I - Provando-se que o lesado necessita de cuidados de terceira pessoa em consequência das lesões sofridas com o acidente de que foi vítima, é devida indemnização pela assistência quer ela seja prestada por terceiros, quer por familiares, sendo indiferente o modo como tal assistência foi ou está a ser prestada para ser indemnizado pelos prejuízos emergentes da perda de autonomia.
II - O cálculo da indemnização desse dano emergente futuro, ainda que possa aproveitar a aplicação de fórmulas matemáticas, é determinado pela equidade.
III - Tal indemnização deve corresponder à obtenção de um rendimento durante o tempo de vida expectável, considerando especialmente o valor da prestação equivalente a 1,1 IAS, na falta de trabalho remunerado, que, razoavelmente, é possível prever, o grau e a repercussão da incapacidade, uma aplicação financeira média e ainda a antecipação da disponibilidade de todo o capital.
Não disponível.
Processo n.º 2273/16.8T8PDL.L1.S1[1]
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Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção[2]:
I. Relatório
AA intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Lusitânia Seguros, S.A., ambas melhor identificadas nos autos, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de 222.000,00 € a título de danos patrimoniais e a de 30.000,00 € a título de danos não patrimoniais, acrescidas de juros de mora à taxa legal de 4%, desde a citação até integral pagamento.
Para tanto, alegou, em síntese, que, no dia 8/1/2016, em ..., quando atravessava a ..., numa passadeira, foi embatida por um veículo que, por sua vez, foi embatido pelo veículo de matrícula ...-OF, seguro na ré, por culpa exclusiva da condutora deste veículo.
Em consequência desse acidente, sofreu graves lesões físicas, tendo sido hospitalizada, intervencionada cirurgicamente, com remoção do baço e sofrendo um AVC, ficando completamente dependente de terceiros e impossibilitada de exercer a profissão de costureira que mais do que um sustento corresponde ao exercício de uma actividade que sempre adorou, para além de sentir dores.
A título de compensação pelos danos não patrimoniais, pretende a quantia de 30.000, 00 €.
Como indemnização por danos patrimoniais pretende:
- 108.000,00 € por ter ficado impossibilitada de exercer a sua profissão de costureira;
- 90.000,00 € para a contratação de uma pessoa para cuidar de si 24 horas por dia;
- 24.000,00 € para pagar o acréscimo de renda que passou a pagar depois do acidente e por causa deste.
A ré contestou, aceitando a culpa da sua segurada na ocorrência do acidente, mas impugnando os danos, designadamente a necessidade de ajuda de terceira pessoa, e o montante indemnizatório peticionado. Termina pedindo que o valor já pago à autora seja deduzido ao montante que vier a ser arbitrado.
Foi realizada uma audiência prévia na qual foi proferido despacho saneador, foi fixado o objecto do litígio e foram enunciados os temas da prova.
Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença, em 29/10/2018, onde o tribunal de 1.ª instância julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência:
Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação que o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 7/11/2019, apreciou e decidiu, julgando-o parcialmente procedente, tendo, em consequência:
Não conformada, agora, a ré interpôs recurso de revista e apresentou as correspondentes alegações com as seguintes conclusões:
“1. O presente recurso vem interposto do douto acórdão proferido a fls_ pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito da ação que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, Juízo Central Cível e Criminal de ... - Juiz 1, sob o n.º 2273/16.8T8PDL, que julgou parcialmente procedente a apelação da Autora e em consequência atribuiu o montante indemnizatório destinado a fazer face aos encargos com terceira pessoa no valor de € 50.000,00, condenando a ora Recorrente a pagar tal valor, mantendo no mais, a sentença recorrida.
2. De facto, não está em causa a responsabilidade pelo acidente de viação ocorrido, sendo apenas o quantum indemnizatório (patrimonial) ora arbitrado pelo Acórdão Recorrido a razão de discordância da Recorrente, na medida em que entende que não é de todo devida a indemnização ora fixada a título do alegado prejuízo com o auxílio de terceira pessoa.
3. Não obstante, e caso assim não se entenda, o que não se admite, mas que por mero dever de patrocínio se equaciona, entende a ora Recorrente que a indemnização ora fixada a este título deve ser reduzida, por se afigurar manifestamente desproporcionada e excessiva.
4. Face ao que acima se enunciou, incorreu a Veneranda Relação na violação substantiva consistente em erro de interpretação e aplicação dos artigos 342.º, 562.º, 563.º 564.º e 566.º do CC, e bem assim do artigo 414.º do Código de Processo Civil, extravasando a justa medida da reparação devida pela Recorrente, como se demonstrará infra.
Vejamos,
5. No elenco dos danos patrimoniais, peticionou a Autora na presente ação que a Ré, ora Recorrente, fosse condenada no pagamento de uma indemnização no valor de € 90.000,00, a título de encargos pela dependência de assistência por terceira pessoa, invocando para tal que teve de contratar um terceiro pelo valor de € 750,00/mês, 12 meses por ano, pelo período de 10 anos (o que corresponde ao limite da esperança média de vida).
