I – Para o exercício do direito de indemnização, resultante de responsabilidade extracontratual, o lesado pode sempre intentar a ação cível para além do prazo normal de três anos, previsto no artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil, desde que alegue e prove, naquela ação, que a conduta do lesante é suscetível de constituir, em abstrato, crime cujo prazo de prescrição seja superior.
II – A aplicação do alargamento do prazo prescricional, prevista no n.º 3 do artigo 498.º do Código Civil, não está dependente de, previamente, ter corrido processo crime ou da existência de condenação penal, assim como não impede a ação cível, o facto de o processo crime ter sido arquivado ou amnistiado.
III - A declaração de pagamento e o ato de pagamento dos danos materiais do veículo, pela seguradora, devem ser interpretados, à luz dos critérios do artigo 236.º do Código Civil, significando que a seguradora reconheceu, sem dúvida alguma, a existência do direito de indemnização do autor, na sua totalidade, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados pelo acidente
IV – O que releva, para efeitos de prescrição, é o reconhecimento do direito de indemnização, como princípio de ressarcibilidade dos danos causados pelo acidente, independentemente da questão de saber quais os danos reparáveis e quais as quantias em concreto apuráveis.
V - O facto de a declaração da seguradora não se reportar a todos os danos não retira àquele ato recognitivo o efeito interruptivo do prazo prescricional relacionado com o direito de indemnização em toda a sua amplitude.
Não disponível.
Processo n.º 1414/18.5T8CHV.G1.S1
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I - Relatório
1. AA, com residência fiscal na Rua ..., n.º .., freguesia de ..., em ..., propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Crédito Agrícola Seguros - Companhia de Seguros de Ramos Reais, S.A., com sede na Rua …, n.º …, …º direito (Edifício ...), em Lisboa, pedindo que:
Alegou para o efeito, em síntese, que, no dia 08 de agosto de 2009, pelas 15.45 horas, na R 311 km, em ..., quando o motociclo que conduzia se encontrava parado num sinal de stop existente na via, foi embatido por um veículo automóvel ligeiro de mercadorias, seguro na Ré, por o respetivo condutor circular de forma imprudente, descuidada e desatenta.
Mais alegou que, em virtude do embate referido, e da sua posterior queda no solo, registou diversos danos, nomeadamente: materiais no seu motociclo, no valor de € 3.172,15, assumidos posteriormente pela Ré, à exceção da quantia de € 594,34, correspondente a danos num dos seus tubos de escape; lesões físicas e sofrimento psicológico (v.g. medo, angústia, ansiedade, dores, incómodos, preocupação, e desassossego); perdas salarias enquanto esteve incapacitado, no valor de € 13.104,00; diminuição da sua capacidade de ganho; e despesas hospitalares, médicas e medicamentosas, no valor de € 238,61.
Alegou ainda o Autor que, não lhe tendo a Ré pago oportunamente o custo da reparação do motociclo, foi ele próprio demandado judicialmente pela oficina que a realizara (primeiro em ação declarativa - onde fez intervir a Ré, como interveniente acessória -, e depois em ação executiva), tendo suportado um prejuízo por aquela mora de € 1.919,98 (remanescente da quantia total de € 6.997,78, que pagou para extinguir a dita acção executiva, deduzido do posterior pagamento indemnizatório da Ré, de € 3.172,15).
2. Regularmente citada, a Ré (Crédito Agrícola Seguros - Companhia de Seguros de Ramos Reais, S.A.) contestou, pedindo que: fosse julgada procedente a exceção perentória de prescrição, sendo ela própria absolvida do pedido; e, subsidiariamente, a ação fosse julgada totalmente improcedente, sendo ela própria igualmente absolvida do pedido.
Alegou para o efeito, em síntese, encontrar-se prescrito o direito do Autor a demandar, uma vez que teriam decorrido mais de três anos desde a data do acidente invocado (08 de agosto de 2009) e a data da sua citação nos autos (12 de setembro de 2018).
Mais alegou desconhecer, quer a forma como o acidente de viação ocorreu, quer os eventuais danos dele resultantes (assim impugnando o alegado a propósito pelo Autor); e defendeu ainda serem excessivos os montantes indemnizatórios peticionados.
Por fim, a Ré reconheceu que, em 20 de agosto de 2009, assumiu extrajudicialmente a responsabilidade pela produção do acidente, por a ter como cabendo ao condutor do veículo cuja circulação fora por si garantida.
3. O Autor (AA) respondeu à exceção de prescrição, pedindo que a mesma fosse considerada improcedente.
Alegou para o efeito, sempre em síntese, consubstanciar a conduta do condutor do veículo que embateu no seu motociclo um crime de ofensa à integridade física por negligência, sendo de cinco anos o prazo de prescrição pelo respetivo procedimento criminal; e aplicar-se este prazo, mais longo, aos autos.
Mais alegou ter a prescrição sido interrompida, quer pela citação da Ré, em 27 de janeiro de 2012, na ação declarativa que foi movida a ele próprio pela oficina reparadora do seu motociclo (quando nela a fez intervir, como interveniente acessória), quer pelo pagamento realizado pela Ré, em Junho de 2014, da quantia de € 3.172,15, a título de custo de reparação do seu veículo motorizado, quer ainda pelo reconhecimento que fez do seu direito de indemnização, por carta de 20 de agosto de 2009.
4. Em sede de audiência prévia, o Tribunal a quo anunciou o seu propósito de conhecer de imediato do mérito da causa, tendo as partes sido então ouvidas sobre essa possibilidade e para, querendo, produzirem alegações, o que fizeram (reiterando, cada uma delas, as respectivas pretensões já expressas nos seus articulados).
5. Foi depois proferido saneador-sentença, julgando a ação totalmente improcedente, lendo-se nomeadamente nessa decisão:
«(…)
DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar a presente acção totalmente improcedente, por se verificar a excepção de prescrição dos direitos que o A. AA pretende fazer valer e, em consequência, absolver a R. Crédito Agrícola Seguros – Companhia de Seguros de Ramos Reais, S.A. de todos os pedidos formulados pelo Autor.
Custas pelo Autor (art. 527º nº 1 do C.P.C.).
Registe e notifique.
(…)»
6. Inconformado com esta decisão, o Autor (AA) interpôs recurso de apelação, pedindo que fosse revogada a sentença recorrida, sendo substituída por decisão julgando improcedente a exceção de prescrição e ordenando o prosseguimento dos autos.
7. O Tribunal da Relação decidiu julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pelo Autor (AA), e, em consequência, confirmou integralmente a sentença recorrida.
