuídas ao Supremo Tribunal de Justiça.
Daí que, no caso dos autos, se imponha considerar verificado o requisito do não cabimento do recurso “ por motivo estranho à alçada”.
E o mesmo vale dizer relativamente ao requisito específico da oposição de julgados, na medida em que, fazendo a comparação entre o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido, em 24.10.2017, no processo nº 249/13.6TBSPS-A.C1, indicado como acórdão fundamento, facilmente se constata que, perante idêntica situação de facto – em ambos os acórdãos está em causa decidir se a penhora, em execução fiscal, do imóvel do executado destinado exclusivamente a sua habitação própria e permanente ou do seu agregado familiar, determina, ou não, o levantamento da sustação da execução cível devido à anterioridade daquela - e as mesmas disposições legais (art. 244, nº 2 do CPPT e art. 794º, nº1 do CPC), aquela questão foi apreciada e decidida de forma contraditória no acórdão recorrido e no acórdão fundamento.
Com efeito, enquanto o acórdão recorrido, considerando que a Fazenda Nacional estava impossibilitada, nos termos do disposto no art. 244, nº 2 do CPPT, de realizar a venda do imóvel penhorado em execução fiscal, em data anterior à da penhora realizada nos presente autos, por aquele imóvel ser usado como habitação própria e permanente pelos executados, decidiu não haver fundamento para manter a sustação da presente execução, nos termos do art. 794º, nº1 do CPC, determinando o seu prosseguimento, o acórdão fundamento considerou que execução cível não pode prosseguir, não se encontrando o exequente impedido de exercer o direito a ver satisfeito o seu crédito através da penhora do bem imóvel que se encontra penhorado na execução fiscal, podendo promover a venda do mesmo.
Daí ter-se por verificada oposição relevante entre o sobredito acórdão fundamento e o acórdão recorrido, para efeitos de admissibilidade de revista, a título especial, ao abrigo da alínea d) do n.º 2, do art.º 629.º do CPC, sendo que esta matéria não se encontra abrangida por jurisprudência anteriormente uniformizada pelo STJ.
Conclui-se, assim, pela admissibilidade do recurso de revista, a título especial, nos termos das disposições conjugadas dos art. 671º, nº 2, al. a) e 629.º, nº 2, al. d), ambos do CPC, ficando prejudicado o conhecimento das invocadas violações ao disposto nos arts 1.º, 13º, 18.º, 65.º e 202.º, da Constituição da República Portuguesa.
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Pelo exposto, defere-se a reclamação, admitindo-se o recurso de revista e, nos termos do nº 4 do art. 652º do CPC, passa-se de seguida a conhecer do objeto do recurso.
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III. Delimitação do objeto do recurso
Como é sabido, o objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do C. P. Civil, só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa[12].
Assim, a esta luz, a única questão a decidir, consiste em saber se, quando em execução comum for penhorado imóvel que constitua a casa de morada de família do executado e sobre ele incida penhora com registo anterior realizada em execução fiscal, não podendo o imóvel ser vendido na execução fiscal em virtude do estabelecido na Lei nº 13/2016, há, ou não, lugar à suspensão da execução cível nos termos do art. 794º, nº1 do CPC.
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IV. Fundamentação
4.1. Fundamentação de facto
Dos elementos constantes dos autos resultam provados os seguintes factos:
1. A Caixa Geral de Depósitos, S.A. intentou contra AA e BB, execução sumária para pagamento da quantia de € 99.213,95, com base em dois contratos de mútuo com hipoteca com eles celebrados, titulados por duas escrituras públicas, e que não foram cumpridos.
2. Tratando-se de execução hipotecária a exequente indicou à penhora o imóvel hipotecado, propriedade dos executados, que constituiu garantia do cumprimento dos contratos de mútuo com eles celebrados.
3. O referido imóvel foi penhorado no âmbito da presente execução, tendo tal penhora sido registada em 19.05.2017.
4. Sobre o imóvel em questão já incidiam duas penhoras anteriores, registadas, respetivamente, em 30.12.2014 e 16.04.2015 e realizadas no âmbito de dois processos de execução fiscal intentados pela Fazenda Pública contra os aqui executados.
