I. Em caso de morte resultante de acidente de viação, é de relevar, para efeitos de indemnização ao cônjuge sobrevivo, a perda da contribuição que o cônjuge sinistrado, entretanto falecido, proporcionava ao agregado familiar com o seu rendimento profissional, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 495.º do CC.
II. À luz desse normativo, deverá ser considerado como critério não tanto a necessidade e medida estritas da prestação de alimentos a que se referem os artigos 2003.º, n.º 1, e 2004.º do CC, mas sim o contributo que o cônjuge falecido proporcionaria para a economia doméstica, atendendo ao período de tempo previsível durante o qual tal contributo seria prestado, não fora a morte da vítima.
III. Quanto ao critério da esperança de vida, há que ter em conta a presumível subsistência de atividade económica relevante, num horizonte mesmo para além da idade da reforma.
IV. Num caso, como o dos autos, em que o falecido marido da A. era … de formação e se dedicava a comercialização por conta própria, é de presumir que mantivesse, mesmo para além da idade da reforma, um nível de rendimento próximo do que auferia com a sua profissão, aproveitando o potencial de conhecimentos e o capital de experiência adquiridos, de modo a assegurar, no limite, a economia e o padrão de vida do seu agregado familiar.
V. Em sede de compensação pela perda do direito à vida, tendo em conta que o falecido marido da A. tinha 53 anos e se dedicava à sua atividade profissional, quando foi vitimado por um acidente de viação da exclusiva responsabilidade do condutor do veículo objeto do seguro firmado na R., à luz dos parâmetros mais recente da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, tem-se por razoável arbitrar a quantia de € 80.000,00.
VI. Perante um quadro de circunstâncias, integrado pelo tipo de lesões sofridas, internamentos sucessivos e intervenções cirúrgicas várias, tratamentos diversos, período de convalescença, um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 31 pontos, com sequelas compatíveis com a atividade profissional habitual, acarretando esforços acrescidos, quantum doloris e dano estética de nível 4, numa escala de 1 a 7, é de concluir que a A. teve um sofrimento físico e psíquico, com afetação da sua vivência pessoal, social e de desempenho, acima do nível médio, mostrando-se adequada, à luz dos parâmetros seguidos pela jurisprudência no tipo de dano em referência, a compensação de € 50.000,00.
Não disponível.
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:
I – Relatório
1. AA (A.) instaurou, em 30/08/2017, ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra AGEAS Portugal – Companhia de Seguros, S.A. (R.), alegando, em resumo e no que aqui interessa, que:
. Em 01/09/2012, na Estrada Nacional n.º …, na localidade de …, município de …, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula ...-CZ-..., pertencente e conduzido por BB, e o motociclo de matrícula LU-...-..., pertencente e conduzido pelo marido da A., CC;
. O referido acidente é imputável, a título de culpa, ao condutor do veículo CZ, estando a responsabilidade pela sua circulação transferida para a R. Seguradora;
. Desse acidente resultaram a morte do marido da A., CC, e lesões corporais, bem como prejuízos materiais, para a mesma A., não tendo a R. apresentado qualquer proposta indemnizatória;
. Durante o tempo em que a A. ficou incapacitada em virtude das lesões sofridas, esteve aos cuidados da sua irmã, sobrinha e cunhada, por um período de 11 meses, pelo que é devida uma indemnização pelos valores despedidos no montante de € 12.254,00;
. Pelo dano não patrimonial sofrido em virtude das lesões da A., deve ser arbitrada uma compensação não inferior a € 50.000,00
. O falecido marido da A., no âmbito da sua profissão, à data do acidente, auferia um rendimento médio mensal, pelo menos, de € 2.500,00 e que era a única fonte de rendimento do agregado familiar;
. Nessa base, a título de perda de alimentos por parte da A., é devida uma indemnização de € 250.000,00;
. Para compensar a perda do direito à vida do marido da A., justifica-se uma indemnização não inferior a € 80.000,00;
Conclui pedindo que a R. fosse condenada a pagar a quantia líquida de € 549.595,82, em que se incluem as quantias mencionadas, acrescida de juros de mora, no dobro da taxa legal, desde a citação e ainda numa indemnização a liquidar posteriormente relativa a todos os gastos e prejuízos que a A. venha a suportar com tratamentos médicos e medicamentosos ou intervenções cirúrgicas.
2. A A. requereu também a intervenção principal, como sua associada, da filha do falecido CC, para, querendo, deduzir pretensão pelos danos por ela sofridos, o que foi deferido.
3. A R. contestou, assumindo a responsabilidade pela liquidação dos danos emergentes do sinistro, mas impugnando, por desconhecimento, a factualidade alegada atinente à dinâmica do acidente, bem como aos danos e aos seus montantes.
Alegou ainda a R. que suportou as despesas hospitalares da A. e que a mesma não reclamou qualquer indemnização nem forneceu à R. os elementos solicitados para o efeito.
Conclui no sentido de a ação ser julgada em conformidade com a prova a produzir.
4. Foi junta aos autos certidão da sentença condenatória transitada proferida no processo penal que teve por objeto o acidente aqui em causa.
5. Realizada a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 225-247/v.º, datada de 28/12/2018, a julgar a ação parcialmente procedente, condenando-se a R. a pagar à A. o seguinte:
a) – A quantia de € 167.620,15, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora a contar da citação;
b) – A quantia de € 152.500,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora a contar da data da sentença;
c) – A quantia que se viesse a liquidar posteriormente relativamente aos danos referidos nos pontos 38, 39, 43 e 44 dos factos provados.
Incorporadas, respetivamente, naquelas quantias, além do mais, constam: a indemnização de € 130.000,00, a título da perda de alimentos por parte da A.; a quantia de € 70.000,00, a título de dano não patrimonial sofrido pela A.; a quantia de € 40.000,00 correspondente à parcela devida à A., na compensação de € 80.000,00 arbitrada pela perda do direito à vida do seu falecido marido; € 2.700,00 em sede de indemnização pelo apoio de terceira pessoa, durante seis meses.
6. Inconformada, a R. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, em sede de impugnação de facto e de direito, tendo sido proferido o acórdão de fls. 284-303, datado de 13/06/2019, a julgar parcialmente procedente a apelação, alterando a sentença recorrida nos seguintes termos:
a) – Reduzindo o montante de € 130.000,00 para 100.000,00, a título de indemnização pelo dano da perda de alimentos por parte da A.;
b) – Reduzindo o montante de € 70.000,00 para € 50.000,00, a título de compensação pelo dano não patrimonial emergente das lesões sofridas pela A.;
c) – Reduzindo o montante de € 80.000,00 para € 70.000,00, a título de compensação da perda do direito à vida do marido da A. e pai da interveniente;
d) – Revogando o segmento da sentença recorrida que fixou em € 2.700,00 a indemnização arbitrada a favor da A. pela assistência da sua irmã durante a convalescença.
7. Desta feita, tanto a A. como a R. vieram interpor revista, formulando conclusões:
7.1. Por parte da A., nos seguintes termos:
1.ª - O tribunal “a quo” alterou o ponto 57 da matéria de facto provada nos seguintes termos:
“À data do acidente, a A. tratava das lides domésticas do casal, procedendo à limpeza, confeção dos alimentos, tratamento de roupa, etc, e não exercia a sua profissão porque foi opção da A. e do falecido marido que ela não procurasse trabalho e tomasse conta da lide doméstica e o ajudasse na organização do trabalho deste”.
2.ª - Sucede que o que vem vertido no artigo 186.º da petição inicial é o seguinte:
n.º 3 “a A. estava em situação de desemprego involuntária (protesta juntar o IRS relativo aos últimos três anos de trabalho e subsídio de desemprego)” n.º 4 “vivendo a expensas do marido”.
n.º 6 “Com a perda deste rendimento, a A. passa por graves dificuldade, porque para além de continuar desempregada e com vontade de trabalhar no que puder”.
n.º 7 “O falecido marido da A. contribuía com o seu vencimento para o pagamento das despesas domésticas da A.”.
n.º 8 “O vencimento do marido, à data do acidente, era a única fonte de rendimento que suportava as despesas do casal com alimentação, vestuário, higiene, saúde, eletricidade, água, gás, telefone, veículos automóveis, férias e lazer já que a A. não auferia qualquer rendimento”.
n.º 9 “Com o acidente a A. viu-se privada da contribuição do falecido marido para essasdespesasda famíliaque era constituída por ela e o falecido marido”.
n.º 10 “A A. tratava das lides domésticas do casal, procedendo à limpeza, confeção dos alimentos, tratamento de roupa, etc”.
n.º 11 “Foi opção da A. e do falecido marido que ela não procurasse trabalho e tomasse conta da lide doméstica e ajudasse na organização do trabalho do de cujus”.
n.º 12 “Neste momento vê-se numa situação de completamente desinserida do mundo aboral: demasiado incapacitada, física e psiquicamente “velha” para arranjar trabalho e, demasiado “nova” para deixar de trabalhar”
3.ª - Na verdade, a opção de ambos nasce do facto de a A. ter ficado numa situação de desemprego involuntária e porque, naquela altura, era já ela muito velha para arranjar trabalho, e demasiado nova para deixar de trabalhar.
