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ECLI:PT:STJ:2020:4821.16.4T8LSB.L1.S2.1

Relator: Nuno Pinto Oliveira

Descritores: Dano causado por edifício ou outras obras; Danos não patrimoniais; Impugnação da matéria de facto; Acto inútil; Ato inútil; Questão relevante; Ofensa do caso julgado; Propriedade horizontal; Condomínio; Factos instrumentais; Factos complementares; Reformatio in pejus

Processo: 4821.16.4T8LSB.L1.S2

Data do Acordão: 05/02/2020

Votação: Unanimidade

Texto Integral: S

Meio Processual: Revista

Decisão: Concedido provimento parcial à revista

Indicações eventuais: Não transitado em julgado

Área Temática: 7ª Secção (Cível)

Sumário

I - O princípio de que o juiz deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes, analisando todos os pedidos formulados, está sujeito a uma restrição, e a restrição reporta-se às matérias e aos pedidos que forem juridicamente irrelevantes.
II - Estando em causa factos irrelevantes, não faz qualquer sentido ponderar sequer a sua inserção na matéria de facto provada.
III - O acórdão da Relação que altera os valores individuais da indemnização por danos não patrimoniais fixados na 1.ª instância e não impugnados por nenhuma das partes incorre em ofensa de caso julgado. 

 

Decisão Texto Parcial

Não disponível.

Decisão Texto Integral

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

 

 

 

I. — RELATÓRIO

 

 

            1. Condomínio do Prédio sito na Av. … n° … em …, AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, UU, VV, XX, ZZ, AAA, BBB, CCC, DDD e EEE propuseram a presente acção declarativa comum contra Residências Sénior do Areeiro, Instalações para Idosos S.A., Sonangil - Construção Civil e Obras Públicas, S.A. e Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A., pedindo
 

            I. — a condenação dos Réus, solidariamente, no pagamento de uma indemnização por todos danos patrimoniais e não patrimoniais, no valor global de € 518.381,08, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento;
 

            II. — a condenação dos Réus no pagamento de uma indemnização a título de danos futuros, provados mas não contabilizados, a apurar em sede de execução de sentença.
 

 

            2. Cada um dos Réus contestou, pugnando pela improcedência do pedido.
 

 

            3.  Os Autores responderam às excepções deduzidas em cada uma das contestações.
 

 

            4. A 1.ª instância julgou a acção parcialmente procedente,
 

            I. — absolvendo as Rés Sonangil, S.A., e Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A., do pedido; e
 

            II. — condenando a Ré Residências Sénior do Areeiro, S.A.:
 

            a. — a pagar aos Autores, pelos trabalhos de reparação das anomalias existentes no edifício da Av. …, n.° …5 e respectivas fracções, de acordo com o relatório efectuado pela “Matutec - Engenharia e Peritagens, Lda.”, nos autos a fls. 142 e seguintes, a quantia que se apurar em sede de liquidação de sentença,
 

            b. — a pagar, a título de danos não patrimoniais, a quantia total de € 21.000,00 (vinte e um mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, repartida da seguinte forma:
 

            — r/c direito, 1.º direito, 2.º direito e 3 direito, € 2.000,00 (dois mil euros) cada um;
 

            — 4 andar direito e 5.º andar direito, € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros) cada um;
 

            — fracções, do r/c ao 5 andar, lado esquerdo, € 1.000,00 (mil euros) cada um:
 

            c. — a suportar as despesas que os Autores vierem a assumir com os custos da mudança das suas habitações para outras, no período necessário à realização das obras de reparação no edifício, a liquidar em execução de sentença, absolvendo a mesma ré do demais peticionado.
 

 

            5. Inconformada, a 1.ª Ré Residências Sénior do Areeiro, S.A., interpôs recurso de apelação.
 

 

            6. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:
 

 

1ª O presente recurso visa impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, e a alteração da decisão sobre o aspeto jurídico da causa.
 

Da impugnação da matéria de facto
 

2a No que concerne à decisão proferida pelo Tribunal a quo sobre a matéria de facto, considera-se incorretamente julgado o ponto 17 dos factos provados.
 

3a Ao contrário do decidido, o ponto 17 não foi aceite por acordo das partes, já que a factualidade constante do art.° 46.° da p.i. (a que correspondente aquele ponto) havia sido expressamente impugnada pela 1.ª Ré (artigos 36.° a 40.° da sua contestação) e pela 2.a Ré (artigos 23.° e ss da sua contestação).
 

4a Resulta da acta da audiência prévia realizada em 2 de Outubro de 2017, que a matéria do art.° 46.° da p.i. não estava entre os factos dados como assentes pelo Tribunal por acordo das partes.
 

5a Assim a matéria vertida no ponto 17 dos factos provados deve ser dada como não provada
 

6a Discorda ainda a Apelante da resposta dada no ponto 36 dos factos provados.
 

7a Dos depoimentos das testemunhas FFF - 2.a Sessão da audiência de julgamento, em 23.01.2018 (depoimento com início às 15:34 e termo às 15:46); GGG - 2.a Sessão da audiência de julgamento, em 23.01.2018 (depoimento com início às 16:24 e termo às 16:38); HHH - 2.a Sessão da audiência de julgamento, em 23.01.2018 (depoimento com início às 16:39 e termo às 16:49); III - 2.a Sessão da audiência de julgamento, em 23.01.2018 (depoimento com início às 16:49 e termo às 17:15); e das declarações das Partes VV - 8.a Sessão da audiência de julgamento, realizada em 05.03.2018 (depoimento com início às 10:48 e termo às 11:06); FF - 8.a Sessão da audiência de julgamento, realizada em 05.03.2018 (depoimento com início às 11:22 e termo às 12:08); e GG - 9.a Sessão da audiência de julgamento, realizada em 2018 (depoimento com início às 14:23 e termo às 14:57) não resulta que qualquer um dos Autores tenha sair de suas casas durante a realização das obras nas suas fracções autónomas, ou que necessitem de vir a habitar noutro local durante esse período.
 

8a Do depoimento da testemunha GGG - 2.a Sessão da audiência de julgamento, em 2018 (depoimento com início às 16:24 e termo às 16:38) - resulta que a proprietária do 3.º andar direito aí não reside.
 

9a Do depoimento da testemunha HHH - 2.a Sessão da audiência de julgamento, em 2018 (depoimento com início às 16:39 e termo às 16:49) - resulta que no 2.º andar direito também não residem qualquer um dos seus proprietários e Autores.
 

10a Desta sorte, a matéria do ponto 36 dos factos provados deverá ser considerada como não provada.
 

11a A ora Apelante também não se conforma que o Tribunal a quo tivesse considerado provados os pontos 37, 38 e 41 dos factos provados.
 

12a Da análise de cada um desses depoimentos em que fundamenta a sua decisão não resulta cabalmente demonstrado que todos os Autores tivessem sido confrontados com quedas de poeiras, cal ou pedaços de parede.
 

13a Muito menos que todos eles se tivessem sentido inseguros, tanto mais que tais depoimentos provaram que os Autores proprietários do 2.º direito e do 3.º direito nem sequer residiam nas referidas habitações.
 

14a Uma vez mais, nada resulta da prova testemunhal ou por via das declarações de parte - e tão pouco se extraí de outro qualquer meio de prova - que habilitasse o Tribunal a dar como provados estes factos com a redacção que lhes foi dada nos pontos 37 e 38 e 41.
 

15a Consequentemente, os pontos 37, 38 e 41 dos factos provados deverão ser modificados, passando a ter a seguinte nova redacção:
 

37. Desde o início das obras no edifício contíguo que os Autores proprietários do 4.° andar direito, a Autora proprietária do 1,° Direito e os Autores proprietários do R/c Esquerdo foram confrontados com quedas de poeira, cal e pedaços de paredes, das sancas e do estuque, ficando as respectivas habitações sujas e com um aspecto descuidado.
 

38. Os Autores proprietários do 4.° andar direito, a Autora proprietária do l.° Direito e os Autores proprietários do R/c Esquerdo sentiram-se inseguros, bem como os que consigo habitam e visitam, e tiveram medo de viver na sua própria casa.
 

41. Os Autores proprietários do 4.º andar direito têm rachas onde conseguem colocar a sua mão, tendo receio todos os dias de que as mesmas aumentem ou que provoquem a ruína de alguma das divisões da respectiva casa.
 

16a Por outro lado a Recorrente entende que o Tribunal a quo não fez uma correcta valoração da prova, omitindo factos relevantes constantes de documentos que se encontram juntos aos autos, alguns dos quais documentos autênticos, havendo, assim, erro na apreciação das provas contantes do processo.
 

17a O Tribunal a quo deu os factos constantes dos pontos 53 a 57 como provados (cfr. págs. 14 e 15 da douta sentença) - pontos respeitantes a características e processo de construção do edifício dos Autores - com base na documentação constante dos autos, proveniente dos arquivos da CML, a fls. 1499 e ss. (pág. 22 da sentença), a qual não foi devidamente considerada nem valorada pelo Tribunal a quo, quanto a outros factos fundamentais para enquadrar as características da construção do edifício dos Autores e o estado de conservação do mesmo à data do início das obras levadas a cabos pelos RR.
 

18a De entre os documentos não atendidos estão os seguintes (i) Ofício dos Serviços Técnicos do Batalhão de Sapadores Bombeiros de 12/02/1953 dirigido ao Director dos Serviços Técnico- Especiais da CML - a fls. 1509 e 1509 v.°; Ofício da Comissão Permanente de Vistorias da CML de 29/04/1953 dirigido ao Director dos Serviços de Salubridade e Edificações Urbanas - a fls. 1508 - (iii) Ofício dos Serviços Técnicos do Batalhão de Sapadores Bombeiros de 15/04/1961 dirigido ao Director dos Serviços Técnico - Especiais da CML - a fls. 1510 (iv) Informação da Direcção dos Serviços de Salubridade e Edificações Urbanos de 22/05/1962 - a fls. 1511 a 1512 v.° ; (v) Proposta de Intimação solicitada à Polícia Municipal por parte da Direcção de Serviços de Obras da CML de 09/01/1970 - a fls. 1513 a 1514; (vi) Informação da Divisão de Fiscalização da Direcção dos Serviços de Obras da CML de 21/05/93 - a fls. 1515 e (vii) Informação da Divisão de Fiscalização da Direcção Municipal de Construção e Conservação de Edifícios da CML de 21/06/93-afls. 1516 e 1516 v.°.
 

19a Tais documentos atestam factos que demonstram que o prédio dos Autores há muito que padecia de graves patologias, constatadas pelas diversas autoridades num período compreendido entre 1953 e 1993, tendo inclusivamente o seu então proprietário, JJJ, sido intimidado para proceder a obras de reparação profundas e urgentes, intimações que nunca cumpriu.
 

20a Os factos atestados pelos citados documentos são manifestamente pertinentes para a questão - “Tema de Prova 3. Do nexo causal entre os danos no imóvel e a obra levada a cabo no imóvel referido no ponto 1.” - e como tal deveriam constar como provados na decisão sobre a matéria de facto.
 

21a Acresce que os meios probatórios de onde esta factualidade resulta - certidões emitidas pela CML — são documentos autênticos - ut n.°s. 1 e 2 do art.° 363° do CC.
 

22a Nos termos do disposto no art.° 371.° do CC, os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade respectiva, assim como dos factos que nele são atestados com base nas percepções da entidade documentadora.
 

23a Pelo que deverá resultar como provada no ponto 57 dos factos provados, para o apuramento da verdadeira causa dos danos alegados pelos Autores, a seguinte matéria:
 

(vii) Em Fevereiro de 1953 o 5.° andar direito apresentava a fachada principal, divisórias e tectos com fendas de carácter antigo;
 

(viii) Em Abril de mesmo ano as paredes e tectos do 5° andar apresentavam numerosas fendas, especialmente nos compartimento da frente, havendo o perigo de abaterem parcelas de estuque sobre os respectivos moradores, pelo que o então proprietário JJJ foi intimado a realizar obras de reparação, refechando as fendas das paredes e demolindo e reconstruindo os estuques dos tectos.
 

(ix) Em Abril de 1961 existiam no 5.° andar direito algumas fendas nas paredes, no sentido vertical, nas quais foram colocados testemunhos, tendo a CML concluído que o prédio necessitava de obras de consolidação.
 

(x) Em Maio de 1962 continuavam a faltar obras para refechar fendas nas paredes da sala de jantar do 5.° Dto.
 

(xi) Em Janeiro de 1970, no 3° Esq. do n° 235, verificaram-se as seguintes anomalias: fendas pronunciadas em paredes, tectos e sancas, com particular incidência na zona da frente, onde a parede da fachada se deslocou um pouco para o exterior; pavimento de um quarto da frente, um tanto abatido, junto à soleira da porta da sacada, infiltrações em parte intensas; revestimentos desagregados nos tectos de ambas as casas de banho e de um dos quartos pelo que foram consideradas necessárias, para corrigir as más condições de solidez e segurança verificadas, a execução de obras de consolidação e reparação;
 

(xii) Em Maio de 1993, encontravam-se afectadas as condições de segurança e salubridade grau B, pelo que não tendo o então proprietário, uma vez mais respondido à intimação, a CML decidiu, em Junho do mesmo ano, encaminhar o processo para a execução coerciva.
 

24a Consequentemente a resposta dada do Tribunal a quo ao ponto 57 dos factos provados deverá ser eliminada e substituída pelos factos enunciados na conclusão anterior.
 

25a A Apelante discorda da matéria constante dos pontos 47 e 49 dos factos provados.
 

26a A redacção do ponto 47 foi estribada apenas nas conclusões do doc. 1 junto com a contestação da ora Recorrente (Relatório elaborado pela Gauss), sem ter em conta os demais elementos que o compõem, nomeadamente as fichas de inspecção visual de cada parte do edifício, as quais, em certos casos, até infirmam as ditas conclusões.
 

27a Face ao teor da segunda folha da Ficha de Inspecção Visual relativa ao prédio (fls. 1179 v.° dos autos), o ponto 47 dos factos provados contém imprecisões importantes, uma vez que o alçado lateral esquerdo que se encontra em razoável estado de conservação é apenas a parte que não confina directamente com o lote/obra, e as patologias evidentes descritas pelo douto Tribunal a quo no mesmo ponto não coincidem com as que constam do documento de fls. 1179 e 1179 v.°.
 

28a Razão pela qual a matéria constante do ponto 47 dos factos provados deverá ser modificada a fim de reproduzir o que consta no documento no qual o douto Tribunal fundou a sua convicção: “Ponto 47 - Nos termos desse relatório, consta que nos alçados tardoz e lateral esquerdo do prédio dos Autores na parte que não confina directamente com o lote/obra estão em razoável estado de conservação, resultado de algumas obras recentemente efectuadas, mas que ainda assim eram visíveis um conjunto de patologia o empolamento da tinta motivado por humidades e infiltrações e fissuração do revestimento (alguma dela com reparações recentes visíveis).”
 

29a Do mesmo documento de fls. 1179 e 1179 v.° resultam, ainda, factos essenciais para a análise crítica do real estado do prédio dos Autores antes do início das obras e da natureza e causas desse mesmo estado, os quais foram totalmente omitidos da matéria de facto.
 

30a Designadamente o estado de degradação e a necessidade de uma urgente intervenção do alçado lateral esquerdo do prédio dos Autores, na parte que confina com o lote que veio a ser objecto de obras; a necessidade de refazer a quase totalidade da cobertura do edifício reparada há cerca de 3 anos e meio, para colmatar os problemas das infiltrações; bem como o facto de o prédio dos Autores ser feito em alvenaria mista, implicando que qualquer infiltração de água ou humidades deteriore substancialmente os elementos construtivos.
 

31a Face ao que devem ser aditados os seguintes pontos à matéria de facto provada:
 

(iv) Ainda de acordo com o mesmo relatório, o alçado lateral esquerdo na parte que confina com o lote que vai ser objecto de obras de remodelação e recuperação encontra-se muito degradado e a necessitar de uma urgente intervenção.
 

(v) A cobertura deste edifício foi refeita na totalidade há cerca de 3 anos e meio indicando a necessidade que houve em colmatar os problemas das infiltrações e revelando as condições eventualmente agrestes a que estiveram expostos os elementos construtivos do edifício, nomeadamente paredes, tectos e pavimentos.
 

(vi) O edifício dos Autores foi feito em alvenaria mista pelo que qualquer infiltração de água ou humidades deteriora substancialmente os elementos construtivos que mesmo com reparações pontuais não elimina na totalidade as patologias existentes.
 

32a A Recorrente também não concorda com o teor do Ponto 49 dos factos provados, igualmente estribado numa conclusão do Relatório da Gauss, porque a mesma não se reporta às fracções, mas apenas às Zonas Comuns do prédio - doc. de fls. 1179 e 1179 v.°
 

33a As patologias das fracções resultam antes das fichas das inspecções visuais de cada uma delas, nomcadamcntc: Ficha do r/c Esq. - fls. 1265 c 1265 v.°; Ficha do 1° Dto. - fls. 1274 c 1274 v.°; Ficha do 2° Dto. - fls. 1295 e 1295 v.°; Ficha do 3.º Dto. - fls. 1311 e 1311 v.°; Ficha do 4° Dto. - flsl335 e 1335 v.° e Ficha do 5.º Dto. - fls. 1348 e 1348v.° .
 

34a Em consequência, o ponto 49 dos factos provados deverá passar a ter o seguinte teor: “Foram inspeccionadas todas as fracções que confinam com as paredes do edifício da Ia Ré, resultado que as mesmas comungam das patologias já detectadas em todo o Edifício, a que acrescem infiltrações agravadas devido ao tubo de queda de água entupido, sendo que no 4.° Dto. - que havia sido objecto de obras recentes - voltaram a aparecer de novo focos de humidade”
 

35a Ainda que o douto Tribunal tivesse qualquer dúvida sobre a realidade destes factos sempre teria que resolver contra a parte a quem o facto aproveita, nos termos do art.° 414.° do CPC e, consequentemente, ter considerado tal factualidade como provada.
 

36a Ainda com particular interesse para o objecto do litígio - Do direito dos Autores a uma indemnização, pelos Réus, a título de responsabilidade civil extracontratual - há uma concreta factualidade alegada pela ora Recorrente, e aceite por todas as partes, que assume especial interesse para a discussão da solução de Direito, de entre as várias plausíveis, e que foi ignorada pelo Tribunal a quo.
 