8. Novamente inconformado, o Autor interpõe recurso de revista excecional para este Supremo Tribunal, que foi admitido pela formação a que se refere o artigo 672.º, n.º 3, do CPC.
9. Na sua alegação de recurso, formulou as seguintes conclusões:
«A- Vem o presente recurso interposto do Douto Acórdão proferida pelo Meritíssimo Tribunal "a quo" que, negando provimento à apelação, manteve o decidido na primeira instância, no sentido de julgar procedente a excepção da prescrição invocada pela aqui Recorrida;
B- Salvo o devido respeito, o Recorrente não pode concordar com os fundamentos que sustentam o douto acórdão recorrido.
C- O âmbito do presente recurso resume-se, pois, à apreciação das interrupções da prescrição oportunamente invocadas pelo Recorrente (por virtude do reconhecimento do direito de indemnização em sede de responsabilidade extracontratual por parte da Recorrida e pagamento relativo a danos materiais realizado);
D- Não tendo a 1ª instância assim como o Tribunal a quo se pronunciado em concreto sobre o prazo de prescrição aplicável, se o de três anos (de curto prazo), previsto no art. 498º, nº1 do C.C., se o de cinco anos (prazo mais longo), previsto no art. 498º, nº3 daquele diploma. Tendo o Recorrente expressamente invocado a prática de um ilícito criminal (crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelos artigos 148º, nº 1 do Código Penal) por parte do condutor do veículo automóvel segurado da Recorrida e considerando a descrição da dinâmica do acidente e deste ter resultado lesões corporais para o Recorrente, entende o Recorrente ser de aplicar o prazo de cinco anos previsto no nº 3 do citado art. 498º do C.C.
E- Tendo o acidente dos autos ocorrido a 8 de Agosto de 2009, a prescrição ocorreu a 8 de Agosto de 2014.
F- Todavia, a prescrição admite excepções, designadamente, os casos de interrupção previstos nos arts. 323º e 325º do C.C.
G- A primeira das interrupções ocorridas acontece a 20 de agosto de 2009, através da remessa ao Recorrente do documento que consta a fls. 20 dos autos, constando da dita carta, entre outros, os seguintes dizeres: “ (…) Reportamo-nos ao sinistro em referência. Serve a presente para informar que pelos elementos que constituem o nosso processo, nomeadamente auto de polícia, é nosso entendimento que a total responsabilidade pela produção do acidente pertence ao condutor do veículo que garantimos por infracção do artigo 24º do Código da Estrada (…). (…) Para podermos prosseguir com a regularização dos danos materiais resultantes para V.Ex.ª é necessário que nos autorize, conforme solicitado na nossa correspondência datada de 10-08-2009 (…). (…) Quanto dano corporal, solicitamos nos indique se tem alguma despesa ou quantia a reclamar e em caso afirmativo nos indique qual, bem como nosmhabilite com os comprovativos para análise”;
H- Após o envio da dita carta foi pela Recorrida realizada perícia ao veículo motorizado
propriedade do Recorrente. Tendo de seguida remetido nova missiva nela transmitindo não se responsabilizar pelos danos materiais preexistentes (no caso em concreto, um cano de escape). Autonomiza, assim, a sua responsabilidade apenas quanto a este dano concreto. Quanto ao dano corporal nenhuma autonomização da responsabilidade manifestou, a não ser, a dependência de análise de documentação a apresentar.
I- A carta datada de 20/9/2009, dirigida (em fase extrajudicial) ao ora Recorrente e titular do direito de indemnização, revela, sem qualquer margem para dúvida, designadamente de natureza interpretativa, conduta factual que reconhece o direito de indemnização, assim como o assumir dessa obrigação e a vontade de lhe dar cumprimento.
J- “ (… ) a lei atribui relevância decisiva ao reconhecimento do prescribente , isto é, da pessoa, a favor de quem está a decorrer a prescrição, para interromper esta última (…) a Ré reconheceu o referido direito com a missiva que dirigiu àquele (…) “, neste sentido o Ac. do TRG de 27/4/2017 (acórdão fundamento supra junto).
K-A dita missiva, segundo o Ac. do TRP, de 09-09-2013, in www.dgsi.pt , reúne : “ (…)os requisitos de confissão extrajudicial em documento particular, dirigida à parte contrária, atribuindo-lhe a lei força probatória plena “.
L- Para além de com o envio da mesma ao Recorrente, a Recorrida reconhece também qualitativamente a existência do direito do recorrente, não retirando àquele ato recognitivo o efeito interruptivo do prazo prescricional relacionado com o direito de indemnização em toda a sua amplitude patrimonial - Ac. STJ e 6/12/2018, in www.dgsi.pt,
M- Estatui o art. 325º, nº1 que a prescrição considera-se interrompida pelo reconhecimento do direito quando efetuado perante o respetivo titular por parte daquele contra quem o direito pode ser exercido, estatuindo, por sua vez, o artigo 358.º, nº2 do C. C. que: “A confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena “.
N- A Recorrida não impugnou tal missiva (declaração confessória), alegando quanto a esta, a item 25º da sua, douta, contestação, o seguinte: “Apesar disso, diga-se que a Ré, em 20 de Agosto de 2009, entendeu assumir extrajudicialmente a responsabilidade pela produção do acidente como pertencente ao condutor do veículo por si garantido, valendo para esse efeito”.
O- A dita comunicação consubstancia sem a menor dúvida, o reconhecimento pela R. do direito à indemnização por parte do Recorrente,
P- Tal reconhecimento, efectuado perante o respectivo titular (o ora Recorrente), pela R. companhia seguradora, tem eficácia interruptiva da prescrição – art. 325º, nº 1 do C.C. Provocando novo início de prazo de contagem da prescrição, reiniciando-se esta no dia seguinte àquele a que se reporta a data que dela consta (21.08.2009),
Q- Existindo ou não divergência quanto a valores dos danos decorrentes do facto ilícito no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, , o efeito interruptivo do prazo de prescrição do direito de indemnização previsto no art. 498º, nº 1, do CC, decorrente do “reconhecimento do direito”, tem por referência o “direito de indemnização”, em termos qualitativos, neste sentido o Ac. STJ de 6/12/2018, in www.dgsi.pt .
R- Tempos depois um outro momento interruptivo da prescrição ocorre, aquando da Intervenção Acessória (provocada) verificada no âmbito do processo n.º 4171/11.2TBBRG, o qual correu termos no Juízo de Competência Cível de ..., 5.º Juízo Cível, sob o processo n.º 4171/11.2TBBRG e cujo trânsito se verifica a 16.09.2013, cfr certidão judicial junta aos autos.