5. Na sequência da informação prestada pelos Serviços de Finanças de que a venda do imóvel penhorado não podia ter lugar em sede de execução fiscal, por o mesmo constituir a habitação própria permanente dos executados, veio a exequente requerer o levantamento da sustação da execução quanto o imóvel penhorado, com vista a permitir que a sua venda fosse efetuada nos presentes autos, tendo a Senhora Agente de Execução decidido, em 28.03.2018, levantar a sustação da execução sobre o imóvel em causa.
6. Em 23.10.2018, foi proferido o seguinte despacho pelo Juiz do Tribunal de 1ª Instância:
“A decisão proferida pela agente de execução de prosseguimento da presente execução quando sobre o bem penhorado incide penhora anterior, ainda que no âmbito de execução fiscal, é ilegal, porque violadora do disposto no artigo 794 do Código de Processo Civil.
Estabelece o artigo 244/2 do CPPT que "Não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afeto a esse fim."
Posto isto, mesmo que a ora exequente reclame o seu crédito em sede de execução fiscal e ali seja reconhecido e graduado, continua a autoridade tributária impedida de realizar a venda do imóvel ali penhorado, pelo que nada lhe adianta fazer tal reclamação, já que a venda só pode ali ocorrer, por impulso do credor reclamante, depois de extinta a execução fiscal, por efeito da renovação da execução, nos termos do disposto no artigo 850 do Código de Processo Civil.
No entanto, a jurisprudência dos Tribunais Superiores tem vindo a decidir que a execução deve ser sustada nos termos do artigo 794 do Código de Processo Civil, reclamando o exequente o seu crédito na execução fiscal, sendo ali admitido a promover a venda do bem penhorado - vide nesse sentido os Acórdãos da Relação do Porto proferido no âmbito do processo 467/17.8T8AGD deste Juízo de Execução e o Acórdão da Relação de Coimbra de 24.10.2017, disponível em www.dgsi.pt.
Em face do exposto, sendo ilegal a decisão proferida pela agente de execução, notifique a mesma para proferir decisão no sentido da sustação da execução tendo presente o disposto no artigo 794 do Código de Processo Civil, tendo em consideração o previsto no nº4 da mesma disposição legal.
Após prolação da decisão da agente de execução, abra conclusão no apenso de reclamação de créditos.
Notifique.”
7. Inconformada com esta decisão, dela apelou a exequente para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão proferido em 21.02.2019, julgou procedente o recurso e, revogando a decisão recorrida, determinou a prossecução da execução com o imóvel penhorado, com base nos seguintes fundamentos, que sumariou e que se transcrevem:
« 1. O art.º 794.º do C.P.C. que impõe a sustação da execução relativamente ao bem penhorado que seja objecto de penhora anterior, visa evitar que em processos diferentes se proceda à venda ou adjudicação do mesmo bem, com consequências difíceis na compatibilização do direito dos diferentes credores.
2. O legislador veio alterar o art.º 244.º n.º 2 do CPPT com a Lei 13/2016 de 23 de Maio, introduzindo um regime de excepção que limita a venda do imóvel penhorado que constitui a residência habitual do executado. Este regime foi circunscrito pelo legislador às execuções fiscais, não se estendendo a outras execuções, designadamente às execuções comuns, nem impedindo que nestas o Estado se faça pagar de crédito que aí venha a reclamar, já a norma mencionada condicionou apenas a venda daquele bem e já não a sua penhora.
3. Deve fazer-se uma interpretação restritiva do art.º 794.º n.º 1 do C.P.C. no sentido em que a sustação da execução apenas tem lugar quando o bem penhorado foi objecto de penhora anterior noutro processo executivo que possa prosseguir com a sua venda, sob a pena de se estar a comprimir de forma desproporcionado o direito do credor, que encontra no património do devedor a garantia do seu crédito e tem a expectativa da tutela do seu direito através do mesmo, com a possibilidade de submeter à execução todos os bens do devedor que nos termos da lei substantiva respondem pela dívida exequenda».
