I. A concretização dos riscos cobertos resultará de os mesmos serem indicados na apólice, integrada por condições gerais, especiais e particulares, ou de, pelo contrário, se evidenciarem na apólice os riscos excluídos, caso em que se considerarão cobertos todos os restantes.
II. Impõe-se à seguradora que actue com a possível prontidão e diligência nas averiguações e peritagens necessárias ao reconhecimento do sinistro e à avaliação dos danos, de acordo com o princípio da boa-fé, pelo que o atraso injustificado da seguradora na gestão célere e eficiente dos processos de sinistro responsabiliza a seguradora no pagamento de indemnização pela privação do uso do veículo, sendo que o dano decorrente da privação do veículo constitui dano patrimonial autónomo, quando o proprietário do veículo danificado se viu privado de um bem que faz parte do seu património, deixando de dele poder dispor e gozar livremente, nos termos do art.º 1305º do Código Civil, com violação do respectivo direito de propriedade.
III. A responsabilidade civil é o campo de eleição da ilicitude da acção ou da omissão, e a responsabilidade por factos ilícitos, com base na culpa, é a regra, pois, só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.
IV. Do direito substantivo civil, concretamente do art.º 483º n.º 2 do Código Civil, retiramos que vários pressupostos condicionam, no caso da responsabilidade por factos ilícitos, a obrigação de indemnizar do lesante, quais sejam, o facto; a ilicitude; a culpa; o dano; o nexo de causalidade entre o facto e o dano; e a imputação do facto ao lesante, daí que o elemento básico da responsabilidade é o facto do agente (um facto dominável ou controlável pela vontade, um comportamento ou uma forma de conduta humana), pois, só quanto a factos dessa índole têm cabimento a ideia da ilicitude, o requisito da culpa e a obrigação de reparar o dano nos termos em que a lei a impõe.
V. Demonstrado o dano que advém da privação do uso do veículo, na falta de quantificação objectiva, é legítimo o recurso à equidade para fixar a respectiva compensação.
VI. Tendo-se alcançado o quantum indemnizatório apelando a um juízo de equidade, enquanto valor contemporâneo, o cálculo de juros moratórios devidos deverá contado a partir da decisão actualizadora que fixa a indemnização.
Não disponível.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I – RELATÓRIO
Transportes Alvarães, Lda. demandou Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - pedindo condenação desta na quantia de €79.792,43, acrescida de €253,69 por dia, e juros vincendos, desde a propositura da acção até efectivo e integral pagamento.
Articulou que celebrou um contrato de seguro facultativo com a ré, com cobertura de danos próprios, obrigando-se esta ao pagamento dos prejuízos decorrentes de acidente estradal que não seja da responsabilidade de terceiros.
No dia 21 de Fevereiro de 2017, ocorreu um acidente de viação, no qual interveio o veículo pesado de mercadorias ...-IH-... e o semi-reboque matrícula P-8…4, propriedade da autora, sendo que o acidente se deveu exclusivamente à perda repentina do controle do veículo pelo seu condutor, provocada por desatenção deste, sendo que a carga encontrava-se bem acondicionada e o veículo e reboque em condições de funcionamento.
A autora sofreu prejuízos de €79.792,43 pela perda total da viatura e semi-reboque, bem como os prejuízos da paralisação da viatura.
Contestou a ré, declinando a sua responsabilidade com fundamento na cláusula de exclusão constante do contrato imputando a causa do acidente ao mau acondicionamento da carga e excesso de velocidade, na não alegação dos prejuízos e que a tabela de paralisação mencionada pela autora aplica-se em casos de imobilização do veículo para reparação ou, em situação de perda total, até à declaração de perda total, cessando na data da mesma o pagamento respeitante à imobilização/paralisação da viatura sinistrada, concluindo pela absolvição do pedido.
Na réplica a autora pugnou pela improcedência da excepção invocada, concluindo como na petição inicial.
Calendarizada e realizada a audiência final, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - no pagamento à autora das quantias €35.377,00, a título de indemnização pela perda total do veículo, acrescida dos juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, desde a data da citação até integral pagamento e ainda no valor de €42.500,00, a título de indemnização pela privação de uso do veículo, acrescida dos juros de mora contados nos referidos termos quanto à importância de €37.292,43 e a partir do vencimento de cada prestação diária ulterior à citação, no valor de € 253,69, até efectivo e integral pagamento.
Inconformada com a sentença proferida, dela recorreu a Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - tendo a Relação conhecido do objecto da apelação ao proferir acórdão, em cujo dispositivo consignou: “Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, consequentemente, confirma-se a sentença”.
É contra esta decisão que a Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - se insurge, interpondo revista, formulando as seguintes conclusões:
“1.ª - Conforme resulta dos factos provados e respectiva documentação, o contrato de seguro em questão nos presentes autos, além da responsabilidade civil de circulação, em relação a terceiros, possuía, à data, cobertura facultativa, ao nível de danos próprios, quanto ao tractor, com um capital de 42.500€ e franquia de 2%;
2ª. - Estamos como é óbvio no domínio da responsabilidade contratual, na qual foi celebrado contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel com coberturas facultativas ao nível do choque colisão e incêndio, vulgarmente denominadas de danos próprios;
3ª. - No sinistro ocorrido, o veículo abrangido pelo contrato de seguro foi considerado em perda total, ou seja, o custo da sua reparação era superior ao valor do bem, deduzido o valor do salvado, conforme resulta da lei;
4.ª - Face ao Relatório elaborado pela Guarda Civil Espanhola - e que se encontra junto aos autos - a Recorrente, aderindo ao mesmo, declinou o sinistro, atenta a cláusula de exclusão contratada e constante dos factos provados;
5.ª - A Recorrente não agiu de má-fé, limitou-se a exercer o direito de recusa de assumpção do sinistro que lhe foi participado face aos elementos de que dispunha e face ao que foi contratado com a Tomadora de Seguro;
6.ª - Porém, as instâncias consideraram abusiva a actuação da Recorrente, que se limitou a decidir conforme os elementos que possuía em sede de gestão de sinistro, tendo a 1ª Instância considerado que a Recorrente violou um dever acessório de conduta e a Relação de Lisboa considerou a prática de um acto ilícito pela violação do direito de propriedade do veículo envolvido no sinistro - decorrente do não pagamento da verba de capital contratado;
7.ª - Não resultou provado que a Recorrente incumprisse as regras de gestão de sinistro, que não respeitasse os prazos de gestão dos processos ou que não tivesse comunicado a sua posição junto da Tomadora de seguro, ou que tivesse agido em clara má-fé ao longo do processo de gestão de sinistro, apenas resultou provado que a Recorrente entendeu não liquidar a quantia contratada a título de capital, em sede do contrato de seguro em questão;
8.ª - Considerar que o exercício - legítimo - de recusa na assumpção do sinistro, ainda que posteriormente condenada a repará-lo, deve ser tratado como um acto ilícito - de acordo com a fundamentação plasmada no douto Acórdão da Relação - “o dano decorrente da privação do veículo constitui dano patrimonial autónomo susceptível de indemnização, quando o proprietário do veículo danificado/perda total se viu privado de um bem que faz parte do seu património, deixando dele poder dispor e gozar, nos termos do art. 1305º CC, cabendo assim, pela mera violação do direito de propriedade, o direito à indemnização pela ocorrência do dano e à luz do princípio de boa-fé”- é ofensivo num Estado que se diz, de Direito.