37a Tal factualidade reporta-se ao vertido no art.° 43° da douta Petição Inicial, no art.° 15° da douta Contestação da 2a. Ré, e nos artigos 163° e 164° da Contestação da Ia Ré e ora Recorrente, matéria relativa ao Contrato de Empreitada.
 

38a Tendo sido alegado que a responsabilidade pelo pagamento de uma indemnização aos Autores foi contratualmente assumida pela 2a R., impunha-se que o Tribunal a quo tivesse considerado provado, com interesse para a presente lide, a seguinte factualidade:
 

(ii) A 2a R. assumiu na Cláusula 2.1. do contrato de empreitada e artigo 8.1 das Condições Jurídicas e Administrativas (Anexo III ao contrato de empreitada) a responsabilidade exclusiva e o encargo proceder à resolução das situações por todas as ocorrências que sobrevierem durante a execução da obra, nas áreas de realização da Empreitada, adjacentes ou relacionadas com a mesma, tais como desabamentos, inundações ou incêndios, danos a vizinhos ou outros que acarretem prejuízos para a obra ou para terceiros, assim como danos materiais e corporais causados a Pessoal e bens do Adjudicatário, de terceiros incluindo o Dono da Obra e seus representantes.
 

39a Em face das omissões e deficiente valoração das provas constantes dos autos, por parte do Tribunal a quo, caberá ao Tribunal da Relação, nos termos do disposto no art.° 662°, n.° 1 do CPC, alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, já que os factos tidos como assentes e a prova produzida impõem decisão diversa.
 

40a Modificação essa que deverá no sentido de se considerem provados os factos instrumentais acima devidamente identificados e os factos alegados nos art.°s 163° e 164° da Contestação da ora Apelante.
 

41a Por outro lado, o Tribunal a quo decidiu que “nenhuma das apólices de seguro celebradas pela 2.a Ré com a 3.a Ré estava em vigor à data da ocorrência dos factos susceptíveis de gerar a obrigação de indemnizar - uma delas, por não estar em vigor à data dos factos (pontos 73. e 75. dos factos provados), a outra, por ter sido emitida com base em falsas declarações do segurado (ponto 74 por referência ao ponto 75 dos factos provados)” - pág. 35 da sentença.
 

42a Sobre a questão dos contratos de seguro celebrados pela 2,a com a 3.a Ré, o Tribunal a quo deu por assente a matéria constante dos pontos 69, 70, 73, 74 e 75 dos factos provados.
 

43a Resulta dos pontos 69 e 70 dos factos provados, que entre a 2.a e a 3.a Rés existiam duas apólices de seguro, uma com o n.° 0002….8 (seguro adicional e temporário) e outra com o n.° 0003…5.
 

44a Quando o Tribunal a quo refere que uma das apólices ainda não estava em vigor à data dos factos susceptíveis de gerar a obrigação de indemnizar, remetendo para matéria provada nos pontos 73 e 75, e a outra por ter sido emitida com base em falsas declarações do segurado, remetendo para o que vem provado no ponto 74 por referência ao ponto 75 dos factos provados, comete um claro erro de julgamento 45a A apólice a que se refere a matéria dos pontos 73 e 74 dos factos provados é sempre a mesma: a com o n.° 0002….8 e que entrou em vigor em 22.08.2013, sendo esta que foi anulada pela seguradora por falsas declarações da 2. Ré.
 

46a Por outro lado, se quanto à apólice n.° 0002…8 vem provado que esta entrou em vigor em 23.07.2013, já quanto à apólice n.° 0003…5 (de responsabilidade civil geral) nada vem dado como provado (ou como não provado) pelo douto Tribunal a quo.
 

47a Quanto a esta matéria foi determinante o depoimento da testemunha KKK, gestora de sinistros da 3.a Ré (Seguradoras Unidas) - 6.a sessão da audiência de julgamento, de 05.02.2018 - depoimento com início às 10:04 e termo às 10:40 - do qual resulta que a Apólice 0003…5 foi contratada em 26.02.2013, esteve suspensa, por falta de pagamento do respectivo prémio, até 23.07.2013, data que em começou a produzir os seus efeitos, pelo que os danos verificados depois dessa data estavam a coberto da mesma apólice.
 

48a Como tal, deverá ser dado como provado o seguinte facto: “A apólice de seguro n.° 0003…35 esteve suspensa entre o período de 26.02.2013 e 23.07.2013, por falta de pagamento do prémio”.
 

49a De outra banda, o facto dado como provado no ponto 78 não corresponde exactamente à prova que foi produzida, uma vez ali não se identifica qual das duas apólices foi anulada, sendo certo que do depoimento da já identificada testemunha KKK e do documento n.° 6 junto com contestação da 3.° Ré (fls. 298), resulta tratar-se da apólice n.° 0002…8.
 

50a Consequentemente, a redacção do ponto 78 dos factos provados deverá ser modificada, passando ter a seguinte redacção: “Por carta registada com aviso de recepção remetida para a 2.a Ré em 30.10.2015, a 3.a Ré comunicou que procedia à anulação da apólice n.° 0002…8.”

 

Da Matéria de Direito

 

Da inexistência de nexo de causalidade:
 

51a Se o douto Tribunal a quo tivesse atendido ao teor das certidões emitidas pela Câmara Municipal de … - vide conclusão n.° 23 supra - e os tivesse conjugado com os pontos 53, 55, 58, 59 e 60 dos factos provados teria resultado evidente ao Tribunal a quo que as patologias verificadas no prédio dos Autores desde 1953 - eventualmente desde sempre - eram patologias que afectavam a segurança e salubridade do edifício, decorrentes de más condições de solidez e segurança, que não foram objeto de obras de consolidação e de reparação, agravadas pela abertura de dois vãos numa parede resistente ao nível do piso zero a toda a largura da parede da fundação - pontos 59 e 60 dos factos provados e que as condições de segurança e salubridade do edifício foram classificadas como grau B [de risco].
 

52a Ora se o douto Tribunal a quo tivesse procedido a uma análise mais detalhada de todo o conteúdo do Relatório Gauss, os pontos 47 e 49 dos factos provados teriam tido uma redacção diversa e a matéria fáctica teria sido objecto da devida ampliação nos termos acima alegados.
 

53a Resultando claro que o prédio dos Autores, em 2012 continuava a sofrer das patologias anteriores, o que explica que o alçado lateral esquerdo que confinava com a obra a realizar se encontrasse muito degradado e a necessitar de obras urgentes.
 

54a Os relatórios constantes dos autos (da ICIST/FIJNDEC, da MATUTEC e da GAUSS) não referem - porque à data tal era desconhecido dos seus autores - que as patologias do prédio dos Autores eram de natureza estrutural, insanável, portanto, através de qualquer obra de reparação.
 

55a Mas esses factos eram do conhecimento do douto Tribunal a quo à data da sentença.
 

56a Mesmo com recurso às regras de experiência comum, resulta evidente que: (iv) as patologias estruturais - decorrentes da deficiente construção do edifício, em incumprimento do projecto e sem o ferro que se encontrava previsto; (v) agravadas pela remoção de uma parede resistente ao nível do piso zero a toda a largura da parede da fundação - facto que só foi conhecido após a demolição do prédio da ora Recorrente; (vi) e cuja gravidade levaram a que a CML considerasse o …5 da Avenida … como um imóvel com más condições de solidez e segurança e de salubridade com grau B de risco terão de ser consideradas como circunstâncias anormais, excepcionais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto; é matéria manifestamente relevante na determinação da origem das patologias em causa nos autos e foram a causa adequada do evento, por os danos se apresentarem como uma consequência normal ou como um efeito provável dessa verificação.
 

57a A demolição e escavação do prédio da ora Recorrente, que actuou como condição naturalística imediata dos danos, não pode ser havido, juridicamente, como causa adequada para a sua produção, por terem contribuído, decisivamente, as circunstâncias anormais acima descritas.
 

58a Independentemente do tipo de responsabilidade civil que venha a estar em causa nos presentes autos, há um requisito comum a todas elas: a exigência que seja apurado um nexo de causalidade entre a factualidade provada e os danos, relativamente ao qual a nossa lei adoptou a designada doutrina da causalidade adequada, estabelecendo que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão - art.° 563.° do C.C.
 

59a Face à manifesta ausência de nexo de causalidade entre as obras de demolição e de escavação e os danos no prédio dos Autores, não pode a ora Recorrente ser julgada responsável pelos eventuais danos e, consequentemente, deverá ser absolvida do pagamento de qualquer indemnização aos Autores, pelo que ao decidir como decidiu o douto Tribunal a quo violou o art.° 563° do CC.
 

Da (in)aplicabilidade do art.° 493.°, n.° 2, do Código Civil
 

60a Mesmo que existisse qualquer nexo de causalidade, não pode a ora Recorrente concordar com o seguinte segmento da douta sentença sub judicie: “Assinale-se, também, que consideramos afastada a aplicabilidade, ao caso, da presunção de culpa estabelecida pelo artigo 493°, n° 2 do Código Civil, no que respeita a actividade perigosa, já que não foi efectuada prova suficiente no sentido em que os trabalhos de demolição e escavação, nos termos em que foram levados a cabo, constituíram actividade perigosa (vejam-se os já referidos pontos 50. a 52. dos factos provados).”
 

61a A responsabilização do empreiteiro por eventuais danos causados em virtude de uma actividade potencialmente perigosa, pela presunção de culpa que este tipo de responsabilidade extracontratual encerra, deverá, ser precedida da qualificação, caso a caso, e em face das concretas situações em que a execução da empreitada se realizou, da determinação e forma como essa concreta actividade deve ser exercida e executada, pelos meios que devem ser utilizados e que a tecnologias disponível permite, e aconselha e exige, os conhecimentos técnicos ao dispor do executor e o bom desempenho das regras e práticas que sejam empregues para aquele tipo e género de obra.
 

62a Em face da matéria constante dos pontos 44 e 45 dos factos provados, dos pontos 47 e 49 dos factos provados (na redacção requerida nas conclusões 28.a e 34a supra) da matéria de facto ampliada nos termos indicados na conclusão 31a supra, bem como da matéria dos pontos 58, 59, 63 e 64 dos factos provados, ter- se-á de concluir que, embora a actividade de construção civil não seja, a se, uma atividade perigosa, a demolição e escavação de um prédio, numa zona da cidade antiga, envolvendo prédios antigos confinantes, reveste um risco acrescido e obriga a especiais cautelas.
 

63a Tais trabalhos podem pôr em causa a estabilidade ou estrutura dos prédios contíguos e, neste caso, estando já o prédio contíguo fragilizado, revestem-se de especial perigosidade e obrigam a especiais cuidados.
 

64a Em razão do local da obra, do respectivo circunstancialismo envolvente, a actividade da 2a. Ré deve ser considerada “actividade perigosa” e neste caso assistia aos Autores a presunção do n.° 2 do art.° 493.° do CC face à 2a Ré.
 

65a O art.° 493.°, n.° 2 do Código Civil, consagra uma presunção legal de culpa, pelo que, para se eximir da sua responsabilidade por danos causados a terceiros, à 2a Ré cabia alegar e provar que actuou, não apenas como teria actuado o bom pai de família mas, mais do que isso, actuou empregando todas providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de evitar os danos.
 

66a A este respeito a 2.a Ré não logrou provar factualidade idónea que demonstre que, em face das circunstâncias concretas tenha empregue todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir os danos.
 

67a Se é inquestionável que “em qualquer dos casos, o empreiteiro só é responsável se tiver culpa”, a verdade é que é de presumir igualmente a culpa do empreiteiro no caso de danos causados por obras no âmbito de uma atividade perigosa.
 

68a A obrigação de indemnização que emerge do n.° 2 do art.° 493.° do CC, recai sobre aquele que desenvolve a actividade perigosa, presumindo a lei na referida situação que omitiu ela a necessária vigilância que era adequada na situação concreta (culpa in vigilando).
 

69a Dos factos provados a este propósito (pontos 51 e 52) não resulta provado quais as providências tomadas pela 2a Ré durante os trabalhos de escavação, e não resulta provado que os danos sempre se teriam verificado por uma outra causa, mesmo que tivesse adoptado todas as providências exigidas pelas circunstâncias.
 

70a Não tendo a 2a. Ré ilidido a presunção de culpa contida no art.° 493.°, n.° 2 do CC, será ela responsável pelos danos causados aos AA, pelo que a decisão recorrida violou este dispositivo legal Por outro lado,
 

71a Como resulta do aditamento aos factos provados da matéria indicada na conclusão 48a supra e com a alteração da redacção do ponto 78 dos factos provados, a apólice de seguro n.° 0003…5 estava em vigor a partir de 23.07.2017, sendo que o Tribunal a quo deu como provado (ponto 76) — e bem — que os trabalhos de escavação decorreram entre o início de Agosto e o final de Setembro de 2013, pelo que à data do início desses trabalhos a apólice de seguro n.° 0003…5 estava em vigor.
 

72a Consequentemente, em face da prova produzida o Tribunal a quo deveria ter julgado transferida a responsabilidade da 2.a Ré pelos danos causados aos Autores para a 3.a, ao abrigo da apólice de seguro n.° 0003…5, sob pena de uma errada aplicação do Direito aos factos.
 

Todavia, caso assim não se entenda, ao contrário do que se espera, sempre se dirá, por mera cautela de patrocínio:
 

Da transmissão da responsabilidade:
 

73a Em consequência da alteração da factualidade provada nos termos das conclusões 38.a a 40.a supra impõe-se um novo enquadramento legal da atribuição da responsabilidade.
 

74a Nos termos do contrato de empreitada (cláusula 2.1 e artigo 8.1 das Condições Jurídica e Administrativa), a 2.a Ré assumiu a responsabilidade exclusiva e o encargo de proceder à resolução de todas as situações decorrentes das ocorrências que sobrevierem durante a execução da obra, nas áreas adjacentes ou relacionadas com a Empreitada, designadamente danos a vizinhos ou outros que acarretem prejuízos para terceiros.
 

75a Para “um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário” (cfr. art.° 236.° do Código Civil), só se pode deduzir do comportamento da 2a Ré que a mesma assumiu a toda a responsabilidade por danos de terceiros que adviesse da execução da empreitada, sem qualquer exclusão, incluindo, pois, a responsabilidade decorrente de danos que viessem a ser provocados na fase das escavações.
 


76a Prova de que a 2.a Ré tinha cabal consciência de que havia assumido, de forma exclusiva, tal responsabilidade, resulta do facto de ter accionado a sua apólice e seguro de responsabilidade civil, contratada com a 3a R e identificada com o n° 0002…8 - ponto 23 dos factos provados.
 

77a Tendo a 3.a Ré assumido o enquadramento das situações na apólice contratada - ponto 34 dos factos provados.
 

78a Sem prejuízo de o dono da obra poder acompanhar e fiscalizar a execução da obra, decorre directamente do regime legal do contrato de empreitada (art.°s 1207.° e ss do CC) que a relação entre o dono da obra e o empreiteiro não envolve a responsabilidade solidária pelos danos ocorridos na execução da obra (n.° 2 do art.° 500.° do CC) pelo que a ora Recorrente deveria ter sido absolvida dos pedidos nos quais foi condenada, sendo a 2.a Ré a responsável pelos mesmos.
 

79a Isto sem prejuízo da responsabilidade da 2.a Ré estar transferida para a 3.a Ré por força da vigência do contrato de seguro à data em que se iniciaram as escavações.
 

80a Mas ainda que assim não se entendesse, ao contrário do que se espera, sempre seria de aplicar, à assunção contratual da responsabilidade exclusiva por parte da 2.a R acima referida, o regime da transmissão contratual de dívida, previsto no art.° 595.° e ss do Código Civil e, não tendo ocorrido declaração expressa dos Autores no sentido da ratificação desta transmissão, as 1 .a e 2a Rés responderiam sempre solidariamente perante os lesados nos termos do n.° 2 do citado art.° 595.° do CC.
 

81a De acordo com o n° 1 do art.° 512.° do mesmo diploma legal, tal significa que quer a 1.ª quer a 2.a Rés (e neste caso a 3.a Ré por força da transmissão de responsabilidade através do contrato de seguro) respondem pela prestação integral que a todos libera.
 

82a O art.° 499° do CC toma extensivas à responsabilidade objectiva as regras da responsabilidade por factos ilícitos, na parte aplicável.
 

83a Em face da assunção contratual por parte da 2.a Ré da responsabilidade pelos danos de terceiros que adviessem da execução da empreitada, sem qualquer exclusão, tal significa que a 1 .a R. teria sempre direito de regresso sobre aquela, nos termos do art.° 524.° do CC, pela totalidade dos valores indemnizatórios.
 

84a Chegando-se à conclusão que, por via da assunção de responsabilidade contratual será a 2.a Ré a responsável pela totalidade da indemnização dos danos - e a 3.a Ré enquanto transmissária da mesma responsabilidade - devendo tal ficar, desde já, consignado na decisão final.
 

85a E com este mecanismo processual a 1.ª Ré conseguiria que a sentença sobre o mérito da causa “apreciasse igualmente a relação jurídica de que seja(m) titular(es) o(s) chamado(s) a intervir, constituindo, quanto a eles, caso julgado.” - cfr. art.° 320.° do CPC.
 

86a Face ao acima exposto, caso o Douto Tribunal da Relação não venha a proferir decisão a condenar a 2.a Ré como única responsável pelos danos, em face da assunção de responsabilidade total por via do contrato de empreitada, deverão, então, ser as 1.ª e 2.a Rés julgadas solidariamente responsáveis, por força do n.° 2 do art.° 595° do CC - reconhecendo-se à 1.ª Ré e ora Recorrente o direito de regresso contra a 2.a Ré, nos termos do art.° 524.° do CC, pela totalidade do que vier a pagar aos Autores, por força da assunção de responsabilidade assumida, sendo a 2.a e 3a Rés - esta enquanto transmissária da responsabilidade da 2a Ré - condenadas na satisfação desse mesmo direito de regresso.
 

Se a ora Recorrente vier a ser considerada civilmente responsável pelo pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais - o que se equaciona por hipótese de raciocínio e sem conceder:

 

Da condenação por danos não patrimoniais:

 

87a O Tribunal a quo condenou a Recorrente no pagamento de uma indemnização a título de danos não patrimoniais no montante total de € 21.000,00.
 

88a Considerando a matéria a dar como provada, nos termos da impugnação da decisão sobre matéria de facto constante das conclusões 7.a a 15.a supra, a Recorrente deverá ser absolvida do pagamento de qualquer indemnização a título de danos não patrimoniais aos Autores proprietários do 5.° Direito, do 3.° direito, do ° direito, do r/c direito, do 1.° Esquerdo, do 3.° Esquerdo, do 4.° Esquerdo e do 5.° Esquerdo.
 