4.ª - Assim sendo, acabaram por decidir que a A. deveria então ajudar o marido. Porém, esta situação só sucedeu porque o mercado de trabalho não permitiu uma situação diferente – artigo 186.º, n.º 12 da PI.
5.ª - A leitura que o Tribunal “a quo” fez desta situação não corresponde inteiramente à verdade, devendo, por isso, manter-se a matéria de facto provada pela 1.ª instância, onde se lê no artigo 57.º “à data do embate, a A. estava desempregada, mas tratava das lides domésticas do casal, procedendo à limpeza, confeção dos alimentos, tratamento de roupa, e etc.”
6.ª – Quanto ao“quantum” indemnizatório pela perda de alimentos, o Tribunal “a quo” socorre-se do disposto no artigo 566.º, n.º 2 e 3, do CC, com incidência na equidade, no montante do rendimento do marido da A. e na esperança média de vida deste (até aos 77 anos de idade).
7.ª – Porém, para justificara fixação da indemnização em € 100.000,00 ao contrário dos € 130.000,00 o Tribunal “a quo” fundamenta que o rendimento obtido pelo falecido CC diminuirá com a idade.
8.ª – Não se concorda com esta argumentação, que, além de não ter qualquer acolhimento legal, não tem também nenhum acolhimento jurisprudencial ou doutrinal.
9.ª - Além disso, também não corresponde à verdade, sendo a tendência não no sentido de sofrer uma diminuição de rendimentos com a idade, mas de aumento de rendimentos com a idade.
10.ª - O falecido CC era … de profissional, e representava a marca SA, DD, em Portugal;
11.ª - E no comércio por conta própria a tendência é aumentar os rendimentos, o número de clientes, e em consequência, o número de vendas, gradualmente a cada ano, sendo, portanto, expetável que, a situação económica do falecido CC aumentasse ou /melhorasse a cada ano.
12.ª – Ademais, na data do acidente, o país ainda estava a tentar sair da crise económica em que tinha caído em 2008.
13.ª - Muito provavelmente, nos últimos anos, o falecido CC teria tido a oportunidade de expandir o seu negócio.
14.ª - Donde, quando muito, poderíamos recorrer a juízos de rentabilidade anual para aumentar o montante indemnizatório da A. (até por conta da inflação), mas nunca para o diminuir, como o fez o Tribunal “a quo”.
15.ª - Pelo que se pugna pela manutenção do montante arbitrado em 1.ª instância, no montante de € 130.000,00;
16.ª - Relativamente à compensação pelo dano não patrimonial emergentes das lesões sofridaspela A., a 1.ª instância fixou em € 70.000,00 aindemnização para compensá-la pelos danos não patrimoniais; -
17.ª - O dito valor é justo, equitativo e adequado, tendo em conta todas as sequelas verificadas e descritas nos factos provados, conforme os critérios que vêm sendo ado-tados pela jurisprudência;
18.ª - Relativamente à compensação da perda do direito à vida do marido da A., conforme argumentou o Tribunal recorrido “estamos perante o valor supremo da sociedade e da ordem jurídica portuguesa que valoriza o direito à vida”.
19.ª - Assim sendo, não se pode aceitar a fixação do montante de € 70.000,00 em detrimento do montante de € 80.000,00 fixado pela 1.ª instância;
20.ª - Sendo certo que, face à existência de uma interveniente no presente processo, filha do falecido CC, à A. seria apenas atribuído metade desse valor;
21.ª - Sobre o quantum indemnizatório do dano morte, entendeu o STJ, em acórdão de 22/02/2018, Processo n.º 33/12.4GTSTB.E1.S1, “pelo dano não patrimonial concretizado na privação da vida, o STJ vem atribuindo indemnizações que, na maioria dos casos, oscilam entre os € 50.000,00 e € 100.000,00, como informam os seus acórdãos de 01/11/2016, proferido no processo n.º 6/15.5T8VFR.P1.S1, e de 08/06/2017, proferido no processo n.º 2104/4TBPVZ.P1.S1;
22.ª- De modo que, tendo em conta todo o circunstancialismo do caso em concreto, é justo fixar o montante indemnizatória dentro da média daqueles valores, pelo que se pugna pela manutenção do valor arbitrado de € 80.000,00 – sem olvidar que o valor efetivamente recebido pela A. seria de € 40.000,00.
23.ª - Donde, atribuir-lhe valor inferior representaria a negação do próprio valor da vida ou, pelo menos, uma drástica subvalorização desse valor.
24.ª - Em relação à assistência prestada por terceiro, o acórdão recorrido aceita que, pelo menos, durante o período de 6 meses a A. esteve na casa da sua irmã, “após a primeira alta hospitalar, onde recebeu todo o apoio necessário para a situação em que se encontrava (pontos de facto provados 29 e 30)”.
25.ª - Argumentou ainda que não provou ter celebrado um contrato de prestação de serviços e que, sendo este um direito próprio da irmã, terá que ser exercido por ela e não pela A., terminando assim pela decisão de que a A. não tem direito a receber a quantia de € 2.700,00 fixada em 1.ª instância.
26.ª- Não pode o Tribunal exigir que se celebre um contrato de prestação de serviços por escrito, tanto que se trata de relações familiares muito próximas, inexistindo qualquer formalismo.
27.ª- Neste caso deve recorrer-se a juízos de equidade – houve uma verdadeira prestação de serviços por parte da irmã daquela, que cuidou, cozinhou, higienizou, transportou, alimentou, medicamentou a A.. Fê-lo incessantemente durante o período de 6 meses.
28.ª- Por outro lado, a despesa de uma casa com 3 pessoas não é a mesma que a despesa de uma casa com 4 pessoas. A despesa acresce em energia, água, alimentação, transporte.
29.ª - Deve, nesta situação em particular, socorrer-se o tribunal de uma situação idêntica à dos acidentes de trabalho, em que se prevê expressamente o ressarcimento das prestações suplementares, ou seja, da assistência de terceira pessoa.
30.ª- Donde se pugna pela manutenção a indemnização de € 2.700,00 a favor da A. por ajuda de terceira pessoa.
7.2. Por parte da R., nos seguintes moldes:
1.ª- A R, vem impugnar o acórdão da Relação que a condenou a pagar à A. a quantia de € 100.000,00 "a título de indemnização pelo dano da perda de alimentos", com fundamento no disposto no artigo 495.º, n.º 3, do CC, porque considera essa indemnização não só excessiva, mas sobretudo indevida.
2.ª - O princípio decorrente do artigo 483.º do CC é que em sede de responsabilidade civil extracontratual a indemnização pelos danos causados cabe apenas ao lesado (ao titular do direito violado ou do interesse imediatamente lesado com a violação de disposição legal destinada a protegê-lo), e não a terceiros que apenas reflexa ou indiretamente sejam prejudicados com o ato lesivo.
3.ª - No artigo 495.º do CC estão previstos alguns desvios àquela regra geral, ali se prevendo, mas apenas excecionalmente, que em caso de morte ou lesão corporal do lesado, sejam indemnizados alguns terceiros, designadamente, os que podiam exigir alimentos ao lesado.
4.ª - A interpretação mais correta do n.º 3 do art.º 495.º do CC é aquela que conclui que esta disposição legal não reconhece o direito à indemnização por qualquer perda patrimonial perda futura por morte do lesado, mas apenas o direito a uma indemnização que seja justificada na obrigação legal de alimentos e desde que se verifiquem os pressupostos legais que permitam a exigência de uma prestação de alimentos.