6. Sobre tal pedido, o douto Tribunal de 1.ª instância entendeu, e bem, absolver a ora Recorrente dado que, não obstante considerar que ficou demonstrado que “L) A Autora necessita do auxílio de terceira pessoa” e que “T) O auxílio referido em L) é necessário: 6 horas por dia, para vestir, para tomar banho e para alimentação” (cf. elenco da matéria de facto provada da douta sentença), não logrou a Autora fazer prova de que terá contratado uma pessoa para lhe prestar auxílio pelo preço de 750€/mês.
7. Destarte, no seguimento do recurso interposto pela Autora, entendeu a Veneranda Relação desde logo alterar a matéria de facto assente, aditando a tal elenco, o seguinte facto: “T´ - Esse auxílio é prestado, actualmente, por BB.”
8. Nesse seguimento, partindo de tal factualidade, e com recurso à equidade, fixou a Veneranda Relação em € 50.000,00 pelo dano de lesão do direito da autora a ter uma vida sem dependência de ajuda/cuidados de terceiros.
9. Desde logo, dúvidas não persistem, nem podem persistir, de que a Autora não logrou fazer prova da contratação de um terceiro para lhe prestar assistência nos seus atos da vida diária, nem tão pouco que tenha despendido alguma quantia a esse título.
10. Pelo contrário, resultou provado e encontra-se assente que tal apoio foi prestado
pela sua nora, a qual se encontrava desempregada à data do sinistro, a título gratuito, numa perspetiva de solidariedade familiar natural.
11. Pese embora tenha resultado efetivamente provado nos autos que a Autora necessita de auxilio de terceira pessoa em decorrência do sinistro objeto dos autos (conforme ficou elencado nos pontos L) e T) dos Factos Provados), a verdade é que sempre caberia à Autora o ónus de provar os aludidos danos, algo que não logrou fazer, de modo a que se possa determinar o quantum indemnizatório a que a ora Recorrente estaria obrigada a indemnizar ao abrigo do contrato de seguro em apreço nos autos.
Ora,
12. Determina o artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil que “Àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado”, competindo a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado àquele contra quem a invocação é feita (n.º 2 do mesmo artigo).
13. De modo que, cada uma das partes tem o encargo de alegar e provar os factos de que depende a aplicação das normas que lhe são favoráveis.
14. Com efeito, vigorando no âmbito do direito processual civil o princípio do dispositivo, caberá sempre às partes, nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 1 do CPC, alegar os factos essenciais que integrem a causa de pedir e com base nos quais fundamentam juridicamente a sua pretensão.
15. Por outro lado, determina ainda o artigo 414.º do CPC que “A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.”
16. E, não tendo a Autora logrado demonstrar e/ou provar os danos peticionados a esse título, conforme resulta líquido nas duas decisões já proferidas nos presentes autos, sempre se dirá que, salvo melhor e douta opinião, deverá a dúvida sobre tais factos resolver-se contra a Autora (nos termos previstos no artigo 414.º do CPC).
17. De facto, salvo o devido respeito, que é muito, não pode a ora Recorrente concordar, de forma alguma, com o douto Acórdão proferido nos autos, por considerar que a Veneranda Relação não podia, em termos legais, substituir-se à Autora, recorrendo a juízos de equidade para fixação do montante a arbitrar para efeitos de indemnização nos casos como o dos presentes autos.
18. Face ao supra exposto, deve o Acórdão ora proferido ser revogado, e consequentemente substituído por outro que absolva a ora Recorrente do peticionado a título de danos sofridos com a necessidade de assistência de terceira pessoa, por total ausência de prova, na linha do que havia sido já decidido em 1.ª instância.
Caso assim não se entenda, o que por mero dever de patrocínio se equaciona,
19. Prevê o artigo 562.º do Código Civil que “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não tivesse verificado o evento que obriga à reparação”;
20. Dispondo o artigo 563.º do Código Civil que “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.
21. Determina ainda o artigo 566.º, n.º 3 do C.C. que “Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”.
22. Quanto ao valor mensal da prestação alegadamente devida, entendeu, e bem, a Relação partir do valor do IAS, Indexante de Apoios Sociais, para calcular o valor alegadamente devido a título da assistência de terceira pessoa.
23. Acresce que, a decisão sobre a eventual indemnização a fixar a este título está por um lado limitada ao peticionado a este título, sob pena de violação dos limites de condenação previstos no artigo 609.º, n.º 1, do CPC, e por outro lado aos factos assentes.
24. Assim, ainda que a indemnização a fixar pela necessidade de auxílio de terceira pessoa não estivesse limitada ao valor peticionado a este título (dado que a posição da jurisprudência tem sido a de considerar o valor do pedido do total, e não das várias parcelas do pedido), estaria sempre limitada aos factos que consubstanciam a causa de pedir deste pedido, nomeadamente o período em que o mesmo foi peticionado.
25. Nesta esteira, cumpre concluir que a Veneranda Relação violou os limites da condenação ao condenar a Ré, ora Recorrente, no pagamento de uma indemnização que teve como pressuposto de cálculo um período de 12 anos (fazendo tábua rasa ao período peticionado de 10 anos).