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4.2. Fundamentação de direito
Conforme já se deixou dito, o objeto do presente recurso prende-se única e exclusivamente com a questão de saber se, quando em execução comum for penhorado imóvel que constitua a casa de morada de família do executado e sobre ele incida penhora com registo anterior realizada em execução fiscal, não podendo o imóvel ser vendido na execução fiscal em virtude do estabelecido na Lei nº 13/2016, há, ou não, lugar à suspensão da execução cível nos termos do art. 794º, nº1 do CPC.
Trata-se de questão que surgiu com a entrada em vigor, em 24 de maio de 2016[13], da Lei nº 13/2016, de 23 de maio, que tendo por objetivo «proteger um direito essencial dos cidadãos, com maior relevância social, no campo do direito à habitação, posto em causa quando, num processo de execução fiscal, a habitação é objeto de venda judicial por iniciativa do Estado, por vezes em razão de quantias irrisórias face ao valor do imóvel »[14], estabeleceu, no seu art. 1º, que «
A presente lei protege a casa de morada de família no âmbito de processos de execução fiscal, estabelecendo restrições à venda executiva de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado» e, no seu art. 4º, nº1, que «Quando haja lugar a penhora ou execução de hipoteca, o executado é constituído depositário do bem, não havendo obrigação de entrega do imóvel até que a sua venda seja concretizada nos termos em que é legalmente admissível.», permitindo, deste modo, que o devedor permaneça na sua habitação enquanto permanecer o impedimento legal à realização da venda do móvel.
Mas, para além de tudo isto, introduziu várias alterações ao Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), dando, nesta matéria, uma nova redação ao nº 5 do art. 219º, que passou a estabelecer que «a penhora sobre o bem imóvel com finalidade de habitação própria e permanente está sujeita às condições prevista no artigo 244º » e ao artigo 244º, cujo nº 2 passou a dispor que « Não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afeto a esse fim».
Assim, ainda que, nos processos de execução fiscal, a casa de morada de família do executado constitua um bem suscetível de penhora ( cfr. art.219º, nº1 do CPPT), certo é que a Autoridade Tributária e Aduaneira ( AT) encontra-se impedida de, nestes processos, promover a venda judicial desse imóvel, pois, tal como refere José Henrique Delgado de Carvalho[15], foi vontade do legislador «impedir situações de desestruturação familiar em consequência da venda forçada da habitação própria, quase sempre associadas a contextos de desagregação social motivados pelo desemprego ou pela fragilidade socioeconómica dos agregados familiares, ocorrendo essa venda por vezes em razão de quantias irrisórias face ao valor do imóvel».
Aliás, foi já esta preocupação que esteve no espírito do legislador quando, na reforma do processo civil de 2013, consagrou, em diversos domínios da tramitação da ação executiva comum, várias medidas de proteção da casa de habitação efetiva do executado, quer no caso de execução provisória (art. 704º, nº 4 do CPC), quer quando hajam sido recebidos embargos de executado sem efeito suspensivo sobre a execução (art. 733º, nº 5 do CPC) e ainda quando haja sido deduzida oposição à penhora do imóvel (art. 785º, nº 4 do CPC).
Certo é que o legislador concedeu maior na proteção da casa de morada de família no processo de execução fiscal do que no processo de execução comum, pois, não obstante inexistir, num e noutro processo, qualquer obstáculo à realização da penhora de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, a verdade é que, enquanto o art. 244º, nº 2 do CPPT, na redação introduzida pela Lei nº 13/2016, impede a Autoridade Tributária e Aduaneira, no processo de execução fiscal, de promover a venda daquele imóvel para satisfação de um crédito fiscal, no processo de execução comum não existe um tal impedimento, apenas se admitindo a suspensão da venda nas situações enunciadas nos citados arts.704º, nº 4, 733º, nº 5 e 785º, nº 4, todos do CPC, como as restrições à realização da venda.