5.ª - Por isso, não é suficiente que o pretendente à indemnização por perda de alimentos se limite a invocar a sua qualidade de titular desse direito, estando onerado a alegar e provar a concreta e efetiva necessidade de alimentos, a medida dessa necessidade e de que não tem possibilidades de prover à sua subsistência.
6.ª - Além da unidade do sistema jurídico supra explanado, esta interpretação do artigo 495.º, n.º 3, do CC decorre ainda da letra da norma e dos propósitos que o legislador pretendeu com ela alcançar.
7.ª - Com efeito, quanto à letra da lei, a previsão da norma refere apenas "os que podiam exigir alimentos ao lesado", sendo certo que esta disposição deve ser conjugada com o artigo 2004.º do CC, onde se prevê que na fixação ou na determinação da medida dos alimentos deve ter-se em conta que "os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los", bem como "à possibilidade de o alimentando proverá sua subsistência".
8.ª - Da letra destes preceitos legais resulta que só pode exigir alimentos (terminologia do artigo 495.º, n.º 3, aquele que se encontre numa situação de necessidade (necessidade essa que justifica a exigência a terceiro da atribuição de uma prestação alimentícia), e que se encontre numa situação de dificuldade ou de impossibilidade de auferir ou deter meios de subsistência, devendo atender-se ainda à medida dessa necessidade.
9.ª - A “ratio legis” da norma vai no mesmo sentido: o que o legislador pretendeu com a exceção criada pelo mencionado artigo foi obstar que terceiros, ligados por vínculos familiares à vítima, fiquem em efetiva situação de carência económica e sem os meios básicos de subsistência por impossibilidade de prestar alimentos por parte da vítima mortal e por impedimento de auferir meios de subsistência bastantes.
10.ª - Em suma, e como decidiu este STJ "o segmento normativo podiam exigir alimentos ao lesado, constante do n.º 3 do art.º 495.º do CC, pretende significar pessoas envolvidas da necessidade dessa prestação alimentar", devendo esse dispositivo ser interpretado “no sentido de que os titulares do direito devam provar a sua necessidade de alimentos ou a sua previsibilidade”, sendo insuficiente a alegação da simples "qualidade de que a lei faz depender a possibilidade legal do exercício do direito a alimentos para que se deva atribuir indemnização por danos patrimoniais, independentemente da sua situação económica (respetivamente, de 21/05/2009, Proc. 213/09.YFLSB, e de 21/05/2009, Proc. 201/09.OYFLSB).
11.ª - No que respeita ao objeto deste recurso, os factos que vêm provados são os seguintes: O falecido marido da autora faleceu com 53 anos; A A. ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 31 pontos, compatível com a sua atividade profissional habitual; O marido da A. auferia mensalmente, em média, um rendimento ilíquido não inferior a € 1.000,00; À data do acidente a A. não exercia a sua profissão porque foi opção dela e do falecido marido que aquela não procurasse trabalho e tomasse conta da lide doméstica e o ajudasse na organização do trabalho deste; O falecido contribuía com o seu vencimento para o pagamento das despesas domésticas da A., sendo o vencimento daquele a única fonte de rendimento que suportava as despesas do casal.
12.ª - Da matéria de facto provada resulta que nada foi alegado nem provado pela A. sobre as despesas que tem de suportar, sobre os rendimentos e bens que possui, e que está impossibilitada de obter os proveitos necessários à sua subsistência, não sendo possível aquilatar se aquela ficou numa situação de carência, justificativa da atribuição de uma indemnização por alimentos e a medida dessa obrigação.
13.ª - Falta, pois, a verificação dos requisitos exigidos pelos artigos 495.º, n.º 3, e 2004.º do CC, pelo que a decisão proferida pelo acórdão recorrido que condenou a ré a pagar à A. uma indemnização no montante de € 100.00,00 a título de indemnização por perda de alimentos deve ser revogada, por ilegal.
14.ª - Para o caso de se entender que a aplicação do disposto no artigo 495.º, n.º 3, do CC não está dependente do prévio reconhecimento do direito a alimentos, mas apenas da qualidade de que depende a possibilidade legal do exercício do direito a alimentos, o valor encontrado pela 2.ª instância para ressarcimento da perda de alimentos é manifestamente excessivo e não se coaduna com a lei nem com os critérios objetivadores e orientadores que vêm sendo determinados pelo STJ para casos similares, no respeito dos princípios da proporcionalidade e da igualdade entre os cidadãos.
15.ª - Quanto à lei expressa, o artigo 564.º, n.º 2, do CC estabelece que podem ser atendidos os danos futuros, desde que previsíveis, sendo certo que o artigo 563.º, n.º 3, desse diploma prevê que, caso não seja possível averiguar o valor exato dos danos, o tribunal deve servir-se da equidade para determinar o valor indemnizatório, tomando em conta o que se lhe apresenta como provado ao momento do julgamento.
16.ª - Assim, verificada a probabilidade do dano futuro, o quantitativo da indemnização corresponderá ao valor exato do dano, quando determinável, ou será encontrado por recurso à equidade, sendo que o julgador deve, nesse caso, atender ao que está provado no momento da sua quantificação.
17.ª - Por outro lado, deve ter-se presente o entendimento já manifestado pelo STJ de que o prejuízo do dano patrimonial futuro é apenas o decorrente da perda de alimentos ou da contribuição para os encargos da vida familiar, e não quaisquer outros, pelo que há que atender aos danos efetivos da cessação de prestação de alimentos, pelo que o prejuízo a indemnizar seja somente o da perda de alimentos decorrente da falta da vítima, não podendo o lesante ser condenado em prestação superior, quer no valor, quer na duração, à que o lesado suportaria se fosse vivo.
18.ª - Isso significa que, como já decidido pelo STJ, "o cálculo desta indemnização, no caso de morte de um dos cônjuges não pode obedecer "legalmente" aos parâmetros que em geral são seguidos na respetiva determinação quando está em causa uma incapacidade parcial permanente para o trabalho, até porque os alimentos prestados a terceiro não participam no mesmo grau de previsibilidade que o ganho potencial do própria vítima".
19.ª - Considerando a acima exposto, e para efeitos de quantificação equitativa da indemnização por perda de alimentos, o STJ tem lançado mão aos seguintes critérios: ressarcimento do dano efetivo, sendo que quando não seja possível a sua exata quantificação, o valor indemnizatório deverá ser encontrado por recurso à equidade, atendendo para o feito aos factos provados no momento da fixação do quantum indemnizatório, às regras da experiência, ao que, seguindo o curso normal das coisas, é razoável atender, e a todas as circunstâncias do caso concreto; a indemnização deve corresponder a um capital produtor de rendimento que o titular dos alimentos deixará de receber por morte do lesado, que deve extinguir-se no termo provável da vida deste ou no momento em que essa obrigação deixe legalmente de existir; deve atender-se à esperança média de vida do lesado à data do seu nascimento; a remuneração do lesado a ter em conta para efeitos do cálculo da indemnização é a retribuição líquida que recebia à data da morte; deve ser deduzida a essa remuneração a quantia que o lesado gastaria consigo ao longo da sua vida, no mínimo de 1/3 do seu rendimento; o recurso a fórmulas matemáticas para determinação do capital passível de repor ao titular do direito os alimentos que poderá deixar de receber, sem enriquecimento ilegítimo, ainda que com função meramente auxiliar e orientadora; a rentabilização financeira do capital que o titular do direito aos alimentos pode beneficiar, por receber de uma só vez o valor que receberia ao longo do tempo, sob pena de enriquecimento sem causa, sendo aceitável uma rentabilidade mínima de 1% ao ano; a necessidade de uniformização mínima de critérios e de decisões quanto ao arbitramento de indemnizações fixadas com recurso à equidade, por imposição dos princípios gerais e constitucionais de aplicação uniforme do Direito, e da igualdade entre os cidadãos.
20.ª - O acórdão recorrido não atendeu convenientemente àqueles dispositivos legais, nem aplicou devidamente os critérios sugeridos pelo STJ, e fixou o quantum indemnizatório como se uma pura perda futura de ganho se tratasse, sem atender às circunstâncias do caso concreto, nomeadamente, que não são conhecidas as reais necessidades económicas da A. e que esta tem capacidade para prover pela sua subsistência.