9.ª - Na verdade, a decisão final e ora em crise, seja com a fundamentação da 1ª Instância, seja com a fundamentação apresentada no Acórdão da Relação, impõe nos seguradores a obrigação de assumir um sinistro ao abrigo da cobertura de danos próprios, mesmo que, em sede de instrução do processo, considerem que existem elementos para a sua recusa, pois caso em Tribunal, não consigam provar a sua versão, serão altamente penalizados, pois serão condenados numa indemnização assente meramente pelo facto de não terem, de imediato, liquidado o capital contratado, quando desse atraso e/ou recusa, já advêm para o segurador juros de mora, tornando a situação como a dos presentes autos numa dupla condenação…
10.ª - Aceita-se que existirão situações de algum abuso, sem estarem minimamente suportadas em elementos demonstráveis e justificáveis para uma tomada de posição, mas não é de todo o caso de que tratam os presentes autos, pois não ficou demonstrado, para além da recusa na assumpção do sinistro, qualquer atitude consubstanciadora de má-fé por parte da Recorrente, pois sempre respondeu às interpelações e comunicou por escrito a sua posição, em total respeito com as normas legais relativas ao processo de gestão de sinistros, tal como resulta da documentação existente nos autos;
11ª. - Para finalizar, uma eventual condenação a título de privação de uso, numa situação similar como a que tratam os presentes autos, apenas poderia ser aceite com base na prova de um exercício reprovável das boas práticas de gestão de sinistros e evidenciadora de um comportamento de má-fé perante do Tomador de Seguro, pois qualquer outra fundamentação que se baseie no princípio, dizemos simplista, de não ter o segurador pago o capital em sede de gestão de sinistro, e por ter sido condenado judicialmente a fazê-lo, por impossibilidade de prova da sua versão e posição de recusa, e apenas por isso, ser condenado numa quantia indemnizatória ao tomador de seguro, é no mínimo atentatória dos princípios gerais de direito;
12.ª - Veja-se o teor do art. 483º do CC: tal comando normativo, exige o dolo ou mera culpa como pressuposto para uma indemnização ao lesado;
13.ª - Nos presentes autos, há uma invocação clara da prática de um acto ilícito, sem que tenha sido apreciado o dolo ou a mera culpa, considerando que a privação do uso do veículo foi ilícita, sendo clara a violação dos mais elementares princípios gerais do Direito;
14.ª - Foram assim violados os artigos 128º e 130º do Decreto-Lei 72/2008, de 16/04 e o artigo 483º do Código Civil.
Termos em que pela não existência de dupla conforme, admitindo-se o recurso de revista normal e por estarem em causa questões cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária a uma melhor aplicação do direito;
Ou caso assim não se entenda, e por estarem em causa interesses de particular relevância social e por o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa estar, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, em contradição com outros Acórdãos transitados em julgado, deve ser admitida a revista excecional, conforme alegado e como é de inteira Justiça!
Pelo exposto e pelo muito que V.ªs Ex.ªs doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao recurso, julgando-se o mesmo procedente por provado, revogando-se o segmento do Acórdão, no que respeita à privação de uso, como é de inteira Justiça!”
Foram apresentadas contra alegações pela Recorrida/Autora/Transportes Alvarães, Lda. pugnando pela improcedência da revista interposta, sem que não antes tivesse suscitado a inadmissibilidade do recurso, quer da revista, em termos gerais, quer da revista excepcional, interposta em termos subsidiários, outrossim, foi pedida a condenação da Recorrente/Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - como litigante de má-fé.
A Recorrente/Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - apresentou resposta quanto ao formulado pedido de condenação como litigante de má-fé, pugnando pela sua improcedência.
Foi proferida decisão singular que apreciou a questão preliminar suscitada pela Recorrida/Autora/Transportes Alvarães, Lda., consubstanciada na alegada inadmissibilidade do interposto recurso, quer em termos gerais, quer em termos de revista excepcional, tendo-se concluído rejeitar o presente recurso de revista, em termos gerais, ordenando-se que os autos fossem remetidos, oportunamente, à Formação, para a verificação do arrogado pressuposto que justificasse, ou não, a pretendida revista excepcional.
A Formação proferiu acórdão admitindo a interposta revista excepcional.
Foram dispensados os vistos.
Cumpre decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II. 1. A questão a resolver, recortada das alegações apresentadas pela Recorrente/Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - consiste em saber se: (1) O Tribunal a quo fez errada subsunção jurídica dos factos adquiridos processualmente ao condenar a Ré pela privação de uso do veículo pesado de mercadorias ...-IH-... e o semi-reboque matrícula P-8…4, interveniente no ajuizado acidente de viação?
II. 2. Da Matéria de Facto
Factos Provados:
1 - A Autora é uma empresa que se dedica à prestação de serviços internacionais de transportes de mercadorias;
2 - No âmbito da sua actividade, a Autora é dona e legitima proprietária do veículo pesado de mercadorias, da marca Volvo, com a matrícula ...-IH-..., e do semi-reboque com a matrícula P-8…4 (cfr. documento de fls. 13 e 14);
3 - No dia 21 de Fevereiro de 2017, pelas 22h00, o dito veículo com o semi-reboque, conduzido por AA, circulava na estrada OU-540, na zona de …, província de …, em Espanha;
4 - O veículo da Autora seguia carregado, transportando uma carga de bobinas de papel da empresa Europac Kraft Viana (cfr. documento de fls. 15 e 16);
5 - Em consequência do acidente descrito infra, o tractor e o semi-reboque da Autora sofreram avultados danos na chapa, que ficou toda amolgada, chassis empenado, motor, estrado do semi-reboque empenado e com madeira partida, taipais, etc.;
6 - Com a queda do veículo, sobre o seu lado esquerdo, as bobinas de papel que transportava estragaram-se;
7 - Em face dos avultados danos sofridos pelo tractor e semi-reboque, a reparação destes tinha um custo muito elevado, sendo superior ao valor de €42.500,00 contratado pela Autora à Ré e devidamente descrito na apólice de seguro em vigor entre as partes, para este tipo riscos (choque, colisão e capotamento - cfr. documento de fls. 26 a 28);
8 - (…) Motivo pelo qual foi considerado como perda total (em 3 de Março de 2017);
9 - A Autora tentou, por todos meios ao seu alcance, através de carta, correio electrónico e telefone, ser ressarcida pela Ré destes prejuízos, sempre sem qualquer êxito;
10 - A Ré sempre recusou assumir o pagamento e a liquidar o valor de €42.500,00 por danos sofridos pela Autora, referentes a custos da perda do tractor e do semi-reboque;
11 - Devido ao elevado valor dos prejuízos diários sofridos pelas empresas de transportes de mercadorias, provocados pela paralisação dos veículos, os mesmos foram objecto de acordo estabelecido entre a ANTRAM (Associação Nacional de Transportes Rodoviários de Mercadorias) e a APS (Associação Portuguesa de Seguros), estando fixado, actualmente, o montante de €253,69 por dia, para compensação dos prejuízos sofridos pela paralisação deste tipo de veículos de transporte internacional (cfr. documento de fls. 29);
12 - A empresa Autora celebrou com a Ré um contrato de seguro facultativo, com cobertura de danos próprios, a que se reportam os documentos de fls. 26 a 28 e 64 a 155 (apólice com o número 006…5), em vigor à data dos factos;
13 - O condutor do veículo da autora seguia a uma velocidade não concretamente apurada, mas inferior a 50 km/hora porque a estrada, naquele local é, ligeiramente, em sentido descendente, e o veículo seguia carregado, dentro da sua faixa de rodagem.