Mas porque a proibição da venda prevista no nº 2 do art. 244º, do CPPT vale apenas e tão só nas execuções instauradas para cobrança de créditos do Estado, de natureza fiscal e garantidos por penhora, sendo inoponível aos credores comuns do devedor e porque, no caso de pluralidade de penhoras sobre o mesmo bem impõe-se observar o disposto no art. 794º, nº1 do CPC, há que reconhecer a dificuldade na articulação destes dois preceitos sempre que, em execução comum for penhorado imóvel que constitua a casa de morada de família do executado e sobre ele incida penhora com registo anterior realizada em execução fiscal, não podendo, por isso, o imóvel ser vendido na execução fiscal em virtude do estabelecido no nº 2 do citado art. 244º.
Daí assumir especial relevância a questão de saber se, nestas situações, há, ou não, lugar à suspensão da execução cível nos termos do art. 794º, nº 1 do CPC, o que implica um esforço interpretativo no sentido de compatibilizar o preceituado neste artigo com o estabelecido no art. 244º, nº 2 do CPPT.
A solução para esta questão, está, porém, longe de ser pacífica, tendo-se formado a este respeito, no contexto da jurisprudência, duas correntes.
Uma delas, estribada nas reflexões de José Henrique Delgado de Carvalho[16], afasta uma interpretação literal do art. 244º, nº 2 do CPPT e defende uma interpretação restritiva deste preceito no sentido da sua inoponibilidade ao concurso de credores na execução fiscal, ficando a sua aplicação limitada aos casos em que a Autoridade Tributária seja o único credor interveniente no processo de execução fiscal.
Ou seja, segundo esta tese, impõe-se interpretar este artigo no sentido de que, em caso de penhora de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar, o mesmo impede a Autoridade Tributária de promover a venda desse bem, mas já não impede que, uma vez sustada a execução comum nos termos do disposto no art. 794º, nº1, do CPC, o credor que tenha reclamado o seu crédito no processo de execução fiscal, requeira o prosseguimento da execução e promova, neste processo, a venda do referido imóvel.
E isto, quer porque, no dizer dos Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24.10.2017 (processo nº 249/13.6TBSPS-A.C1) e de 08.04.2019 (processo nº 1325/16.9T8ACB.C1) [17] «este credor se encontra numa situação similar à prevista no art. 850º, nº 2 do CPC, normativo que deve ser aplicado com as adaptações necessárias», quer porque, na expressão dos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 08.03.2019 (processo nº 11128/11.1TBVNG-C.P1) e do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13.11.2019 (processo nº 7389/17.0T8CBR-A.C1) [18], não contendo o CPPT uma norma idêntica à prevista no nº 2 do art. 850º do CPC, estamos perante « uma lacuna que terá de ser suprida por interpretação analógica, até porque segundo o disposto no art. 246º, nº1 do CPPT “ Na reclamação de créditos observam-se as disposições do Código de Processo Civil, excepto no que respeita à reclamação da decisão de verificação e graduação, que é efetuada exclusivamente nos termos dos artigos 276º a 278º deste código” » .
Perfilharam esta tese, para além dos supra indicados arestos, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07.05.2019 (inédito)[19], sustentando que o disposto n art. 265º, nº 3 do CPPT, não proíbe a realização da venda no processo de execução fiscal para pagamento de créditos não fiscais.
Uma segunda corrente, que se apresenta como maioritária, e que, tal como nos dá conta o recente Acórdão da Relação de Lisboa, de 22.10.2019 (processo nº 2270/07.4TBVFX-B.L1)[20], assenta, fundamentalmente, no seguintes argumentos:
« i.- A ratio legis da norma do art.º 794º, tendo subjacente razões de certeza jurídica e de proteção tanto do devedor executado, como dos credores exequentes, postula que ambas as execuções se encontrem numa situação de dinâmica processual;
ii.- Atento o teor taxativo do nº 2 do art. 244º do CPPT (“não há lugar à realização de venda”), o credor reclamante não pode prosseguir com a execução fiscal sustada, nomeadamente requerer o prosseguimento da execução e diligências de venda, a qual está legalmente impedida no âmbito desse processo fiscal, independentemente de ser requerida por qualquer credor comum;
iii.- O CPPT não prevê o prosseguimento da execução fiscal por impulso dos credores reclamantes, não tem norma equivalente ao art. 850º, nº 2, do Código de Processo Civil;
iv.- Estando suspensa a execução fiscal, não pode funcionar o regime previsto no art.º 794º, nº1, que tem como pressuposto a ausência de qualquer impedimento legal ao prosseguimento normal da execução fiscal e venda do bem penhorado;
v.- O art.º 244º do CPPT encontra-se inserido na Secção VIII, sob a epígrafe “Da convocação dos credores e da verificação dos créditos”, o que constitui um elemento sistemático de interpretação que não pode ser ignorado, donde se infere que nada vale reclamar na execução fiscal o crédito se a sua satisfação só poderia ser obtida pela venda do imóvel hipotecado, venda que está expressamente interdita na execução fiscal.