S- Naquela acção era pedida a condenação do Recorrente no pagamento da quantia, entre outras, de € 3.172,15, relativa ao custo da reparação do motociclo sinistrado (sua propriedade), tendo o Recorrente requerido a intervenção acessória da Recorrida
T- No âmbito do chamamento, o chamado não é o devedor no seu confronto com o R. (ora Recorrente), não podendo ser condenado mesmo que a acção proceda circunscrevendo-se a intervenção acessória de terceiro às questões respeitantes ao pedido ou à causa de pedir da acção em que é sujeito passivo o R., chamante, ficando a sua actividade processual subordinada à do R. “Efectivamente, a relação de regresso só é apreciada pelo tribunal para efeitos de admissibilidade do incidente de intervenção acessória, pois que o chamado não é condenado nem absolvido na acção onde aquele foi deduzido “, Ac. TRE de 25-01-2018, www.dgsi.pt
U- À Recorrida foi-lhe atribuída os efeitos decorrentes do estatuído no art.º 332.º do CPC, tendo como consequência o facto de, a sentença proferida na causa constitui caso julgado em relação ao assistente, que é obrigado a aceitar, em qualquer causa posterior, os factos e o direito que a decisão judicial tenha estabelecido. “No fundo, o caso julgado torna indiscutíveis, na acção posterior, no confronto do chamado, os pressupostos concernentes à existência e ao conteúdo do direito a indemnização da titularidade do autor “ , Ac. TRE de 25-01-2018, www.dgsi.pt
V- Quanto ao limite objectivo da interrupção da prescrição – fundamento de direito invocado na douta sentença recorrida, a qual não reconheceu, que o chamamento da R. teve eficácia interruptiva da prescrição quanto aos danos peticionados pelo Recorrente na acção de cuja sentença se recorre, deste particular da decisão também se discorda.
W- Considerando tal dispositivo, o chamamento da Recorrida no âmbito da acção judicial com o processo nº 4171/11.2TBBRG que correu termos pelo 5º Juízo Cível do Tribunal Judicial de ..., teve como efeito, o de interromper a prescrição quanto ao direito à indemnização invocado pelo Recorrente, quanto mais não seja e não concedendo, relativamente aos danos materiais, incluindo o cano de escape (porque alegado pelo ora Recorrente na contestação então apresentada, como supra se mencionou), cujo custo de reparação não foi assumido pela Recorrida companhia seguradora,
X- Reiniciando-se, pois, após o trânsito em julgado de tal acção judicial, o qual ocorreu a 16-09- 2013, um novo prazo prescricional de cinco anos, culminando este em 16-09-2018.
Z- Entretanto, um outro momento interruptivo da prescrição ocorreu. A douta sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria: - “14. No dia 28 de Maio de 2014 a ora R. remeteu à ora A. a mensagem de correio electrónico que consta dos autos a 61v acompanhada do anexo ali referido (declaração de recebimento da quantia de 3.172,15 euros), cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais “; - “16. A R. procedeu ao pagamento ao A. da quantia identificada em 14) no decurso do mês de Junho de 2014 “.
AA- Versando sobre o conteúdo da dita declaração de recebimento da quantia de 3.172,15 euros, diz ela de relevo, quanto ao reconhecimento do direito do Recorrente, tendo como consequência a interrupção da prescrição em curso, o seguinte: “ Ex.mo Senhor: É com agrado que solicitamos a assinatura e a devolução desta Declaração de forma a podermos emitir o correspondente pagamento. (… ) Dados Gerais (…) Data do sinistro 08-08-2009; ( …) Nº De Apólice ... (…) DESCRIÇÃO Conforme ponto 17 da sentença proferida no processo 4171/11.2TBBRG – Juízos de Competência Cível de ... (…) PAGAMENTO (…) INDEMNIZAÇÃO 3.172,15 EUR (…) Declara o signatário pela presente declaração aceitar receber de CRÉDITO AGRICOLA SEGUROS- COMPANHIA DE SEGUROS DE RAMOS REAIS, SA (CA SEGUROS) a quantia de 3.172,15 Euros, para ressarcimento parcial dos danos e/ou prejuízos sofridos pelo declarante em consequência do sinistro acima referido, quantia essa que deverá ser paga através de cheque (…)” (negrito e sublinhado nosso)
BB- O pagamento entretanto realizado no decurso do mês de Junho de 2014, é voluntária e extrajudicialmente efectuado. Por outro lado, aquela declaração, consubstancia ela, também, a par do pagamento, o reconhecimento do direito do Recorrente.
CC- O direito à indemnização é uno e indivisível (carácter uno da obrigação de indemnizar), podendo, contudo, os danos serem diferenciados (patrimoniais e/ou não patrimoniais). Considerando a unicidade e indivisibilidade do direito à indemnização, não existem prazos prescricionais diferenciados. Ele é um só, sendo de aplicar o de 3 anos ou o de 5 anos.
DD- Por outro lado, com o pagamento realizado pela Recorrida de parte dos danos materiais peticionados pelo Recorrente, interrompeu ela o prazo prescricional em curso, porquanto consubstancia o reconhecimento do direito à indemnização– art- 325º do C.C. E considerando o disposto no artº 326º, sob a epígrafe “Efeitos da interrupção” prescreve que:
1. A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, sem prejuízo do disposto nos n. os 1 e 3 do artigo seguinte.
2. A nova prescrição está sujeita ao prazo da prescrição primitiva, salvo o disposto no artº311º.
EE- Considerando o alegado pela Recorrida em sede de contestação e pelo conteúdos quer da missiva junta a fls 20 quer pela declaração supra, aquela em momento algum invocou qualquer autonomização das indemnizações peticionadas pelo Recorrente, a não ser a relativa ao cano de escape (todavia, quanto a este particular a interrupção da prescrição ocorre com o chamamento acima supra alegado. Com o pagamento parcial realizado pela Recorrida (realizado ainda dentro dos iniciais cinco anos a contar da data do acidente), ocorre de novo a interrupção da prescrição, passando a contar, a partir daquele momento, um novo prazo prescricional de cinco anos.
FF- Entendeu o Tribunal a quo encontrar-se também prescrito o direito arguido pelo Recorrente relativo ao pedido de condenação da Recorrida no pagamento da quantia de € 1.919,98, referente aos valores pagos pelo ora A. no âmbito da acção executiva que contra si correu termos, enquadrando tais valores como constituindo uma obrigação autónoma , encontrando-se ela prescrita pelo decurso do prazo de três anos.