26. Destarte, não compreende a Recorrente, nem descortina na fundamentação explanada no Acórdão recorrido, como entendeu a Veneranda Relação por adequado reduzir a prestação mensal ao valor da IAS, € 435,76,
27. De facto, sendo o valor base da prestação a considerar o valor de 1,1 IAS, ou seja € 470,33, e considerando que tal valor diz respeito às 8h/diárias tidas como período normal, basta aplicar a regra de três simples para chegarmos à conclusão de que o valor da prestação mensal, devida à Autora pelas 6h/diárias definidas como as necessárias para fazer face à sua carência, é de € 359,50.
28. Nessa medida, afigura-se excessiva a indemnização fixada extravasando o que se reputa de equitativo, à luz dos factos provados, das regras da boa prudência, do bom sendo prático e da justa medida das coisas.
Por fim,
29. A ser devida a indemnização pela necessidade de auxílio de terceira pessoa, a mesma só será devida desde a data do transito da sentença proferida em 1.ª instância, e não do acidente, sob pena de enriquecimento sem causa da Autora, dado que tal auxílio lhe foi prestado a título gratuito por um familiar.
30. Neste sentido, veja-se o Acórdão do STJ citado pela Veneranda Relação “Salvo o devido respeito, o facto de a autora necessitar de assistência permanente (matéria que se não discute) não constitui fundamento para indemnização por despesas que não provou (nem sequer alegou) que tivesse tido por tal assistência (Como resulta dos autos, os familiares da autora prestaram auxílio à autora sem remuneração)
31. Assim, e em jeito de conclusão, caso se entenda que a ora Recorrente deva ser condenada a liquidar à Autora uma indemnização pela necessidade de auxílio de terceira pessoa, o cálculo de tal indemnização deve ser realizado com os seguintes pressuposto:
i. Valor prestação mensal: € 359,50 (o qual foi calculado a partir do valor de prestação considerado pela Veneranda Relação, 1,1 IAS, na proporção das 6 horas/diárias fixadas como as necessárias para fazer face à carência da Autora);
ii. Período de cálculo: 7 anos
ii.i Desde 30.10.2018: data da sentença de 1.ª instância
ii.ii Até ....2025: corresponde à data em a Autora atingirá os 81 anos da Autora, uma vez que a mesma limitou na sua causa de pedir este pedido a 10 anos, e à data do acidente a mesma tinha 71 anos de idade.
32. Assim, atento o valor da prestação mensal a considerar, € 359,50, vezes 12 meses, que perfaz a quantia anual devida de € 4.314,00, a qual deve ser ainda multiplicada por 7 anos, chegamos ao valor total de € 30.198,00.
33. Ora, o facto de ocorrer a antecipação, de uma só vez, do pagamento de todo o capital, introduzir-se-á, para o efeito, uma dedução de forma a evitar um enriquecimento injustificado à custa de outrem.
34. Nestes termos, e seguindo o raciocínio desenvolvido na jurisprudência, parece-nos equitativa a dedução de uma parcela equivalente a 21,5% (e não a percentagem de 20% fixada no douto Acórdão recorrido), ficando, assim, o capital de € 30.198,00 reduzido a € 23.705,43.
35. Nestes termos, e pelas razões expostas, não pode a ora Recorrente concordar, salvo o devido respeito, com o douto Acórdão recorrido, na medida em que o mesmo interpreta e aplica de forma incorreta e/ou imprecisa, as normas legais constantes dos artigos 342.º, 562.º, 563.º, 566.º, n.º 3 do CC., 414.º do CPC, devendo o mesmo ser revogado, absolvendo-se o ora Recorrente do peticionado a título dos danos decorrentes da necessidade de assistência de terceira pessoa, ou, no limite, apenas se condenando a ora Recorrente até ao limite do dano equitativamente apurado, in casu, até ao montante de € 23.000,00.
Nestes termos e nos demais de Direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em conformidade vir o acórdão recorrido a ser revogado, substituindo-se por outro que absolva a ora Recorrente do peticionado a título dos danos decorrentes da necessidade de assistência de terceira pessoa, ou, no limite, que apenas condene a ora Recorrente numa indemnização até ao montante de € 23.000,00, só assim se fazendo JUSTIÇA!”
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido como de revista, com subida imediata e com efeito meramente devolutivo, modo de subida e efeito que foram mantidos pelo actual Relator.
Cumprido o disposto no art.º 657.º, n.º 2, do CPC, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso.
Sabido que o seu objecto e âmbito estão delimitados pelas conclusões da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais de conhecimento oficioso, e tendo presente que se apreciam questões e não razões, as questões que importa dirimir consistem em saber:
II. Fundamentação
1. De facto
No acórdão recorrido, após reapreciação da prova e alteração de matéria de facto impugnada, foram dados como provados os seguintes factos (indicando-se aqui a negrito os que foram aditados pela Relação):
A) A autora nasceu em ....1944 (documento junto aos autos a fls. 20v/21, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido).