21.ª - Por esperança média de vida à nascença, pode ler-se das instruções publicadas pelo INE, deve entender-se o "número médio de anos que uma pessoa à nascença pode esperar viver, mantendo-se as taxas de mortalidade por idades observadas no momento", ou seja, é "número aproximado de anos que um grupo de indivíduos nascidos no mesmo ano irá viver, se mantidas as mesmas condições desde o seu nascimento."
22.ª - Relativamente ao período de tempo em que a A. poderia beneficiar dos alimentos do falecido marido ou da sua participação nos encargos da vida comum, a esperança de vida até aos 77 anos defendida no acórdão recorrido não está confirmada pelas estatísticas publicadas pelas entidades oficiais com competência para o efeito, pois o que resulta das tabelas do INE é que os indivíduos homens nascidos no ano de 1960 (sendo que o falecido marido da autora nasceu em 1959) têm uma esperança média de vida à nascença de 60,7 anos.
23.ª - Assim, porque nascido em 1959, o lesado tinha, no momento da sua morte, uma expetativa de vida de mais 7,7 anos.
24.ª - Acresce que não é aceitável, nem é provável, que a A. continuasse a viver indefinidamente à custa dos rendimentos auferidos pelo marido, pelo que seria de esperar que em algum momento voltasse a exercer uma profissão remunerada, provendo ela própria pela sua subsistência, assim acabando com a sua dependência do lesado.
25.ª - É ainda de ter em conta, no que ao casamento diz respeito, que em 2017 a taxa de divórcios em Portugal superou os 64%, pelo que em termos estatísticos a probabilidade do lesado permanecer casado com a autora durante toda a sua vida é inferior a 36%.
26.ª - O rendimento a ter em conta para efeitos de quantificação do dano da perda de alimentos é o efetivamente auferido pelo lesado, ou seja, o seu rendimento líquido, e não o ilíquido como entendeu o douto acórdão recorrido, sendo de aceitar que 50% desse rendimento líquido revertesse para a autora e igual percentagem o lesado fosse gasto pelo lesado consigo próprio.
27.ª - Ora, aos € 21.147,76 ilíquidos que o lesado auferia no exercício da sua atividade comercial (cfr. declaração de IRS de 2011), há que deduzir as despesas inerentes a essa mesma atividade, que, e contabilística e fiscalmente se presume serem de 25% sobre a faturação, bem como os € 2.357,00 de encargos para com a Segurança Social, um mínimo de € 300,00 de IRS, e ainda a quantia de anual € 3.852,00 correspondente à pensão a que estava obrigado, pelo que o rendimento disponível para o casal seria de € 9.351,82, o que se traduz numa eventual perda anual de € 4.675,91 para a A,.
28.ª - Aplicando os mencionados critérios utilizados pelo STJ, o montante da indemnização que teoricamente caberia à A. caso esse pressuposto se verificasse, e por aplicação da fórmula matemática é de € 33.228,00: (€4.675,91 x 7,7) - (1% ano x 7,7) = € 33.228,00.
29.ª - Tendo, porém, em conta que a A. tem capacidade para exercer a sua profissão habitual, a idade em que se encontra e a falta de prova de uma necessidade efetiva de alimentos, a indemnização não deve exceder os € 30.000,00, quantia que se mostraria justa e equitativa, não fora o caso de a autora não ter alegado nem provado factos que lhe permitam ter direito a essa indemnização.
30.ª - A sentença recorrida violou, por omissão de aplicação e por erro de interpretação, as normas previstas nos artigos 218.º da Constituição da República Portuguesa, e artigos 8.º, 495.º, n° 3, 563.º, n.s 3, 564.º, n.º 2, e 2014.º todos do CC.
Pede a R. Recorrente que se revogue a decisão recorrida que condenou a R. a pagar à A. a quantia de € 100.000,00 a título de indemnização por dano da perda de alimentos, por legalmente indevida, ou, e subsidiariamente, a revogá-la em parte, substituindo aquele montante por quantia não superior a € 30.000,00.
8. A R. apresentou ainda contra-alegações a pugnar pela negação da revista interposta pela A..
Cumpre apreciar e decidir
II – Delimitação do objeto dos recursos
Em face do teor das conclusões recursórias, as questões a resolver circunscrevem-se à matéria de alguns dos montantes indemnizatórios em causa, a saber:
i) - No âmbito da revista da A.:
a) – A questão do montante indemnizatório a título de perda de alimentos, por parte da A., pretendendo esta que se mantenha o valor € 130.000,00, fixado na 1.ª instância, em detrimento da sua redução, pela Relação, para € 100.000,00;
b) – A questão da compensação do dano não patrimonial sofrido pela A. em virtude das suas próprias lesões, pretendendo que seja mantida a quantia fixada, na 1.ª instância, em € 70.000,00, em vez da redução pela Relação para € 50.000,00;
c) - A questão da compensação pela perda do direito à vida do marido da A., pretendendo esta que se mantenha o valor de € 80.000,00, fixado na 1.ª instância, em vez da redução para € 70.000,00 decretada pela Relação;
d) – A questão da indemnização pretendida pela A. por assistência de terceira pessoa, no valor de € 2.700,00, conforme foi arbitrada pela 1.ª instância, mas negada pela Relação.
ii) – No âmbito da revista interposta pela R., a questão respeitante ao montante indemnizatório pela perda de alimentos, por parte da A., que a R./Recorrente considera não devida ou, subsidiariamente, dever ser reduzida a montante não superior a € 30.000,00
III – Fundamentação
1. Factualidade dada por provada
Vem dada como provada a seguinte factualidade:
1.1. CC faleceu no dia 1/09/2012, com a idade de 53 anos e no estado de casado com a autora AA, conforme assento de óbito de constante de fls. 30 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
1.2. À data do óbito, o referido CC deixou como descendente a interveniente EE, conforme certidão constante de fls. 46/v a 47/v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
1.3. No dia 01/09/2012, pelas 16h45m, na Estrada Nacional n.º …, ao km 5,350, na localidade de …, do concelho da …, ocorreu um embate no qual foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros, marca Honda, com matrícula ...-CZ-..., pertencente a BB e conduzido pelo próprio e o motociclo de matrícula LU-...-..., conduzido por CC e pertencente ao mesmo.
1.4. No motociclo de matrícula LU-...-... seguia a A. como passageira.
1.5. No referido dia, hora e localidade, o referido BB conduzia o seu veículo de matrícula ...-CZ-..., pela hemi-faixa direita da EN …, no sentido L…/P….B… .
1.6. Na mesma ocasião, circulava à frente da referida viatura, o motociclo conduzido por CC, o qual circulava pela metade da faixa de rodagem, atento o mesmo sentido de marcha, aproximadamente a meio da referida hemifaixa de rodagem e a cerca de 40 km/hora.
1.7. Era dia, o tempo estava bom e o piso da via estava seco e em bom estado de conservação.
1.8. A faixa de rodagem tem 6,10 metros de largura e comporta uma fila de trânsito em cada um dos sentidos de marcha.
1.9. A faixa de rodagem é alcatroada e é ladeada por uma berma.
1.10. Em perfil longitudinal, entre os Km 43,350 e 43,300 a faixa de rodagem descreve uma curva para a direita, atento o sentido de marcha do referido veículo, seguida de uma reta.
1.11. A dado momento, o condutor do veículo automóvel de matrícula ...-CZ-... iniciou uma manobra de ultrapassagem ao dito motociclo que seguia à sua frente.
1.12. Tendo para o efeito invadido a hemi-faixa esquerda, atento o seu sentido de marcha, num momento em que, em sentido contrário, se aproximava uma outra viatura automóvel, conduzida por FF.
1.13. O referido FF comutou alternadamente os órgãos de iluminação, de forma a alertar o condutor do veículo de matrícula ...-CZ-..., da sua aproximação e assim evitar um embate.
1.14. Tendo o condutor do veículo de matrícula ...-CZ-... guinado o veículo que conduzia para a direita, sem se certificar que a ultrapassagem que iniciara estava ou não concluída e se poderia retomar a hemi-faixa direita sem perigo para quem estava a ser ultrapassado, indo embater com a parte lateral posterior direita do seu veículo no motociclo de matrícula LU-...-..., conduzido por CC, atingindo-o no seu lado esquerdo.