14 - A carga foi efectuada pelos funcionários certificados da empresa Europac e estava acondicionada no semi-reboque e presa com cintas próprias para esse efeito, como sucede com as cargas de bobinas da empresa.
15 - O aludido veículo e o semi-reboque apresentavam-se em boas condições de funcionamento e com as revisões e inspecções em dia;
16 - Pelas 22h00 (hora espanhola), quando circulava na referida zona de …, em Espanha, sem que nada o fizesse prever, ao efectuar uma curva à direita, o condutor do dito veículo, desatento, perdeu total e repentinamente o seu controlo, não conseguindo completar a curva e tombando a viatura e o semi-reboque para o seu lado esquerdo;
17 - O veículo e semi-reboque atravessaram, por arrastamento, a faixa de rodagem do lado contrário àquele em que seguiam na sua marcha, entraram na valeta e ficaram imobilizados, na berma da faixa de rodagem do seu lado esquerdo, após chocarem contra o talude aí existente (cfr. documentos de fls. 17, 18, 206 e 207);
18 - As bobinas de papel continuaram, quase todas elas, no semi-reboque e a maioria devidamente presa, mesmo após o acidente;
19 - A Autora, para além da apólice de seguro dos presentes autos, realizada com a Ré, também dispõe de seguro próprio de carga, destinado a cobrir e suportar os prejuízos que cause a terceiros por danos provocados nas cargas transportadas;
20 - Após o acidente dos presentes autos, a Autora participou o mesmo à sua seguradora da carga, ACE European Group Limited, Companhia de Seguros, para efeitos de pagamento dos danos causados na carga de bobinas de papel que transportava;
21 - Tendo esta companhia de seguros procedido à peritagem e análise de todo o processo de sinistro, assumiu a responsabilidade pelo pagamento desses prejuízos, informou a Autora dos valores por si apurados, referentes à carga transportada, e solicitou o comprovativo com os dados bancários para proceder ao pagamento (cfr. documento de fls. 24);
22 - (…) Tendo liquidado à Autora, a título de pagamento do valor da carga transportada, a quantia de €11.534,04 (cfr. documento de fls. 25);
23 - A aludida seguradora liquidou os prejuízos sofridos na carga após analisar o sinistro e verificar que se encontrava devidamente acondicionada; caso contrário, teria declinado a sua responsabilidade civil;
24 - O valor máximo estipulado pelas partes na apólice de seguro para estes riscos (choque, colisão e capotamento) foi de €42.500,00 (cfr. documento de fls. 26 a 28);
25 - (…) Com a dedução da franquia contratualizada de 2 % (= € 850,00) – cfr. documento de fls. 26 a 28;
26 - A Autora é uma empresa possuidora de uma frota de veículos pesados de mercadorias;
27 - Sendo a Autora uma firma que se dedica à prestação de serviços internacionais de transportes de mercadorias, o veículo em causa, e o respectivo semi-reboque, são indispensáveis para o efeito;
28 - Em consequência do acidente, a autora ficou privada de utilizar este veículo e o semi-reboque, desde a data da sua ocorrência (21/2/17) até Dezembro de 2017;
29 - A autora procedeu à aquisição de outro veículo/tractor para substituir o acidentado, no exercício da sua actividade, em Dezembro de 2017.
30 - Em virtude da actividade da Autora, a viatura em apreço circulava diariamente em diversos países da Europa, realizando transportes internacionais de mercadorias, encontrando-se a empresa, por regra, no limite máximo da sua capacidade de resposta (cfr. documento de fls. 175);
31 - Desde a data do acidente e até Dezembro de 2017, por falta da referida viatura e do semi-reboque, a autora teve de prescindir da realização de vários serviços que lhe estavam imputados, com a perda de alguma clientela;
32 - O acondicionamento em apreço foi realizado com o máximo preenchimento de carga da viatura e semi-reboque da Autora;
33 - O carregamento foi efectuado pela empresa Europac Kraft Viana, uma empresa que realiza o carregamento de dezenas de camiões por dia, sem registo de incidentes;
34 - O camião no transporte aqui em causa percorreu centenas de quilómetros sem o registo de qualquer desvio da carga ou do seu mau acondicionamento, sendo que a forma como esta seguia era idêntica à de transportes anteriores;
35 - A velocidade máxima permitida no local era de 80 Km/hora (cfr. documento de fls. 45 a 63);
36 - Foi atribuído ao salvado o valor de €6.273,00 (cfr. documento de fls. 26 a 28);
37 - As autoridades espanholas tomaram conta da ocorrência, deslocando-se ao local depois da produção do acidente, pelas 23h10 (cfr. documento de fls. 45 a 63);
38 - Tais autoridades descreveram, além do mais, que o motivo do acidente se deveu a carga mal condicionada - que, segundo elas, provocou a instabilidade do veículo e consequente tombo sobre a sua lateral esquerda - associado a velocidade desadequada para o local (cfr. documento de fls. 45 a 63, com enfoque para fls. 59);
39 - Ao abrigo das coberturas facultativas, existem cláusulas de exclusão - que impedem tais coberturas de serem accionadas pelo tomador de seguro - e uma das cláusulas de exclusão é a referente aos danos decorrentes do transporte de mercadoria que coloque em risco a estabilidade e o domínio do veículo, nos termos da cláusula 003.1, n.º 1, alínea g), constante da página 18 das condições especiais e particulares respectivas (cfr. documento de fls. 64 a 155, com enfoque para fls. 86).
Factos não provados:
I - A carga estava mal acondicionada pela Autora, a qual provocou a instabilidade do veículo em apreço e o consequente tombo sobre a sua lateral esquerda, associada a uma velocidade inadequada para o local;
II - O veículo sinistrado poderia ter sido substituído por outra viatura, após o acidente, sem qualquer prejuízo material para a Autora.
II. 3. Do Direito
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da Recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido no direito adjectivo civil - artºs. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.
II. 3.1. O Tribunal a quo fez errada subsunção jurídica dos factos adquiridos processualmente ao condenar a Ré pela privação de uso do veículo pesado de mercadorias ...-IH-... e o semi-reboque matrícula P-8…4, interveniente no ajuizado acidente de viação? (1)
Perante a facticidade demonstrada o Tribunal recorrido, confirmando a sentença proferida em 1ª Instância, sustentou que a privação do uso constitui dano patrimonial autónomo susceptível de indemnização, daí que o proprietário do veículo danificado/perda total que se veja privado de um bem que faz parte do seu património, deixando dele poder dispor e gozar, tem direito a uma indemnização à luz do princípio da boa-fé e violação do direito de propriedade, sendo que para se aquilatar do valor do dano deve socorrer-se ao juízo de equidade.
Relembremos o dispositivo consignado em 1ª Instância, confirmado pelo Tribunal a quo, ao condenar a Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - a pagar à Autora/Transportes Alvarães, Lda., para o que interessa à presente revista, “a quantia de €42.500,00 (quarenta e dois mil e quinhentos euros), a título de indemnização pela privação de uso do veículo, acrescida dos juros de mora contados nos referidos termos quanto à importância de €37.292,43, e a partir do vencimento de cada prestação diária ulterior à citação, no valor de €.253,69, até efetivo e integral pagamento”.