B) No dia 8 de Janeiro de 2016, cerca das 17 horas, na ..., ..., a Autora foi vítima de acidente de viação cuja dinâmica se passa a descrever:
C) A Autora atravessava uma passagem para peões.
D) O veículo de matrícula ...MV..., marca comercial ..., conduzido por CC, que cedeu a passagem à Autora, encontrava-se imobilizado a poucos metros dessa passadeira.
E) Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o veículo automóvel de matrícula ...-OF, marca comercial ..., …, …., conduzido por DD, circulando no sentido Norte/Sul, sem conseguir deter a sua marcha, por não possuir travões, embateu violentamente na parte traseira do veículo marca ... o qual,
F) Por sua vez, é impulsionado para a frente, atropelando a Autora no interior da passadeira e projetando-a, cerca de dois metros, para o passeio contíguo (documento junto aos autos a fls. 7/11, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos).
G) Em consequência direta e necessária do embate descrito, a Autora deu entrada Hospital ... em ... com politraumatismos, nomeadamente traumatismo torácico, fratura da bacia e de diversas costelas.
H) Sofreu ainda a Autora lesões que ditaram a remoção do baço e bem assim, no dia 9 de Janeiro de 2016, um AVC que lhe afetou a capacidade cognitiva e teve ainda por consequência a diminuição da eficiência do sistema imunitário.
I) A sintomatologia mencionada, e operações cirúrgicas a que foi sujeita, implicaram que tivesse ficado internada no Hospital ...em ..., em 8 de Janeiro.
J) Entre .. de 2016 e finais de …de 2016 esteve internada no Lar ... em ... a expensas da R.
K) Ficou a Autora em resultado do acidente supra referido numa situação de incapacidade total absoluta.
L) A Autora necessita do auxílio de terceira pessoa.
M) À data do acidente, a Autora estava reformada auferindo uma pensão de sobrevivência do Centro Nacional de Pensões no montante de 261,95 euros (doc. 11) acrescida dum complemento regional no valor de 54,14€ e um complemento solidário para idosos no valor de 123,43€, num total mensal de 439,52 €.
N) A condutora do ...-OF transferiu para a R. a responsabilidade civil emergente de acidente de viação ao abrigo da apólice ....
O) A Ré aceita ser da responsabilidade da condutora do veículo seguro a ocorrência do sinistro.
P) Até à presente data, no âmbito do procedimento cautelar apenso a ré pagou a quantia de 9.000€. Pagou ainda a quantia de 9.000€ quando foi intentada a presente ação no total de 18.000 mil euros.
Q) São as seguintes conclusões do relatório pericial (que as partes aceitam por acordo):
A data da cura/consolidação médico legal das lesões é fixável em 256 dias (19.09.2016).
O Défice Funcional Temporário Total é fixável em 56 dias (08.01.2016 a 03.03.2016).
O Défice Funcional Temporário Parcial é fixável em 200 dias (04.03.2016 a 19.09.2016).
A Repercussão Temporária no Período de Formação Total é fixável em 0 dias.
A Repercussão Temporária no Período de Formação Parcial é fixável em 0 dias.
O quantum doloris é fixável no grau 5/7.
O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica é fixável em 33 pontos.
As sequelas descritas não condicionam qualquer repercussão permanente na atividade profissional, pois a examinanda é reformada (previamente ao acidente).
O dano estético é fixável no grau 4/7.
A repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer é fixável no grau 4/7.
A repercussão permanente na atividade sexual é fixável no grau 0/7.
Dependências permanentes: ajuda de terceira pessoa 6 horas por dia.
R) O internamento referido em I) prolongou-se até 03.03.2016.
S) A incapacidade total absoluta referida em K) existiu desde 8 de Janeiro a 03.03.2016.
T) O auxílio referido em L) é necessário: 6 horas por dia, para vestir, para tomar banho e para alimentação.
T’) Esse auxílio é prestado, actualmente, por BB.
U) À data do acidente, a Autora era saudável, era totalmente autónoma e fazia caminhadas (deslocava-se a pé).
V) À data do acidente, a Autora fazia trabalhos de costureira, que eram remunerados em dinheiro.
W) Por causa do acidente, a autora ficou incapaz de fazer os referidos trabalhos de costureira.
X) À data do acidente a Autora residia numa habitação arrendada, pela qual pagava a renda mensal de 200€, com a cozinha e local de trabalho no rés-do-chão e com o quarto de cama e casa de banho no primeiro andar.
Y) Por causa do acidente, a Autora teve de mudar para uma casa com rampa de acesso à casa e com quarto e casa de banho ao nível do rés-do-chão.
Z) Por causa do acidente, a vida da Autora esteve em perigo.
AA) Desde o acidente (e por causa do acidente) até à presente data, a autora sofre de dores de grau 5/7 e encontra‐se deprimida (humor triste).
2. De direito
Está em causa unicamente este dano.
Relembremos o que consideraram as instâncias acerca dele.