1.15. Em consequência do embate, o motociclo entrou em desequilíbrio, atravessou a faixa de rodagem na diagonal, indo embater no muro de uma residência que ladeia a via do lado esquerdo, atento o sentido de marcha em que seguia.
1.16. Tendo o condutor do motociclo e a A. sido projetados para o solo, imobilizando-se numa valeta em terra existente entre o muro da residência e o pavimento da via.
1.17. No processo crime n.º 287/12.6…, que correu termos no extinto Tribunal Judicial de …, foi proferida sentença, já transitada em julgado, a condenar o dito condutor do veículo de matrícula ...-CZ-... pela prática de um crime de homicídio negligente, previsto e punido pelo art.º 137.º, n.º 1, do Código Penal, conforme documentos de fls. 33 a 46 e 183 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
1.18. Em consequência do embate, a A. sofreu traumatismo crâneo-encefálico com perda de consciência, traumatismo torácico com fratura de quatro arcos costais anteriores à direita com ligeiro desalinhamento dos topos, traumatismo do membro superior esquerdo, com fratura exposta de grau III A da diáfise distal do rádio e cúbito e lesão parcial do nervo mediano.
1.19. Na sequência disso, a A. foi conduzida ao Hospital de …, onde foi assistida e internada no serviço de Neurocirurgia com o apoio das Especialidades da Ortopedia, Cirurgia Geral e Oftalmologia.
1.20. Tendo sido submetida a TAC cerebral, do tórax e abdómen, e a raio-x, que revelaram as lesões acima descritas.
1.21. Em 20.09.2012, a A. foi submetida a uma intervenção cirúrgica ao antebraço e submetida a limpeza cirúrgica e osteotaxia com fixador externo.
1.22. Durante o internamento, a A. foi ainda submetida a tratamento conservador e a vigilância, nomeadamente no que se referia ao status pós traumatismo crâneo-encefálico, e manteve-se consciente, colaborante e orientada, apresentando uma parésia do III par craniano direito.
1.23. A A. teve alta do internamento hospitalar a 13/09/2012, tendo transitado para a consulta externa naquele Hospital de … e sido acompanhada nas especialidades de ortopedia, neurocirurgia, oftalmologia e ainda por psiquiatria e fisiatria.
1.24. Em 9.10.2012, foi novamente internada e submetida a nova cirurgia para extração de fixadores externos e osteossíntese do rádio com placa DVR+OOS do cúbito com hauban.
1.25. Após a alta hospitalar, ocorrida em 26.10.2012, foi novamente orientada para consulta externa de ortopedia.
1.26. Entre 22 e 26.08.2013, a A. foi sujeita a novo internamento hospitalar e sujeita a outra cirurgia para extração de material de osteossíntese dos ossos do antebraço esquerdo, após o que se manteve em consulta externa de ortopedia.
1.27. Entretanto, a A. foi observada em consulta externa de psiquiatria em 01.10.2012, apresentando nessa data ter efetuado o luto com adequação e assertividade; humor eutímico, com flutuações emocionais de acordo com a sua situação vivencial e queixas de insónias e sono fragmentado, mesmo medicada, tendo tido alta da referida especialidade em 9.08.2013.
1.28. A A. foi sujeita ainda a tratamentos de fisioterapia até finais de janeiro de 2014.
1.29. Após a primeira alta hospitalar, a A. foi viver para a casa de uma irmã, onde permaneceu durante cerca de seis meses.
1.30. Período de tempo durante o qual a referida irmã e a sobrinha lhe prestaram todos os cuidados necessários, nomeadamente, ajuda para se alimentar, tratar da higiene pessoal, vestir, realizar pequenas deambular pela habitação e transporte para as consultas e tratamentos.
1.31. A data da consolidação das sequelas sofridas pela A. ocorreu em 9.01.2014.
1.32. Em consequência das lesões sofridas, a A. apresenta as seguintes queixas: manipulação e preensão condicionadas à esquerda pelas limitações funcionais do punho e mão e menor força muscular, com dor associada; alterações de memória, fatigabilidade maior quando está concentrada nalguma tarefa; dores do membro superior esquerdo agravadas pelos esforços; cefaleias de localização frontal direita; perturbações da visão, ocasionalmente com diplopia que tenta corrigir com desvio da cabeça para a direita.
1.33. E as seguintes sequelas: sequelas de traumatismo crânio-encefálico, traduzidas por queixas de cefaleias de localização fronto-orbitária direita com queixas de diplopia com estrabismo convergente do olho direito; na face: ligeira midríase do olho direito o qual apresenta ocasionalmente em adução, com correspondente queixa de diplopia, nos planos superiores e no campo lateral corrigida por espontâneo torcicolo; no membro superior esquerdo: cicatriz linear, normocrómica, de tipo cirúrgico, medindo 5 cm e localizada na face dorsal do punho, rebordo cubital; cicatriz de configuração irregular, localizada no espaço interdigital entre polegar e indicador, normocrómica, medindo 3x2 cm; cicatriz linear de 16 cm, de orientação longitudinal à face anterior do antebraço, de tipo cirúrgico, de localização predominante no terço médio e distal do antebraço, junto ao punho de dimensão e características inespecíficas, provavelmente resultantes de ação de esfacelo; rigidez do punho na dorsificação que não ultrapassa os 30º, na flexão que não ultrapassa os 70º; rigidez na supinação que chega aos 70º; proganação normal; desvio radial zero; rigidez de todos dedos, de todas as articulações, não conseguindo fazer enrolamento dos mesmos nem oponência do polegar aos restantes dedos.
1.34. O que lhe provoca tristeza, desgosto e angústia.
1.35. As lesões sofridas pela A. determinaram um período de défice funcional temporário total fixável em 60 dias e um período de défice funcional temporário parcial fixável em 435 dias.
1.36. E um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 31 pontos, sendo as sequelas compatíveis com a atividade profissional habitual, mas acarretam esforços acrescidos.
1.37. Ainda em consequência do embate e das lesões sofridas, a autora sofreu um quantum doloris no grau 4 e um dano estético no grau 4, numa escala de 1/7.
1.38. Em consequência das lesões e sequelas sofridas, a A. necessita e vai continuar a precisar de tomar diariamente medicação (ansiolítico) para dormir.
1.39. E necessita realizar novo tratamento cirúrgico para tratamento das sequelas do olho direito.
1.40. No momento do embate e nos instantes que o precederam, a A. sofreu um enorme susto e temeu pela própria vida.
1.41. A A. nasceu no dia … .04.1960, conforme documento de fls. 48 e cujo teor se dá por reproduzido.
1.42. À data do embate, a A. era pessoa sadia, saudável, robusta, alegre e sem qualquer maleita anterior.
1.43. Em resultado do embate, o motociclo de matrícula LU-...-... sofreu danos, cuja reparação ascendia a valor não concretamente apurado.
1.44. Em consequência do embate, o motociclo de matrícula LU-...-... foi recolhido numa oficina, o que implicou um custo pelo respetivo aparcamento em montante não concretamente apurado.
1.45. Ainda em consequência do embate e das lesões sofridas, a A. gastou numa consulta no centro de saúde a quantia de € 5,00.
1.46. Em farmácia, gastou a quantia de € 230,27.
1.47. Em transporte em ambulância para se deslocar da sua habitação ao local dos tratamentos prescritos e regresso à mesma, a quantia de € 777,24.
1.48. A A. teve necessidade de se deslocar ao Hospital de …, onde realizou consultas, exames médicos, tratamentos e sessões de fisioterapia, fazendo-o quando necessário em viatura própria, no que despendeu a quantia de € 867,38 em combustível e a quantia de € 269,22 em parque de estacionamento.
1.49. Em secções de fisioterapia despendeu a quantia de € 879,00.
1.50. Por sua vez, em consequência do embate, o aludido CC sofreu fratura no 1/3 superior do esterno, fratura de todos os arcos costais laterais, com esquirolas ósseas e intenso infiltrado sanguíneo, laceração do fígado e baço, tendo estas lesões traumáticas toraco-abdominais sido a causa direta e necessária da sua morte.
1.51. Entre o embate e o falecimento decorreu cerca de meia hora, tendo o aludido CC permanecido consciente durante cerca de 15 minutos, em sofrimento físico e psíquico, tendo tido perceção de que sua morte estava iminente.
1.52. Com o funeral do marido, a A. despendeu a quantia de € 2.311,26, tendo recebido da Segurança Social a quantia de € 419,22.