GG- Assim não entende nem concorda o Recorrente. Estamos perante um dano decorrente da mora no cumprimento por parte do devedor – arts 798º, 804º e 805º ambos do C.C. Os valores reivindicados pelo Recorrente advém da mora no cumprimento por parte do Recorrido – arts. 798º, 804º e 805º ambos do C.C. A partir da ocorrência do facto ilícito, o devedor fica obrigado a reparar todos os danos provocados ao credor. Tais danos inserem-se no âmbito do direito à indemnização por responsabilidade extracontratual, não “ganhando” autonomia própria, ao direito à indemnização continuando e dele fazendo parte. E sendo o direito à indemnização uno e indivisível, o prazo prescricional é um só, no caso o de cinco anos.
Sem conceder
HH- Se todavia, entendimento for, que se discorda, de se estar efectivamente perante uma obrigação autónoma aqui levanta-se a questão da prescrição e da expressa invocação da respectiva excepção peremptória. A Recorrida limitou-se a arguir de forma genérica a prescrição (e apenas quanto ao direito à indemnização, invocando o prazo prescricional de três anos). Em momento algum arguiu especificamente a prescrição de tal obrigação autónoma. Não sendo a prescrição de conhecimento oficioso, dela não podia conhecer o Tribunal a quo – art. 303º do C.C. Ao dela tomar conhecimento, violou claramente aquele normativo. Não sendo a prescrição de conhecimento oficioso, dela não podia conhecer o Tribunal a quo – art. 303º do C.C. Neste particular, entre outra jurisprudência, Ac. STJ de 03-07-2018, in www.dgsi.pt .
II- Tendo o acidente dos autos ocorrido em 08-08-2009, com a missiva remetida ao Recorrente datada de 20/8/2009, ocorre a primeira interrupção da prescrição. Uma segunda interrupção acontece aquando do chamamento da Recorrida ao processo nº 4171/11.2TBBRG, o qual transita em julgado a 16-09-2013. A terceira e última interrupção da prescrição ocorre com o pagamento parcial realizado pela Recorrida em Junho de 2014 (ainda dentro do prazo prescricional inicial dos cinco anos). A presente acção deu entrada em juízo em 1 de Agosto de 2018.
JJ- Consideradas as supra mencionadas interrupções à prescrição, dúvidas não há que a acção intentada pelo Recorrente contra a Recorrida entrou em juízo em tempo, não se encontrando prescritos os direitos por aquele peticionados
KK- Ao consignar diverso entendimento ao acima exposto, e sempre com o máximo respeito por diversa opinião, o douto acórdão proferido perpetrou manifesta violação dos arts.303º, 325º, 326º e 498º, nº3 todos do C.C
LL- Motivo pelo qual deverá ser revogado e substituído por outro que, considere improcedente a invocada excepção peremptória da prescrição, por reconhecimento do direito à indemnização do Recorrente, retomando os autos os seus trâmites com vista ao julgamento.
Termos em que deverá ser concedido provimento ao recurso de revista excepcional interposto e substituído o douto acórdão proferido nos termos supra expostos.
Assim se fazendo Justiça!»
10. A recorrida, Crédito Agrícola Seguros, Companhia de Seguros de Ramos Reais, SA, apresentou contra-alegações, que aqui se consideram integralmente reproduzidas, sustentando que deve o presente recurso ser considerado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.
11. Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), a questão a decidir é a da verificação, ou não, da exceção da prescrição do direito do autor de exigir indeminização por danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de um acidente de viação, e, mais especificamente, se ocorreram, ou não, as causas de interrupção da prescrição invocadas pelo autor.
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentação de facto
As instâncias consideraram provados os seguintes factos:
1 - No dia 8 de agosto de 2009, em ..., ocorreu um embate entre o motociclo de marca Kawasaki, modelo VN 1500, com a matrícula ...-OC, pertencente a AA (aqui Autor), e o veículo ligeiro de mercadorias, com a matrícula ...-EJ, propriedade de BB.
2 - Naquela data, o proprietário do veículo automóvel de matrícula ...-EJ havia transferido a responsabilidade por danos causados a terceiros no âmbito da respectiva circulação rodoviária para Crédito Agrícola Seguros - Companhia de Seguros de Ramos Reais, S.A. (aqui Ré), mediante celebração de contrato de seguro titulado pela apólice n.º ....
3 - A Ré, em 20 de agosto de 2009, remeteu ao Autor o documento que é fls. 20 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido e onde nomeadamente se lê:
«(…)
Reportamo-nos ao sinistro em referência.
Serve a presente para informar que pelos elementos que constituem o nosso processo, nomeadamente auto de polícia, é nosso entendimento que a total responsabilidade pela produção do acidente pertence ao condutor do veículo que garantimos por infracção do artigo 24º do Código da Estrada.
Para podermos prosseguir com a regularização dos danos materiais resultantes para V.Ex.ª é necessário que nos autorize, conforme solicitado na nossa correspondência datada de 10-08-2009.
Mais informamos que na data indicada por si não foi possível efectuar a peritagem ao veículo de sua propriedade dado que a oficina reparadora por si indicada se encontrava encerrada. Deverá contactar os nossos serviços para se proceder à marcação de nova data.
Quanto dano corporal, solicitamos nos indique se tem alguma despesa ou quantia a reclamar e em caso afirmativo nos indique qual, bem como nos habilite com os comprovativos para análise.
(…)»
4 - Os danos causados no motociclo do Autor, em virtude do embate descrito em 1), foram reparados na oficina sita na Rua …, ..., …., …, pela sociedade comercial Mota Espinha, Lda.
5 - No dia 13 de junho de 2011 foi instaurada uma ação por Mota Espinha, Lda. contra o Autor (que correu termos no Juízo de Competência Cível de ..., 5.º Juízo Cível, sob o processo n.º 4171/11.2TBBRG), no âmbito da qual aquela peticionava ao Autor, entre o mais, o pagamento da quantia correspondente ao serviço por si prestado naquele mesmo veículo.
6 - A ora Ré foi interveniente acessória na ação identificada em 5).
7 - Na referida ação, foi proferida sentença em 28 de junho de 2013, transitada em julgado em 16 de setembro de 2013, na qual o ora Autor foi condenado a pagar à sociedade comercial Mota Espinha, Lda. a quantia de € 3.588,19 (sendo o montante de € 3.172,15 correspondente ao valor da reparação do veículo automóvel e € 416,04 relativo ao valor em falta quanto ao escape colocado), acrescida de juros de mora desde 31 de dezembro de 2009 e até integral pagamento (conforme sentença que é fls. 35, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais).
8 - Relativamente ao escape que foi colocado no motociclo, o Autor já tinha pago, na data da sentença, a quantia de € 178,30.
9 - O ora Autor foi citado para a ação identificada em 7) em 14 de junho de 2011.