Assim:
O tribunal de 1.ª instância, partindo da consideração de que, por um lado, apenas se provou que a autora necessita de auxílio 6 horas por dia (e não 24 h) e, por outro, que não resultou provado o montante que gastou ou que irá gastar com esse auxílio, entendeu que a indemnização pedida a esse título não era devida por não ter ficado provada a contratação de terceira pessoa para prestação dos cuidados de que a autora carece, nem ter ficado demonstrado que a autora tenha gasto ou vá gastar qualquer importância a esse título, pelo que julgou o respectivo pedido improcedente.
Por seu turno, a Relação de Lisboa, sufragando a tese do dano concreto (por oposição à tese que defende um conceito restritivo de dano, equiparando-o à despesa suportada pelo lesado em consequência da lesão sofrida), entendeu que, apesar de não ter ficado provada a contratação de terceiro cuidador, a autora tem, ainda assim, direito a ser indemnizada pelo dano decorrente da necessidade de ser auxiliada 6 horas por dia. Para tanto, relevou o facto de ter entendido, no acórdão recorrido, que, não obstante não se ter provado a contratação de terceiro para prestar à autora os cuidados de que carece 6 horas por dia, estando demonstrado que a mesma carece dessa assistência – que está a ser feita gratuitamente por uma familiar –, tem a autora direito a ser indemnizada pelo dano de lesão do seu direito a ter uma vida sem dependência de ajuda/cuidados de terceiros, dano esse que, na falta de elementos que permitam apurar o seu valor exacto, deve ser fixado por recurso à equidade.
Já a recorrente sustenta que, na falta da dita prova, a indemnização não é devida, pretendendo, assim, repristinar o decidido, a este propósito, pela 1.ª instância.
Trata-se de questão que não tem merecido tratamento uniforme, sendo que os termos da controvérsia, gerada em torno desta questão, vêm enunciados e desenvolvidos no acórdão recorrido, para o qual remetemos, realçando aqui o seguinte:
«Encontram-se decisões divergentes do STJ: uma no sentido de o lesado não ter direito à indemnização quando se demonstre que o auxílio é prestado gratuitamente por familiar da vítima (Ac. do STJ de 19/06/2014, Sérgio Poças, sítio do ITIJ, www.dgsi.pt) com o seguinte sumário: “Não há lugar a indemnização por danos patrimoniais a favor da autora por assistência que lhe foi prestada por familiares de forma gratuita.”. Outra defendendo que independentemente de o auxílio ser prestado de modo gratuito por familiar o lesado tem direito a ser ressarcido pelo dano consubstanciado na necessidade de auxílio diário de terceiro (Ac. do STJ de 09/09/2014, Fernandes do Vale, sítio do ITIJ, www.desi.pt) com o seguinte sumário: “O facto de serem familiares do lesado quem, conjunturalmente, presta a este a assistência tornada imprescindível apenas em consequência do acidente não justifica que aquele não deva ser indemnizado do correspondente dano, certo como é que, além do mais, aquela, pode cessar a qualquer momento, quer por causas naturais (morte ou impossibilidade de quem a presta), quer por esmorecimento ou apagamento do inerente afecto e solidariedade familiar, repugnando, por outro lado, ao sentimento dominante da colectividade que, em tal situação, o lesado fique privado dos meios materiais que lhe permitam retribuir, minimamente, os serviços de que beneficia.’’
…»
Tem sido este o entendimento, largamente maioritário, segundo cremos, deste Supremo, como se depreende, entre outros, dos seguintes acórdãos, cujos sumários aqui se transcrevem, na parte aplicável. Assim:
- Acórdão de 14/10/2010, processo n.º 674/06.9TBPVL.G1.S1 - 7.ª Secção, onde, a propósito da necessidade de assistência permanente, se escreveu:
“(…)
II - Essa assistência tanto pode ser prestada por terceiros como por familiares, sendo tal circunstância indiferente para o direito do autor de ser indemnizado pelos prejuízos emergentes da perda de autonomia.”
- Acórdão de 11/12/2012, processo n.º 2664/04.7TBAVR.C1.S1 - 1.ª Secção, que versou sobre a dependência do autor a ser assistido pela mãe e reconheceu o direito à indemnização por ser “previsível que tenha de suportar custos de terceira pessoa que lhe dê assistência diária permanente”.
- Acórdão de 30/1/2013, processo n.º 6303/06.3TBVNG.P1.S1 - 2.ª Secção:
“I - As despesas com terceiro são despesas necessárias que correspondem ao custo da prestação de serviços alheios necessários quer para a prestação de auxílio ou de assistência ao lesado, quer para a eliminação de aspetos colaterais decorrentes do ato ilícito, consubstanciando danos futuros e previsíveis.
II - Tendo resultado provado que, antes do acidente, a autora fazia a lide da casa, designadamente cozinhava, tratava da roupa e limpava a casa e que, devido às sequelas do acidente e à limitação do braço direito, tem dificuldade em levar a cabo tais tarefas, precisando de contratar uma empregada para o efeito, durante pelo menos meio-dia, num custo não inferior a € 175/mês, está provada a efetiva necessidade de auxílio de terceira pessoa.
(…)”.