1.53. O falecido CC era um marido e pai dedicado, nomeadamente, dedicava afeto, amor e carinho à A..
1.54. A A. e o falecido constituíam uma família harmoniosa, passeando aos fins-de-semana e passando férias juntos.
1.55. Em consequência da morte do marido, a A. ficou abatida e triste, raramente saindo de casa, sentindo de forma contínua a ausência do marido.
1.56. O marido da A., … de formação, dedicava-se à comercialização, por conta própria, de caixas e dossiers para documentação em papel, no que auferia mensalmente, em média, um rendimento ilíquido não inferior a € 1.000,00.
1.57. À data do embate, a A. tratava das lides domésticas do casal, procedendo à limpeza, confeção dos alimentos, tratamento de roupa, etc, e não exercia a sua profissão, porque foi opção da A. e do falecido marido que ela não procurasse trabalho e tomasse conta da lide doméstica e o ajudasse na organização do trabalho deste – resultante de alteração introduzida pela Relação.
1.58. O falecido contribuía com o seu vencimento para o pagamento das despesas domésticas da A..
1.59. Sendo o vencimento daquele a única fonte de rendimento que suportava as despesas do casal com alimentação, vestuário, higiene, saúde, eletricidade, água, gás, telefone, veículos automóveis, férias e lazer.
1.60. Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º 004…53, o proprietário do veículo de matrícula ...-CZ-... transferiu para a R. a sua responsabilidade civil por danos causados a terceiros emergentes da sua circulação.
1.61. A R. pagou à filha do falecido CC a quantia de € 40.000,00, a título de indemnização pelos danos sofridos em consequência do aludido sinistro, conforme documentos de fls. 210 e 210/v.
1.62. E pagou a assistência recebida pela A. no Hospital de … no valor de € 2597,70.
1.63. O défice funcional e permanente da integridade físico-psíquica e o grau do dano estético, decorrentes das sequelas do estrabismo do olho direito, poderão ser minimizados com tratamento cirúrgico referido no artigo 39.º dos factos provados – facto aditado pela Relação.
2. Do mérito dos recursos
2.1. Quanto às questões respeitantes à indemnização fixada em sede de perda de alimentos por parte da A., suscitadas em ambas as revistas
Nesta particular, a A. peticionou a condenação da R. a pagar-lhe uma indemnização no valor de € 250.000,00, a título de pela perda da contribuição de alimentos proporcionada pelo seu falecido marido, considerando que ele auferia, à data do acidente, mensalmente, pelo menos, em média, € 2.500,00, único rendimento do agregado familiar.
Face aos factos provados, a 1.ª instância fixou essa pretendida indemnização em € 130.000,00, considerando, em síntese, que o marido da A. auferia um rendimento anual ilíquido de € 12.000,00, com o que contribuiria em cerca de 50% para as despesas do agregado familiar e tendo em conta uma expetativa de vida na ordem dos 24 anos.
Por sua vez, a Relação, embora a partir dos mesmos fatores, mas considerando que o rendimento diminuiria com a idade, reduzia essa indemnização para o montante de € 100.000,00.
Pretende, no entanto, a A./Recorrente que seja mantido o valor arbitrado na 1.ª instância pelas razões constantes das conclusões acima consignadas, enquanto que a R. pugna no sentido de que tal indemnização não é devida ou, a sê-lo, não deverá situar-se em nível superior a € 30.000,00.
Vejamos.
Está aqui em causa a perda da contribuição proporcionada pelo falecido marido da A. para os encargos do respetivo agregado familiar.
Tal pretensão tem acolhimento, tal como entenderam as instâncias, no disposto no n.º 3 do art.º 495.º do CC, em que se prescreve que, no caso de lesão de que proveio a morte:
Têm igualmente direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural.
Estamos assim em presença de um desvio do princípio de que, no domínio da responsabilidade extracontratual, o titular do direito de indemnização é o próprio sujeito do direito ou do interesse violado.
Nas palavras de Antunes Varela[1], nesta hipótese:
«Há na concessão deste direito de indemnização uma verdadeira excepção à regra de que só os danos ligados à relação jurídica ilicitamente violada contam para a obrigação imposta ao lesante.
Com efeito, a obrigação alimentar, quer fundada na lei, quer baseada em qualquer dos deveres de justiça em que assenta a naturalis obligatio, constitui um direito relativo a que o lesante era estranho. Só por disposição especial da lei este poderia, por conseguinte, ser obrigado a indemnizar os prejuízos que para o titular desse direito relativo advieram da prática de facto ilícito.»
Ora, segundo os artigos 1675.º, n.º 1, do CC, os cônjuges estão reciprocamente vinculados ao dever de assistência que compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir para os encargos da vida familiar, sendo que a obrigação de alimentos entre os cônjuges decorre ainda do disposto no art.º 2009.º, n.º 1, do mesmo diploma.
Como refere o citado Autor[2]:
«Se a vítima falece no próprio momento da agressão ou da lesão, o instituto da sucessão não chegaria para assegurar o direito à indemnização por parte dos seus herdeiros, pois dificilmente se poderia sustentar a tese do nascimento desse direito no seu património. E, todavia, não seria justo que, em tais circunstâncias, os sucessores ou familiares do lesado não tivessem direito a nenhuma indemnização, e o tivessem quando a vítima houvesse sobrevivido alguns escassos segundos ao momento da lesão.»
Em suma, trata-se de um direito próprio de quem tiver a posição de exigir alimentos à vítima de lesão mortal[3].
Nessa medida, afigura-se que a A. está em posição de exigir indemnização pela perda do contributo que o seu falecido marido deixou de proporcionar ao respetivo agregado familiar, o qual não pode deixar de representar um prejuízo relevante na economia daquele agregado, ao abrigo do art.º 495.º, n.º 3, do CC.
Como tem vindo a ser reconhecido pela jurisprudência e doutrina autorizada, o direito a indemnização do titular do direito a alimentos conferido pelo citado normativo não abarca quaisquer danos patrimoniais daquele titular, mas apenas o dano relativo à perda de alimentos. Nas palavras de Antunes Varela “o prejuízo a ter em conta é o que advém (para a pessoa carecida de alimentos) da falta da pessoa lesada”, sendo “por este prejuízo que a indemnização se mede”; daí concluindo que o lesante não possa “ser condenado em prestação superior (seja no montante, seja na própria duração) àquela que provavelmente o lesado suportaria, se fosse vivo)[4].
Tem-se, no entanto, discutido se tal obrigação se deve pautar pelos estritos parâmetros da obrigação alimentar, nomeadamente tendo em conta a necessidade do alimentando, ou se deve reconduzir-se aos princípios gerais do art.º 562.º do CC.
Nesta equação, afigura-se que a solução mais condizente com o preceituado no n.º 3 do art.º 495.º será a adotada no acórdão deste Supremo Tribunal, de 11/07/2006[5], no sentido de considerar como critério não tanto a necessidade e medida estritas da prestação de alimentos a que se referem os artigos 2003.º, n.º 1, e 2004.º do CC, mas sim “a perda patrimonial, em termos previsíveis de danos futuros, correspondente ao que o falecido vinha efectivamente prestando, ou (…) poderia eventualmente prestar”, não fora a lesão sofrida, em termos de permitir aos beneficiários manter o nível de vida que aquele rendimento lhe proporcionaria.
Nessa linha de entendimento, afigura-se que deve ser compreendido o contributo que o cônjuge falecido proporcionaria para a economia do agregado familiar, atendendo ao período de tempo previsível durante o qual tal contributo seria prestado, não fora a morte da vítima.
Da factualidade provada colhe-se que:
i) – Em consequência das lesões sofridas com o acidente em foco, CC faleceu no dia …/09/2012, com a idade de 53 anos e no estado de casado com a A. AA – pontos 1.1 e 1.50;
ii) - O marido da A., … de formação, dedicava-se à comercialização, por conta própria, de caixas e dossiers para documentação em papel, no que auferia mensalmente, em média, um rendimento ilíquido não inferior a € 1.000,00 – ponto 1.56;
iii) - À data do acidente, a A. tratava das lides domésticas do casal, procedendo à limpeza, confeção dos alimentos, tratamento de roupa, etc, e não exercia a sua profissão, porque foi opção da A. e do falecido marido que ela não procurasse trabalho e tomasse conta da lide doméstica e o ajudasse na organização do trabalho deste – ponto 1.57;
iv) - O falecido contribuía com o seu vencimento para o pagamento das despesas domésticas da A. – ponto 1.58;
v) - Sendo o vencimento daquele a única fonte de rendimento que suportava as despesas do casal com alimentação, vestuário, higiene, saúde, eletricidade, água, gás, telefone, veículos automóveis, férias e lazer – ponto 1.59.
vi) - O falecido CC era um marido e pai dedicado, nomeadamente, dedicava afeto, amor e carinho à autora – ponto 1.53;
vii) - A A. e o falecido constituíam uma família harmoniosa, passeando aos fins-de-semana e passando férias juntos – ponto 1.54.