10 - O ora A. apresentou, naquela ação, a contestação que é fls. 21, verso, e seguintes destes autos (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, para os devidos efeitos legais).
11 - A ora Ré foi citada como interveniente acessória naquela ação, em 01 de fevereiro de 2012.
12 - A ora R. apresentou contestação naquela ação, em 17 de fevereiro de 2012.
13 - A sociedade comercial Mota Espinha, Lda. instaurou, em 17 de março de 2014, uma acção executiva contra o ora Autor, peticionando o pagamento das quantias resultantes da sentença proferida no âmbito do processo referido em 7).
14 - No dia 28 de maio de 2014, a ora R. remeteu ao ora Autor a mensagem de correio eletrónico que consta de fls. 61, verso, destes autos, acompanhada do anexo ali referido (declaração de recebimento da quantia de € 3.172,15), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais e onde nomeadamente se lê:
«(…)
“Ex.mo Senhor:
É com agrado que solicitamos a assinatura e a devolução desta Declaração de forma a podermos emitir o correspondente pagamento.
(… )
DADOS GERAIS
(…) Data do sinistro 08-08-2009; ( …)
Nº De Apólice ... (…)
DESCRIÇÃO
Conforme ponto 17 da sentença proferida no processo 4171/11.2TBBRG – Juízos de Competência Cível de ...
PAGAMENTO
(…) INDEMNIZAÇÃO 3.172,15 EUR (…)
Declara o signatário pela presente declaração aceitar receber de CRÉDITO AGRICOLA SEGUROS - COMPANHIA DE SEGUROS DE RAMOS REAIS, SA (CA SEGUROS) a quantia de 3.172,15 Euros, para ressarcimento parcial dos danos e/ou prejuízos sofridos pelo declarante em consequência do sinistro acima referido, quantia essa que deverá ser paga através de cheque. (…)»
15 - A execução identificada em 13) foi declarada extinta em 2 de março de 2015, em virtude do pagamento voluntário da quantia exequenda efetuado pelo ora Autor, em data não concretamente apurada mas anterior à data da mencionada extinção.
16 - A Ré procedeu ao pagamento ao Autor da quantia identificada em 14) no decurso do mês de junho de 2014.
17 - A presente ação foi instaurada pelo Autor em 1 de agosto de 2018, alegando este os factos e deduzindo os pedidos constantes da correspondente petição inicial junta aos autos (a fls. 4 e seguintes).
18 - A Ré foi citada para intervir nesta ação em 12 de setembro de 2018.
IV – Fundamentação de direito
1. A prescrição consiste no instituto por virtude do qual a contraparte pode opor-se ao exercício de um direito, quando este não se verifique durante certo tempo indicado na lei e que varia consoante os casos (artigo 304.º, n.º 1, do Código Civil). Estão sujeitos a prescrição todos e quaisquer direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos dela (artigo 298.º, n.º 1, do Código Civil).
A prescrição constitui uma causa extintiva dos direitos de crédito, embora cumpra precisar que o seu efeito extintivo se reporta apenas às obrigações civis ou perfeitas (artigo 304.º, n.º 2, do Código Civil). A razão de ser do instituto reside na reação contra a inércia ou o desinteresse do titular do direito – que, ou significa renúncia ou o torna indigno de proteção jurídica. A prescrição não opera “ipso iure” com o decurso do prazo, não conferindo a lei ao tribunal, portanto, a faculdade de conhecê-la oficiosamente (artigo 303.º do Código Civil).
No caso sub judice, está em causa o prazo de prescrição para o direito de indemnização, enquadrado no instituto da responsabilidade extracontratual por danos patrimoniais e não patrimoniais causados por um acidente de viação.
Para esta situação estabeleceu o legislador um prazo especial de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, ainda que desconheça a pessoa do responsável e a extensão integral dos danos, e um prazo ordinário de vinte anos (o artigo 309.º), a contar do facto danoso, para as hipóteses em que o lesado só muito tempo depois da data do facto danoso tomou conhecimento do direito que lhe compete.
Ao estabelecer um prazo especial, curto, de prescrição, pretendeu a lei evitar que “as circunstâncias do acto ou omissão danosos tenham de ser apreciados judicialmente muito tempo após a prática desse acto ou omissão” (cf. Vaz Serra, RLJ, Ano 106.º, 1973-1974, p. 346). É compreensível que assim seja, em virtude das dificuldades de produção de prova que se podem suscitar, em especial quanto à prova testemunhal. Contudo, tendo em conta o interesse legítimo do credor a não ver prescrito o seu direito, a lei estabelece que este prazo se começa a contar a partir do momento em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete e não, como estabeleceu quanto ao prazo ordinário, a partir do facto danoso.
Verifica-se, contudo, uma controvérsia na doutrina quanto ao sentido a atribuir à expressão «teve conhecimento do direito que lhe compete». Para uma tese seria exigível, para que tivesse início a contagem do prazo de prescrição, a tomada de consciência do direito – e não apenas o conhecimento da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil (Vaz Serra, RLJ, Ano 107.º, 1974-1975, n.º 3532, pp. 298-300; Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, Vol. I, 2001, p. 532, nota 1, e Júlio Gomes, “Anotação ao artigo 306.º do Código Civil” , Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, p. 753). Para a segunda tese seria suficiente que o lesado se torne conhecedor da existência, em concreto, dos pressupostos que condicionam a responsabilidade civil como fonte da obrigação de indemnizar, ainda que desconheça, por ignorância da lei, a existência do seu direito (Antunes Varela, Das Obrigações em geral, vol. I, 2000, p. 626; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 2009, p. 610). A primeira tese tem um cariz mais humanista e social, permitindo alargar a tutela da ordem jurídica a pessoas que, por exclusão social ou falta de informação, não conhecem os seus direitos. Contudo, a jurisprudência tem aceitado a segunda, contando o prazo de prescrição a partir do momento em que sejam conhecidos os elementos fácticos, pressupostos da ação de indemnização, e não do reconhecimento judicial da verificação do facto lesivo e da sua qualificação como facto ilícito (cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 18-04-2002, proc. n.º 02B950; 03-11-2005, proc. n.º 04B4235; 23-02-2010, proc. n.º 3165/08.OTBPRD.P1.S1).