89a Já relativamente ao proprietário do R/c Direito, o mesmo nem sequer é parte na acção, não lhe podendo ser reconhecido o direito a uma indemnização por danos não patrimoniais.
 

90a No tocante a este segmento da decisão, a sentença sempre será nula, na medida em que a situação em apreço não pode deixar de ser considerada equivalente àquela em que o Tribunal a quo condena em quantidade superior do pedido - art.° 615.°, n.° 1, alínea e), e art.° 609.°, n.° 1, ambos do CPC.
 

Da condenação no pagamento das despesas com os custos da mudança:

 

91a De igual modo não pode Recorrente ser condenada no pagamento das despesas enunciadas na alínea d) da sentença.
 

92a Considerando que, como alegado supra (conclusões 7.a a 10.a), a matéria do ponto 36 dos factos provados deverá ser considerada como não provada, pelo que a Recorrente sempre terá de ser absolvida desses custos, por não ter ficado minimamente demonstrado que a execução dos trabalhos de reparação determine a necessidade dos Recorridos proprietários das fracções parcialmente intervencionadas serem realojados durante a sua realização, revogando-se o disposto na alínea d) da decisão recorrida.
 

 

            7. Os Autores e a 2.ª Ré Sonangil — Construção Civil e Obras Públicas, S.A., contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso.

 

 

            8. Os Autores finalizaram a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:
 

 

1. As alegações da Recorrente não colhem, devendo a Apelação ser julgada improcedente, mantendo-se a sentença recorrida.
 

2. Dá-se por reproduzido o teor da douta Sentença ora recorrida.
 

3. A sentença recorrida julgou a ação parcialmente procedente por provada, e, em consequência, a condenação da Recorrente ao pagamento de danos patrimoniais e danos não patrimoniais aos Autores, ora Recorridos.
 

4. Assim, e face à matéria de facto provada na audiência final realizada, a Recorrente, para que a sua pretensão de procedência da sua Apelação tivesse êxito, deveria provar os factos alegados o que não fez.
 

5. Sem a alegação de factos concretos para que tal não aconteça, deverá seguir-se a matéria de facto provada em audiência final que, nos termos legais, julgou, e bem, a procedência do pedido dos Autores.
 

6. Segundo o n° 1 do artigo 639° do CPC, a Recorrente deve apresentar as suas Conclusões, nas quais conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos porque pede a alteração ou anulação da decisão, o que aconteceu, no caso concreto.
 

7. Não restando outra solução legal que a não admissão do Recurso apresentado pela 1.ª Ré, ora Recorrente, por falta de conclusões, nos termos do Artigo 641.°, n.° 2, alínea a) do CPC.
 

8. No tocante à matéria de facto provada, alega a Recorrente que, em relação ao Ponto 17, este não poderia ter sido dado como provado em virtude de não corresponder à verdade.
 

9. A Recorrente incorreu em erro de apreciação do facto dado como provado e na invocação do incorreto julgamento da matéria de facto relativamente a este ponto.
 

10. A douta sentença ora recorrida deu como provado que, por acordo entre as partes, se verificaram diversos danos no prédio dos Autores, ora Recorridos. Não fica provado, neste ponto em concreto da matéria de facto provado, como alegado pela Recorrente que, por acordo entre as partes, que as obras que foram levadas a cabo no prédio contíguo ao dos Autores provocaram diversos danos no prédio dos Autores, ora Recorridos.
 

11. Mais, andou bem o Tribunal a quo, dando como provado um facto para o qual existia prova suficiente, testemunhal e documental, e nada permitia concluir em sentido contrário.
 

12. Pelo que, acordando as partes na verificação dos danos na sequência das obras levadas a cabo no prédio contíguo ao prédio dos Autores, e não, neste ponto em concreto, na verificação do preenchimento do nexo causal entre os danos no prédio e a obra levada a cabo, andou bem o tribunal a quo, não procedendo o alegado pela Recorrente que mais não é do que uma errada interpretação da matéria provada no ponto 17.
 

13. Alega a Recorrente que o ponto 36 não poderá ser dado como provado uma vez que não foi produzida qualquer prova, testemunhal ou por via das declarações de parte, relativamente à necessidade dos proprietários e residentes das frações autónomas habitarem noutro local durante o período da realização das obras; e, não foi produzida prova de que os Autores proprietários do 5.° andar direito, do 3.° andar direito e do 2.° andar direito habitem nesses andares.
 

14. Relativamente aos fundamentos alegados da Recorrente, como indicado na própria sentença recorrida, o facto 36 baseou-se no “...nos depoimentos das testemunhas FFF, GGG, HHH e III, conjugados com as declarações de parte prestadas pelos Autores VV, BB, FF e GG....”. Os mesmos descreveram “,..[d]o estado das suas habitações por efeito dos trabalhos - quer ao nível da sua conservação, quer ao nível das condições de habitualidade, tais como ruído, sujidade e danos visíveis. (...) ..., úteis na descrição dos transtornos sofridos, limitações no gozo das habitações por efeito do seu estado de degradação, bem como receio sentido com a trepidação e ruído causados por aqueles trabalhos.”.
 

15. Ora, as testemunhas e Autores, com as suas respetivas declarações, são os próprios a provar tal facto dado como provado, nada nos indicando que as declarações dos mesmos não correspondessem ao vivenciado.
 

16. Tal facto dado como provado pelo Tribunal a quo teve como fundamento o depoimento das várias testemunhas indicadas e as declarações de parte de alguns dos Autores que, relativamente aos efeitos da demolição do edifício do n.° …3 no prédio dos Autores, ora Recorridos, foram sérios e revelaram objetividade.
 

17. Para além das limitações sentidas no gozo das suas habitações pelos mesmos foi descrito que aquando da realização das obras terão de se ausentar das suas habitações. Para mais, mesmo que a prova testemunhal não o tivesse afirmado, de acordo com as regras da experiência comum, a convicção do Douto Tribunal não poderia ser outra. A realização de obras de tal envergadura não poderá nunca, perante as regras da experiência comum, se coadunar com a permanência dos Autores, ora Recorridos, nas suas habitações durante a realização das obras.
 

18. Pelo que andou bem o digníssimo tribunal a quo ao declarar este facto provado, por existir prova testemunhal suficiente para o efeito.
 

19. Alega a Recorrente, em suma, que, em relação aos Pontos 37, 38 e 41, estes não poderiam ter sido dados como provados em virtude de não corresponder aos depoimentos das testemunhas de que se valeu o Douto Tribunal a quo para dar como provados tais factos.
 

20. Não existem factos que permitam concluir que as testemunhas FFF, GGG, HHH e III e os Autores VV, BB, FF e GG, não são credíveis, por um lado, sendo que não devemos esquecer que as testemunhas se encontram sob juramento, pelo que o seu depoimento não pode ser desvalorizado, sem mais, só porque à Recorrente não apraz que uma determinada testemunha produza uma declaração contrária à sua vontade.
 

21. O Tribunal a quo não extravasou a matéria do que foi provada pela prova testemunhal produzida, uma vez que as testemunhas falaram dessa questão, ao referirem a insegurança, o receio de habitar as suas habitações e o aspeto sujo e descuidado que as mesmas têm.
 

22. Pelo que andou bem o tribunal a quo, dando como provado um facto para o qual existia prova suficiente, e nada permitia concluir em sentido contrário, facto esse carreado para o processo, mediante prova testemunhal.
 

23. Alegando a Recorrente que, dos factos provados constantes dos pontos 53 a 57, deveriam ter sido considerados como “...factos fundamentas para enquadrar as características da construção do edifício dos Autores e o estado de conservação do mesmo à data do início das obras levadas a cabo pelos RR.,.. Não podemos concordar com tal argumento.
 

24. O douto tribunal a quo deu como provado no ponto 57 que “Até ao ano de 1970 são conhecidas mais duas intimações da mesma edilidade para que o proprietário do prédio do n.° …5 realizasse obras, a fim de resolver problemas de fissuração e infiltrações no edifício, as quais assumiam especial relevo nos pisos superiores.”, tendo considerado tal facto, quanto às características e processo de construção do edifício dos Autores, na documentação proveniente dos arquivos da Câmara Municipal de Lisboa, fls. 1499 e seguintes dos autos. Entendendo o douto tribunal a quo que “A restante matéria dos articulados é meramente instrumental, conclusiva e/ou de Direito, motivo pelo qual à mesma se não faz qualquer outra referência.”.
 

25. Ora, os factos em questão, alegados pela Recorrente, são meramente instrumentais e não teriam qualquer influência na sorte da ação.
 

26. Conforme refere e fundamenta a sentença recorrida (e bem), relativamente às patologias provocadas ou agravadas pelos trabalhos de demolição e escavação, direta ou indiretamente, à luz da teoria da causalidade adequada, dos trabalhos de demolição e escavação efetuados pela 2.a Ré, serão estes que constituem o facto ilícito que funda a obrigação de indemnizar.
 

27. Assim como a prova testemunhal credível, pelos autores dos relatórios da A2P e do ICIST/FUNDEC, que testemunham com clareza e firmeza no seu depoimento quais as causas dos danos verificados no prédio dos ora Recorridos na qual se revela que as patologias pré-existentes não foram causa suficiente para tais danos.
 

28. Nesse sentido, uma vez que não existe prova suficiente e coerente para dar esses factos como provados, andou bem o digníssimo tribunal a quo, ao considerar este Ponto 57, na redação dada ao mesmo pelo tribunal a quo, como provado.
 

29. Alega a Recorrente que, em relação aos Pontos 47 e 49, estes não poderiam ter sido dados como provados, com tal redação, uma vez que os mesmos de baseiam no Relatório Gauss, de fls. 453 a 829 e 1156 e seguintes) e tal redação não corresponde ao verdadeiramente visualizado pelos peritos na na vistoria efetuado ao prédio dos ora Recorridos, alegando para tanto que “...não é verdade que tenha havido qualquer acordo, tácito ou expresso, das partes relativamente a quaisquer danos no prédio dos autores provocados pelas obras de demolição e de reconstrução levadas a cabo no prédio vizinho.”.
 

30. Para o preenchimento do requisito do nexo de causalidade, da prova testemunhal e documental bastante produzida nas várias audiências de julgamento, resultaram com suficiente clareza que os danos verificados no edifício dos Autores, ora Recorridos, resultam, dos trabalhos de demolição e escavação efetuados pela 2.a Ré, e não como alega a Recorrente das patologias do prédio dos Autores preexistentes à demolição e escavação.
 

31. Assim, andou bem o tribunal a quo, dando como provado os pontos 47 e 49, factos para o qual existia prova suficiente, factos esse carreados para o processo, mediante prova documental.
 

32. Sobre a interpretação do Contrato de Empreitada, de fls. 83 e seguintes, pelo douto tribunal a quo, que se cingiu na apreciação da titularidade da relação contratual entre a Recorrente e a 2.a Ré, apenas nos cabe referir que como se consagra no artigo 406° do Código Civil, o princípio da força vinculativa dos contratos, uma vez celebrado, o contrato plenamente válido e eficaz constitui lei imperativa entre as partes celebrantes. Todavia, em relação a terceiros, o contrato, ressalvadas as exceções consagradas na lei, é inoperante, visto que os efeitos contratuais não afetam terceiros, restringindo-se às partes contratantes.
 

33. Ora, os Recorridos, são terceiros na referida relação contratual pelo que não poderá tal cláusula de exclusão de responsabilidade da Recorrente ser-lhes imputada.
 

34. Relativamente às apólices de seguro com o n.° 0002…8 e n.° 0003…5, a primeira apólice foi anulada nos termos do artigo 25.° do Regime Jurídico do Contrato de Seguro e a segunda apólice à data da ocorrência dos factos ainda não estava em vigor, tudo conforme depoimento da testemunha KKK, na 6.a sessão de julgamento, ocorrida em 05.02.2018, dos 02:40 aos 03:36 e dos 11:01 aos 13:48.
 

35. Pelo que, havendo prova bastante, e nenhuma indicação em contrário, andou bem o digníssimo tribunal a quo, ao considerar este facto como provado.
 

36. No que concerne ao enquadramento jurídico das questões de facto em discussão na douta sentença recorrida, foram apurados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, uma vez que está em causa a prática de factos ilícitos, porque violadores dos direitos dos ora Recorridos à habitação nas condições que teriam se as obras no imóvel contíguo não tivessem acontecido.
 

37. Foi pela verificação e o preenchimento de cada um dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual (facto voluntário do agente, ilicitude do facto, culpa ou imputação do facto ao agente, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano) que se apurou a obrigação de indemnizar.
 

38. Contrariamente ao alegado pela Recorrente todos os danos provocados pela empreitada contratada pela Recorrente, no prédio contíguo ao dos Recorridos, à luz da teoria da causalidade adequada, é causa idónea ou adequada à verificação dos danos.
 

39. Não prosseguindo o alegado pela Recorrente.
 

40. Como fundamenta, e bem, a douta sentença recorrida!
 

41. Em complemento à douta sentença recorrida, atendendo quer à prova documental, vasta e extensa, apresentada pelas diversas partes, a mesma vai ao encontro da verificação do nexo de causalidade nos moldes explanados, tendo sido sobejamente relatado, inclusive pela prova testemunhal. Prova testemunhal essa de alto e elevado gabarito, quer de uma parte a outra, como resulta entretanto dos depoimentos Srs. Professores do Instituto Superior Técnico e de Srs. Engenheiros reputados no mercado na área da construção civil, em que todos eles concordaram que o motivo pelo qual houve um enorme aparecimento de novos danos e agravamento grave das patologias registadas no prédios dos ora Recorridos resultou inequivocamente como causa direta e nexo de causalidade, para que não haja dúvidas e dito por todos, efetivamente por parte da obra levada a cabo no prédio contíguo ao prédio dos ora Recorridos.
 

42. Não poderemos deixar de acompanhar a douta sentença recorrida para a inaplicabilidade do disposto no n.° 2 do artigo 493.° do CC, “Assinale-se, também, que consideramos afastada a aplicabilidade, ao caso, da presunção de culpa estabelecida pelo artigo 493.°, n.° 2 do Código Civil, no que respeita a actividade perigosa, já que não foi efetuada prova suficiente no sentido em que os trabalhos de demolição e escavação, nos termos em que foram levados a cabo, constituíram atividade perigosa (vejam-se os já referidos pontos 50. A 52. dos factos provados).”.
 

43. No que concerne à alegada transmissão da responsabilidade da Recorrente quer para a 2.a Ré, por força do contrato de empreitada celebrado, quer para a 3.a Ré, por força da apólice de seguro alegadamente em vigor, nos termos do artigo 406.° do CC, não poderá ser procedente o alegado pela Recorrente da transmissão da sua responsabilidade para com os ora Recorridos para a 2.° Ré, por força de uma contrato de empreitada celebrado entre ambas, no qual os ora Recorridos não são parte.
 

44. Para mais, cabe referir que, quer relativamente à apólice de responsabilidade civil geral quer relativamente à apólice de responsabilidade civil de obra, as mesmas, pelos factos enunciados na douta sentença, e de acordo com o Regime Jurídico do Contrato de Seguro, as mesmas não estavam em vigor à data em que os danos foram provocados pelo que tais danos.
 

45. Quanto à condenação no pagamento de indemnizações a título de danos não patrimoniais os mesmos foram avaliados corretamente pelo douto Tribunal a quo à luz do artigo 496.° do CC e da dimensão normativa que o mesmo comporta.
 

46. Atendendo aos factos provados nos autos o montante total das indemnizações deverá manter-se, nos moldes indicados na douta sentença recorrida, de acordo com o princípio da equidade, os residentes/proprietários deverão ser ressarcidos pelos danos não patrimoniais que, pela sua extensão, merecem a tutela do direito, nos termos do artigo 496.° do CC.
 

47. Além do supra vertido, e com vista a evitar tomar as presentes motivações mais alongadas do que já se encontram dá-se por integralmente reproduzida toda a fundamentação de direito da douta sentença sob escrutínio de V. Exas., Venerandos Desembargadores, uma vez que a mesma fundamenta, e bem, a decisão!
 

48. Em suma, porque a Sentença sob recurso também na fundamentação de direito é modelar, louvamo-nos no que nela se decidiu, e pelas razões supra aduzidas a Apelação não poderá obter provimento.

 

 

            9. A 2.ª Ré Sonangil - Construção Civil e Obras Públicas, S.A., finalizou a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:

 

 

1.ª A aqui Recorrida celebrou com a Recorrente Residências Sénior do Areeiro, Instalações Para Idosos, S.A., um contrato que teve por objecto a execução a “DEMOLIÇÃO, ESCAVAÇÃO, CONTENÇÃO, ESTRUTURAS E TODAS AS ALVENARIAS EXTERIORES E INTERIORES, FORRAS TÉRMICA CONFORME PROJECTO E REBOCO EXTERIOR” do prédio dos autores.
 

2a O prédio dos A.A. é anterior ao terramoto de 1969 e, aquando do mesmo sofreu graves falhas de estrutura.
 

3a Todas estas fragilidades levaram a aqui Recorrida a solicitar um relatório prévio à execução da empreitada por forma a aferir do verdadeiro estado do edifício contíguo ao da empreitada.
 

4a Relatório esse que foi elaborado pela empresa “GAUSS, S.A.” a 10 de agosto de 2012.
 

5a Do referido relatório resulta que “Dadas as circunstâncias da execução desta obra, toma-se necessário e oportuno efetuar o reconhecimento prévio do estado atual de conservação dos imóveis contíguos à obra a iniciar, efetuando, para o efeito, uma inspeção visual ao interior e exterior dos mesmos, registando fotograficamente as eventuais patologias existentes e visualmente identificáveis.”.
 

6a Do relatório apresentado bem como das fotografias anexas ao mesmo resulta como claro e evidente que o imóvel dos A.A. já apresentada à data graves deficiências.
 

7a Referindo nomeadamente o seguinte: 1. “Os alçados tardoz e lateral esquerdo encontram-se em razoável estado de conservação, devido a obras efetuadas há alguns anos. No entanto são ainda visíveis uma série de patologias, como por exemplo, o empolamento da tinta motivado por humidades e infiltrações e fissuração do revestimento (alguma dela com reparações recentes visíveis)”.2. “O pequeno pano do alçado lateral esquerdo que confina com o edifício que vai ser objecto de reconstrução (a sul) apresenta-se em muito mau estado de conservação, nomeadamente ao nível do revestimento”. 3. Fendilhação em paredes e tetos, em geral de pequena gravidade.”
 