Esta é a matéria de facto dada definitivamente como provada pelas instâncias, aqui relevante, e que cumpre a este tribunal de revista acatar, nos termos do artigo 682.º, n.º 1 e 2, do CPC.
Perante este quadro factual, não sofre dúvida que o marido da A., à data do acidente, era quem auferia o único rendimento do seu agregado familiar com base no rendimento profissional anual de € 12.000,00, sendo que a A. se ocupava exclusivamente das lides domésticas, no quadro da opção de vida adotada pelo casal.
E, dentro do que é presumível conjeturar, à luz das regras da experiência comum, uma tal contribuição prolongar-se-ia ao longo da vida expetável daquele casal, num horizonte mesmo para além da idade da reforma.
Com efeito, quanto ao critério da esperança de vida, tem a jurisprudência vindo a entender que, para além da idade da reforma, ainda poderá subsistir atividade económica relevante.
No caso vertente, é de presumir que o marido da A., sendo … de formação e dedicando-se à comercialização por conta própria, mantivesse, mesmo para além da idade da reforma, um nível de rendimento próximo do que auferia com a sua profissão, aproveitando o potencial de conhecimentos e o capital de experiência adquiridos, de modo a assegurar, no limite, a economia e o padrão de vida do seu agregado familiar. Não cremos, pois, que seja razoável presumir uma diminuição relevante, pelo menos nominal, desse rendimento.
Por outro lado, não se mostra curial desmerecer a opção do modo de vida adotado pelo casal, num quadro de estabilidade familiar que se vinha mantendo, e que só a ocorrência abrupta do acidente veio dilacerar. Nem se afigura sequer ser exigível, como sustenta a R., que a A., perante tal fatalidade, se lance em demanda de um emprego, atenta a sua idade (nascida em 6/04/1960) e as sequelas sofridas com o acidente, para mais consabidas como são as atuais dificuldades de penetração no mercado de trabalho.
Em suma, mostra-se inteiramente justificado o direito da A. a ser ressarcida pela perda do único rendimento do seu agregado familiar, que lhe era proporcionado pelo seu falecido marido.
Ora, em termos globais, um capital de indemnização de € 130.000,00, a uma taxa de juro média de 2% ao ano, proporcionará um rendimento anual de € 2.600,00, o que fica aquém da contribuição anual de € 6.000,00 com que, segundo as instâncias, o marido da A. vinha contribuindo e mesmo aquém do valor de € 4.675,91 apurado pela R..
De todo o modo, esse diferencial será, ainda assim, adequado a compensar o benefício obtido com a antecipação daquele capital, tendo também em linha de conta a normal erosão monetária.
Nestas circunstâncias, cremos que, dentro dos parâmetros que a jurisprudência tem vindo ultimamente a considerar, se mostra mais ajustada a indemnização de € 130.000,00, tal como foi arbitrada pela 1.ª instância.
Termos em que procedem as razões da A. em detrimento do sustentado pela R..
2.2. Quanto ao montante indemnizatório a título de perda do direito à vida do marido da A.
Neste capítulo, a A. peticionara a fixação de uma compensação de € 80.000,00 pela perda do direito à vida do seu falecido marido, a ser-lhe atribuída na proporção de metade.
A 1.ª instância fixou tal compensação global naquela cifra, tendo a Relação reduzido a mesma para € 70.000,00.
Ora, a jurisprudência do STJ tem vindo a fixar compensações do género a partir dos € 50.000,00 e a progredir, consoante os casos, para níveis que podem ultrapassar os € 80.000,00, a rondar mesmo, nos casos mais graves, os € 100.000,00.
De resto, foi nessa linha que, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/03/2019, proferido no processo n.º 20121/16.7T8PRT.P1.S1[6], se consignou o seguinte:
“Consolidou-se, assim, na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça o entendimento de que o dano pela perda do direito à vida, direito absoluto e do qual emergem todos os outros direitos, situa-se, em regra e com algumas oscilações, entre os € 50.000,00 e € 80.000,00, indo mesmo alguns dos mais recentes arestos a € 100.000,00.”
No caso presente, há que ter em conta que o falecido marido da A. tinha 53 anos, dedicando-se à sua atividade profissional, e que foi vitimado por um acidente da exclusiva responsabilidade do condutor do veículo objeto do seguro firmado na R..
Assim, seguindo os parâmetros mais recente da jurisprudência deste Supremo Tribunal tem-se por mais razoável a compensação de € 80.000,00 arbitrada pela 1.ª instância, cabendo a A. uma parcela na proporção de metade.
Termos em que procedem as razões da A./Recorrente.
2.3. Quanto à compensação do dano não patrimonial sofrido pela A. em virtude das suas próprias lesões
Na vertente aqui em apreço, a A. peticionou uma compensação não inferior a € 50.000,00.
A 1.ª instância, fixou essa compensação em € 70.000,00 e que foi reduzida pela Relação ao montante de € 50.000,00.
Da factualidade provada, no que aqui releva, colhe-se que:
i) - Em consequência do embate, a A. sofreu traumatismo crâneo-encefálico com perda de consciência, traumatismo torácico com fratura de quatro arcos costais anteriores à direita com ligeiro desalinhamento dos topos, traumatismo do membro superior esquerdo, com fratura exposta de grau III A da diáfise distal do rádio e cúbito e lesão parcial do nervo mediano – ponto 1.18;
ii) – Na sequência disso, a A. foi conduzida ao Hospital de …, onde foi assistida e internada no serviço de Neurocirurgia com o apoio das Especialidades da Ortopedia, Cirurgia Geral e Oftalmologia – ponto 1.19;
iii) - Tendo sido submetida a TAC cerebral, do tórax e abdómen, e a raio-x, que revelaram as lesões acima descritas – ponto 1.20;
iv) - Em 20.09.2012, a A. foi submetida a uma intervenção cirúrgica ao antebraço e submetida a limpeza cirúrgica e osteotaxia com fixador externo – ponto 1.21;
v) - Durante o internamento, a A. foi ainda submetida a tratamento conservador e a vigilância, nomeadamente no que se referia ao status pós traumatismo crâneo-encefálico, e manteve-se consciente, colaborante e orientada, apresentando uma parésia do III par craniano direito – ponto 1.22;
vi) - A A. teve alta do internamento hospitalar a 13/09/2012, tendo transitado para a consulta externa naquele Hospital de … e sido acompanhada nas especialidades de ortopedia, neurocirurgia, oftalmologia e ainda por psiquiatria e fisiatria – ponto 1.23;
vii) - Em 9.10.2012, foi novamente internada e submetida a nova cirurgia para extração de fixadores externos e osteossíntese do rádio com placa DVR+OOS do cúbito com hauban – ponto 1.24;
viii) - Após a alta hospitalar, ocorrida em 26.10.2012, foi novamente orientada para consulta externa de ortopedia – ponto 1.25;
ix) - Entre 22 e 26.08.2013, a A. foi sujeita a novo internamento hospitalar e sujeita a outra cirurgia para extração de material de osteossíntese dos ossos do antebraço esquerdo, após o que se manteve em consulta externa de ortopedia – ponto 1.26;
x) - Entretanto, a A. foi observada em consulta externa de psiquiatria em 01.10.2012, apresentando nessa data ter efetuado o luto com adequação e assertividade; humor eutímico, com flutuações emocionais de acordo com a sua situação vivencial e queixas de insónias e sono fragmentado, mesmo medicada, tendo tido alta da referida especialidade em 9.08.2013 – ponto 1.27;
xi) - A A. foi sujeita ainda a tratamentos de fisioterapia até finais de janeiro de 2014 – ponto 1.28;
xii) - Após a primeira alta hospitalar, a A. foi viver para a casa de uma irmã, onde permaneceu durante cerca de seis meses – ponto 1.29;