O Tribunal a quo, problematizou a questão trazida a este Tribunal de revista considerando, com utilidade, “In casu, da apólice de seguro não consta e, como tal, não foi acordada a assunção de responsabilidade da ré/apelante (seguradora), pela privação de uso do veículo segurado, sendo que esta garantia também não está coberta pelo seguro obrigatório – cfr. arts. 123 e sgs. e 130/3 Lei do contrato de Seguro (DL 72/2008 de 16/4, actualizado pela Lei 147/15 de 9/9) e 4/1 DL 291/2007.
Em princípio, não tendo o tomador de seguro pago os prémios correspondentes a uma cobertura de privação de uso do veículo, a reparação desse dano pode parecer injusta.
Não obstante, apurado ficou que o sinistro ocorreu em Fevereiro de 2017 e, até hoje, a ré seguradora nada ressarciu, ou seja, não indemnizou a autora relativamente ao valor resultante da perda total do veículo.
Ora, este atraso injustificado da seguradora na célere e eficiente gestão do sinistro (mora) - agir com prontidão e diligência nas averiguações e peritagens necessárias à avaliação dos riscos e danos acarreta responsabilidade da mesma no pagamento de ajustada indemnização pela privação do uso do veículo, ex vi art. 562 CC.
Na verdade, cabe ao lesante reparar todos os prejuízos causados ao lesado que mereçam a tutela do direito de modo a colocá-lo na situação que existiria se não tivesse ocorrido a lesão significando, no caso em apreço, que o atraso no pagamento da indemnização, que não foi imputável à autora, deve ser suportado por quem responde pelos danos sofridos pelo lesado, ou seja, pela ré seguradora.
O entendimento que vem sendo sufragado pela doutrina e jurisprudência é a de que o dano decorrente da privação do veículo constitui dano patrimonial autónomo susceptível de indemnização, quando o proprietário do veículo danificado/perda total se viu privado de um bem que faz parte do seu património, deixando dele poder dispor e gozar, nos termos do art. 1305 CC, cabendo assim, pela mera violação do direito de propriedade, o direito à indemnização pela ocorrência do dano e à luz do princípio de boa-fé (arts. 227 e 762 CC).”
Assim, rematou o Tribunal a quo “(…) In casu, apurado ficou que, em consequência do sinistro, a autora/apelada ficou privado do camião desde 21/2/17 (data do sinistro) até Dezembro 2017, data em que adquiriu outro camião para substitui o acidentado (perda total).
A Antram e a APS, tal como referido pela 1ª instância, fixou o valor diário da imobilização desta viatura de transporte internacional em € 253,69 (fls. 29).
Ora, atendendo que o valor devido pela privação de uso (282 dias x 253,69) exorbita em muito o valor contratado pela perda total (€ 42.500,00), não obstante a alteração da decisão de facto, no que concerne à data em que a autora/apelada adquiriu o camião de substituição (Dezembro de 2017), alicerçada em juízo de equidade (art. 566/3 CC), mantemos a indemnização fixada pela 1ª instância.”
O aresto recorrido evidencia os conceitos e institutos jurídicos atinentes à causa, sendo que não encontramos dificuldade em entender o processo intelectivo do Tribunal a quo que decidiu com propósito, concretamente, quanto à questão da privação do uso do veículo, em razão do sinistro articulado.
Uma vez subsumidos os factos adquiridos processualmente, o Tribunal a quo dirimiu o conflito proferindo acórdão, cujo dispositivo aprovamos, sem deixarmos de sublinhar, no que à questão a resolver respeita - “O Tribunal a quo fez errada subsunção jurídica dos factos adquiridos processualmente ao condenar a Ré pela privação de uso do veículo pesado de mercadorias ...-IH-... e o semi-reboque matrícula P-8…4, interveniente no ajuizado acidente de viação? - a orientação consignada no acórdão proferido em 18 de Novembro de 2018 (Processo n.º 1069/16.1T8PVZ.P1.S1) que correu seus termos no Supremo Tribunal de Justiça, relatado pelo mesmo relator do presente acórdão, aliás, referenciado pelo Tribunal a quo no acórdão recorrido, e que seguiremos de perto na apreciação deste caso trazido a Juízo.
O contrato de seguro é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante o pagamento por outrem de determinado prémio, a indemnizá-la ou a terceiro pelos prejuízos causados decorrentes da verificação de certo evento de risco.
O contrato de seguro é um negócio que tem de ser reduzido a escrito chamando-se apólice ao documento que o consubstancia e dela devendo constar todas as condições estipuladas entre as partes.
Nos termos do direito substantivo civil a apólice deverá conter os riscos contra que se faz o seguro, outrossim, em geral, todas as circunstâncias cujo conhecimento possa interessar o segurador, a par de todas as condições estipuladas entre as partes.
A apólice é, pois, o documento que titula o contrato celebrado entre o tomador do seguro e a seguradora, de onde constam as respectivas condições gerais, especiais, se as houver, e particulares acordadas, sendo que o âmbito do contrato, consiste na definição das garantias, riscos cobertos e riscos excluídos.
Como sabemos, na fixação do conteúdo de qualquer negócio jurídico interessa, antes do mais, analisar os termos do acordo que os respectivos outorgantes firmaram ao abrigo da liberdade contratual ditada pelo art.º 405º do Código Civil, termos esses que, no contrato de seguro, reiteramos, terão de constar da respectiva apólice.
Assim, da apólice deverão constar o objecto do seguro, os riscos cobertos, a vigência do contrato, a quantia segura e o prémio ajustado, importando, pois, para aferição do conteúdo do contrato, atender ao objecto do seguro e aos riscos cobertos na apólice, havendo igualmente que ter em conta as estipulações negociais que visam delimitar ou excluir certo tipo de riscos, donde, como defende, Romano Martinez, in, Direito dos Seguros, páginas 91 e seguintes, e José Vasques, in, Contrato de Seguro, páginas 355 e 356, o âmbito deste tipo contratual, sublinhamos, passa pela definição das garantias, dos riscos cobertos e dos riscos excluídos.
A concretização dos riscos cobertos resultará de os mesmos serem indicados na apólice, integrada por condições gerais, especiais e particulares, ou de, pelo contrário, se evidenciarem na apólice os riscos excluídos, caso em que se considerarão cobertos todos os restantes.
Resulta dos autos que a Autora/Transportes Alvarães, Lda. pediu a condenação da Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - a pagar-lhe quantia que concretiza, a título de indemnização pelos danos que sofreu com a privação do uso do seu veículo pesado de mercadorias ...-IH-... e o semi-reboque matrícula P-8…4, interveniente no ajuizado acidente de viação.
Acentuamos que a apólice encerra o documento que titula o contrato celebrado entre o tomador do seguro e a seguradora, de onde constam as respectivas condições gerais, especiais, se as houver, e particulares acordadas, sendo que o âmbito do contrato, consiste na definição das garantias, riscos cobertos e riscos excluídos.
Decorre da ajuizada apólice que não foi contratado a responsabilidade da seguradora pela privação do uso do veículo seguro (veículo pesado de mercadorias ...-IH-... e o semi-reboque matrícula P-8…4) sendo que esta garantia também não está coberta pelo seguro obrigatório nos termos do n.º 1 do art.º 4º do Decreto-Lei n.º 291/2007.
Não tendo o tomador pago os prémios correspondentes a uma cobertura de privação do uso do veículo que o contrato de seguro facultativo de danos próprios podia contemplar, mas que não previu, a reparação desse dano, a esse título, seria, naturalmente, injusta.