vi.- A regra da preferência resultante da penhora (art. 822º do Código Civil) não pode impedir a venda do imóvel no processo onde a penhora é posterior, visto que a Autoridade Tributária pode reclamar o seu crédito nesta execução (art. 786º), sendo o seu crédito graduado no lugar que lhe competir».
Subscreveram esta tese, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 26.09.2017 ( processo nº 1420/16.4T8VIS-B.C1); da Relação de Évora, de 12.07.2018 (processo nº 893/12.9TBPTM.E1); da Relação de Guimarães, de 17.01.2019 (processo nº 956/17.4T8GMR-C.G1); da Relação de Lisboa, de 07.02.2019 (processo nº 985/15.2T8AGH-A.L1); da Relação de Guimarães, de 23.05.2019 (processo nº 2132/17.7T8VCT-B.G1); da Relação de Évora, de 30.05.2019 (processo nº 402/18.6T8MMN.E1); da Relação de Guimarães, de 30.05.2019 (processo nº 2677/10.0TBGMR.G1); da Relação de Lisboa, de 12.09.2019 (processo nº 1183/18.9T8SNT.L1) e da Relação do Porto, de 22.10.2019 (processo nº 8590/18.5T8PRT-B.P1) [21].
O acórdão recorrido perfilhou esta segunda tese, sustentando, no essencial, que « tem de fazer-se uma interpretação restritiva do mencionado art.º 794.º n.º 1 do C.P.C. no sentido em que a sustação da execução apenas tem lugar quando o bem penhorado foi objecto de penhora anterior noutro processo executivo que possa prosseguir com a sua venda, sob a pena de se estar a comprimir de forma desproporcionado o direito do credor, que encontra no património do devedor a garantia do seu crédito e tem a expectativa da tutela do seu direito através do mesmo, com a possibilidade de submeter à execução todos os bens do devedor que nos termos da lei substantiva respondem pela dívida exequenda, conforme estabelece o art.º 735.º n.º 1 do C.P.C.» e concluindo que « em face da situação concreta verificada, não há lugar no caso à sustação da execução, nos termos do art.º 794.º n.º 1 do C.P.C., devendo a mesma prosseguir os seus termos com a venda do imóvel penhorado, dando-se a possibilidade à Fazenda Nacional de reclamar os seus créditos na execução comum, se assim o pretender, para deles ser paga no lugar em que venham a ser graduados, impondo-se a revogação do despacho recorrido ».
Cientes de que ambas as teses comportam dificuldades de articulação e harmonização entre o regime do processo de execução fiscal previsto no Código de Procedimento e Processo Tributário e o regime do processo de execução comum previsto no Código de Processo Civil, na busca da melhor solução, não deixaremos de perfilhar, de harmonia com o disposto no art. 9º do C. Civil, aquela que melhor se coaduna com o espírito da lei e melhor garante a unidade do sistema jurídico e satisfaz os interesses protegidos por cada uma das normas dos arts. 244º, nº 2 do CPPT e 794º, nº1 do CPC.
Assim, no confronto destas duas correntes, temos por certo ser na primeira das tese que se erguem maiores obstáculos no alcance de um maior equilíbrio entre a salvaguarda do direito à habitação do cidadão (devedor fiscal) e da respetiva família, consagrado no art. 65º da Constituição da República Portuguesa e a tutela dos direitos dos credores comuns deste devedor a obterem a satisfação dos seus créditos, decorrente do direito de propriedade privada constitucionalmente garantido no art. 62º, nº1 da CRP.