xiii) - Período de tempo durante o qual a referida irmã e a sobrinha lhe prestaram todos os cuidados necessários, nomeadamente, ajuda para se alimentar, tratar da higiene pessoal, vestir, realizar pequenas deambular pela habitação e transporte para as consultas e tratamentos – ponto 1.30;
xiv) - A data da consolidação das sequelas sofridas pela A. ocorreu em 9.01.2014 – ponto 1.31;
xv) - Em consequência das lesões sofridas, a A. apresenta as seguintes queixas: manipulação e preensão condicionadas à esquerda pelas limitações funcionais do punho e mão e menor força muscular, com dor associada; alterações de memória, fatigabilidade maior quando está concentrada nalguma tarefa; dores do membro superior esquerdo agravadas pelos esforços; cefaleias de localização frontal direita; perturbações da visão, ocasionalmente com diplopia que tenta corrigir com desvio da cabeça para a direita – ponto 1.32;
xvi) - E as seguintes sequelas: sequelas de traumatismo crânio-encefálico, traduzidas por queixas de cefaleias de localização fronto-orbitária direita com queixas de diplopia com estrabismo convergente do olho direito; na face: ligeira midríase do olho direito o qual apresenta ocasionalmente em adução, com correspondente queixa de diplopia, nos planos superiores e no campo lateral corrigida por espontâneo torcicolo; no membro superior esquerdo: cicatriz linear, normocrómica, de tipo cirúrgico, medindo 5 cm e localizada na face dorsal do punho, rebordo cubital; cicatriz de configuração irregular, localizada no espaço interdigital entre polegar e indicador, normocrómica, medindo 3x2 cm; cicatriz linear de 16 cm, de orientação longitudinal à face anterior do antebraço, de tipo cirúrgico, de localização predominante no terço médio e distal do antebraço, junto ao punho de dimensão e características inespecíficas, provavelmente resultantes de ação de esfacelo; rigidez do punho na dorsificação que não ultrapassa os 30º, na flexão que não ultrapassa os 70º; rigidez na supinação que chega aos 70º; proganação normal; desvio radial zero; rigidez de todos dedos, de todas as articulações, não conseguindo fazer enrolamento dos mesmos nem oponência do polegar aos restantes dedos – ponto 1.33;
xv) - O que lhe provoca tristeza, desgosto e angústia – ponto 1.34;
xvi) - As lesões sofridas pela A. determinaram um período de défice funcional temporário total fixável em 60 dias e um período de défice funcional temporário parcial fixável em 435 dias – ponto 1.35;
xvii) - E um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 31 pontos, sendo as sequelas compatíveis com a atividade profissional habitual, mas acarretam esforços acrescidos – ponto 1.36;
xviii) - Ainda em consequência do embate e das lesões sofridas, a A. sofreu um quantum doloris no grau 4 e um dano estético no grau 4, numa escala de 1/7 – ponto 1.37;
xix) - Em consequência das lesões e sequelas sofridas, a A. necessita e vai continuar a precisar de tomar diariamente medicação (ansiolítico) para dormir – ponto 1.38;
xx) - E necessita realizar novo tratamento cirúrgico para tratamento das sequelas do olho direito – ponto 1.39;
xxi) - No momento do embate e nos instantes que o precederam, a A. sofreu um enorme susto e temeu pela própria vida - – ponto 1.40;
xxii) - A A. nasceu no dia 6.04.1960 – ponto 1.41;
xxiii) – À data do embate, a A. era pessoa sadia, saudável, robusta, alegre e sem qualquer maleita anterior – ponto 1.42.
Perante este quadro de circunstâncias, integrado pelo tipo de lesões sofridas, internamentos sucessivos e intervenções cirúrgicas várias, tratamentos diversos, período de convalescença, um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 31 pontos, com sequelas compatíveis com a atividade profissional habitual, acarretando esforços acrescidos, quantum doloris e dano estética de nível 4, numa escala de 1 a 7, conclui-se que a A. teve um sofrimento físico e psíquico, com afetação da sua vivência pessoal, social e de desempenho acima do nível médio.
Assim, à luz dos parâmetros seguidos pela jurisprudência no tipo de dano em referência tem-se por adequada a compensação de € 50.000,00 arbitrada pela Relação.
2.4. Quanto à pretensa indemnização por assistência de terceira pessoa
A A. começou por pedir uma indemnização de € 12.254,00 para despesas da sua irmã pelos cuidados que lhe prestou durante o período de 11 meses de convalescença.
A 1.ª instância, considerando que a A. estivera, durante seis meses, com assistência indispensável de terceira pessoa, certamente durante algumas horas por dia, fixou-lhe uma indemnização de € 2.700,00, à razão de € 450,00 mensais.
Por sua vez, a Relação negou tal indemnização por considerar não estar provada matéria para tal.
Ora, dos factos provados apenas se colhe o seguinte:
- após a primeira alta hospitalar, a A. foi viver para a casa de uma irmã, onde permaneceu durante cerca de seis meses – ponto 1.29;
- Período de tempo durante o qual a referida irmã e a sobrinha lhe prestaram todos os cuidados necessários, nomeadamente, ajuda para se alimentar, tratar da higiene pessoal, vestir, realizar pequenas deambular pela habitação e transporte para as consultas e tratamentos – ponto 1.30.
Deste quadro factual não resulta que a A. tivesse suportado ou assumido qualquer custo económico com a referida assistência, nem sequer se colhe que essa assistência tivesse sido prestada com um tal alcance, de modo a permitir a aplicação do preceituado no artigo 495.º, n.º 2, do CC, tal como entendeu a Relação.
Termos em que improcedem, nesta parte, as razões da Recorrente.
IV – Decisão
Pelo exposto, acorda-se em conceder, parcialmente, a revista interposta pela autora e negar a revista interposta pela ré, decidindo-se:
A - Alterar o acórdão recorrido nos segmentos em que se reduziu a indemnização pelo dano relativo à perda de alimentos e a compensação pela perda do direito à vida do falecido marido da A., condenando-se a ré a pagar à autora:
a) - a título daquela indemnização, a quantia de € 130.000,00 (cento e trinta mil euros), acrescida dos juros de mora legais desde a citação da ré;
b) – a quantia de € 40.000,00 (quarenta mil euros), correspondente a metade do valor de € 80.000,00 (oitenta mil euros), em sede da referida compensação pela perda do direito à vida do falecido marido da A., acrescida de juros de mora desde a data da sentença da 1.ª instância.
B - Confirmar no mais o acórdão recorrido.
As custas ficam a cargo das partes na proporção do respetivo decaimento.
Lisboa, 4 de junho de 2020
Manuel Tomé Soares Gomes (Relator)
Maria da Graça Trigo
Maria Rosa Tching
Nos termos do artigo 15.º-A do Dec.-Lei n.º 10-A/2020, de 13-03, aditado pelo Dec.-Lei n.º 20/20, de 01-05, para os efeitos do disposto no artigo 153.º, n.º 1, do CPC, atesto que o presente acórdão foi aprovado com o voto de conformidade das Exm.ªs Juízas-Adjuntas Maria da Graça Trigo e Maria Rosa Tching, que não assinam pelo facto de a sessão de julgamento (virtual) ter decorrido mediante teleconferência.
Lisboa, 4 de junho de 2020
O Juiz Relator
Manuel Tomé Soares Gomes
[1] In Das Obrigações em Geral, Vol. I, Almedina, 10.ª Edição, 2006, pp. 623.
[2] Ob. cit. p. 622.
[3] Vide acórdão do STJ de 19/02/2014, no processo n.º 1229/10.9TAPDL-L1.S1, acessível na Internet – http://www.dgsi.jstj, p. 30.
[4] Vide, Obrigações em Geral, Vol. 1.º, 9.ª Edição, pag. 501, acórdão do STJ, de 20/10/2009, no processo nº 85/07.9 TCGMT.G1, http://www. dgsi.pt
[5] Citado no acórdão do STJ de 19/02/2014, no processo n.º 1229/10.9TAPDL-L1.S1.
[6] Acórdão relatado pela Juíza Conselheira Maria da Graça Trigo, aqui 1.ª adjunta, e acessível em www.dgsi.pt.