O próprio autor não invocou em defesa da sua posição jurídica no processo qualquer desconhecimento ou ignorância da lei. Invocou sim, para beneficiar de um prazo de prescrição mais longo, a norma constante do artigo 498.º, n.º 3, do Código Civil, segundo a qual se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável, bem como um conjunto de causas de interrupção da prescrição, nos termos dos artigos 323.º e 325.º do Código Civil. Alega assim, em primeiro lugar, para beneficiar de um prazo de prescrição mais longo, a circunstância de o facto ilícito, gerador de responsabilidade civil, constituir simultaneamente um ilícito criminal, consubstanciando, in casu, um crime de ofensa à integridade física por negligência, punível pelo artigo 149.º, n.º 1 ou n.º 3, do Código Penal (CP), consoante o seu grau de gravidade, com uma pena de prisão até um ano ou até dois anos, respetivamente. Nos termos do artigo 118.º, n.º 1, al. c), do CP, o prazo de prescrição do procedimento criminal é de cinco anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a um ano, mas inferior a cinco anos. Logo, o prazo de prescrição do correspondente direito de indemnização pelos danos causados seria de cinco anos, nos termos do artigo 498.º, n.º 3, do Código Civil.
Tem-se admitido a extensão do regime do n.º 3 do artigo 498.º à obrigação de indemnizar da seguradora por facto ilícito e criminal praticado pelo segurado (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 03-12-1998, proc. n.º 98B432).
Eis, portanto, a primeira questão de direito colocada pelo recorrente: pode o autor beneficiar de um prazo de prescrição mais alargado, se o facto ilícito civil que invoca constituir simultaneamente um ilícito criminal?
Este alongamento do prazo de prescrição depende apenas de o facto ilícito constituir, em abstrato, crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, isto é, basta para o efeito que a factualidade alegada geradora de responsabilidade civil e da respetiva obrigação de indemnizar preencha os elementos de um tipo legal de crime, e não também que tenha sido ou seja efetivamente instaurado procedimento criminal. Também não impede a aplicação desse prazo a circunstância de o procedimento criminal ter sido arquivado, de o crime ter sido amnistiado ou de não ter sido tempestivamente exercido o direito de queixa, conforme tem sido entendimento da jurisprudência (vide, entre outros, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 13-05-2003, proc. n.º 03A430; 02-12-2004, 04B3724; 23-10-2012, proc. n.º 198/06.4TBFAL.E1.S1; 09-07-2014, proc. n.º 369/11.1TBMNC.G1.S1).
Particularizando, no caso de um crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punível pelo artigo 148.º, n.º 1 e n.º 3, do CP, e ainda que não seja grave, por referência ao artigo 144.º do mesmo diploma, corresponde-lhe uma moldura penal de prisão de um mês a dois anos, ou multa de dez a duzentos e quarenta dias -, o respetivo procedimento criminal prescreve no prazo de cinco anos (conforme artigo 118.º, n.º 1, al. c), do CP).
A razão deste prazo de cinco anos, segundo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29-11-2011 (1507/10.7TBPNF.P1.S1), é a seguinte:
«Na verdade, tendo em conta o princípio de adesão estabelecido no artº 71º do Código de Processo Penal, segundo o qual o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos no artº 72º do mesmo diploma, não faria sentido que o direito do titular à indemnização civil (a exercer no processo criminal) pudesse ser atingido pela prescrição estando ainda a decorrer o prazo de prescrição do procedimento criminal, que em certo número de casos - cfr. o artº 118º do Código Penal - é mais longo do que o fixado no nº 1 do artº 498º do Código Civil. Ocorrendo uma situação enquadrável nas alíneas a), b) ou c) do nº 1 daquele artigo da lei penal, em que o prazo de prescrição do procedimento criminal é de, respectivamente, 15, 10 e 5 anos, seria irrazoável “discriminar negativamente”, se assim nos podemos exprimir, a apreciação da responsabilidade civil, negando ao lesado o ensejo de a efectivar judicialmente logo que decorridos três anos sobre a prática do facto ilícito. Vale aqui o ensinamento de Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª edição, pág. 628):“desde que se admite a possibilidade de o facto, para efeito de responsabilidade penal, ser apreciado em juízo para além dos três anos transcorridos sobre a data da sua verificação, nada justifica que análoga possibilidade se não ofereça à apreciação da responsabilidade civil”».
Em síntese, como já afirmava o acórdão de 13-05-2003 (proc. n.º 03A430), «I - A eventual extinção do direito de queixa, pelo seu não exercício, é indiferente ao aproveitamento do prazo mais longo de prescrição do direito à indemnização, previsto no n.º 3 do artigo 498º do C. Civil. II - A razão de ser desse alargamento assenta apenas na especial qualidade e gravidade do facto ilícito e do dano».
Sendo assim, partiremos, para determinar a extinção ou não do direito de indemnização do autor, de um prazo de prescrição de cinco anos a contar da data da verificação do acidente de viação, por ser este o momento – 8 de agosto de 2009 – em que se terá de presumir que o autor teve conhecimento dos pressupostos fácticos condicionantes da responsabilidade civil.
2. O acidente que dá lugar à presente ação de responsabilidade civil extracontratual teve lugar em 8 de agosto de 2009 (facto provado n.º 1), a ação foi proposta em 1 de agosto de 2018 (facto provado n.º 17) e o momento da citação ocorreu em 12 de setembro de 2018 (facto n.º 18).
Embora a instância se inicie pela proposição da ação, com o recebimento da respetiva petição inicial pela secretaria, certo é que tal «ato de proposição não produz efeitos em relação ao réu senão a partir do momento da citação, salvo disposição legal em contrário» (artigo 259.º do CPC).
Em consequência, o prazo de prescrição de cinco anos teria já terminado à data da propositura da ação ou à data da citação, independentemente da aplicação do n.º 2 do artigo 323.º, que estipula que se a citação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias. O direito subjetivo do autor estaria, em princípio, e ressalvada a ocorrência de alguma causa de interrupção do prazo anterior à propositura da ação, já extinto nesta data.
Mas, a este prazo mais longo – cinco anos – de prescrição criminal continua a aplicar-se o regime civil da prescrição, desde logo as causas de interrupção e de suspensão do prazo previstas na lei civil (cf. Lopes do Rego, “Responsabilidade Civil. Acidente de viação – Prescrição”, RMP, ano 8.º, n.º 32,1987, pp. 159-160).
O regime específico da interrupção da prescrição é o enunciado no n.º 1 do artigo 326.º, segundo o qual a interrupção elimina todo e qualquer valor para efeitos prescricionais ao período já decorrido, iniciando-se ex novo o prazo prescricional.
O recorrente invoca a seu favor causas de interrupção do prazo de prescrição baseadas nos seguintes factos alegadamente interruptivos:
- A missiva que foi dirigida pela seguradora ao autor, em 20 de agosto de 2009, e onde se lê, conforme facto n.º 3, que a seguradora reconhece que a total responsabilidade pela produção do acidente pertence ao condutor do veículo por si garantido por infração do artigo 24.º do Código de Estrada; solicita ao sinistrado marcação de nova data para realização de peritagem ao veículo para o efeito de determinação dos danos materiais e que indique se tem alguma despesa ou quantia a reclamar quanto ao dano corporal.