E estas dificuldades surgem dadas as especificidades da reclamação de créditos no processo de execução fiscal.
É que se é certo que, ao facto de o CPPT não conter uma norma idêntica à prevista no nº 2 do art. 850º do CPC, sempre se poderia contrapor o argumento de que, estando-se perante um caso omisso, seria de aplicar aquela norma, visto dispor o art. 2º , al. b) do CPPT, que ao procedimento e processo judicial tributário, são aplicáveis, subsidiariamente, « as disposições do Código de Processo Civil », estabelecendo, expressamente, o art. 246º, nº 1 do mesmo código que « na reclamação de créditos observam-se as disposições do Código de Processo Civil, excepto no que respeita à reclamação da decisão de verificação e graduação, que é efetuada exclusivamente nos termos dos artigos 276º a 278º deste código», a verdade é que já se decidiu nos Acórdãos do STA, de 27.06.2007 (recurso nº 0446/07) e de 03.02.2016 (processo nº 087/15) [22] que, não tendo a venda dos bens penhorados, o credor reclamante, não pode requerer o prosseguimento da execução ao abrigo do art. 920º, nº 2 (atual art. 850, nº 2 ), do Código de Processo Civil, por tal faculdade, no caso concreto, não ser aplicável ao processo de execução fiscal.
Acresce que, tal como se dá conta no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 30.05.2019 (processo nº 2677/10.0TBGMR.G1), não deixa de ser defensável o entendimento de que constitui «uma flagrante ilegalidade a Autoridade Tributária proceder à venda na execução-fiscal do imóvel que constitua casa de morada de família ainda que a coberto do concurso de credores (cfr. art. 8º, nº 2 , al. e) da LGT)».
Mas, mesmo pondo de parte estas dificuldades, que, na prática, podem comprometer ou, pelo menos, tornar muito onerosa a possibilidade de cobrança do respetivo crédito por parte dos credores comuns reclamantes, e cientes de que o impedimento da Autoridade Tributária em realizar, no processo de execução fiscal, a venda da casa de morada de família do devedor de créditos fiscais, previsto no art. 244º, nº 2 do CPPT, é inoponível aos credores comuns, julgamos que a chave para a resolução da questão colocada nos presentes autos, radica na interpretação a dar ao art. 794º, nº1 [23], do CPC, que estabelece que:
«Pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, o agente de execução susta quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respetivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga ».
Assim, recaindo sobre o mesmo bem duas ou mais penhoras concretizadas em processos executivos diferentes, susta-se o processo em que a penhora se efetuou em segundo lugar, ainda que a execução respetiva tenha começado primeiro e ainda que esteja mais adiantada do que aquela em que precedeu a penhora, pois, como já ensinava Alberto dos Réis, a propósito do art. 871º do anterior Código de Processo Civil, « o que a lei não quer é em processos diferentes se opere a adjudicação ou a venda dos mesmos bens; a liquidação tem de ser única e há-de fazer-se no processo em que os bens foram penhorados em primeiro lugar »[24].
No mesmo sentido, refere o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 11.10.2004 (processo nº 0454742 ) [25], que « a razão de ser do preceituado no normativo citado, filia-se no facto de a liquidação do património do executado ser única, tendo por base o processo executivo instaurado em primeiro lugar, pois de outro modo, correr-se-ia o risco de poder haver dupla venda ou adjudicação dos mesmos bens».
Sublinha, todavia, este mesmo acórdão que «da “ratio legis” do preceito, a que subjazem razões de certeza jurídica e protecção, quer do devedor executado, quer do(s) credor (es) exequente (s), resulta que, para que o preceito tenha conteúdo útil, a 1ª execução deva estar, senão em movimento (…), pelo menos em fase processual de onde a sua prossecução seja possível, à luz da tramitação processual prevista », pelo que «a execução mais antiga [ onde o credor-exequente que instaurou a 2ª execução, deve ir reclamar os seus créditos em virtude da sustação] tem de estar em posição de poder prosseguir ».