8a Pelo que as deficiências alegadas pelos A.A. já se verificavam no imóvel ainda antes do início da empreitada.
 

9a Também do relatório pericial efetuado, a pedido dos A.A., pela empresa “A2P Estudos e Projetos” resulta um reconhecimento claro e evidente da pré-existência de problemas no edifício em apreço.
 

10a Neste relatório verifica-se o registo das mesmas patologias indicadas previamente no relatório da GAUSS ainda que não descritas de forma pormenorizada.
 

11a O relatório da GAUSS, identifica de forma pormenorizada cada uma das patologias pré-existentes, resultando assim evidente que não foram as obras levadas a cabo pela aqui Recorrida que provocaram os danos.
 

12a Se o imóvel já apresentava graves danos, inclusivamente estruturais, não pode a aqui Recorrida, na qualidade de Empreiteiro, ser responsabilizada pelos danos em apreço.
 

13a Aliás, conforme já alegado pela aqui Recorrida, o imóvel dos A.A. apresentava falhas estruturais sofridas em consequência do terramoto de Lisboa em 1969, na sequência do qual foram colocados esticadores para sustentar o edifício, o que revela que as condições estruturais do mesmo não eram boas já desde essa altura.
 

14a De notar também que com a conclusão da demolição a aqui Recorrida constatou, ao demolir a parede da sua obra, a existência de dois vãos de grandes dimensões que abriram um vazio na fundação da empena confinante, em largura, a dimensão total da parede de fundação, pelo que, ao demolir a parede do n.°…3, esses iriam ficar expostos para o exterior face à inexistência de parede no imóvel sito no n.°…5, o que levou o Dono da Obra, de forma diligente, a proceder ao fecho dos mesmos. De notar que esta situação foi apontada já no relatório da GAUSS.
 

15a Ao remover ou alterar uma parede resistente, os A.A. causaram necessariamente a fissuração das empenas e de paredes nos pisos superiores, o que fragilizou ainda mais a situação do prédio.
 

16.ª Para além destas situações foi igualmente detetado que existia um problema de infiltração de águas provenientes do logradouro do n.°…5, uma vez que a ligação da caixa de drenagem ao coletor da Avenida … estava obstruída.
 

17a A referida caixa não tinha fundo e toda a drenagem da água era efetuada diretamente para o subsolo do prédio dos A.A., drenando a água para baixo das fundações do edifício e para o logradouro do edifício vizinho, alvo da empreitada.
 

18a Este erro construtivo motivou não só o aparecimento de água no interior das caves da obra, como também causou, certamente, o desgaste na base das fundações do edifício n.°…5 .
 

19a Todos estes problemas constituem prova clara e evidente de que o imóvel dos A.A. padecia de graves problemas estruturais prévios à data de início dos trabalhos, como se pode constatar da vistoria prévia realizada pela empresa GAUSS e melhor descrita no relatório final datado de 10/08/2012.
 

20a Pelo que não pode a aqui Recorrida aceitar que lhe sejam imputadas responsabilidades pelos danos já existentes no imóvel dos A.A., e que a acusem de não ter acautelado ou impedido de qualquer forma o aparecimento dos mesmos.
 

21a A aqui recorrida sempre agiu de forma diligente e quando foi confrontada pelos A.A. para a existência de alegados danos causados pela empreitada, inclusivamente contactou a sua companhia de seguros a fim de aferir se efetivamente os danos alegados pelos A.A. resultavam dos trabalhos protagonizados pela Recorrida no exercício do contrato de empreitada.
 

22a Participação essa que levou à realização de uma nova peritagem realizada pela empresa “FUNDEC - ICIST” em março de 2014, a pedido da Seguradora.
 

23a Relatório esse que mais uma vez veio confirmar a pré-existência dos problemas identificados pela A2P e que já estavam refletidos no relatório prévio ctctuado pela GAUSS.
 

24a Resulta assim de forma clara e evidente que todos os relatórios efetuados reconhecem a pré-existência de problemas no edifício dos A.A.
 

25a E ainda que tais problemas possam ter-se agravado com a demolição do edifício confinante tais agravamentos sempre se teriam registado dentro do expectável neste tipo de intervenção e dentro dos limites definidos pelo projetista conforme se pode depreender dos planos de monitorização já juntos aos autos.
 

26a Assim, podemos concluir que a aqui recorrida tomou todas as diligências necessárias a aferir da sua eventual responsabilidade pelos danos verificados no imóvel dos A.A., apesar de considerar que os danos em causa não eram, nem são, de sua responsabilidade.
 

27a A aqui Recorrida nunca se recusou a acionar os meios ao seu alcance com vista a aferir da existência de eventuais novos danos, bem como, no caso da verificação destes, do eventual nexo de causalidade entre a empreitada em curso e os danos verificados no imóvel dos A.A., não podendo, contudo, aceitar uma responsabilidade que considera não ser sua.
 

28a De notar que a Recorrente Residências Sénior do Areeiro, Instalações Para Idosos, S.A., na qualidade de dono e detentor de construção a confinar com prédio alheio tem obrigação de a vigiar de forma a prevenir danos ou efeitos nocivos nesse prédio, sob pena de responder pelos danos causados.
 

29a No mesmo sentido vide acórdão do STJ de 28 de Maio de 1996 onde se sustentou que “O dono da obra pode ou não valer-se dessa faculdade de fiscalização (artigo 1209 do Código Civil), que só o beneficia, mas que em todo o caso diz somente respeito às relações (contratuais) entre ele e o empreiteiro. Pareceria de resto absurdo que se reconhecesse ao dono da obra o direito de se exonerar unilateralmente da sua responsabilidade face a terceiros vizinhos, pela simples via da celebração de um contrato de empreitada com quem quer que fosse, sem a menor atenção às qualidades e meios do empreiteiro (porventura incompetente e desconhecedor das regras da arte, quiçá negligente, quem sabe se insolvente), caso em que os vizinhos lesados poderiam ser colocados em situações altamente embaraçosas.”
 

30a As alegações da Recorrente Residências Sénior do Areeiro, Instalações Para Idosos, S.A. de que há uma transmissão da responsabilidade para a aqui Recorrida só relevariam se o empreiteiro, ao executar a obra, se tivesse desviado do respetivo projeto ou se tivesse dado causa aos danos por outra conduta negligente, o que não foi o caso.
 

31a Dos planos de monitorização efetuados ao longo da empreitada, e já juntos aos presentes autos, ficou provado que a Recorrida cumpriu estritamente o projeto aprovado e adotou todos os procedimentos idóneos para evitar a eclosão dos danos.
 

32a De notar também que a Ré Seguradoras Unidas, S.A., aquando da participação tendo em vista a averiguação do nexo de causalidade entre os danos e as obras realizadas, conclui dizendo que “Não podemos ainda deixar de registar a presença de danos relevantes preexistentes no interior das frações, que confinam com a empena sul, relacionadas com infiltrações prolongadas das águas chuvas.”
 

33a Concluindo assim que os danos alegados pelos A.A. são pré-existentes, pelo que nunca haveria lugar ao ressarcimento dos mesmos.
 

34a De notar também, que as obras de escavação apenas se iniciaram em julho de 2012, pelo que o seguro de responsabilidade civil da aqui Recorrida estava válido à data de inicio das obras.
 

35a De notar também que na realidade não foram prestadas falsas declarações à Ré Seguradoras Unidas, S.A. na medida em que, efetivamente não foi feita qualquer reclamação prévia por parte dos A.A., tendo estes apenas se manifestado em momento posterior, o que na altura motivou o referido pedido de vistoria por parte da aqui Recorrida à Ré Seguradoras Unidas, S.A. que acabou concluindo que os danos eram pré- existentes pelo que não haveria nexo de causalidade entre a obra e os danos verificados.
 

36a Portanto, inexiste da parte da aqui Recorrida qualquer conduta potencialmente geradora de responsabilidade.
 

37a Desde logo porque a conduta da aqui Recorrida não é passível de qualquer censurabilidade pois, reforce- se, sempre atuou estrito cumprimento do projeto, sem registo de qualquer desvio.
 

38a Dito de outro modo, demonstrado se deixa que a aqui recorrida atuou sempre de forma diligente e no quadro definido em projeto.
 

39a Não se pode, pois, falar em qualquer ilicitude na conduta da aqui Recorrida, o que por si só bastaria para concluir pela inexistência de qualquer responsabilidade da parte da aqui Recorrida.
 

40a Mas ainda que assim não fosse, o que nem por cautela de patrocínio se admite, e previamente a qualquer apreciação de culpa, sempre caberia aos A.A. e à Recorrente Residências Sénior do Areeiro, Instalações Para Idosos, S.A. provar, não somente os factos ilícitos integradores da responsabilidade civil da Recorrida, mas ainda a relação de causalidade entre a conduta da aqui Recorrida e os danos alegados, o que não foi feito,
 

41a nomeadamente se a demolição do prédio contíguo ao dos A.A. constitui causa adequada dos danos de que alegadamente padece o imóvel, sendo a determinação e prova de tal nexo de causalidade determinante para a obrigação de indemnizar.
 

42a Mas a verdade, é que de todos os elementos de prova apresentados resulta que o imóvel dos A.A. já padecia de graves problemas muito antes do início da empreitada.
 

43.a Problemas esses que são coincidentes com os danos alegados pelos A.A.
 

44a Se realmente a empreitada não tivesse sido efetuada de forma diligente certamente que os inquilinos do prédio contíguo ao intervencionado também teriam certamente reclamado até porque o prédio ainda é mais antigo do que o dos aqui A.A., e a verdade é que nenhuma reclamação foi apresentada.
 

45a Em face do que antecede se demonstra que não foi provado qualquer nexo de causalidade entre a demolição/edificação do prédio sito no n.° …3 e os danos do prédio sito no n.° …5 (prédio dos A.A.).
 

46a De facto, a prova é precisamente a inversa: a de que os danos registados no prédio dos A.A. são consequência de outras circunstâncias, externas à execução da empreitada e, certamente, muito anteriores à mesma.
 

47a Todos os relatórios referem que o imóvel já padecia de vários problemas, inclusivamente estruturais, referindo inclusivamente um elevado estado de degradação da junta de separação dos dois edifícios, da cobertura e da rede de drenagem pluvial associados ao longo período de abandono e degradação a que foi exposto o edifício existente no n.° …3.
 

48a Pelo que os danos e patologias relatados já existiam no imóvel antes da data do início da empreitada.
 

49a De facto, os autos demonstram à exaustão que a Recorrida atuou justamente como devia e podia. Nenhuma atuação diferente era exigível à Recorrida.
 

50a A aqui Recorrida provou e concretizou as providências empregues no processo de demolição e edificação do imóvel sito no n.°…3, adequadas a evitar qualquer dano no prédio dos A.A..
 

51a De notar também que, ao contrário do alegado pela Recorrente Residências Sénior do Areeiro, Instalações Para Idosos, S.A., o Supremo Tribunal de Justiça, em situações que envolvem a atividade da construção civil, mesmo de obras de grande envergadura, decidiu já, por mais de uma vez, que essa atividade não é por si, naturalisticamente, uma actividade perigosa.
 

52a Aliás é entendimento que, embora a lei não diga “...o que deve entender-se por uma atividade perigosa, apenas admitindo, genericamente, que a perigosidade derive da própria natureza da atividade ou da natureza dos meios utilizados...” a “...construção civil não deve ser considerada uma atividade perigosa para efeitos do disposto no n.° 2 do artigo 493.° do Código Civil”, (cf.. Acórdão STJ de 12 de Fevereiro de 2004).
 

53a No mesmo sentido vide acórdão do STJ de 27 de Novembro de 2004 onde se sustentou que “Concretamente no que respeita à atividade de construção e obras, só por si e se abstrairmos dos meios utilizados, estamos em crer que não é uma catividade que revista perigo especial para terceiros, e, consequentemente, não constitui atividade perigosa”, antecedendo essa conclusão das considerações de que “É, sem dúvida, uma atividade que acarreta riscos (sobretudo para os trabalhadores) mas que se insere num complexo de ações e omissões que permitem calcular e prever qualquer anomalia, em termos de evitar a produção de danos dela decorrentes”, pelo que, em “derradeira análise, e conjugando a atividade em causa com os princípios que devem nortear a qualificação de uma atividade como perigosa ou não, o máximo que podemos conceder é que saber se atividade de construção civil urbana é ou não atividade perigosa é matéria a apreciar, em cada caso, segundo as circunstâncias”.
 

54a Mas mesmo que fosse considerada atividade perigosa, e nesse caso sujeito à disciplina do artigo 493.° do Código Civil, haveria sempre que ter em conta o disposto no seu n.° 2 que estabelece que “Quem causar danos a outrem no exercício de uma atividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, exceto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir”.
 

55a A presunção de culpa é assim ilidida pela demonstração de que atuou, não apenas como teria atuado o bom pai de família, mas, mais do que isso, atuou empregando todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de evitar os danos.
 

56a No presente caso, e pelos factos já demonstrados supra, mostra-se com necessária clareza que esta presunção foi ilidida.
 

57a Com efeito, apesar de terem sido verificados danos no imóvel dos A.A., certo é que grande parte deles eram anteriores à empreitada, causados por factos externos à mesma, tendo sido tomadas todas as providências exigidas, e exigíveis à luz dos conhecimentos técnicos existentes, para evitar a sua ocorrência, e no estreito cumprimento do contrato de empreitada.
 

58a Sendo isto o bastante para se excluir a culpa da aqui Recorrida e, consequentemente, a sua obrigação de indemnizar, pelo que decidiu corretamente o Tribunal recorrido pela absolvição da aqui Recorrida.
 

59a Entende assim a aqui Recorrida que deve manter-se a decisão da exclusão da sua responsabilidade por resultar claro, antes de mais, a pré-existência dos danos no imóvel dos A.A., o facto de não poder ser considerada perigosa a atividade por si desenvolvida e por não ter a aqui Recorrida atuado de forma culposa.
 

60ª Caso assim não se entenda, o que só por mera hipótese académica se considera, deverá a Ré Seguradoras Unidas, S.A. ser solidariamente responsável com a aqui recorrida, até ao montante seguro pela Apólice.
 

61ª Atento o supra exposto, e sendo sentença recorrida exemplar e devidamente fundamentada, a aqui Recorrida está, pois, convicta que Vossas Excelências, reapreciando a matéria em causa, subsumindo-a nas normas legais aplicáveis, tudo no mais alto e ponderado critério, não deixarão de indeferir o Recurso apresentado pela Recorrente Residências Sénior do Areeiro, instalações Para Idosos, S.A.

 

 

            10. O Tribunal da Relação de Lisboa julgou parcialmente procedente o recurso de apelação.

 

 

            11. O dispositivo do acórdão recorrido foi o seguinte:

 

 

“Por todo o exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela ré e, consequentemente, decide-se alterar a sentença nos seguintes termos:
 

a) Condeno a Ré “Residências Sénior do Areeiro, S.A.” a pagar, a título de danos não patrimoniais, a quantia total de € 21.000,00 (vinte e um mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, no valor de 3.000 euros por cada fracção ocupada, devida apenas aos seguintes AA. que residem nas seguintes frações: 5.º Esquerdo, 4.º Direito, 3.º Esquerdo, 2.º Esquerdo (residentes que também são proprietários do r/c esquerdo), 1.º esquerdo, 1.º Direito e 5.º Direito;
 

b) Absolvo a Ré “Residências Sénior do Areeiro, S.A.” do pedido de suportar as despesas que os Autores vierem a assumir com os custos da mudança das suas habitações para outras, no período necessário à realização das obras de reparação no edifício, a liquidar em execução de sentença;
 

No mais, mantém-se o decidido na sentença recorrida”.