Todavia, já o atraso injustificado da seguradora na gestão célere e eficiente do processo de sinistro, impondo-lhe que actue com a possível prontidão e diligência nas averiguações e peritagens necessárias ao reconhecimento do sinistro e à avaliação dos danos, poderá responsabilizá-la ao pagamento de ajustada indemnização pela privação do uso do veículo ao abrigo do disposto nos artºs. 483º e 562º e seguintes do Código Civil, sendo esta precisamente a questão que se debate nos presentes autos, como aliás, se acentua no acórdão recorrido, citando o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça em referência, proferido em 8 de Novembro de 2018 (Processo n.º 1069/16.1T8PVZ.P1.S1).
Resulta adquirido processualmente, e para o que interessa no debate da questão que importa conhecer:
1 - A Autora é uma empresa que se dedica à prestação de serviços internacionais de transportes de mercadorias;
2 - No âmbito da sua actividade, a Autora é dona e legitima proprietária do veículo pesado de mercadorias, da marca Volvo, com a matrícula ...-IH-..., e do semi-reboque com a matrícula P-80424 (cfr. documento de fls. 13 e 14);
3 - No dia 21 de Fevereiro de 2017, pelas 22h00, o dito veículo com o semi-reboque, conduzido por AA, circulava na estrada OU-540, na zona de …, província de …, em Espanha;
4 - O veículo da Autora seguia carregado, transportando uma carga de bobinas de papel da empresa Europac Kraft Viana (cfr. documento de fls. 15 e 16);
5 - Em consequência do acidente descrito infra, o tractor e o semi-reboque da Autora sofreram avultados danos na chapa, que ficou toda amolgada, chassis empenado, motor, estrado do semi-reboque empenado e com madeira partida, taipais, etc.;
6 - Com a queda do veículo, sobre o seu lado esquerdo, as bobinas de papel que transportava estragaram-se;
7 - Em face dos avultados danos sofridos pelo tractor e semi-reboque, a reparação destes tinha um custo muito elevado, sendo superior ao valor de €42.500,00 contratado pela Autora à Ré e devidamente descrito na apólice de seguro em vigor entre as partes, para este tipo riscos (choque, colisão e capotamento - cfr. documento de fls. 26 a 28);
8 - (…) Motivo pelo qual foi considerado como perda total (em 3 de Março de 2017);
9 - A Autora tentou, por todos meios ao seu alcance, através de carta, correio electrónico e telefone, ser ressarcida pela Ré destes prejuízos, sempre sem qualquer êxito;
10 - A Ré sempre recusou assumir o pagamento e a liquidar o valor de €42.500,00 por danos sofridos pela Autora, referentes a custos da perda do tractor e do semi-reboque;
11 - Devido ao elevado valor dos prejuízos diários sofridos pelas empresas de transportes de mercadorias, provocados pela paralisação dos veículos, os mesmos foram objecto de acordo estabelecido entre a ANTRAM (Associação Nacional de Transportes Rodoviários de Mercadorias) e a APS (Associação Portuguesa de Seguros), estando fixado, actualmente, o montante de €253,69 por dia, para compensação dos prejuízos sofridos pela paralisação deste tipo de veículos de transporte internacional (cfr. documento de fls. 29);
12 - A empresa Autora celebrou com a Ré um contrato de seguro facultativo, com cobertura de danos próprios, a que se reportam os documentos de fls. 26 a 28 e 64 a 155 (apólice com o número 006…5), em vigor à data dos factos;
13 - O condutor do veículo da autora seguia a uma velocidade não concretamente apurada, mas inferior a 50 km/hora porque a estrada, naquele local é, ligeiramente, em sentido descendente, e o veículo seguia carregado, dentro da sua faixa de rodagem.
14 - A carga foi efectuada pelos funcionários certificados da empresa Europac e estava acondicionada no semi-reboque e presa com cintas próprias para esse efeito, como sucede com as cargas de bobinas da empresa.
15 - O aludido veículo e o semi-reboque apresentavam-se em boas condições de funcionamento e com as revisões e inspecções em dia;
16 - Pelas 22h00 (hora espanhola), quando circulava na referida zona de …, em Espanha, sem que nada o fizesse prever, ao efectuar uma curva à direita, o condutor do dito veículo, desatento, perdeu total e repentinamente o seu controlo, não conseguindo completar a curva e tombando a viatura e o semi-reboque para o seu lado esquerdo;
19 - A Autora, para além da apólice de seguro dos presentes autos, realizada com a Ré, também dispõe de seguro próprio de carga, destinado a cobrir e suportar os prejuízos que cause a terceiros por danos provocados nas cargas transportadas;
20 - Após o acidente dos presentes autos, a Autora participou o mesmo à sua seguradora da carga, ACE European Group Limited, Companhia de Seguros, para efeitos de pagamento dos danos causados na carga de bobinas de papel que transportava;
21 - Tendo esta companhia de seguros procedido à peritagem e análise de todo o processo de sinistro, assumiu a responsabilidade pelo pagamento desses prejuízos, informou a Autora dos valores por si apurados, referentes à carga transportada, e solicitou o comprovativo com os dados bancários para proceder ao pagamento (cfr. documento de fls. 24);
22 - (…) Tendo liquidado à Autora, a título de pagamento do valor da carga transportada, a quantia de €11.534,04 (cfr. documento de fls. 25);
24 - O valor máximo estipulado pelas partes na apólice de seguro para estes riscos (choque, colisão e capotamento) foi de €42.500,00 (cfr. documento de fls. 26 a 28);
25 - (…) Com a dedução da franquia contratualizada de 2 % (= € 850,00) – cfr. documento de fls. 26 a 28;
26 - A Autora é uma empresa possuidora de uma frota de veículos pesados de mercadorias;
27 - Sendo a Autora uma firma que se dedica à prestação de serviços internacionais de transportes de mercadorias, o veículo em causa, e o respectivo semi-reboque, são indispensáveis para o efeito;
28 - Em consequência do acidente, a autora ficou privada de utilizar este veículo e o semi-reboque, desde a data da sua ocorrência (21/2/17) até Dezembro de 2017;
29 - A autora procedeu à aquisição de outro veículo/tractor para substituir o acidentado, no exercício da sua actividade, em Dezembro de 2017.
30 - Em virtude da actividade da Autora, a viatura em apreço circulava diariamente em diversos países da Europa, realizando transportes internacionais de mercadorias, encontrando-se a empresa, por regra, no limite máximo da sua capacidade de resposta (cfr. documento de fls. 175);
31 - Desde a data do acidente e até Dezembro de 2017, por falta da referida viatura e do semi-reboque, a autora teve de prescindir da realização de vários serviços que lhe estavam imputados, com a perda de alguma clientela;
32 - O acondicionamento em apreço foi realizado com o máximo preenchimento de carga da viatura e semi-reboque da Autora;
33 - O carregamento foi efectuado pela empresa Europac Kraft Viana, uma empresa que realiza o carregamento de dezenas de camiões por dia, sem registo de incidentes;
34 - O camião no transporte aqui em causa percorreu centenas de quilómetros sem o registo de qualquer desvio da carga ou do seu mau acondicionamento, sendo que a forma como esta seguia era idêntica à de transportes anteriores;
35 - A velocidade máxima permitida no local era de 80 Km/hora (cfr. documento de fls. 45 a 63);
37 - As autoridades espanholas tomaram conta da ocorrência, deslocando-se ao local depois da produção do acidente, pelas 23h10 (cfr. documento de fls. 45 a 63);
38 - Tais autoridades descreveram, além do mais, que o motivo do acidente se deveu a carga mal condicionada - que, segundo elas, provocou a instabilidade do veículo e consequente tombo sobre a sua lateral esquerda - associado a velocidade desadequada para o local (cfr. documento de fls. 45 a 63, com enfoque para fls. 59);
39 - Ao abrigo das coberturas facultativas, existem cláusulas de exclusão - que impedem tais coberturas de serem accionadas pelo tomador de seguro - e uma das cláusulas de exclusão é a referente aos danos decorrentes do transporte de mercadoria que coloque em risco a estabilidade e o domínio do veículo, nos termos da cláusula 003.1, n.º 1, alínea g), constante da página 18 das condições especiais e particulares respectivas (cfr. documento de fls. 64 a 155, com enfoque para fls. 86).