- A seguradora foi citada como interveniente acessória, em 02-02-2012, numa ação que, em 13 de junho de 2011, uma sociedade, que procedeu à reparação do motociclo, intentou ao autor e na qual esta peticionava o pagamento da quantia correspondente ao serviço prestado no veículo (factos n.ºs 5, 6 e 11). Nesta ação, foi proferida uma sentença em 28 de junho de 2013, transitada em julgado em 16 de setembro de 2013, na qual o ora Autor foi condenado a pagar à sociedade comercial Mota Espinha, Lda. a quantia de € 3.588,19 (facto n.º 7).
- A mesma sociedade intentou contra o autor uma ação executiva, em 17-03-2014, peticionando as quantias resultantes da sentença que tinha condenado o autor (facto n.º 13).
- No dia 28 de maio de 2014, a seguradora, agora ré, remeteu ao autor uma mensagem de correio eletrónico (fls. 61 destes autos), acompanhada da declaração de recebimento da quantia de 3.172, 15 euros, pagos pela seguradora ao autor, a título de ressarcimento parcial de danos sofridos pelo declarante, em consequência do sinistro, no decurso do mês de junho de 2014 (facto n.º 14 e 16).
- A ação executiva foi declarada extinta em 2 de março de 2015, em virtude do pagamento voluntário da quantia exequenda (facto n.º 15).
O prazo mais longo de cinco anos, aplicável ao caso dos autos, terminaria, cinco anos após a data do acidente, ou seja, em 8 de agosto de 2014.
Contudo, no caso dos autos, durante o lapso temporal em que estava em curso o prazo de prescrição de cinco anos, a seguradora estabeleceu uma relação jurídica com o autor, tendo nalguns momentos proferido declarações ou adotado comportamentos concludentes, suscetíveis de significar o reconhecimento do direito do autor, assim interrompendo o prazo de prescrição.
A este respeito, o Código Civil dispõe o seguinte:
Artigo 323.º
(Interrupção promovida pelo titular)
1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
2. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.
3. A anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo previsto nos números anteriores.
4. É equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido. (sublinhado nosso)
Artigo 325.º
(Reconhecimento)
1. A prescrição é ainda interrompida pelo reconhecimento do direito, efetuado perante o respetivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido.
2. O reconhecimento tácito só é relevante quando resulte de factos que inequivocamente o exprimam.
Em primeiro lugar, importa indagar se a primeira situação, invocada pelo autor para interromper a prescrição, tem efetivamente esse efeito. Ora, o teor da missiva dirigida pela seguradora ao autor em 20 de agosto (facto provado n.º 3), implica um reconhecimento do direito, na medida em que a seguradora ao reconhecer a responsabilidade total do seu segurado no acidente de viação e propondo-se regularizar os danos materiais e marcar uma perícia para investigar quais os danos corporais sofridos, reconhece também a sua responsabilidade como entidade que assume, em princípio, perante terceiros a obrigação de indemnizar. Contudo, esta interrupção da prescrição tem apenas como consequência retardar alguns dias o termo do novo prazo de prescrição, que passaria a verificar-se em 20 de agosto de 2014, insuficiente para ter por consequência que a presente ação tenha sido interposta dentro do prazo.
O segundo evento, que o autor classifica como interruptivo, é a citação da ré como interveniente acessória, em 2 de fevereiro de 2012, para uma ação cível de condenação intentada, pela empresa que reparou o veículo, contra o autor para pagamento dos serviços prestados. Ora, este ato processual pode ser caracterizado como um meio judicial pelo qual se dá conhecimento da intenção de exercer o direito àquele contra quem o direito pode ser exercido (artigo 323.º, n.º 4, in fine). A sentença proferida nesta ação data de 28 de junho de 2013 e transitou em julgado em 16 de setembro de 2013. Aceitando-se, como referência para marcar o momento interruptivo e o início da contagem do novo prazo, a data do trânsito em julgado da sentença onde foi praticado o ato judicial que releva a intenção de exercer o direito, como entende a jurisprudência deste Supremo Tribunal (acórdão de 23-02-2010, 3165/08.OTBPRD.P1.S1), o novo prazo só se começaria a contar em 16 de setembro de 2013 e terminaria em 16 de setembro de 2018. Tendo sido a ação proposta em 8 de agosto de 2018 e citada ré, em 12 de setembro do mesmo ano, ainda não tinha decorrido o prazo de prescrição de cinco anos.
Na ação executiva intentada contra o autor, pela empresa que reparou o veículo, por falta de pagamento do serviço de reparação do mesmo, surgem novos factos: em 28 de maio de 2014, a ré seguradora remeteu ao autor uma mensagem de correio eletrónico (facto n.º 14), em que se propõe pagar ao autor o valor da reparação do motociclo danificado no acidente de viação; em 2 de março de 2015, extingue-se a ação executiva em virtude do pagamento voluntário da quantia exequenda efetuado pela seguradora (facto n.º 15), e, no decurso do mês de junho de 2014, em data não concretamente apurada, a seguradora procedeu ao pagamento.
Ora, neste quadro, estamos perante três factos em que a seguradora reconhece, implicitamente, mas de forma inequívoca, a sua responsabilidade pelos danos causados pelo acidente de viação. Embora o pagamento seja parcial e se reporte apenas a uma parte dos danos materiais do veículo, sem incluir perdas de rendimento, lucros cessantes e danos não patrimoniais, que não estavam a ser discutidos naquela ação, o conceito de «direito de indemnização» usado no artigo 498.º do Código Civil, para o efeito do prazo de prescrição, é um conceito amplo e unitário, que não admite sub-divisão entre os danos para o efeito de determinação de distintos prazos de prescrição.
Sendo assim, extinguindo-se a ação executiva em março de 2015, em virtude de pagamento feito pela seguradora em junho de 2014, o prazo de prescrição começaria a contar na data do pagamento, em junho de 2014, e terminaria dentro de cinco anos, em junho de 2019, pelo que em 8 agosto de 2018, data da interposição da presente ação de responsabilidade civil contra a seguradora, ou 12 de Setembro de 2018, data da citação da ré, o autor ainda estava dentro do prazo para exercer o seu direito de reclamar a indemnização pelos danos causados pelo acidente dos autos.