 

 

            12. Inconformada, a 1.ª Ré Residências Sénior do Areeiro, Instalações para Idosos, S.A., interpôs recurso de revista.

 

 

            13. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

 

 

a) A Recorrente não se conforma com o segmento do douto Acórdão recorrido na parte em que decidiu pela inaplicabilidade à 2.ª Ré do art.º 493.º, n.º 2, do Código Civil.
 

b) O Tribunal a quo manteve o não reconhecimento de qualquer obrigação de indemnizar por parte da 2.ª Ré – vide fls. 54 e 55 do Acórdão – por considerar afastada a aplicabilidade, ao caso, da presunção de culpa estabelecida pelo artigo 493º, nº 2 do Código Civil, no que respeita a actividade perigosa.
 

c) Quanto a esta questão e à absolvição da 2.ª Ré, verifica-se uma situação de dupla conforme.
 

d) O valor da causa foi fixado em € 518.381,88, sendo o recurso admissível nos termos do disposto da primeira parte do n.º 1 do art.º 629.º do CPC.
 

e) Já no que concerne à sucumbência, a Recorrente impugnou a decisão de 1ª instância, pugnando pela sua absolvição da responsabilidade pelos danos causados aos AA, que, para além dos não patrimoniais, também abrangiam os trabalhos de reparação das anomalias existentes no edifício da Av. …, n.º … e respectivas fracções, em quantia a apurar em execução de sentença.
 

f) A indeterminação dos montantes por apurar consubstancia, assim, uma das situações de fundada dúvida quanto ao valor da sucumbência da ora Recorrente, pelo que, para efeitos de admissibilidade do presente recurso deverá atender-se apenas ao valor da causa (parte final do n.º 1 do art.º 629.º do CPC).
 

g) Encontram-se, pois, preenchidos os requisitos gerais de admissibilidade do recurso previstos no art.º 629.º do CPC.
 

h) O segmento do Acórdão ora sob recurso, em que se verifica uma situação de dupla conforme nos termos do n.º 3 do art.º 671.º do CPC, está em contradição com outro, transitado em julgado em 15-02-2017, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito: Ac. do TRL, de 12/01/2017, Processo 1790/13.6TVLSB.L1-6.
 

i) Assim, excepcionalmente cabe recurso de revista daquela decisão, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 672.º do CPC.
 

j) O Acórdão recorrido não ponderou o especial circunstancialismo relativo ao estado de conservação do prédio dos Autores, já conhecido do empreiteiro (a 2.ª Ré), quer através do Relatório da Gauss (resultante de uma inspecção ao prédio dos recorridos proprietários, prévia ao inicio da obra) quer das anomalias que foram surgindo durante o decurso da obra (vide entre outros os pontos 58, 59, 62, 63 e 64), descartando sumariamente a qualificação da actividade concreta do empreiteiro como actividade perigosa e, em consequência, não aplicando a presunção de culpa prevista no n.º 2 do art.º 493.º do Código Civil.
 

k) No Acórdão Fundamento foram devidamente ponderadas as circunstâncias de localização e tipo de construção do prédio contíguo e os incidentes verificados durante o decurso das obras, que indicavam que o prédio contíguo às obras padecia de anomalias que impunham um especial cuidado, subsumindo assim, por força dessa factualidade, a actividade desenvolvida pela empreiteira como actividade perigosa, enquadrável no n.º 2 do art.º 493.º do Código Civil.
 

l) No Acórdão sob recurso, estribado na sentença proferida em 1ª instância, entendeu-se que não foi efectuada prova suficiente no sentido em que os trabalhos de demolição e escavação, nos termos em que foram levados a cabo, constituíram actividade perigosa, ignorando a matéria provada com relevância para um correcto enquadramento jurídico da actividade da recorrida empreiteira (2.ª Ré), designadamente a constante dos pontos 44, 45, 46, 58, 59, 62, 63 e 64 dos factos provados.
 

m) Não sendo a actividade de construção civil, a se, uma actividade perigosa, a demolição e escavação de um prédio, numa zona da cidade antiga, envolvendo prédios antigos confinantes, reveste um risco acrescido e obriga a especiais cautelas.
 

n) Em razão do local da obra e do respectivo circunstancialismo envolvente, a actividade da 2.ª Ré deveria ter sido qualificada como actividade perigosa.
 

o) O art.º 493.º, n.º 2 do Código Civil, consagra uma presunção legal de culpa, pelo que à 2ª Ré ora Recorrida cabia alegar e provar que empregou todas as medidas exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos causados.
 

 p) A este respeito apenas vem provado o que consta dos Pontos 51 e 52 dos factos provados, matéria que, em face das circunstâncias concretas, é insuficiente para demonstrar que a 2.ª Ré empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos sofridos e o agravamento dos pré-existentes.
 

q) A obrigação de indemnização que emerge do n.º 2 do art.º 493.º do Código Civil, que recai sobre aquele que desenvolve a actividade perigosa, incide sobre facto próprio dessa mesma pessoa, presumindo a lei na referida situação que omitiu ela a necessária vigilância que era adequada na situação concreta (culpa in vigilando).
 

r) Os factos provados a que se refere o segmento do douto Acórdão sob recurso (pontos 51 a 52) referem apenas os trabalhos de demolição, pelo que nem sequer resulta provado quais as providências tomadas pela 2ª Ré durante os trabalhos de escavação.
 

s) Não tendo a 2.ª Ré ilidido a presunção de culpa contida no art.º 493.º, n.º 2 do CC, é ela responsável pelos danos causados aos AA.
 

t) Já o Acórdão Fundamento, por seu turno, procedeu à análise dos factos que enquadravam as circunstâncias da obra e em razão do local da obra de construção pelas RR executada, e do respectivo e específico circunstancialismo envolvente, entendeu que assistia aos Autores a presunção do n.º2, do art.º 496º, do CC.
 

u) No Acórdão Fundamento entendeu-se que “as pessoas atingidas pela obrigação de indemnizar não respondem por facto de outrém, mas por facto próprio, visto a lei presumir que houve falta (omissão) de vigilância adequada”, recaindo assim a presunção em cheio sobre a pessoa que detém a coisa com o dever de a vigiar.
 

v) Resulta, assim, demonstrada a contradição entre o acórdão sub judicie e um outro da mesma Relação, já transitado em julgado, proferido no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, pelo que deve o presente recurso ser objecto de apreciação preliminar sumária.
 

w) Após o que deverá o presente recurso ser apreciado e julgada a violação da norma do art.º 493º, n.º 2 do Código Civil, por erro de aplicação, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 674.º do e, em consequência, o segmento do Acórdão recorrido ser substituído por outro em conformidade com o Acórdão Fundamento, em que se decida que não tendo a 2.ª Ré ilidido a presunção de culpa contida no art.º 493.º, n.º 2 do CC, será ela responsável pelos danos causados aos AA., absolvendo-se a ora Recorrente dos pedidos.
 

x) Face aos pontos 69 e 70 dos factos provados, com a redacção que lhes foi dada pelo douto Acórdão recorrido, conjugados com os pontos 73 e 76 dos mesmos factos, deverá, ainda, ser julgada transferida da 2.ª Ré para a 3.ª Ré, ora Recorridas, a responsabilidade pelos danos causados aos AA sob pena de uma errada aplicação do Direito aos factos.
 

Caso assim não se entenda,
 

y) O Acórdão recorrido condenou a Recorrente a pagar, a título de danos não patrimoniais, a quantia total de € 21.000,00 (vinte e um mil euros) acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, no valor de 3.000,00 por cada fração ocupada, devida apenas aos seguintes autores que residem nas seguintes frações: 5º Esquerdo, 4º Direito, 3º Esquerdo, 2º Esquerdo (residentes que também são proprietários do r/c esquerdo) 1º Esquerdo, 1º Direito e 5º Direito)”.
 

z) Verificados que estão os requisitos gerais da recorribilidade (valor da causa e sucumbência), haverá sempre, quanto a este segmento, recurso ordinário de revista por ofensa de caso julgado, nos termos da alínea a) do n.º 2 do art.º 629.º do CPC.
 

aa) A sentença de primeira instância havia condenado a ora Recorrente no pagamento de uma indemnização a título de danos não patrimoniais no montante total de € 21.000,00, repartida da seguinte forma: r/c direito, 1.º direito, 2.º direito e 3.º direito. € 2.000,00 cada um; 4.º andar direito e 5.º andar direito, € 3.500,00 cada um; frações do r/c ao 5.º andar, lado esquerdo, € 1.000,00 cada um.
 

bb) A Recorrente colocou em crise esta decisão no recurso de Apelação e o Tribunal a quo alterou o ponto 38 dos factos provados da forma seguinte: “A autora usufrutuária do 5º andar esquerdo, a A. proprietária do 5º andar direito, os Autores proprietários do 4º andar direito, os Autores proprietários do 1º andar direito, os Autores proprietários do R/c esquerdo e 2º andar esquerdo, os Autores do 3º andar esquerdo, e os AA proprietários do 1º andar esquerdo sentiram-se inseguros, bem como os que consigo habitam e visitam, e tiveram medo de viver na sua própria casa.”
 

cc) Deste modo, o Tribunal a quo deu razão à ora Recorrente quanto ao número de pessoas abrangidas pela condenação em danos não patrimoniais, restringindo esse número ao dos AA que efectivamente habitavam no prédio.
 

dd) A Recorrente não impugnou os valores indemnizatórios individuais arbitrados em 1ª instância a cada um desses AA, mas apenas o valor global, porquanto, sendo menor o número de AA (e até de outras pessoas não intervenientes na acção) a indemnizar, logicamente quo o valor global indemnizatório só poderia ser inferior.
 

ee) Os AA não recorreram nem reclamaram dos valores que lhes haviam sido arbitrados em 1ª instância.
 

ff) Em face do que os valores arbitrados a cada um dos AA identificados no ponto 38 dos factos provados (na redacção que lhe foi dada pelo douto Tribunal a quo) transitaram em julgado, nos termos e para os efeitos do artigo 628.º do CPC.
 

gg) Ao alterar os valores individuais fixados pelo Tribunal da 1ª. Instância o Tribunal a quo ofendeu o caso julgado, violando o disposto no n.º 5 do art.º 635.º do CPC.
 

hh) O Tribunal a quo foi peremptório sobre a limitação da indemnização por danos constantes do ponto 38 dos factos provados aos “proprietários que habitam ou têm residência nessas fracções”.
 

ii) Deste modo, enferma de nulidade, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 615.º ex vi n.º 1 do art.º 666.º, ambos do CPC, por contradição e ambiguidade face ao anteriormente decidido, o trecho do douto Acórdão que refere:
 

“Donde, nos termos dos elementos de identificação constantes da petição inicial aferir-se-á dos residentes nas frações, a saber, a 2ª A. (do 5º Esquerdo), os 3º e 4º AA. (do 4º Direito), os 5º e 6º AA. (do 3º Esquerdo), os 7º e 8º AA. (do r/c esquerdo e 2º andar esquerdo), os 9º, 10º e 11º AA (do 1º esquerdo), os 24º e 25º AA (do 1º Direito) e a 26º A. (do 5º Direito).
 

jj) Isto porque os 7º e 8ºs AA e ora Recorridos são proprietários de duas fracções (r/c esquerdo e 2º esquerdo) – cfr. art.ºs 27.º.e 28 da p.i. – mas identificaram- se como residentes apenas no 2º esquerdo – cfr. fls. 87 dos autos.
 

kk) Face ao critério assumido pelo Tribunal recorrido, deverá o Acórdão anulado quanto à referência ao r/c esquerdo e ser ordenada a sua reforma eliminando-se a referência a esta última fracção de qualquer troço decisório sobre a indemnização por danos não patrimoniais.
 

ll) O Tribunal a quo deveria ter-se cingido, em consequência da reapreciação que fez da matéria de facto, a condenar a ora Recorrente no pagamento dos montantes indemnizatórios por danos não patrimoniais àqueles Autores que, de facto, residem em fracções do prédio contíguo ao da Recorrente, pelos valores fixados em 1ª instância e já transitados em julgado.
 

mm) O que constitui um valor global de indemnização por danos não patrimoniais de € 13.000,00 (treze mil euros) e não de € 21.000,00 como consta do douto Acórdão recorrido.
 

nn) A Recorrente impugna, ainda, um outro segmento do Acórdão ora em crise, com fundamento na alínea b) do n.º 1 do art.º 674.º do CPC, por violação da lei de processo.
 

oo) O Tribunal a quo violou as alíneas a) e b) do n.º 2 do art.º 5.º do CPC e o art.º 411.º do CPC (princípio do inquisitório).
 

pp) No recurso de Apelação, a Recorrente invocou o incorrecto julgamento da matéria de facto dos pontos 47, 49 e 57 dos factos provados, os quais revestem relevância para a cabal apreciação do Tema 3 da Prova – “Do nexo causal entre os danos no imóvel e a obra levada a cabo no imóvel referido no ponto 1.”, por o Tribunal de 1ª instância ter omitido factos relevantes constantes de documentos juntos aos autos, factos esses que são essenciais para o correcto julgamento do tema de prova acima referido.
 

qq) Encontra-se nesta situação a factualidade vertida nos seguintes documentos juntos aos autos pela Recorrente, em 20/05/2016: (i) Ofício dos Serviços Técnicos do Batalhão de Sapadores Bombeiros 12/02/1953 dirigido ao Director dos Serviços Técnico - Especiais da CML – a fls. 1509 e 1509 v.º; (ii) Ofício da Comissão Permanente de Vistorias da CML de 29/04/1953 dirigido ao Director dos Serviços de Salubridade e Edificações Urbanas – a fls. 1508; (iii) Ofício dos Serviços Técnicos do Batalhão de Sapadores Bombeiros de 15/04/1961 dirigido ao Director dos Serviços Técnico - Especiais da CML – a fls. 1510; (iv) Informação da Direcção dos Serviços de Salubridade e Edificações Urbanos de 22/05/1962 – a fls. 1511 a 1512 v.º; (v) Proposta de Intimação solicitada à Polícia Municipal por parte da Direcção de Serviços de Obras da CML de 09/01/1970 – a fls. 1513 a 1514; (vi) Informação da Divisão de Fiscalização da Direcção dos Serviços de Obras da CML de 21/05/93 – a fls. 1515; (vii) Informação da Divisão de Fiscalização da Direcção Municipal de Construção e Conservação de Edifícios da CML de 21/06/93 – a fls. 1516 e 1516 v.º.
 

rr) Os factos vertidos nesses documentos, essenciais e instrumentais, são manifestamente pertinentes à questão – Tema 3 da Prova – atrás enunciada e como tal deveriam ter sido valorados na sentença de 1ª. Instância.
 

ss) Trata-se de documentos autênticos (n.ºs. 1 e 2 do art.º 363º do CC), que fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade respectiva, assim como dos factos que nele são atestados com base nas percepções da entidade documentadora (art.º 371.º do CC).
 

tt) De tais documentos resulta provado que as patologias verificadas no prédio dos Autores desde 1953 até 1993 (e não 1970 como erradamente é referido no ponto 57 dos factos provados) não eram patologias decorrentes do mero uso ou decurso do tempo e seu efeito nos materiais (infiltrações, rachas nas paredes, etc.) — mas, antes, patologias que afectavam a segurança e salubridade do edifício, decorrentes de más condições de solidez e segurança.
 

uu) Do documento de fls. 1179 e ss (Relatório Gauss) também resultam factos essenciais para a análise crítica do real estado do prédio dos Autores antes do início das obras e da natureza e causas desse mesmo estado, os quais foram totalmente omitidos da matéria de facto.
 

vv) Com pertinência para a identificação das patologias das fracções relevam os factos constantes das fichas de inspecções visuais efectuadas em cada uma delas, factos esses que não foram tidos em conta pelo Tribunal a quo: Ficha do r/c Esq. – fls. 1265 e 1265 v.º; Ficha do 1º Dto. – fls. 1274 e 1274 v.º; Ficha do 2º Dto. – fls. 1295 e 1295 v.º; Ficha do 3º Dto. – fls. 1311 e 1311 v.º; Ficha do 4º Dto. – fls1335 e 1335 v.º; e Ficha do 5º Dto. – fls. 1348 e 1348v.º.
 

ww) O Tribunal a quo não deu provimento a esta parte do recurso, invocando o princípio do dispositivo, pelo que apenas aprecia factos em concreto que estejam alegados e correlacionados com o alegado nos articulados.
 

xx) Os factos em causa foram alegados pela Recorrente nos art.ºs 59.º a 80.º da contestação.
 

yy) Mas, independentemente do que vinha alegado na contestação, o Tribunal a quo violou as alíneas a) e b) o n.º 2 do art.º 5.º do CPC, ao desconsiderar os factos instrumentais que resultavam da instrução da causa e os que são complemento ou concretização dos que as partes alegaram e resultam da referida instrução.
 

zz) Em sede de instrução releva o art.º 411º do CPC, que incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer – sendo que esses são exactamente todos os factos constantes do nº 2 do aludido art.º 5º do CPC.
 

aaa) O Tribunal a quo não poderia ter ignorado os factos plasmados nos documentos em causa, por relevantes para a apreciação do Tema 3 de Prova: “Do nexo causal entre os danos no imóvel e a obra levada a cabo no imóvel referido no ponto 1.”
 

bbb) Os pontos 47, 49 e 57 dos factos provados continham em si mesmo afirmações contrárias às que constavam dos documentos em causa – tal como amplamente demonstrado nas alegações da Apelante no recurso da decisão proferida pela 1.ª instância.
 

ccc) Não tendo o douto Tribunal a quo sequer apreciado essas contradições, sob o pretexto de que os factos referidos pela ora Recorrente não estariam alegados na sua contestação, violou o disposto nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art.º 5.º do CPC.
 

ddd) Com isto inviabilizou a apreciação pelo douto Tribunal a quo de uma questão de direito essencial para a boa decisão da causa – a (in)existência de nexo de causalidade.
 

eee) Pelo que deverá a matéria de facto ser ampliada nos termos propugnados pela ora Recorrente no seu recurso de Apelação e enunciada nos pontos 14 e 15 das alegações da presente Revista, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, com o consequente reenvio do processo ao Tribunal da Relação de Lisboa, para que proceda em conformidade, nos termos de n.º 3 do art.º 682.º do CPC.
 

Nestes termos e com o mais que V. Exas. muito doutamente não deixarão de suprir, deve ser dado provimento à presente Revista, fazendo-se a correcta interpretação 3 aplicação das normas jurídicas violadas e, consequentemente, substituindo-se a decisão recorrida por outra que absolva a Recorrente dos pedidos, ou, caso assim não se entenda, dando provimento à Revista ordinária nos termos supra expostos.

 

 

            14. Os Autores e a 2.ª Ré Sonangil — Construção Civil e Obras Públicas, S.A., contra-alegaram.

 

 

            15. Os Autores finalizaram a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:


A. O Recurso da Recorrente não pode jamais proceder por não ter qualquer cabimento legal, renovando-se o que já se fez nas contra-alegções do recurso de apelação bem como nos acórdãos já proferidos.

 

B. Os fundamentos para recurso da Recorrente não se encontram preenchidos (artigos 672.º, n.º 1, alínea c), artigo 674º, n.º 1, alínea a) e b) e artigo 629.º, n.º 2, alínea a), todos do CPC).
 

C. No que concerne ao enquadramento jurídico das questões de facto em discussão no douto Acórdão recorrido, foram apurados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, uma vez que está em causa a prática de factos ilícitos, porque violadores dos direitos dos ora Recorridos à habitação nas condições que teriam se as obras no imóvel contíguo não tivessem acontecido.
 

D. Foi pela verificação e o preenchimento de cada um dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual (facto voluntário do agente, ilicitude do facto, culpa ou imputação do facto ao agente, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano) que se apurou a obrigação de indemnizar.
 

E. Primeiramente, verifica-se uma situação de dupla conforme, uma vez que tanto a sentença da 1.ª instância como o Acórdão da Relação de Lisboa decidiu pela inaplicabilidade à 2.ª Ré do n.º 2 do artigo 493.º do Código Civil.
 

F. Alega a Recorrenteque não sendo a atividade de construção civil, a se, uma atividade perigosa, a demolição e escavação de um prédio, numa zona da cidade antiga, envolvendo prédios antigos confinantes, reveste um risco acrescido e obriga a especiais cautelas.
 

G. A perigosidade da atividade em causa ou dos meios empregues, subjacente ao artigo 493.º, n.º 2, do Código Civil, tem que ser aferida em si mesmo, enquanto juízo de culpa do lesante, ou do incumprimento, de determinados deveres de proteção inerentes ao tráfego, e não em função dos danos cujos riscos a atividade cause ou possa causar em terceiros, sob
 

H. O Acórdão recorrido aferiu a perigosidade da atividade desenvolvida pela Recorrente em função do preenchimento dos pressupostos do n.º 2 do artigo 493.º do CC e não, unicamente, dos riscos que ela comporta.
 