Do cotejo dos enunciados factos adquiridos processualmente, a exemplo do Tribunal recorrido, impõe-se concluir pelo atraso injustificado da Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - na gestão célere e eficiente do processo de sinistro que determinou prejuízos à Autora/Transportes Alvarães, Lda..
Vejamos.
Por força da vida em sociedade, as pessoas são colocadas em confronto, de que emergem conflitos e ofensas aos direitos de cada um.
O princípio de justiça, cristalizado nos brocardos latinos, suum cuique tribuere e alterum non laedere, impõe que aquele que foi lesado, que sofreu um dano por acção de outrem, seja reconduzido à situação em que se encontrava antes da lesão. Se “o homem é senhor dos seus actos (e dos seus efeitos queridos, previsíveis e evitáveis) é por isso também deles (e desses seus efeitos) responsável, neste sentido, Castanheira Neves, in, Lições de Introdução ao Estudo do Direito, página 165.
Em regra, a reconstituição pressupõe, além do mais, uma acção (omissão) do lesante, e que esta acção (omissão) lhe seja imputada, atribuída, como acto de vontade, ou seja, pressupõe a sua culpa, neste sentido, e será feita, em princípio, à custa do autor da lesão, em obediência ao principio de que cada um deve assumir as consequências dos seus actos ou omissões, o que é tanto mais evidente, quando e se o prejuízo foi causado por este.
A responsabilidade civil é o campo de eleição da ilicitude da acção ou da omissão, e, sublinhamos, a responsabilidade por factos ilícitos, com base na culpa, é a regra, pois, só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei. Sendo a culpa, como se disse, o elemento primordial e quase sempre constitutivo da responsabilidade civil e do direito à indemnização (e só não é assim quando a lei o determinar), importa saber quais as especificidades da sua prova, como deve ela revelar-se no mundo dos factos para o Tribunal a conhecer, ou, preferencialmente, a quem compete dá-la a conhecer, quem a deve provar.
Apresentando-se o lesado a reclamar a reparação dos danos sofridos, imputando-os a acção (ou omissão) do lesante, cumpre-lhe demonstrar o direito arrogado, o que corresponde a provar os elementos constitutivos da concreta situação de responsabilidade civil, de que emerge a tutela pedida.
Do direito substantivo civil, concretamente da leitura do art.º 483º n.º 2, do Código Civil, retiramos que vários pressupostos condicionam, no caso da responsabilidade por factos ilícitos, a obrigação de indemnizar do lesante, quais sejam, o facto; a ilicitude; a culpa; o dano; o nexo de causalidade entre o facto e o dano; e a imputação do facto ao lesante.
O elemento básico da responsabilidade é o facto do agente (um facto dominável ou controlável pela vontade, um comportamento ou uma forma de conduta humana), pois, só quanto a factos dessa índole têm cabimento a ideia da ilicitude, o requisito da culpa e a obrigação de reparar o dano nos termos em que a lei a impõe, neste sentido, Antunes Varela, in, Das Obrigações em Geral, volume I, 9ª edição, página 545.
Fundamental na responsabilidade por factos ilícitos, por culpa, além da ilicitude (elemento objectivo, o autor agiu objectivamente mal), é essencial concluir que a conduta do lesante se pode considerar reprovável, censurável.
Agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito.
E a conduta do lesante é reprovável quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo, neste sentido, Antunes Varela, in, Das Obrigações em Geral, volume I, 9ª edição, página 582.
De igual modo, para haver obrigação de indemnizar, é condição essencial que haja dano, que o facto ilícito culposo tenha causado um prejuízo a alguém.
O dano é o prejuízo que um sujeito jurídico sofre, ou na sua pessoa, ou nos seus bens, ou na sua pessoa e nos seus bens.
Finalmente, para que o dano seja indemnizável é forçoso que ele seja consequência do facto, ilícito e culposo no domínio da responsabilidade subjectiva extracontratual, sendo necessário haver uma ligação causal entre o facto e o dano para que o autor do facto seja obrigado a indemnizar o prejuízo causado.
Divisamos, assim, que contrariamente ao sustentado pela Recorrente/Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - e conjugada a facticidade adquirida processualmente, estão preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, isto é, que ocorreu facto ilícito (por omissão), culposo e causal dos danos sofridos pela Autora/Transportes Alvarães, Lda./lesada, concluindo, chamando à colação as regras do ónus da prova (O ónus da prova respeita aos factos da causa distribuindo-se entre as partes segundo os critérios estabelecidos no art.º 342º do Código Civil, traduzindo-se para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantagens de se ter líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova, ou na necessidade de sofrer tais consequências, se os autos não tiverem prova bastante desse facto), e, mais uma vez subsumidos os factos adquiridos processualmente, que a Autora/Transportes Alvarães, Lda. logrou provar, como era seu ónus, que a Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - procedeu com culpa ao deixar de fazer uma gestão célere e eficiente do processo de sinistro que se lhe impunha, determinando com esta omissão um atraso injustificado no pagamento da indemnização devida em razão do contrato de seguro facultativo de danos próprios outorgado com a Autora/Transportes Alvarães, Lda..
Assim sendo, este Tribunal ad quem reconhece estar apurada facticidade que sustenta um comportamento omissivo da Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - susceptível de preencher a ideia da ilicitude, o requisito da culpa e a obrigação de reparar o dano alegado, enquanto requisitos da responsabilidade civil por acto ilícito.
E não se diga que a Recorrente/Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - exerceu o seu legitimo direito de recusa em assumir o sinistro, ainda que posteriormente condenada a repará-lo, ademais, a não ser reconhecido este direito, sustenta a Recorrente/Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - impor-se-ia sempre às seguradoras a obrigação de assumir um sinistro ao abrigo da cobertura de danos próprios, mesmo que, em sede de instrução de processo, existam elementos para a recusa.
Na verdade, a subsunção da facticidade adquirida processualmente ao enquadramento jurídico que vimos de consignar importa a condenação a título de privação de uso com base na prova de um exercício reprovável das boas práticas de gestão de sinistros, manifestamente contrária ao proeminente princípio de boa-fé no cumprimento dos contratos, consagrado no direito substantivo civil.
Conquanto o acidente ajuizado tenha ocorrido em Fevereiro de 2017, certo é que a Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - não indemnizou a Autora/Transportes Alvarães, Lda. pelos danos sofridos, ao abrigo de um contrato de seguro facultativo de danos próprios, desde logo, o valor resultante da perda total do veículo pesado de mercadorias, com a matrícula ...-IH-..., e do semi-reboque com a matrícula P-8…4, conhecido em 3 de Março de 2017, e também não se diga que o deixou de fazer em razão do relatório elaborado pelas autoridades espanholas que tomaram conta da ocorrência, as quais descreveram, além do mais, que o motivo do acidente se deveu a carga mal acondicionada, e que na opinião das autoridades espanholas, provocou a instabilidade do veículo e consequente tombo sobre a sua lateral esquerda, associado a velocidade desadequada para o local.