- Acórdão de 10/3/2016, processo n.º 1602/10.2TBVFR.P1.S1 - 2.ª Secção, in dgsi.pt:
“(…)
VIII - Porém, resultando dos factos provados que o lesado, naquele contexto psico-somático, necessita de cuidados de vigilância de terceira pessoa, importa ponderar o custo desta necessidade, a título de dano futuro previsível decorrente das limitações derivadas do dano biológico e inerentes ao exercício das tarefas pessoais em que o mesmo lesado ficou diminuído.
(…).”
Afigura-se-nos mais correcto este último entendimento, pois o relevante não é o dano, equiparado a despesa que o lesado tenha de suportar na sequência da lesão, mas o dano jurídico concretamente verificado, entendido este como “a supressão ou diminuição de uma situação favorável, reconhecida ou protegida pelo Direito”[3].
Trata-se de uma noção que encontra apoio directo no n.º 1 do art.º 483.º do Código Civil, na medida em que nele não se comina uma obrigação de indemnizar prejuízos, mas tão-só a obrigação de os indemnizar quando, em determinadas circunstâncias, tenha sido violado “… o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios …”.
E, no caso, foi violado o direito à integridade física da autora em consequência do acidente, sendo o dano em causa decorrente dessa violação.
Trata-se de um dano emergente que decorreu das limitações físicas sofridas pela autora e derivadas do dano biológico, inerentes como são ao exercício das tarefas pessoais em que ela ficou diminuída[4].
Com efeito, como resulta dos factos provados, a autora, em consequência directa e necessária do embate, sofreu politraumatismo torácico, fracturas da bacia e de diversas costelas, remoção do baço e um AVC que lhe afectou a capacidade cognitiva [cfr. alíneas G) e H)], bem como ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 33 pontos a demandar o auxílio de terceira pessoa, para vestir, tomar banho e para se alimentar, o qual é prestado, actualmente, por BB [cfr. alíneas K), L), Q), T) e T´)].
O apurado défice funcional da autora, traduzido em incapacidade para realizar as tarefas quotidianas da sua higiene pessoal e alimentação a ponto de necessitar da ajuda de terceira pessoa, “não pode deixar de se traduzir num custo económico, independentemente de saber qual o modo concreto de contrapartida dessa ajuda” (citado acórdão de 27/4/2017).
Deste modo, é irrelevante o modo como tal assistência foi ou está a ser prestada: se por via de contratação laboral, de prestação de serviço ou por qualquer outra forma.
Assim, é irrelevante que a autora não tenha provado a matéria relativa a este dano nos exactos termos em que alegara, ou seja, que contratou uma terceira pessoa para cuidar de si durante 24 horas pelo preço de 750 €/mês.
Para a verificação do dano, basta a violação ilícita do direito à integridade física. E, no caso, está verificado e demonstrado, como se deixou dito.
Contrariamente ao sustentado pela recorrente, não existe violação do princípio do dispositivo consagrado no art.º 5.º, n.º 1, do CPC, porquanto foi observado o princípio do pedido, tendo sido considerado o pedido formulado e a causa de pedir em que o mesmo assentou.
A condenação ficou aquém do pedido formulado e os factos em que ela assentou também foram alegados pela autora.
Embora esta não tenha provado o contrato e o respectivo preço, como alegou, sendo irrelevante o modo como tal assistência foi prestada, a correspondente indemnização devida, como se disse, também se baseia em factos por si alegados e que se mostram provados, pelo que não se vislumbra violação do disposto no art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil.
Como escreveu o Prof. Lebre de Freitas, a “pretensão (ou pedido, como a nossa lei a usa chamar) apresenta-se duplamente determinada: no seu conteúdo, ao direito material, consiste na afirmação duma situação jurídica subjetiva atual ou, na ação constitutiva, da vontade dum efeito jurídico (situação jurídica a constituir) baseado numa situação subjetiva actual, ou ainda na afirmação da existência ou inexistência dum facto jurídico; na sua função, consiste na solicitação duma providência processual para tutela do interesse do autor”[5].
O acórdão recorrido manteve-se, como devia, quanto ao seu conteúdo, dentro dos limites definidos pela pretensão da autora, sem que tenha transposto os limites do pedido, quer no que respeita à quantidade, quer quanto ao seu próprio objecto.
Destarte, não se vislumbra violação do princípio do dispositivo, nem inobservância dos limites da condenação.
De referir que a “interpretação do pedido não deve cingir-se aos estritos dizeres da formulação do petitório, devendo antes ser conjugada com o sentido e alcance resultantes dos fundamentos da pretensão”[6].
Como se diz no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de Abril de 2016: “é lícito ao tribunal, através de uma requalificação ou reconfiguração normativa do pedido, atribuir ao A., por uma via jurídica não coincidente com a que estava subjacente à pretensão material deduzida, o bem jurídico que ele pretendia obter; mas já não será processualmente admissível atribuir-lhe, sob a capa de tal reconfiguração da materialidade do pedido, bens ou direitos substancialmente diversos do que o A. procurava obter através da pretensão que efectivamente, na sua estratégia processual, curou de formular”[7].