A jurisprudência deste Supremo Tribunal não tem aceitado a orientação adotada no acórdão recorrido, segundo a qual, o efeito interruptivo se reporta apenas ao concreto direito reconhecido pela ré – por exemplo, direito de indemnização por danos patrimoniais emergentes – e não à totalidade dos danos suscetíveis de gerar direito de indemnização, o qual deve, antes, ser visto de forma unitária e indivisível.
Nos termos do acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de dezembro de 2020 (proc. n.º 9773/09.4TBCSC.L2.S1):
«3. O prazo de prescrição considera-se interrompido com o “reconhecimento do direito” por parte do responsável, nos termos do art. 325º do CC.
4. Na responsabilidade civil extracontratual, o efeito interruptivo do prazo de prescrição do direito de indemnização previsto no art. 498º, nº 1, do CC, decorrente do “reconhecimento do direito”, tem por referência o “direito de indemnização”, em termos qualitativos, ainda que, na ocasião, exista divergência acerca do valor dos danos materiais a considerar (divergência quantitativa)».
No caso vertente, a seguradora admitiu, por declaração unilateral expressa numa carta dirigida ao autor a responsabilidade extracontratual do seu segurado e que a mesma lhe fora transferida por via do contrato de seguro (facto provado n.º 3). Embora esta missiva seja de 20 de agosto de 2009, ela serve de critério para interpretar as intervenções subsequentes da ré no processo declarativo e no processo executivo, em que se discutiu a quantia a pagar pelo autor pelos serviços de reparação do automóvel. Neste contexto, a declaração de pagamento e o ato de pagamento dos danos materiais do veículo, pela seguradora, devem ser interpretados, à luz dos critérios do artigo 236.º do Código Civil, significando que a seguradora reconheceu, sem dúvida alguma, a existência do direito de indemnização do autor, na sua totalidade, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados pelo acidente. Assumindo a seguradora o pagamento parcial dos danos materiais causados no veículo do autor, reconheceu, qualitativamente, a existência do direito de indemnização do autor decorrente do acidente, confirmando a responsabilidade do seu segurado e também a sua, enquanto seguradora. Não importam, para o efeito, as divergências em relação ao âmbito dos danos materiais verificados no veículo, nem que não se tenha discutido na ação declarativa e no processo executivo em causa a questão dos lucros cessantes, perdas de rendimentos e danos não patrimoniais. O que releva, para efeitos de prescrição, é o reconhecimento do direito de indemnização, como princípio de ressarcibilidade dos danos causados pelo acidente, independentemente da questão de saber quais os danos reparáveis e quais as quantias em concreto apuráveis. O facto de a declaração da seguradora não se reportar a todos os danos não retira àquele ato recognitivo o efeito interruptivo do prazo prescricional relacionado com o direito de indemnização em toda a sua amplitude. Não subscrevemos, portanto, a posição do acórdão recorrido de reduzir o âmbito objetivo do seu reconhecimento ao “direito” de indemnização correspondente aos danos materiais causados no automóvel e que foram efetivamente pagos, isolando-o da responsabilidade que a seguradora igualmente assumiu, por força do contrato de seguro, em relação a outras categorias de danos.
Em conclusão, a manifestação de vontade da seguradora, depois de ter sido chamada à ação executiva e de aí ter assumido o pagamento parcial dos danos, implica inequivocamente o reconhecimento de um direito de indemnização na esfera jurídica do Autor, que, conquanto não estivesse ainda liquidado, abarcava todos os danos causalmente imputados ao acidente que vitimizou o autor, bem como os danos causados pela mora da seguradora no pagamento dos serviços de reparação do automóvel.
Esta posição, mais flexível na definição do dies a quo da contagem do prazo de prescrição, tem sido adotada pela jurisprudência deste Supremo Tribunal.
Veja-se o Acórdão de 14-07-2016, proferido no processo n.º 1305/12.3TBABT.E1.S1, onde, a propósito do direito de regresso, nos termos do disposto no artigo 498.º, n.º 2, se decidiu que o prazo da prescrição apenas começa a correr a partir do pagamento da indemnização ou, sendo parcelar, a partir da última prestação, sendo indiferente a autonomia que possa ser atribuída a qualquer uma das parcelas integrantes da indemnização.
No mesmo sentido se pronunciou o Acórdão proferido por este Tribunal, em 21-09-2017 (proc. n.º 900/13.8TBSLV.E1.S1), cuja fundamentação foi assim sintetizada:
«I - O prazo da prescrição, nos termos do disposto no art. 498.º, n.º 2, do CC, começa a correr a partir do pagamento da indemnização ou, sendo parcelar, a partir da última prestação, por correspondência ao momento do cumprimento da obrigação de indemnização. II - Estando a prescrição reportada ao cumprimento da obrigação de indemnizar, por efeito do mesmo evento, é indiferente a autonomia que possa ser atribuída a qualquer uma das parcelas integrantes da indemnização.»
No acórdão de 3 de julho de 2018 (2445/16.5T8LRA-A.C1.S1), o Supremo Tribunal de Justiça entendeu, adotando orientação semelhante, que, tendo havido pagamentos parcelares, o prazo de prescrição começa a contar-se a partir do último pagamento, sem que se tenha em conta a autonomização dos danos em categorias, relativamente às quais pudesse iniciar-se e correr, de modo também autónomo, um prazo de prescrição. Afirma o citado acórdão «(…) que a autonomização de núcleos da indemnização, para este efeito de contagem do prazo de prescrição, será admissível apenas em relação a danos autónomos e consolidados, de natureza claramente diferenciada e inteiramente ressarcidos». (…) «Essa autonomização não pode, como por vezes se vê, cindir danos da mesma natureza, relativos a um mesmo lesado, em função do que parecer razoável ao julgador, sob pena de cairmos numa situação de inaceitável incerteza, absolutamente contrária a uma das razões – a certeza e segurança jurídicas – que está na base da prescrição».
Pelo exposto, concede-se a revista e determina-se o prosseguimento do presente processo para apuramento da totalidade dos factos controvertidos concernentes ao comportamento do condutor do veículo segurado e ao cálculo da indemnização dos danos sofridos pelo autor.
IV – Decisão
Pelo exposto, concede-se a revista, revoga-se o acórdão recorrido e determina-se o prosseguimento do presente processo para apuramento da totalidade dos factos controvertidos concernentes ao comportamento do condutor do veículo segurado e ao cálculo da indemnização dos danos sofridos pelo autor.
Custas pela recorrida.
Lisboa, 5 de maio de 2020
Maria Clara Sottomayor (Relatora)
Nos termos do artigo 15.º-A do DL 20/2020, de 1 de maio, declaro que votam em conformidade os Juízes Conselheiros Alexandre Reis (1.º Adjunto) e Pedro de Lima Gonçalves (2.º Adjunto).