Ora, para além de se tornar evidente afirmar que o dito relatório não é vinculativo quaisquer que sejam as conclusões apresentadas acerca da causa do ajuizado acidente, nem para a Autora/Transportes Alvarães, Lda., nem para a Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal -, sempre se imporia à Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - levar a cabo averiguações e peritagens necessárias ao conhecimento do sinistro e à avaliação dos danos, nomeadamente, uma vez que o acondicionamento da carga do veículo sinistrado poderia ser a causa adiantada para a ocorrência do sinistro, saber, desde logo, se foi a Autora/Transportes Alvarães, Lda. quem procedeu ao aludido acondicionamento da carga, sendo este um conhecimento essencial para, na afirmativa, isto é, na comprovação de que foi a Autora/Transportes Alvarães, Lda. que levou a cabo o acondicionamento da carga causal do acidente, fazer actuar a cláusula de exclusão integrada no contrato de seguro articulado, ou, caso tal não se verificasse, como aliás, ficou demonstrado nos autos (O carregamento foi efectuado pela empresa Europac Kraft Viana, uma empresa que realiza o carregamento de dezenas de camiões por dia, sem registo de incidentes; A carga foi efectuada pelos funcionários certificados da empresa Europac e estava acondicionada no semi-reboque e presa com cintas próprias para esse efeito, como sucede com as cargas de bobinas da empresa), impor-se-ia, na ausência de quaisquer outros factos excludentes, tomar uma posição diversa daqueloutra apurada nos autos, ou seja, uma vez considerada a perda total do veiculo e semi-reboque, pese embora a Autora tentasse, por todos meios ao seu alcance, através de carta, correio electrónico e telefone, ser ressarcida destes prejuízos, a Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - sempre recusou assumir o pagamento e a liquidar o valor de €42.500,00 por danos sofridos pela Autora/Transportes Alvarães, Lda., referentes a custos da perda do tractor e do semi-reboque, objecto do outorgado contrato de seguro facultativo de danos próprios.
Como sabemos e aqui queremos acentuar, o lesante deve reparar todos os prejuízos causados ao lesado que merecerem a tutela do direito de modo a colocá-lo na situação que existiria se não tivesse ocorrido a lesão, querendo significar, no que ao caso sub iudice respeita, que o injustificado atraso no pagamento da indemnização pela perda total do veículo pesado de mercadorias, com a matrícula ...-IH-..., e do semi-reboque com a matrícula P-8…4, intervenientes no acidente, em razão da ausência de uma gestão célere e eficiente do processo de sinistro por parte da Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - quando o devia ter feito com prontidão e diligência nas averiguações e peritagens necessárias ao reconhecimento do sinistro e à avaliação dos danos, será legitimo responsabilizá-la ao pagamento de ajustada indemnização pela privação do uso do aludido veículo pesado de mercadorias, com a matrícula ...-IH-..., e do semi-reboque com a matrícula P-8…4, ao abrigo do disposto nos artºs. 483º e 562º e seguintes do Código Civil, devendo a Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - suportar os danos sofridos pela lesada, aqui Autora/Transportes Alvarães, Lda..
O dano decorrente da privação do veículo constitui dano patrimonial autónomo susceptível de indemnização, quando o proprietário do veículo danificado se viu privado de um bem que faz parte do seu património, deixando de dele poder dispor e gozar livremente, nos termos consagrados no art.º 1305º do Código Civil, cabendo, assim, pela mera violação do direito de propriedade, o direito a indemnização pela ocorrência desse dano.
Este entendimento vem sendo sufragado pela Doutrina e pelos nossos Tribunais superiores.
A privação do uso de um veículo automóvel, traduzindo a perda dessa utilidade do veículo, é um dano, e um dano patrimonial, porque essa utilidade, considerada em si mesma, tem valor pecuniário.
Abrantes Geraldes sustenta que “não custa a compreender que a simples privação do uso seja uma causa adequada de uma modificação negativa na relação entre o lesado e o seu património que possa servir de base à determinação da indemnização” in, Indemnização do Dano Privação do Uso, páginas 39-41.
Face aos artºs. 562º a 564º e 566º todos do Código Civil, da imobilização de um veículo em consequência de acidente, pode resultar: a) um dano emergente - a utilização mais onerosa de um transporte alternativo como o seria o aluguer de outro veículo; b) um lucro cessante - a perda de rendimento que o veículo dava com o seu destino a uma actividade lucrativa; c) um dano advindo da mera privação do uso do veículo que impossibilita o seu proprietário de dele livremente dispor com o conteúdo definido no art.º 1305º, do Código Civil, fruindo-o e aproveitando-o como bem entender, neste sentido, Abrantes Geraldes, in, obra citada páginas, 39-41, outrossim, reconhecendo que constitui princípio assente em direito que a privação ilícita do uso de qualquer bem constitui um dano de que o lesado deve ser compensado, nomeadamente, indisponibilidade de um veículo, é passível de indemnização, a calcular nos termos prescritos no art.º 566° n.º 3 do Código Civil, neste sentido, Menezes Leitão, in, Direito das Obrigações, vol. I, página 317, Cadernos de Direito Privado, anotação de Júlio Gomes, nº. 3, página 62.
Adquirido processualmente nos autos que em virtude da actividade da Autora/Transportes Alvarães, Lda., o veículo pesado de mercadorias, com a matrícula ...-IH-..., e do semi-reboque com a matrícula P-8…4, intervenientes no ajuizado acidente, circulavam diariamente em diversos países da Europa, realizando transportes internacionais de mercadorias, encontrando-se a empresa, por regra, no limite máximo da sua capacidade de resposta, a par de que desde a data do acidente e até Dezembro de 2017, por falta da referida viatura e do semi-reboque, a Autora/Transportes Alvarães, Lda. teve de prescindir da realização de vários serviços que lhe estavam imputados, com a perda de alguma clientela (30 e 31 dos Factos provados), tais factos serão também determinantes para que se possa exigir do lesante uma indemnização a título de privação de uso.
O verificado injustificado atraso na gestão que devia ser célere e eficiente do processo de sinistro, trouxe dano para a Autora/Transportes Alvarães, Lda., na medida em que o não pagamento de uma indemnização que integraria, no devido tempo, no preço de aquisição de outro veículo, uma vez que está em causa a substituição do veículo pesado de mercadorias, com a matrícula ...-IH-..., e do semi-reboque com a matrícula P-8…4 (perda total), por outro que a Autora/Transportes Alvarães, Lda. poderia ter adquirido, aproximando-se assim, o mais breve possível da situação em que se encontraria se não tivesse ocorrido o dano, impedindo-a de adquirir um veículo substitutivo, tendo ficado privada do respectivo.
Demonstrado o dano, e sendo dano que advém da simples privação do uso do veículo, na falta de quantificação objectiva, é legitimo o recurso à equidade para fixar a respectiva compensação, conforme, aliás, assumido nos termos do aresto recorrido.