Não é este o caso dos autos, pois o Tribunal da Relação, no acórdão recorrido, limitou-se a reapreciar a matéria de facto impugnada e a aplicar o direito aos factos provados, ainda que através de uma reconfiguração normativa do pedido, mas sempre dentro dos seus limites objectivamente delineados pela autora.
Improcede, assim, esta questão.
2.2. Da correcção da quantia indemnizatória fixada pelo auxílio de terceira pessoa
A Relação fixou a indemnização por este dano em 50.000,00 €, partindo, para tanto, dos seguintes pressupostos: valor mensal de 435,76 € (IAS reduzido tendo em conta que a carência é por 6 horas/dia) x 12 meses = 5.229,12 € x 12 anos (83 – 71, considerando a esperança média de vida das mulheres e a idade da autora à data do acidente) = 62.749,44 €, montante este que reduziu em virtude de a autora receber a quantia de uma só vez e de o dano se prolongar por mais de 10 anos, fixando, assim, a indemnização em 50.000,00 €.
Por seu turno, a recorrente defende que, sendo o mencionado montante manifestamente desproporcionado e excessivo, deve o mesmo ser reduzido para a quantia máxima de 23.000,00 €, considerando: 359,50 € (IAS reduzido proporcionalmente a 6 horas diárias) x 12 meses x 7 anos = € 30.198,00 - 21% (dedução pela antecipação do recebimento da totalidade do valor em questão de uma só vez).
Que dizer?
Importa, aqui, ter presente que a autora necessitará de serviços de assistência diariamente, pelo que deve ser considerada a totalidade dos dias do ano – 365 ou 366 dias, consoante se trate de ano comum ou de ano bissexto.
O auxílio de que a autora necessita tem a duração de seis horas por dia.
Importa, ainda, considerar que, por força do previsível agravamento das limitações da autora, quer em consequência da sua situação clínica, quer os inerentes à idade, os cuidados de que necessitará tenderão a ser cada vez maiores e mais dispendiosos.
Também é de ponderar o previsível aumento dos salários, principalmente do salário mínimo, que será o correspondente ao das pessoas adequadas a prestar o auxílio de que a autora necessita, bem como das prestações sociais.
No acórdão recorrido, foi considerado o valor de 479,33 € como sendo o equivalente a 1,1 IAS (Indexante de Apoios Sociais) que, em 2019, tinha o valor de 435,76 €.
Com este valor concorda a recorrente, pelo que é a partir dele que procederemos ao cálculo da indemnização em causa, sendo, portanto, a prestação social de prestação suplementar para assistência, por terceira pessoa o montante de 479,33 € (= 435,76 x 1,1).
Considerando que o valor desta prestação diz respeito a 8 horas diárias, tidas como período normal de trabalho, e dado que a autora carece do auxílio de terceira pessoa durante seis horas, o valor mensal que lhe corresponde é de 359,50 (=479,33 x 6: 8).
O montante anual será de 4.314,00 € (=359,50 x 12).
Considerando que a autora tinha 71 anos à data do acidente e que, segundo o Instituto Nacional de Estatística, a esperança média de vida à nascença em Portugal nas mulheres é de cerca de 83 anos, aquela quantia deveria ser multiplicada por 12 anos, o que perfaz 51.768,00 €.
Todavia, os mencionados 83 anos serão atingidos em 9/10/2027, visto que a autora nasceu a 9/10/1944.
Assim, porque se trata de dano futuro e considerando que a autora não fez prova de que pagou alguma quantia pela assistência que lhe está a ser prestada, a indemnização arbitrada é devida desde a data da sentença, ou seja, 29/10/2018.
Nessa data, faltavam 9 anos para alcançar 9/10/2027, altura em que a autora fará 83 anos.
Multiplicando 4.314,00 € por 9, obtém-se o resultado de 38.826,00 €.
Importa, ainda, ter em atenção que está em causa um dano futuro cujo valor exacto não é passível de fixação, atentas as especificidades e vicissitudes próprias que lhe estão inerentes, razão por que a respectiva indemnização só pode ser fixada com recurso à equidade e dentro dos limites objectivos que foram dados como provados, nos termos do art.º 566.º, n.º 3, do Código Civil, sendo aquele valor mero auxiliar, à semelhança de tabelas matemáticas[8].
Com efeito, as fórmulas matemáticas habitualmente utilizadas, não servem, por si só, para o respectivo cálculo, limitando-se a funcionar como critérios orientadores ou referenciais ou até como ponto de partida, devendo o resultado assim obtido ser corrigido em função do circunstancialismo de cada caso (art.ºs 564.º, e 566.º, n.º 3, do CC).
Para além disso, há, ainda, que considerar que, conforme tem vindo a ser aceite pacificamente na jurisprudência, e foi reafirmado no último acórdão citado, “relativamente aos danos futuros, o recebimento antecipado do capital, referente à respectiva indemnização (que não o seu pagamento faseado ao longo do tempo previsto ou previsível), justifica uma dedução baseada na equidade, tendo por referência os possíveis ganhos resultantes da aplicação financeira do capital antecipadamente recebido (taxa de capitalização) – na medida em que, colocando o capital a render, o beneficiário sempre receberá os correspondentes juros ou rendimentos remuneratórios”.