I. Sendo que, trabalhos de demolição, escavação e contenção periférica, como o dos autos, não revestem em si, qualquer perigo e são realizados frequentemente em obras que exigem a reconstrução total de um prédio. Esse perigo também não nasce da decorada de outros prédios, da existência de prédios fragilizados, da ocorrência prévia de danos no prédio dos Autores ou de especiais cuidados que, atendendo à localização dos prédios contíguos e à estrutura dos mesmos possa determinar, já que especiais cuidados na execução de uma atividade e perigo dessa atividade não são sinónimos.
 

J. Os meios empregues na execução dos trabalhos de demolição e contenção periférica dos autos também não são perigosos, sendo processos construtivos normais nestes casos não tendo sido utilizado nenhum meio cortante, inflamável, explosivo ou incontrolável na realização desta obra.
 

K. O risco inerente ao projeto não é do empreiteiro, mas de quem o concebe e por conta de quem ele é concebido, o dono da obra, devendo neles prever-se as circunstâncias em que a obra pode ser executada ou os efeitos que a execução da obra pode causar em terceiros.
 

L. Se este dono de obra entendesse que o modo como o empreiteiro estava a executar a obra era prejudicial e iria causar prejuízos teria á sua disposição parar a obra, o que não o fez.
 

M. Face ao exposto, cabe concluir que o Acórdão Fundamento alegado pela Recorrente é uma opinião minoritária da jurisprudência que não deverá ser entendida como a maioria.
 

N. Quanto à condenação no pagamento de indemnizações a título de danos não patrimoniais os mesmos foram avaliados corretamente pelo douto Tribunal a quo à luz do artigo 496.º do CC e da dimensão normativa que o mesmo comporta.
 

O. Atendendo aos factos provados nos autos o montante total das indemnizações deverá manter-se, nos moldes indicados no douto Acórdão recorrida, de acordo com o princípio da equidade, os residentes/proprietários deverão ser ressarcidos pelos danos não patrimoniais que, pela sua extensão, merecem a tutela do direito, nos termos do artigo 496.º do CC.
 

P. O Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, aplica definitivamente aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o regime jurídico que julgue aplicável artigo 682.º, nº 1 do CPC.
 

Q. O Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito, sendo da competência exclusiva das instâncias a apreciação e fixação da matéria de facto.
 

R. Decorre dos factos assentes que existe um nexo de causalidade entre o facto e o dano. Neste domínio, a teoria da causalidade, esclarece, de acordo com a conceção generalizadamente aceite pela Doutrina, que, para que exista um nexo de causalidade entre o facto e o dano, não basta que o primeiro tenha sido, em concreto, a causa do dano, sendo ainda necessário que, em abstrato, seja adequado a produzi-lo, segundo o curso normal das coisas.
 

S. A 1ª instância, assim como a Relação, entenderam que os danos registados no prédio dos Autores foram provocados pela obra que decorria no prédio adjacente, e, deste modo, estabeleceu o nexo de causalidade entre o ilícito e o dano.
 

T. E teve como fundamento para tal decisão, o que foi sobejamente relatado, inclusive pela prova testemunhal. Prova testemunhal essa de alto e elevado gabarito, quer de uma parte a outra, como resulta entretanto dos depoimentos dos Srs. Professores do Instituto Superior Técnico e de Srs. Engenheiros reputados no mercado na área da construção civil, em que todos eles concordaram que o motivo pelo qual houve um enorme aparecimento de novos danos e agravamento grave das patologias registadas no prédio dos ora Recorridos sendo causa direta e nexo de causalidade, foi a obra levada a cabo no prédio contíguo ao prédio dos ora Recorridos.
 

U. A força probatória do documento particular circunscreve-se, assim, no âmbito das declarações (de ciência ou de vontade) que nela constam como feitas pelo respetivo subscritor.
 

V. Tal como no documento autêntico, a prova plena estabelecida pelo documento respeita ao plano da formação da declaração, não ao da sua validade ou eficácia.
 

W. Mas, diferentemente do documento autêntico, que provém de uma entidade dotada de fé pública, o documento particular não prova plenamente os factos que nele sejam narrados como praticados pelo seu autor ou como objeto da sua perceção direta.
 

X. Deste modo, apesar de demonstrada a autoria de um documento, daí não resulta, necessariamente, que os factos compreendidos nas declarações delas constantes se hajam de considerar provados, o mesmo é dizer que daí não advém que os documentos provem plenamente os factos neles referidos.
 

Y. É que a força ou eficácia probatória plena atribuída pelo nº1 do artigo 376° do Código Civil às declarações documentadas limita-se à materialidade, isto é, à existência dessas declarações, não abrangendo a exatidão das mesmas.
 

Z. Por isso, mesmo não tendo sido impugnado os referidos ofícios junto pela Recorrente, nada impedia o tribunal de conhecer da veracidade do teor, nomeadamente através da prova testemunhal produzida, tanto mais que os ofícios não referem com a exatidão temporal necessária, como o relatório da FUNDEC e da GAUS, os danos verificados no prédio dos Autores antes e depois da realização da obra.
 

AA. E, por isso, impunha-se apurar, através dos meios de prova legalmente permitidos, se o ato praticado, isto é, a realização da obra poderia causar tais danos, nomeadamente no âmbito de uma empreitada com aquelas características. E nada impedia o recurso a prova extrínseca (neste caso testemunhal) para a interpretação do documento particular (relatório).
 

BB. Assim, não violou as normas do direito probatório a decisão do tribunal da Relação que, na reapreciação da decisão da matéria de facto, em cumprimento do dever de avaliação/valoração/interpretação/apreciação ou fixação da prova, lançou mão de todos os meios probatórios à sua disposição no processo para obter congruência factual com a verdade judicial e histórica do processo.
 

CC. Pelo que não pode este Supremo Tribunal de Justiça, exercer qualquer fiscalização sobre o facto dado como provado, porquanto não se vislumbra que tenha havido a violação do dispositivo legal a que alude o artigo 674º, nº3 do CPC, maxime, que o segundo grau tenha preterido alguma disposição expressa da lei que impusesse um determinado meio de prova, taxado para o facto controvertido.
 

DD. Por outro lado, a Relação fundamentou devidamente a matéria de facto, cumprindo a função de reponderação que sobre si impendia de harmonia com o disposto no artigo 662º, nº1 do CPC, tendo exercido as suas plenas competências na reapreciação da materialidade factual posta em causa pela Recorrente, através de uma análise crítica dos depoimentos prestados pelas testemunhas.
 

EE. Os factos em questão, alegados pela Recorrente, são meramente instrumentais e não teriam qualquer influência na sorte da ação.
 

FF. A Recorrente violou ilicitamente o direito de outrem, isto é, atuou em desconformidade com a ordem jurídica através da violação de direitos subjetivos, em especial do já mencionado direito à habitação dos ora Recorridos nas condições que teriam se as obras no imóvel contíguo não tivessem acontecido, uma vez que, independentemente da existência destes direitos subjetivos, considera-se expressamente como contrária ao direito a conduta que ameace lesá-los.
 

GG. Pelo que, a conduta da Recorrente foi (e é) ilícita, por violar direitos subjetivos de outrem. Entender o contrário, ou seja, que há uma verdadeira colisão de direitos, geraria decisões ambíguas, porque se aceitaria que uma conduta pode consubstanciar o exercício de um direito e traduzir-se ao mesmo tempo na prática de um ato ilícito.
 

HH. Assim sendo, renova-se o que já se afirmou e fundamentou nos presentes autos, agora sob escrutínio de V/ Exas Mmos. Juízes Conselheiros, pois o douto Acórdão ora reclamado faz a correta valoração e a aplicação do Direito, sem esperar que de outro modo fosse.
 

Nos termos expostos e nos mais que Vªs Exªs Colendos Juízes Conselheiros, doutamente suprirão, deverá ser negado provimento ao Recurso de Revista Excecional, mantendo-se o douto Acórdão sob recurso, como é de JUSTIÇA!

 

 

            16. A 2.ª Ré Sonangil — Construção Civil e Obras Públicas, S.A., finalizou a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:

 

 

A) A aqui Recorrida, no exercício da sua atividade, celebrou com a Recorrente Residências Sénior do Areeiro, Instalações Para Idosos, S.A., um contrato que teve por objeto a execução da “DEMOLIÇÃO, ESCAVAÇÃO, CONTENÇÃO, ESTRUTURAS E TODAS AS ALVENARIAS EXTERIORES E INTERIORES, FORRAS TÉRMICA CONFORME PROJECTO E REBOCO EXTERIOR” do “prédio urbano sito na Av. …, n.º …3, que torneja para a Praça …, n.ºs …, … e …, em …, na freguesia de …, concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 1331 da referida freguesia, e inscrito na respetiva matriz sob o artigo 310.º da freguesia de … .” (Vide Doc.7 já junto aos autos pelos A.A.)
 

B) Por força do aludido contrato celebrado entre as partes, a aqui Recorrida enquanto empreiteiro, procedeu à execução da obra conforme projeto que lhe foi apresentado para o efeito.
 

C) Projeto esse devidamente aprovado pela Câmara Municipal de Lisboa.
 

D) A aqui Recorrida efetuou a empreitada conforme projeto aprovado pela Câmara e com toda a diligência e rigor técnico que lhe eram exigidos, conforme resulta das Atas de Obra e respetivo Plano de Monitorização
 

E) A aqui Recorrida sempre atuou de acordo com o projeto, tend inclusivamente sido a empreitada sujeita a constante monitorização, monitorização essa que sempre revelou parâmetros dentro dos limites admissíveis.
 

F) Ao que acresce o facto de a atuação da aqui Recorrida ter sido sempre e constantemente objeto de fiscalização que sempre confirmou a inexistência de qualquer desvio de atuação da aqui Ré face ao projetado.
 

G) Por outro lado, não basta alegar que existe um dano – dano esse que até já era preexistente à empreitada – haverá pois que demonstrar que esse dano se agravou em função da atuação da aqui Recorrida e em que extensão se agravou.
 

H) Alega a aqui Recorrente que a Recorrida é responsável por força do disposto no artigo 483.º do Código Civil.
 

I) Ora, salvo o devido respeito, entende a aqui Recorrida que não colhe razão aos aqui Recorrentes quando tentam impor um dever de indemnizar ao abrigo deste preceito legal.
 

J) Ora, diz o disposto no artigo 483.º do Código Civil que:
 

“1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
 

2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.”
 

K) Ou seja, para que à aqui Recorrida seja imputado o dever de indemnizar nos termos do referido preceito legal, será necessário provar que a mesma, na qualidade de empreiteiro, praticou culposamente ações ilícitas ou omitiu os cuidados exigíveis na execução dos trabalhos, tornando-se assim responsável perante terceiros pelo ressarcimento dos danos causados, mas por via da responsabilidade fundada na culpa.
 

L) Acontece, porém, que, conforme já exposto e fundamentado nos artigos anteriores, a aqui Recorrida procedeu de forma diligente e cuidada na execução da empreitada que lhe foi conferida, sempre respeitando o projeto, sem qualquer desvio ao mesmo.
 

M) Sendo os planos de monitorização efetuados ao longo da empreitada, já juntos aos autos, prova de como a Recorrida cumpriu estritamente o projeto aprovado e adotou todos os procedimentos idóneos para evitar a eclosão dos danos.
 

N) Portanto, inexiste da parte da aqui Recorrida qualquer conduta potencialmente geradora de responsabilidade.
 

O) Desde logo porque a conduta da aqui Recorrida não é passível de qualquer censurabilidade pois, reforce-se, sempre atuou estrito cumprimento do projeto, sem registo de qualquer desvio.
 

P) Dito de outro modo, demonstrado se deixa que a aqui Recorrida atuou sempre de forma diligente e no quadro definido em projeto.
 

Q) Não se pode, pois, falar em qualquer ilicitude na conduta da aqui Recorrida, o que por si só bastaria para concluir pela inexistência de qualquer responsabilidade da parte da aqui Ré.
 

R) Mas ainda que assim não fosse, o que nem por cautela de patrocínio se admite, e previamente a qualquer apreciação de culpa, sempre caberia à Recorrente provar, não somente os factos ilícitos integradores da responsabilidade civil da Recorrida, mas ainda a relação de causalidade entre a conduta da aqui Recorrida e os danos alegados,
 

S) nomeadamente se a demolição do prédio contíguo constitui causa adequada dos danos de que alegadamente padece o imóvel dos A.A., sendo a determinação e prova de tal nexo de causalidade determinante para a obrigação de indemnizar.
 

T) Mas a verdade, é que de todos os elementos de prova apresentados resulta que o imóvel dos A.A. já padecia de graves problemas muito antes do início da empreitada.
 

U) Bastará uma breve análise comparativa entre o Relatório Gauss e o Relatório A2P para que verificar que essa é a conclusão que se impõe.
 

V) Note ainda que o relatório da A2P é elaborado em jeito genérico, sem registo de medições que permitam avaliar se houve, ou não, agravamento dos danos de que o prédio dos A.A. já enfermava anteriormente à empreitada.
 

W) e se realmente a empreitada não tivesse sido efetuada de forma diligente como a Recorrente pretende fazer crer, certamente que os inquilinos do prédio contíguo ao intervencionado também teriam certamente reclamado até porque o prédio ainda é mais antigo do que o dos A.A., e a verdade é que nenhum reclamação foi apresentada.
 

X) Em face do que antecede se demonstra que a Recorrente não prova qualquer nexo de causalidade entre a demolição/edificação do prédio sito no n.º …3 e os danos do prédio sito no n.º …5 (prédio dos A.A.).
 

Y) De facto, a prova é precisamente a inversa: a de que os danos registados no prédio dos A.A. são consequência de outras circunstâncias, externas à execução da empreitada e, certamente, muito anteriores à mesma.
 

Z) De nenhum dos relatórios apresentados resulta que os danos de que o imóvel dos A.A. padece foram consequência única e exclusiva da empreitada realizada no prédio contíguo.
 

AA) Aliás, em todos eles se refere que o imóvel já padecia de vários problemas, inclusivamente estruturais, referindo inclusivamente um elevado estado de degradação da junta de separação dos dois edifícios, da cobertura e da rede de drenagem pluvial associados ao longo período de abandono e degradação a que foi exposto o edifício existente no n.º …5 .
 

BB) Cabe ainda referir que os autos demonstram à exaustão que a Recorrida atuou justamente como devia e podia. Nenhuma atuação diferente era exigível à Recorrida.
 

CC) A aqui Recorrida provou e concretizou as providências empregues no processo de demolição e edificação do imóvel sito no n.º…5, adequada a evitar qualquer dano no prédio dos A.A.
 

DD) Tendo, inclusivamente, as escavações sido executadas com a utilização intensiva de ancoragens e a construção de painéis de betão armado, alternados de cima para baixo, em simultâneo com a escavação, sendo estes os procedimentos técnicos mais avançados.
 

EE) Tendo inclusivamente sido reparada toda a empena dos prédios confinantes que ficaram a descoberto.
 

FF) Tendo os trabalhos sido sempre acompanhados pela fiscalização (PL e MECH) do Dono de Obra.
 

GG) Cumpre ainda referir que o Supremo Tribunal de Justiça, em situações que envolvem a atividade da construção civil, mesmo de obras de grande envergadura, decidiu já, por mais de uma vez, que essa atividade não é por si, naturalisticamente, uma atividade perigosa.
 

HH) Aliás é entendimento que, embora a lei não diga “...o que deve entender-se por uma atividade perigosa, apenas admitindo. Genericamente, que a perigosidade derive da própria natureza da atividade ou da natureza dos meios utilizados...” a “...construção civil não deve ser considerada uma atividade perigosa para efeitos do disposto no n.º2 do artigo 493.º do Código Civil” cf. Acórdão STJ de 12 de fevereiro de 2004.
 

No mesmo sentido o acórdão do STJ de 12 de fevereiro de 2004 sustentou que “Concretamente no que respeita à atividade de construção e obras, só por si e se abstrairmos dos meios utilizados, estamos em crer que não é uma actividade que revista perigo especial para terceiros, e, consequentemente, não constitui atividade perigosa”, antecedendo essa conclusão das considerações de que “É, sem dúvida, uma atividade que acarreta riscos (sobretudo para os trabalhadores) mas que se insere num complexo de ações e omissões que permitem calcular e prever qualquer anomalia, em termos de evitar a produção de danos dela decorrentes”, pelo que, em “derradeira análise, e conjugando a atividade em causa com os princípios que devem nortear a qualificação de uma atividade como perigosa ou não, o máximo que podemos conceder é que saber se atividade de construção civil urbana é ou não atividade perigosa é matéria a apreciar, em cada caso, segundo as circunstâncias”.
 

II) Mas mesmo que fosse considerada atividade perigosa, e nesse caso sujeito à disciplina do artigo 493.º do Código Civil, haveria sempre que ter em conta o disposto no seu n.º2 que estabelece que “Quem causar danos a outrem no exercício de uma atividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, exceto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir”.
 

JJ) A presunção de culpa é assim ilidida pela demonstração de que atuou, não apenas como teria atuado o bom pai de família mas, mais do que isso, atuou empregando todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de evitar os danos.
 

KK) No presente caso, e pelos factos já demonstrados supra, mostra-se com necessária clareza que esta presunção foi ilidida.
 

LL) Com efeito, apesar de terem sido verificados danos no imóvel dos A.A., certo é que grande parte deles eram anteriores à empreitada, causados por factos externos à mesma, tendo sido tomadas todas as providências exigidas, e exigíveis à luz dos conhecimentos técnicos existentes, par evitar a sua ocorrência, e no estreito cumprimento do contrato de empreitada.
 

MM) Sendo isto o bastante para se excluir a culpa da aqui Recorrida e, consequentemente, a sua obrigação de indemnizar.
 

Entende assim a aqui Recorrida que deve manter-se a decisão da exclusão da sua responsabilidade por resultar claro, antes de mais, a preexistência dos danos no imóvel dos A.A., o facto de não poder ser considerada perigosa a atividade por si desenvolvida e por não ter a aqui Recorrida atuado de forma culposa.
 

NN) Atento o supra exposto, e sendo a sentença e o acórdão recorrido exemplar e devidamente fundamentados, a aqui Recorrida está, pois, convicta que Vossas Excelências, reapreciando a matéria em causa, subsumindo-a nas normas legais aplicáveis, tudo no mais alto e ponderado critério, não deixarão de indeferir o Recurso apresentado pela Recorrente Residências Sénior do Areeiro, Instalações Para Idosos, S.A.
 

Nos termos expostos e no mais que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, deverá ser negado provimento ao Recurso de Revista, recurso e, em consequência, mantendo o Acórdão recorrido, farão como sempre, inteira e sã JUSTIÇA!