Sublinhamos, a propósito da fixação de indemnização com recurso à equidade, que a orientação consolidada da Jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça vai no sentido de reconhecer que mais do que discutir a aplicação de puros juízos de equidade que, em rigor, não se traduzem na resolução de uma “questão de direito”, importa, essencialmente, num recurso de revista, verificar se os critérios seguidos e que estão na base de tais valores indemnizatórios são passíveis de ser generalizados e se se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência actualista, devem ser seguidos em situações análogas ou equiparáveis, neste sentido, entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Junho de 2017 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Outubro de 2010, acessíveis, in, dgsi.pt., enunciando-se, a propósito, um trecho retirado do mais recente acórdão mencionado “[se] o STJ é chamado a pronunciar-se sobre o cálculo de uma indemnização assente em juízos de equidade, não lhe compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar, mas tão-somente a verificação exacta acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo”, neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Outubro de 2013 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2015, in, www.dgsi.pt, acentuando a nossa Jurisprudência que “a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma “questão de direito”; [pelo que o STJ] se é chamado a pronunciar-se sobre “o cálculo da indemnização” que “haja assentado decisivamente em juízos de equidade”, não lhe “compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar […], mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto “sub iudicio””.
Assim, confrontada a facticidade apurada nestes autos, e adoptando uma ponderação prudencial e casuística, dentro de uma margem de discricionariedade, que ao julgador é consentida e que não colida com critérios jurisprudenciais actualizados e generalizantes, tidos em consideração pela Jurisprudência, reconhece este Tribunal ad quem, que o quantum indemnizatório encontrado para satisfazer a privação do uso do veiculo e semi-reboque ajuizados é passível de ser generalizado e harmoniza-se com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência actualista, devem ser seguidos em situações análogas ou equiparáveis, pelo que se mantém inalterável o decidido pelo Tribunal a quo, neste concreto segmento atinente à indemnização pela privação do uso do veículo pesado de mercadorias ...-IH-... e o semi-reboque matrícula P-8…4.
Todavia, importa considerar no enunciado segmento do dispositivo do acórdão recorrido que ao confirmar a sentença proferida em 1ª Instância, concretamente a al. b) deste aresto, além de condenar a Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - a pagar a quantia de €42.500,00, a título de indemnização pela privação de uso do veículo, quantia esta encontrada com recurso à equidade, na falta de quantificação objectiva, certo é que não deixou de condenar a Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - em juros de mora contados nos termos enunciado no sentença quanto à importância de €37 292,43, e a partir do vencimento de cada prestação diária ulterior à citação, no valor de €253,69, até efectivo e integral pagamento.
Ora, como sabemos, os recursos são meios de obter a reponderação das questões já anteriormente colocadas e a eventual reforma de decisões dos tribunais inferiores, e não de alcançar decisões novas, só assim não acontecendo nos casos em que a lei determina o contrário, ou relativos a matéria indisponível, sujeita por isso a conhecimento oficioso, estando o Tribunal de recurso, sublinhamos, limitado nos seus poderes de cognição às questões que, tendo sido ou devendo ter sido objecto da decisão recorrida, sejam submetidas à sua apreciação, isto é, constituam objecto da impugnação.
Tanto quanto se alcança das conclusões do recurso de revista interposto pela Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - a questão que importa conhecer é saber se, considerada a facticidade adquirida processualmente, divisamos errada subsunção jurídica da mesma, na medida em que, seguindo a argumentação esgrimida pela Recorrente/Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - não há lugar à condenação a título de privação de uso do veículo ajuizado
Reconhecendo que é de manter o valor fixado pelo Tribunal recorrido no que respeita à aludida privação do uso do veiculo interveniente no acidente ajuizado (ou seja, a quantia de €42.500,00), há que observar que tendo-se alcançado o quantum indemnizatório fazendo apelo a um juízo de equidade, importa dizer que o valor encontrado encerra um valor contemporâneo, um valor que foi encontrado tendo em devida atenção todos os elementos disponíveis à data da prolação do respectivo aresto, e, nesse sentido, não tem qualquer justificação retroagir-se o cálculo de juros moratórios a partir da decisão actualizadora que fixa a indemnização, de acordo, aliás, com a doutrina decorrente do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º4/2002, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 9 e Maio de 2002, publicado no Diário da República I-A Série, n.º 146, de 27 de Junho de 2002 e com o seguinte teor: “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº 2 do artigo 566º do Cód. Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805, nº3 (interpretado restritivamente) e 806º, nº1, também do Cód. Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação.”
Daqui decorre que o dispositivo da sentença proferida em 1ª Instância, confirmado pelo Tribunal a quo (“Atento o circunstancialismo factual assente e a fundamentação jurídica invocada, o Tribunal (…) condena a Ré no pagamento à Autora dos montantes seguintes: (…) b) A quantia de € 42 500,00 (quarenta e dois mil e quinhentos euros), a título de indemnização pela privação de uso do veículo, acrescida dos juros de mora contados nos referidos termos quanto à importância de € 37 292,43, e a partir do vencimento de cada prestação diária ulterior à citação, no valor de € 253,69, até efetivo e integral pagamento”) deve ser parcialmente revogado, devendo ser substituído por outro que condena a Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - no pagamento à Autora/Transportes Alvarães, Lda. da quantia de €42.500,00, a título de indemnização pela privação de uso do veículo, acrescida dos juros de mora contados a partir da decisão actualizadora, ou seja a sentença proferida em 1ª Instância.
Finalmente, uma nota breve sobre o pedido de condenação da Recorrente/Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - como litigante de má-fé, em multa que o Tribunal considere adequada.
O nosso direito adjectivo civil consagra o chamado dever de boa-fé ou de probidade processual.
A mais grave violação desses deveres constitui justamente a litigância de má-fé, cujos contornos se acham definidos no art.º 542º do Código de Processo Civil, condizente ao art.º 456º, da anterior lei adjectiva civil.
Constata-se que na redacção do aludido art.º 542° do Código de Processo Civil, releva não apenas o dolo mas ainda a negligência grave ou grosseira para o efeito da litigância de má-fé.
O regime instituído traduz uma substancial ampliação do dever de boa-fé processual, alargando-se o tipo de comportamentos que podem integrar má-fé processual, quer substancial, quer instrumental, tanto na vertente subjectiva como na objectiva.
A condenação por litigância de má-fé pode fundar-se, além da situação de dolo, em erro grosseiro ou culpa grave.
Verifica-se a negligência grave naquelas situações resultantes da falta de precauções exigidas pela mais elementar prudência ou das aconselhadas pela previsão mais elementar que devem ser observadas nos usos correntes da vida, neste sentido, Maia Gonçalves, in, Código Penal Português, 4ª edição, página 48.
Enunciadas estas considerações, e analisada a situação dos autos, distinguimos que a Recorrente/Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - apenas se limitou ao exercício do direito ao recurso, sendo legitima a sua irresignação quanto ao decidido, no caso, pela Relação, importando respeitar o comportamento processual da Recorrente/Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - que, de todo, encerra litigância a qualificar como de má-fé.
Tudo visto, considerando o quadro normativo jurisprudencial e doutrinal que acabamos de enunciar, conjugado com a facticidade demonstrada nos autos, entendemos que o aresto posto em crise pela Recorrente/Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal – merece censura, em parte, reconhecendo-se, assim, que o fundamento das alegações de recurso que ora fomos chamados a conhecer, encerra virtualidades no sentido de alterar o destino já traçado na presente demanda.
III. DECISÃO
Pelo exposto e decidindo, os Juízes que constituem este Tribunal, julgam parcialmente procedente o recurso, concedendo parcialmente a revista interposta pela Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - .
Assim, acordam os Juízes que constituem este Tribunal:
Notifique.
Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 20 de Fevereiro de 2020
Oliveira Abreu (Relator)
Ilídio Sacarrão Martins
Nino Pinto Oliveira