Ou seja, «ao conferir a possibilidade de reclamação do seu crédito, por via da execução ter sido suspensa», ao abrigo do art. 794º, nº1 do CPC, «a lei pretende que se pondere a relação dinâmica das execuções ou, quando muito, a possibilidade do dinamismo da mais antiga»
Dito ainda de outro modo e nas palavras do Acórdão do STJ, de 09.06.2005 (processo nº 05B1358) [26], pretendeu o legislador «aproveitar o decurso de duas execuções em plena actividade na sua tramitação e onde foi penhorado o mesmo bem, remetendo o modo de pagamento coercivo da obrigação para aquele processo que maior funcionalidade e maior comodidade concede ao exequente e sem causar dano ao executado.
Por isso é que só se justificará a reclamação do crédito exigido na execução sustada, desde que a execução para onde se remete a reclamação desse crédito esteja em condições de poder efectivar, com a usual normalidade, esta assinalada prerrogativa do credor exequente».
Daí que, nesta perspetiva, seja de entender, por um lado, que só se verifica utilidade no regime do citado art. 794º, nº1, se ambas as execuções se encontram a correr termos, pois só assim é que o exequente/ reclamante pode obter o pagamento dos seus créditos por via executiva.
E, por outro lado, que suspensa ou por qualquer modo “parada” a execução na qual o credor exequente deve ir reclamar o seu crédito, por força do art. 794º, nº1 do CPC, deve prosseguir a instância da execução que havia sido sustada, nos termos deste mesmo artigo.
Ora, a verdade é que, encontrando-se a execução fiscal “parada” em consequência do regime previsto no art. 244º, nº 2 do CPPT, que impede a Autoridade Tributária de promover a venda, nesse processo, do imóvel penhorado por o mesmo ser a casa de morada de família do executado, não se vê razão para interpretar o citado art. 794º, nº1 de modo diferente, pelo que nenhuma censura merece o acórdão recorrido ao decidir que «em face da situação concreta verificada, não há lugar no caso à sustação da execução, nos termos do art.º 794.º n.º 1 do C.P.C., devendo a mesma prosseguir os seus termos com a venda do imóvel penhorado, dando-se a possibilidade à Fazenda Nacional de reclamar os seus créditos na execução comum, se assim o pretender, para deles ser paga no lugar em que venham a ser graduados, impondo-se a revogação do despacho recorrido ».
Termos em que improcede o recurso interposto pelo recorrente.
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IV – Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.
As custas da revista ficam a cargo do recorrente.
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Supremo Tribunal de Justiça, 23 de janeiro de 2020
Maria Rosa Oliveira Tching (Relatora)
Rosa Maria Ribeiro Coelho
Catarina Serra
[1] In, Blog do IPPC, Comentário publicado no dia 2 de outubro de 2019.
[2] Neste sentido, Abrantes Geraldes, in “ Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª edição, 2018, pág. 358.