Nesse sentido, pode ver-se o acórdão do STJ de 30/3/2017, supra mencionado, com o seguinte sumário:
“I. O cálculo da indemnização do dano futuro…, podendo embora aproveitar a aplicação de fórmulas matemáticas, é determinado pelo critério da equidade.
II. Tal indemnização deve corresponder à obtenção de um rendimento a prolongar durante o tempo de vida expectável, considerando especialmente a retribuição que, razoavelmente, é possível prever, o grau e a repercussão da incapacidade, uma aplicação financeira média e ainda a antecipação da disponibilidade de todo o capital”.
No mesmo sentido, vide, ainda, o acórdão do STJ de 19/4/2018 processo n.º 196/11.6TCGMR.G2.S1 (in Sumários Cíveis dos Acórdãos do STJ), com o sumário que segue:
“Em conformidade com a jurisprudência consolidada na matéria, os valores obtidos através da aplicação de auxiliares matemáticos fornecem apenas uma orientação com o objetivo de uniformização de soluções para casos idênticos ou de contornos semelhantes, sem prejuízo da indemnização dever ser sempre ajustada ao caso concreto, recorrendo o julgador, para alcançar esse desiderato, à equidade”.
Todavia, como igualmente se salienta no citado aresto de 30/3/2017, “a antecipação da disponibilidade do capital justifica uma redução deste, embora de forma mais moderada, por efeito das taxas de juros mais baixas.”
Na verdade, como é público e notório, no âmbito das aplicações financeiras, as taxas de rendimento têm vindo a baixar constantemente para níveis quase negativos, desconhecendo-se a sua evolução futura, particularmente durante os anos de expectativa de vida da autora.
Isto sem falar das situações de perda total ou parcial das aplicações financeiras, que a história recente bem demonstra.
Como se salienta nos acórdãos do STJ de 25/11/2009, processo n.º 397/03.0GEBNV.S1 e de 15/3/2018, processo n.º 4084/07.2TBVFX.L1.S1, ambos in www.dgsi.pt, a jurisprudência tem situado essa dedução, com recurso à equidade, entre os 10% e os 33%.
No caso sub judice, para além da imprevisibilidade da variação da taxa de rentabilidade, atento o período temporal a considerar (9 anos), há que ter em conta o expectável aumento das despesas a suportar nesse período, bem como o agravamento das limitações da autora, já referidos.
Perante tais elementos e com recurso à equidade, afigura-se-nos correcta e ajustada uma redução de 20% (como foi entendido pela Relação com o que se conformou a autora e não a pretendida pela recorrente de 21,5%).
Assim, consideramos justa e equitativa a indemnização de 31.000,00 € pelo dano futuro de necessidade de auxílio de terceira pessoa.
Nesta conformidade e pelas razões aduzidas, procede, em parte, a revista.
Sumário:
III. Decisão
Pelo exposto, acorda-se em conceder parcialmente a revista, alterando-se para 31.000,00 € (trinta e um mil euros) o montante devido pela ré à autora, a título de indemnização pelo dano de auxílio de terceira pessoa, mantendo o mais decidido no acórdão recorrido.
*
Custas pela recorrente e pela recorrida na proporção do respectivo decaimento (art.º 527.º, n.º 1 e 2 do CPC).
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STJ, 14 de Julho de 2020
Nos termos do art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 1 de Maio, declaro que o presente acórdão tem voto de conformidade dos Ex.mos Juízes Conselheiros Adjuntos que não podem assinar.
Fernando Augusto Samões (Relator, que assina digitalmente)
Maria João Vaz Tomé (1.ª Adjunta)
António José Moura de Magalhães (2.º Adjunto)
[1] Do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores – Juízo Central Cível e Criminal de ... - Juiz 1.
[2] Relator: Fernando Samões
1.º Adjunto: Juíza Conselheira Dr.ª Maria João Vaz Tomé
2.º Adjunto: Juiz Conselheiro Dr. António Magalhães
[3] Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, II, tomo III, pág. 512.
[4] Neste sentido acórdão do STJ de 27/4/2017, processo n.º 1343/13.9TJVNF.G1.S1.
[5] José Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil – conceito e princípios gerais à luz do novo código, 3.ª ed., Coimbra, Almedina, 2013, págs. 64/65.
[6] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Janeiro de 2017, proc. n.º 873/10.9T2AVR.P1.S1, in www.dgsi.pt.
[7] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de Abril de 2016, proc. n.º 842/10.9TBPNF.P2.S1, in www.dgsi.pt.
[8] Neste sentido vide, entre outos, os acórdãos do STJ de 14/12/2016, processo n.º 37/13.0TBMTR.G1.S1, de 30/3/2017, processo n.º 2233/10.2TBFLG.P1.S1, de 20/5/2018, processo n.º 7952/09.3TBVNG.P1.S1 e de 12/11/2019, processo n.º 468/15.0T8PDL.L1.S1, em que o ora Relator e a 1.ª Adjunta foram Adjuntos, todos em www.dgsi.pt.