 

 

            17. Em acórdão de 5 de Dezembro de 2019, a Formação prevista no art. 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil não admitiu o recurso de revista por via excepcional.

 

 

            18. A 1.ª Ré, agora Recorrente, deduziu em todo o caso dois fundamentos subsidiários de admissibilidade do recurso de revista. Em primeiro lugar, alegou que a revista era admissível por via normal, por não haver dupla conforme quanto à decisão do acórdão recorrido sobre a impugnação da matéria de facto [conclusões nn) e eee) das alegações de recurso] e, em segundo lugar, alegou que a revista era admissível por via normal, por haver ofensa de caso julgado quanto à decisão do acórdão recorrido sobre os valores individuais da indemnização por danos não patrimoniais [conclusões y) a mm) das alegações de recurso].

 

 

            19. Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

 

 

            Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos Recorrentes (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), as questão a decidir in casu são as seguinte:
 

            I. — se o acórdão recorrido violou ao n.º 1 do art. 5.º do Código de Processo Civil por não ter considerado factos alegados pela 1.ª Ré Residências Sénior do Areeiro, Instalações para Idosos, S.A.; II. — se o acórdão recorrido violou a alínea a) do n.º 2 do art. 5.º e/ou o art. 411.º do Código de Processo Civil por não ter considerado factos instrumentais que resultem da instrução da causa; III. — se o acórdão recorrido violou a a alínea b) do n.º 2 do art. 5.º e/ou o art. 411.º do Código de Processo Civil por não ter considerado factos complementares e/ou concretizadores que resultem da instrução da causa; IV. — se o acórdão recorrido ofendeu caso julgado, ao alterar os valores individuais de indemnização por danos não patrimoniais.

 

 

II. — FUNDAMENTAÇÃO

 

 

            OS FACTOS

 

 

            20. A 1.ª instância deu como provados os factos seguintes:

 

 

1. Os Autores são proprietários das fracções autónomas identificadas com as letras E, F, G, H, I, J, L, M, O e P, pertencentes ao prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Avenida …, n.° …5, …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.° 2438/20080219, da freguesia de …, artigo matricial n.° 329.
 

2. A Autora AA é usufrutuária da fracção autónoma identificada com a letra P do prédio supra identificado, correspondendo ao 5.º Andar Esquerdo, conforme Ap. 10, de 25/02/1983.
 

3. O Autor BB é proprietário, cm conjunto com a Autora CC, da fracção autónoma identificada com a letra M do prédio supra identificado, correspondendo ao 4.º Andar Direito, conforme Ap. 10 de 24/09/2007.
 

4. O Autor DD é proprietário, em conjunto com a Autora EE, da fracção autónoma identificada com a letra L do prédio supra identificado, correspondendo ao 3.º Andar Esquerdo, conforme Ap. 802 de 26/05/2011.
 

5. A Autora FF é, em conjunto com o Autor GG, proprietária da fracção autónoma identificada com a letra E do prédio supra identificado, correspondendo ao R/C Esquerdo, conforme Ap. 28 de 08/11/2005.
 

6. Por outro lado, o Autor GG é, em conjunto com a sua mulher, a Autora FF, proprietário da fracção autónoma identificada com a letra I do prédio supra identificado, correspondendo ao 2.º Andar Esquerdo, conforme Ap. 13 de 20/04/2004.
 

7. O Senhor LLL, casado no regime da comunhão geral com MMM, era proprietário da fracção autónoma identificada com a letra G, do prédio supra identificado, correspondendo ao 1.º Andar Esquerdo, conforme Ap. 18 de 17/06/2002 de, tendo deixado como herdeiros os seus filhos, HH, II e JJ e a sua cônjuge, MMM, conforme consta da respectiva escritura de Habilitação de Herdeiros.
 

8. O Senhor NNN, casado no regime da separação de bens com KK, era proprietário da fracção autónoma identificada com a letra H do prédio supra identificado, correspondente ao 2.º Andar Direito, conforme Ap. 20, de 09/11/1982, tendo falecido a 19 de Julho de 2014, deixando como herdeiros os seus filhos, LL, MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, UU e a sua cônjuge, KK, conforme respectiva escritura de Habilitação de Herdeiros.
 

9. A Senhora OOO, casada no regime da comunhão de adquiridos com VV, era proprietária da fracção identificada com a letra F do prédio supra identificado, conforme Ap. 6 de 02/03/1982, tendo falecido a 27 de Maio de 2004, deixando como herdeiros os seus filhos, XX, ZZ, e o seu cônjuge, VV, conforme respectivo documento de Habilitação de Herdeiros.
 

10. A Autora AAA é proprietária, em conjunto com o Autor BBB, da fracção identificada com a letra O, do prédio supra identificado, conforme Ap. 26, de 06/05/2004.
 

11. A Autora CCC é plena e única proprietária da fracção identificada com a letra J do prédio supra identificado, conforme Ap. 795, de 26/09/2012.
 

12. Contiguamente ao prédio dos Autores, situa-se o prédio n° 233, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n°1331 da freguesia de … e inscrito na matriz predial sob o artigo 310 da mesma freguesia.
 

13. Por se encontrar desocupado, pelo menos, durante cerca de dez anos, até 2013, veio a degradar-se progressivamente, sem nunca ter sido alvo de qualquer operação de manutenção ou cuidado.
 

14. Em Junho de 2002, foi o supra identificado prédio comprado pela Sociedade denominada por “Hotel do Aeroporto, Actividades Hoteleiras, S.A.”, hoje com o nome de “Residências Sénior do Areeiro, Instalações para Idosos, S.A.”, aqui Ia Ré, conforme Ap. 29 de 06/11/2002.
 

15. Volvidos cerca de 11 anos após a compra do imóvel, foram levadas a cabo obras de demolição integral por parte da Ia Ré, tendo para o efeito contratado a ora 2a Ré, cujo Contrato de Empreitada foi celebrado em 17 de Abril de 2013.
 

16. Pelo que 2a Ré, a comando da Ia Ré, procedeu, entre Maio e Julho de 2013, à demolição completa do edifício existente no n° …5 da Avenida …, e à construção de um novo prédio na mesma morada, com estrutura de betão armado, o qual possui duas caves, piso térreo e cinco pisos elevados, apesar do projecto inicialmente prever a existência de três caves.
 

17. Na sequência dessas obras (demolição e reconstrução de um prédio de vários andares) levadas a cabo no prédio contíguo ao dos Autores, o n° …5 da Avenida …, foram verificados diversos danos no prédio dos Autores.
 

18. Essa verificação determinou a requisição, pelos Autores, de uma avaliação por parte de uma empresa especializada na matéria, a “A2P Estudos & Projectos, Lda”. 
 

19. Avaliação essa que foi realizada por inspecção visual nos dias 22, 25 e 29 de Novembro de 2013, e que resultou num relatório cuja cópia consta de fls. 120 e seguintes dos autos.
 

20. No âmbito dessa avaliação, foi no respectivo relatório descrita a existência dos seguintes danos:
 

i) Das Zonas Comuns - zonas cujos danos abrangem todos os Autores:
 

a. Existência de fendilhação localizada na fachada principal e tardoz, bem como a abertura da junta de separação entre o edifício dos ora Autores e o contíguo, o n° …5 da Avenida …;
 

b. Exposição completa da parede sul (empena esquerda), sem ter sido feito qualquer tipo de contenção provisória da parede;
 

c. Existência de danos no pavimento do pátio exterior do prédio, que apresentava uma betonilha bastante fracturada, bem como ao nível das caixas de esgoto;
 

d. Demolição parcial do muro de separação de lote pelo empreiteiro da obra vizinha, e existência de uma fenda vertical no mesmo, que indica movimento de rotação do mesmo para a zona de escavação.
 

 

ii) Das Fracções Esquerdas (Fracções E, G, I, L, N e P)
 

a. Alargamento da fissuração existente, a par do aparecimento de novas fissuras, registando-se com maior intensidade no piso 1, mas não significando que não possa mais tarde aparecer em pisos superiores;
 

 

iii) Das Fracções Direitas (Fracções D, F, H, J, M e O)
 

a. Apresentação de graves problemas de humidade e infiltrações nos compartimentos contíguos à parede de empena;
 

b. Aparecimento sistemático de fendas verticais de canto entre as duas paredes divisórias interiores e a parede de empena, verificando-se já, em grande parte dos pisos, o desligamento total entre estes elementos;
 

c. Separação, em alguns casos, entre paredes ortogonais, por desembricamento ou pela própria fractura dos tijolos que faziam essa ligação, dando origem a um problema grave de índole estrutural, problema que “terá tido origem em movimentos sofridos pela parede da empena esquerda para o interior da obra vizinha, durante as fases de demolição e escavação”;
 

d. Aparecimento de fissuras de canto verticais entre a parede de empena esquerda e a fachada principal, pondo em causa a estabilidade da empena esquerda para acções horizontais;
 

e. Desligamento, em todas as divisões dos pisos elevados confinantes com a empena esquerda, na ligação parede / pavimento
 

f. Desligamento das paredes interiores de alvenaria de tijolo, onde se apoiam os vigamentos de madeira;
 

g. Separação do estuque do tecto, agarrado aos vigamentos de piso, do estuque da parede, agarrado à empena, dando origem a fracturas com desaprumo entre os bordos;
 

h. Agravamento sistemático de algumas fissuras pré-existentes, bem como aparecimento de novas fissuras em paredes e tectos;
 

i. Fendilhação oblíqua observada nas paredes divisórias perpendiculares à parede de empena, com uma deslocação para sul, isto é, para o interior da obra em curso no lote vizinho;
 

j. Existência de fissuras verticais de canto entre a empena esquerda na zona onde o edifício recua e a parede perpendicular, demonstrando que “o desligamento das paredes foi para além da zona mais larga do edifício, propagando-se na direcção do tardoz do mesmo, onde o afastamento em relação à obra é maior”;
 

k. Desprendimento e queda de rebocos e estuques;
 

l. Quebra de algumas manilhas de grés que constituem a rede de esgotos;
 

 

21. Consta das conclusões do mesmo relatório que os danos verificados tiveram lugar “(…) [n]um primeiro momento associado ao longo período de abandono e degradação a que foi votado o edifício anteriormente existente no n° …5 da Av. … e, um segundo momento, mais recente, associado aos movimentos provocados pela obra de demolição desse mesmo edifício e posterior escavação para execução de duas caves
 

22. Mais consta que “as fracções direitas do edifício apresentam já danos de tal modo elevados, que as condições de habitabilidade e segurança se encontram comprometidas”.
 

23. Perante as interpelações do 1° Autor, a 2a Ré decidiu accionar a sua apólice de seguro de responsabilidade civil, contratada com a aqui 3a Ré e identificada com o n° 0002…8.
 

24. Na sequência de peritagem promovida pela 3a Ré, foi elaborado, em Março de 2014, pelo FUNDEC - ICIST, um relatório cuja cópia consta dos autos a fls. 131 e seguintes.
 

25. Relatório esse que voltou a identificar como principais danos a “fendilhação/desligamento em paredes”, as “infiltrações”, com “(...) sinais exuberantes de infiltrações (...) descasque de pinturas e (...) do próprio reboco, bem como presença de colonização biológica” e o “apodrecimento de elementos em madeira”, situações que podem se ter “agravado na situação actual devido ao facto de a empena ter ficado directamente exposta à intempérie sem que tenha sido aplicado um revestimento adequado do ponto de vista da estanqueidade”.
 

26. Daí constando, também, que “(…) a generalidade das anomalias (...) descritas e a respectiva gravidade podem ser associados à demolição e reconstrução do edifício vizinho. Esta intervenção terá provocado (i) a descompressão dos solos de fundação do edifício inspeccionado devido à profundidade de escavação, (ii) a eventual perturbação do solo devido às injecções das ancoragens das contenções periféricas e (iii) a perda de confinamento da parede da empena Sul, na zona mais larga do edifício devido à demolição da construção existente’’.
 

27. Perante este conjunto de danos, foi recomendada por ambos os relatórios periciais já juntos aos autos a realização de obras imediatas no prédio propriedade dos ora Autores, obras essas que se encontram também descritas em documento elaborado pela Matutec - Engenharia e Peritagens, Lda., ao serviço da 3a Ré.
 

28. O 1.º Autor, Condomínio, outorgou também um contrato de Apólice de Seguro Multirriscos Condomínio com a ora 3a Ré, datado de 11 de Março de 2010, apólice n.° 001…3.
 

29. Em conformidade, os Autores a intervenção da seguradora, através de participação do sinistro, em Setembro de 2014.
 

30. A 3a Ré, “Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A.”, informou que não poderia assumir o evento, atendendo a que “(...) os danos que se registam por infiltrações através de paredes e tectos não se encontram garantidos já que essas infiltrações não surgiram de danos resultantes da ocorrência dos riscos cobertos na apólice, mas sim do resultado da falta de manutenção da junta de separação com o prédio adjacente, n°…3, e do estado devoluto em que este prédio esteve durante muitos anos (…)”.
 

31. Mais comunicou que “(...) as fracturas e fissuras que se verificam nas fracções e nas partes comuns do edifício … resultaram em parte da execução das obras de demolição e escavação das caves do edifício do n° …5 da Av. …, não sendo portanto consequência directa de qualquer fenómeno geológico, e também devido à existência de graves problemas estruturais, entre os quais o apodrecimento dos encabeçamento dos barrotes que suportam os pavimentos”.
 

32. Os Autores interpelaram, por carta registada com aviso de recepção, datada de 26 de Novembro de 2014, a Ia Ré.
 

33. Na mesma data, os Autores endereçaram também carta registada com aviso de recepção à 2a Ré, “Sonangil - Construção Civil e Obras Públicas, S.A.”, responsável pela realização das obras e, ainda, novamente, à 3a Ré, mas agora na qualidade de entidade seguradora da 2a Ré.
 

34. Tendo a 3a Ré respondido, em 5 de Dezembro de 2014, assumindo o enquadramento das situações previstas na apólice contratada e indicando “(•••) nunca deixámos de assumir que os danos causados pelo nosso segurado - Sonangil - estariam abrangidos pelo contrato de seguro em vigor”, bem como a sua total disponibilidade para “(…) iniciar os trabalhos logo que desej[assem] a sua concretização
 

35. Em Fevereiro de 2015, os Autores solicitaram um Projecto de reforço do edifício, à “A2P Estudos e Projectos, Lda.”, bem como requereram, a 8 de Maio de 2015, à empresa “Rosa Moreira Construções, Lda.” um orçamento para realização dessas obras no prédio a que pertencem as suas fracções, orçamento que cifrou o valor necessário para resolução dos prejuízos em € 271.312,00 e efectuou um levantamento de todos os danos invocados por cada condómino.
 

36. As obras a realizar nas fracções dos Autores obrigarão à saída destes de suas casas, tendo de habitar durante esse período noutro local, e obrigarão à remoção dos seus pertences para outro local.
 

37. Desde o início das obras no edifício contíguo que os Autores proprietários das fracções do lado direito foram confrontados com quedas de poeira, cal e pedaços de paredes, das sancas e do estuque, ficando as respectivas habitações sujas e com um aspecto descuidado.
 

38. Os Autores sentiram-se inseguros, bem como os que consigo habitam e visitam, e tiveram medo de viver na sua própria casa.
 

39. Os Autores ficaram impossibilitados de usar a sua habitação para fins sociais e de alojamento de familiares, designadamente em épocas festivas e de férias.
 

40. Os Autores estão impossibilitados de efectuar trabalhos de melhorias ou benfeitorias nas suas fracções, tais como pintura de paredes ou substituição de soalho, por deverem aguardar o desfecho da presente acção.
 

41. Os Autores proprietários do 4.º e 5° andar direitos têm rachas onde conseguem colocar a sua mão, tendo receio todos os dias de que as mesmas aumentem ou que provoquem a ruína de alguma das divisões da respectiva casa.
 

42. As pessoas que habitam no 2° andar direito são estudantes, tendo-se visto forçados a estudar fora de casa devido ao barulho das obras.
 

43. Em Julho de 2015 os Autores tomaram conhecimento de que a 3a Ré declinaria a assunção de responsabilidade no sinistro enquanto seguradora da 2a Ré.
 

44. A Ia Ré, com o objectivo de prevenir eventuais tentativas de imputação de danos à demolição do n.° …3, encomendou à “Gauss - Topometria e Monitorização Estrutural, S.A.” a realização de uma inspecção aos prédios confinantes, entre os quais o dos Autores.
 

45. Essa inspecção foi efectuada em Julho de 2012 e culminou na elaboração de um relatório - doravante designado por “relatório Gauss”, junto aos autos, o qual foi também depositado em 13.08.2012, no Cartório Notarial de … .
 

46. Todas as patologias invocadas pelos Autores que coincidem com as patologias descritas no relatório Gauss são anteriores aos trabalhos de demolição efectuados no n.° …3.
 

47. Nos termos desse relatório, consta que nos alçados tardoz e lateral esquerdo do prédio dos Autores se verificou estarem os mesmos em razoável estado de conservação devido a obras efectuadas há alguns anos, mas que ainda assim eram visíveis um conjunto de patologias: empolamento da tinta, motivado por humidades e infiltrações, e fissuração do revestimento (algumas delas com reparações recentes visíveis).
 

48. Nos termos do mesmo relatório, o pequeno pano do alçado lateral esquerdo, que confinava com o edifício a demolir, apresentava-se em muito mau estado de conservação, nomeadamente ao nível do revestimento, o que provoca outras patologias.
 

49. Foram também inspeccionadas todas as fracções que confinam com as paredes do edifício da Ia Ré, tendo-se no relatório concluído que «não existem patologias de destaque, sendo que a maior parte são microfissuras em rebocos de parede, tectos e cantarias».
 

50. Todas as fachadas do edifício demolido eram construídas em alvenaria, pedra e argamassa, tendo as fachadas frontais (viradas para a Praça … e para a Avenida …) um revestimento em pedra.
 

51. Todos os trabalhos de demolição foram executados de acordo com todas as medidas preventivas indicadas no respectivo projecto de demolição e escavação aprovado pela Câmara Municipal de Lisboa.
 

52. Foram utilizados na demolição equipamentos mecânicos ligeiros, apoiados por trabalho manual e uma grua.
 

53. O prédio dos Autores, porque levantado após o prédio do n.° …3, possibilitando o encosto das empenas, foi construído sem respeitar o projecto licenciado.
 