[3] No sentido de que «O despacho que indefere a realização de prova por inspecção e a junção documental constitui uma decisão intercalar, pelo que a revista apenas é admissível nos termos do n.º 2 do art. 629.º ou nos termos do n.º 2 do art. 671.º, ambos do CPC», cfr. Acórdão de 01.03.2018 (revista n.º 3580/14.0T8VIS-A.C1.S1), cfr. sumário disponível em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/06/civel2017.pdf:
[4] De cujo sumário consta que « I. Não é admissível recurso de revista sobre questão relativa à relação processual – da nulidade por omissão de tentativa de conciliação – suscitada e resolvida na 1.ª instância e na Relação – art. 671.º, n.º 2, do CPC. II - A admissibilidade do recurso de revista ao abrigo do disposto nos arts. 671.º, n.º 1, e 629.º, n.º 2, al. d), ambos do CPC, reserva-se aos casos em que, por determinação legal, o acesso ao terceiro grau de recurso estaria vedado, apesar de a causa apresentar um valor que admitiria normalmente o recurso», disponível em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/06/civel2017.pdf:
[5] De cujo sumário consta que « (…) II. O recurso prescrito na alínea d) do nº 2 do artigo 629º do CPC tem como justificação o objetivo de garantir que não fiquem sem possibilidade de resolução conflitos de jurisprudência verificados entre acórdãos das Relações, em matérias que, por motivos de ordem legal que não dizem respeito à alçada do tribunal, nunca poderiam vir a ser apreciadas pelo Supremo Tribunal de Justiça- como por exemplo, em sede de insolvência (artigo 14º, nº1, do CIRE), expropriações (artigo 66º, nº5, do Código das Expropriações) ou providências cautelares (artigo 370º, nº 2 , do CPC). III. Se todos os acórdãos da Relação em contradição com outros acórdãos da Relação admitissem a revista “ordinária” nos termos do artigo 629º, nº2, al. d), CPC, deixaria necessariamente de haver qualquer justificação para construir um regime de revista excecional para a contradição entre acórdãos das Relações tal como se encontra no artigo 672º, nº1, al. c), CPC. Sempre que se verificasse uma contradição entre acórdãos das Relações seria admissível uma revista “ordinária”, não havendo nenhuma necessidade de prever para a mesma uma revista excecional», disponível in wwwdgsi.pt/stj.
[6] In, Blog do IPPC, Comentário publicado no dia 2 de outubro de 2019.
[7] Pois, como nos dá conta Abrantes Geraldes, in “ Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª edição, 2018, pág. 57, do art. 678º, nº4 , do CPC de 1961, na redação introduzida pelo DL nº 38/03, de 8 de março continha uma solução semelhante, mas que acabou por ser afastada na revisão do regime de recursos de 2007.
[8] Neste sentido, Abrantes Geraldes, in “ Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª edição, 2018, pág. 57.
[9] Neste sentido, cfr. Acórdãos do STJ, de 23.06.2016 (revista n.º 2023/13.0TJLSB.L1.S1) e de 22.02.2017 (revista n.º 14127/14.8T8PRT.P1.S1), onde se afirma que « A finalidade do mecanismo da uniformização não é prioritariamente dirigida à justiça de cada caso concreto, mas sim ao objetivo latitudinário de evitar a propagação do erro de direito judiciário pela ordem jurídica, como garantia do princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei na sua conjugação com o princípio da independência e liberdade interpretativa do julgador, na linha da diretriz hermenêutica do n.º 3 do art. 8.º do CC.».
[10] Sumário disponível em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/06/civel2017.pdf:
[11] Sumário disponível em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/06/civel2017.pdf:
[12] Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respetivamente.
[13] Conforme o disposto no art. 6º da referida Lei.
[14] Cfr. Motivos expostos no Projeto de Lei nº 87/XIII/I, promulgado pelo Presidente da República em 13.05.2016.
[15] In “ As Alterações Introduzidas pela Lei nº 132/2016, de 23/5, no Código de Procedimento e de Processo Tributário e na Lei Geral Tributária e as suas repercussões no Concurso de credores”, acessível in www.blogippc.blogspot.com.
[16] In “ As Alterações Introduzidas pela Lei nº 132/2016, de 23/5, no Código de Procedimento e de Processo Tributário e na Lei Geral Tributária e as suas repercussões no Concurso de credores”, acessível in www.blogippc.blogspot.com.
[17] Acessíveis in wwwdgsi/pt.
[18] Acessíveis in wwwdgsi/pt.
[19] Acessível in www.blogippc.blogspot.com.
[20] Acessível in wwwdgsi.pt.
[21] Todos acessíveis in wwwdgsi/pt.
[22] Acessíveis in wwwdgsi/pt/sta.
[23] Que corresponde ao nº1 do art. 871º do anterior Código de Processo Civil, que prescrevia que « Pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, é sustada , quanto a estes, aquela em que a penhora tenha sido anterior.
[24] In, “Processo de Execução” , vol. II, Reimpressão, Coimbra , 1985, pág. 287.
[25] Acessível in www.dgsi. pt.
[26] Acessível in www.dgsi. pt.