54. O projecto inicial submetido à aprovação da Câmara Municipal pelo construtor e primeiro proprietário do prédio dos Autores previa a construção das fachadas laterais em “alvenaria branca de pedra rija”, processo construtivo que aquele pediu à edilidade para alterar para betão armado, a fim de que as divisões dos andares pudessem ficar com uma área superior à inicialmente prevista.
 

 55. O construtor e primeiro proprietário do n.° …5 declarou, perante a CML, em 1941, possuir o ferro suficiente para construir o edifício mas, em 1942, o mesmo construtor, invocando dificuldades em obter o ferro, veio pedir à Câmara uma redução das quantidades de ferro a aplicar.
 

56. Cerca de 10 anos depois da concessão da licença de habitação do …5, que ocorreu em 1943, o prédio dos Autores começou a apresentar patologias nos pisos superiores, com principal enfoque no 5° piso, o que levou a CML a intimar o proprietário a efectuar obras.
 

57. Até ao ano de 1970 são conhecidas mais duas intimações da mesma edilidade para que o proprietário do prédio do n.° …5 realizasse obras, a fim de resolver problemas de fissuração e infiltrações no edifício, as quais assumiam especial relevo nos pisos superiores.
 

58. Na fachada frontal do prédio dos Autores, existem sinais de que foram colocados, seguramente há muitos anos, três esticadores para contenção dessa fachada.
 

59. Na empena principal do edifício dos Autores, junto à obra demolida, ao nível do piso 0 e na loja da Avenida … n.° …5B, existem dois vãos que abriram um vazio na fundação da empena confinante, os quais ocupam, em largura, a dimensão total da parede de fundação, pelo que, ao demolir-se a parede do n.° …3, esses vãos ficaram expostos para o exterior face à inexistência de parede no imóvel do n.° …5.
 

60. Ao remover ou alterar uma parede resistente, causou-se a fissuração das empenas e de paredes dos pisos superiores.
 

61. Por carta registada com aviso de recepção datada de 22.07.2013, a Ia Ré deu conhecimento ao 1° Autor que o proprietário da loja sita no n.° …5-B havia feito duas aberturas na empena do edifício, até à empena do edifício demolido, as quais colocavam em causa a estabilidade daquela parede.
 

62. Durante a fase de escavação para a construção das fundações do novo prédio da Ia Ré, apareceram no terreno águas residuais provenientes do subsolo do prédio dos Autores, sendo que as várias camadas de areia de cor negra permitiam perceber que essas águas estavam a escoar há largos anos para o subsolo, sem encaminhamento para a rede pública de esgotos, por o fundo da respectiva caixa de recepção de esgotos estar partido.
 

63. A caixa de esgotos e o respectivo ramal encontram-se a uma cota muito mais superficial do que as fundações do prédio e do muro de separação dos lotes a tardoz.
 

64. Esta situação provocou, não só o aparecimento de água no interior das caves da obra, como também contribuiu para o desgaste na base das fundações do prédio dos Autores, tendo disso sido dado conhecimento aos administradores do 1.º Autor.
 

65. Na empena do prédio dos Autores confinante com o prédio demolido, a 2a Ré aplicou reboco sarrafado à medida que os trabalhos de demolição iam progredindo, desde a cobertura até ao piso 0, sem interrupção, para que aquela não ficasse exposta a eventuais intempéries.
 

66. Concluídos os trabalhos de escavação foi, logo de seguida, executada a estrutura do novo edifício.
 

67. A empresa que efectuou o orçamento para as reparações no edifício e fracções autónomas dos Autores possui apenas um certificado de empreiteiro de obras públicas, que a habilita a executar obras cujo valor não exceda 20% do limite fixado para a classe 1, isto é, € 33.200,00.
 

68. Durante a fase de demolição, o prédio foi entaipado, com o levantamento de andaimes e a colocação de uma rede protectora, e os trabalhos foram executados com recurso permanente à projecção de água para evitar o levantamento de poeiras.
 

69. O seguro a que corresponde a apólice n.° 2…8 é um seguro adicional e temporário.
 

70. A 2a Ré celebrou com a 3a Ré um outro contrato de seguro de âmbito geral, com o n.° de apólice 0003…5, cujo objecto garante a responsabilidade civil extracontratual, que lhe seja imputável por danos causados a terceiros, no exercício da sua actividade.
 

71. Os trabalhos efectuados foram sujeitos a constante monitorização, a qual sempre revelou parâmetros dentro dos limites admissíveis, em conformidade com o projecto de demolição e escavação.
 

72. Os trabalhos foram também sempre objecto de fiscalização, nos termos legais, a qual confirmou a inexistência de qualquer desvio na execução dos mesmos.
 

73. A apólice de seguro n.° 0002…8 entrou em vigor em 22.08.2013.
 

74. Da respectiva proposta, consta uma declaração emitida pela 2a Ré, confirmando a inexistência de sinistros relacionados com o local de risco até à data em que a mesma foi apresentada, 31.07.2013.
 

75. Os trabalhos de instalação, pela 2a Ré, de testemunhos nas fracturas existentes nas paredes do prédio dos Autores decorreram em Julho de 2013.
 

76. Os trabalhos de escavação decorreram entre o início de Agosto e o final de Setembro de 2013.
 

77. Entre 26.11.2013 e 10.12.2013, procedeu-se a trabalhos de betonagem da laje do tecto das Ia e 2a caves.
 

78. Por carta registada com aviso de recepção remetida para a 2a Ré em 30.10.2015, a 3a Ré comunicou que procedia à anulação da apólice.

 

 

            21. Em contrapartida, a 1.ª instância deu como não provados os factos seguintes:

 

 

a) que o legal representante da Ia Ré tenha admitido a responsabilidade desta em reunião ocorrida em 01.10.2013 (artigo 72° da petição inicial);
 

b) que em diversas datas os Autores tiveram de se ausentar dos seus locais de trabalho em virtude de visitas e/ou vistorias nas respectivas fracções (artigo 89° da p.i.);
 

c) que os Autores participaram em mais de uma dezena de assembleias de condomínio extraordinárias, com durações nunca inferiores a três horas, prejudicando o descanso e hora de jantar (artigo 90° da p.i.);
 

d) que os Autores se viram impedidos de descansar e dormir devido ao barulho ensurdecedor e à trepidação, desde a fase da demolição até à data da propositura da acção (artigo 91° da p.i.);
 

e) que o barulho das obras se prolongou por inúmeras vezes até altas horas da noite e ultrapassou os limites de decibéis permitidos (artigo 92° da p.i.);
 

f) que os Autores se viram impossibilitados de estender roupa em todos os estendais exteriores do prédio sitos na rectaguarda do mesmo (artigo 93° da p.i.);
 

g) que os Autores se viram obrigados a colocar roupa a secar no interior das fracções durante mais de um ano (artigo 94° p.i.);
 

h) que os Autores sentem insegurança e ansiedade provocados pela expectativa de, a qualquer momento, terem de abandonar a casa durante o período de realização das obras de reparação dos danos (artigos 96° e 97 da p.i.);
 

i) que as tarefas de empacotamento e duas mudanças forçará os Autores a tirar férias do trabalho e por um período indeterminado (artigos 98° e 99° da p.i.);
 

j) que os Autores terão grande transtorno e dificuldade na procura de habitações para o período correspondente às obras, bem como que o animal dos Autores do 1.º direito terá de ser instalado num hotel para cães e sofrerá de ansiedade (artigos 100° e 101° da p.i.);
 

k) Que os habitantes do 2.º andar direito se tenham visto forçados a estudar fora de casa devido aos estragos provocados pela poeira e outros no seio da fracção (parte do artigo 103° da p.i.);
 

l) Que o chão da caixa de recepção de esgotos do prédio dos Autores foi partido na sequência de obras há muito por estes efectuadas, e devido à intenção de se poupar na reparação/substituição da manilha de grés que deveria conduzir as águas residuais para a rede pública (artigo 77° da contestação da Ia Ré);
 

m) Que os esticadores existentes no prédio dos Autores tenham sido colocados após o terramoto de 1969 e por causa das falhas estruturais verificadas na sequência do mesmo (artigo 51.º da contestação da 2a Ré).
 

 

            22. A Relação alterou a matéria de facto em três pontos:

 

            I. — Em primeiro lugar, eliminou os factos dados como provados sob os n.ºs 17 e 36,
 

            II. — Em segundo lugar, alterou a redacção dos factos dados como provados sob os n.ºs 18, 38, 69 e 78:
 

            — no facto dado como provado sob o n.º 18 dizia-se “Essa verificação determinou a requisição, pelos Autores, de uma avaliação por parte de uma empresa especializada na matéria, a ‘A2P Estudos & Projectos, Lda.’” e passou a dizer-se: “Face a tais obras os AA. requisitaram uma avaliação por parte de uma empresa especializada na matéria, a ‘A2P Estudos & Projectos, Lda.’”;
 

            — no facto dado como provado sob o n.º 38 dizia-se “Os Autores sentiram-se inseguros, bem como os que consigo habitam e visitam, e tiveram medo de viver na sua própria casa” e passou a dizer-se “A autora usufrutuária do 5° andar esquerdo, a A. proprietária do 5° andar direito, os Autores proprietários do 4.° andar direito, os Autores proprietários do 1.° andar Direito, os Autores proprietários do R/c Esquerdo e 2° andar esquerdo, os Autores do 3° andar esquerdo e os AA. proprietários do 1° andar esquerdo sentiram-se inseguros, bem como os que consigo habitam e visitam, e tiveram medo de viver na sua própria casa”;
 

            — no facto dado como provado sob o n.º 69, dizia-se “O seguro a que corresponde a apólice n.° 2…8 é um seguro adicional e temporário” e passou a dizer-se “Entre a 3a R., na qualidade de seguradora, e a 2.a Ré Sonangil, na qualidade de segurado, foi celebrado contrato de seguro de responsabilidade civil extracontratual por danos decorrentes da actividade por obras de construção civil a celebrar no local de risco, titulado pela Apólice n.° 0002…8 e regulado pelas Condições Gerais e Particulares juntos a fls. 281 e ss., que entrou em vigor no dia 22/08/2013”;
 

            — no facto dado como provado sob o n.º 78, dizia-se “Por carta registada com aviso de recepção remetida para a 2a Ré em 30.10.2015, a 3.a Ré comunicou que procedia à anulação da apólice” e passou a dizer-se: “Por carta registada com aviso de recepção remetida para a 2.a Ré, com data de 30.10.2015, a 3.a Ré comunicou que procedia à anulação da apólice n.° 0002…8”.
 

            III. — Em terceiro lugar, a Relação aditou aos factos dados como não provados a alínea n).

 

 

            23. Em consequência da reapreciação da matéria de facto, o acórdão recorrido deu como provados os factos seguintes:

 

 

1. Os Autores são proprietários das fracções autónomas identificadas com as letras E, F, G, H, I, J, L, M, O e P, pertencentes ao prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Avenida …, n.° …5, Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.° 2438/20080219, da freguesia de …, artigo matricial n.° 329.
 

2. A Autora AA é usufrutuária da fracção autónoma identificada com a letra P do prédio supra identificado, correspondendo ao 5.º Andar Esquerdo, conforme Ap. 10, de 25/02/1983.
 

3. O Autor BB é proprietário, cm conjunto com a Autora CC, da fracção autónoma identificada com a letra M do prédio supra identificado, correspondendo ao 4.º Andar Direito, conforme Ap. 10 de 24/09/2007.
 

4. O Autor DD é proprietário, em conjunto com a Autora EE, da fracção autónoma identificada com a letra L do prédio supra identificado, correspondendo ao 3.º Andar Esquerdo, conforme Ap. 802 de 26/05/2011.
 

5. A Autora FF é, em conjunto com o Autor GG, proprietária da fracção autónoma identificada com a letra E do prédio supra identificado, correspondendo ao R/C Esquerdo, conforme Ap. 28 de 08/11/2005.
 

6. Por outro lado, o Autor GG é, em conjunto com a sua mulher, a Autora FF, proprietário da fracção autónoma identificada com a letra I do prédio supra identificado, correspondendo ao 2.º Andar Esquerdo, conforme Ap. 13 de 20/04/2004.
 

7. O Senhor LLL, casado no regime da comunhão geral com MMM, era proprietário da fracção autónoma identificada com a letra G, do prédio supra identificado, correspondendo ao 1.º Andar Esquerdo, conforme Ap. 18 de 17/06/2002 de, tendo deixado como herdeiros os seus filhos, HH, II e JJ e a sua cônjuge, MMM, conforme consta da respectiva escritura de Habilitação de Herdeiros.
 

8. O Senhor NNN, casado no regime da separação de bens com KK, era proprietário da fracção autónoma identificada com a letra H do prédio supra identificado, correspondente ao 2.º Andar Direito, conforme Ap. 20, de 09/11/1982, tendo falecido a 19 de Julho de 2014, deixando como herdeiros os seus filhos, LL, MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, UU e a sua cônjuge, KK, conforme respectiva escritura de Habilitação de Herdeiros.
 

9. A Senhora OOO, casada no regime da comunhão de adquiridos com VV, era proprietária da fracção identificada com a letra F do prédio supra identificado, conforme Ap. 6 de 02/03/1982, tendo falecido a 27 de Maio de 2004, deixando como herdeiros os seus filhos, XX, ZZ, e o seu cônjuge, VV, conforme respectivo documento de Habilitação de Herdeiros.
 

10. A Autora AAA é proprietária, em conjunto com o Autor BBB, da fracção identificada com a letra O, do prédio supra identificado, conforme Ap. 26, de 06/05/2004.
 

11. A Autora CCC é plena e única proprietária da fracção identificada com a letra J do prédio supra identificado, conforme Ap. 795, de 26/09/2012.
 

12. Contiguamente ao prédio dos Autores, situa-se o prédio n° 233, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n°1331 da freguesia de … e inscrito na matriz predial sob o artigo 310 da mesma freguesia.
 

13. Por se encontrar desocupado, pelo menos, durante cerca de dez anos, até 2013, veio a degradar-se progressivamente, sem nunca ter sido alvo de qualquer operação de manutenção ou cuidado.
 

14. Em Junho de 2002, foi o supra identificado prédio comprado pela Sociedade denominada por “Hotel do Aeroporto, Actividades Hoteleiras, S.A.”, hoje com o nome de “Residências Sénior do Areeiro, Instalações para Idosos, S.A.”, aqui Ia Ré, conforme Ap. 29 de 06/11/2002.
 

15. Volvidos cerca de 11 anos após a compra do imóvel, foram levadas a cabo obras de demolição integral por parte da Ia Ré, tendo para o efeito contratado a ora 2a Ré, cujo Contrato de Empreitada foi celebrado em 17 de Abril de 2013.
 

16. Pelo que 2a Ré, a comando da Ia Ré, procedeu, entre Maio e Julho de 2013, à demolição completa do edifício existente no n° …3 da Avenida …, e à construção de um novo prédio na mesma morada, com estrutura de betão armado, o qual possui duas caves, piso térreo e cinco pisos elevados, apesar do projecto inicialmente prever a existência de três caves.
 

 17. […]
 

 18. Face a tais obras os AA. requisitaram uma avaliação por parte de uma empresa especializada na matéria, a “A2P Estudos & Projectos, Lda.”
 

19. Avaliação essa que foi realizada por inspecção visual nos dias 22, 25 e 29 de Novembro de 2013, e que resultou num relatório cuja cópia consta de fls. 120 e seguintes dos autos.
 

20. No âmbito dessa avaliação, foi no respectivo relatório descrita a existência dos seguintes danos:
 

 

i) Das Zonas Comuns - zonas cujos danos abrangem todos os Autores:
 

a. Existência de fendilhação localizada na fachada principal e tardoz, bem como a abertura da junta de separação entre o edifício dos ora Autores e o contíguo, o n° …7 da Avenida …;
 

b. Exposição completa da parede sul (empena esquerda), sem ter sido feito qualquer tipo de contenção provisória da parede;
 

c. Existência de danos no pavimento do pátio exterior do prédio, que apresentava uma betonilha bastante fracturada, bem como ao nível das caixas de esgoto;
 

d. Demolição parcial do muro de separação de lote pelo empreiteiro da obra vizinha, e existência de uma fenda vertical no mesmo, que indica movimento de rotação do mesmo para a zona de escavação.
 

 

ii) Das Fracções Esquerdas (Fracções E, G, I, L, N e P)
 

a. Alargamento da fissuração existente, a par do aparecimento de novas fissuras, registando-se com maior intensidade no piso 1, mas não significando que não possa mais tarde aparecer em pisos superiores;
 

 

iii) Das Fracções Direitas (Fracções D, F, H, J, M e O)
 

a. Apresentação de graves problemas de humidade e infiltrações nos compartimentos contíguos à parede de empena;
 

b. Aparecimento sistemático de fendas verticais de canto entre as duas paredes divisórias interiores e a parede de empena, verificando-se já, em grande parte dos pisos, o desligamento total entre estes elementos;
 

c. Separação, em alguns casos, entre paredes ortogonais, por desembricamento ou pela própria fractura dos tijolos que faziam essa ligação, dando origem a um problema grave de índole estrutural, problema que “terá tido origem em movimentos sofridos pela parede da empena esquerda para o interior da obra vizinha, durante as fases de demolição e escavação”;
 

d. Aparecimento de fissuras de canto verticais entre a parede de empena esquerda e a fachada principal, pondo em causa a estabilidade da empena esquerda para acções horizontais;
 

e. Desligamento, em todas as divisões dos pisos elevados confinantes com a empena esquerda, na ligação parede / pavimento
 

f. Desligamento das paredes interiores de alvenaria de tijolo, onde se apoiam os vigamentos de madeira;
 

g. Separação do estuque do tecto, agarrado aos vigamentos de piso, do estuque da parede, agarrado à empena, dando origem a fracturas com desaprumo entre os bordos;
 

h. Agravamento sistemático de algumas fissuras pré-existentes, bem como aparecimento de novas fissuras em paredes e tectos;
 

i. Fendilhação oblíqua observada nas paredes divisórias perpendiculares à parede de empena, com uma deslocação para sul, isto é, para o interior da obra em curso no lote vizinho;
 

j. Existência de fissuras verticais de canto entre a empena esquerda na zona onde o edifício recua e a parede perpendicular, demonstrando que “o desligamento das paredes foi para além da zona mais larga do edifício, propagando-se na direcção do tardoz do mesmo, onde o afastamento em relação à obra é maior”;
 

k. Desprendimento e queda de rebocos e estuques;
 

l. Quebra de algumas manilhas de grés que constituem a rede de esgotos;
 

 

21. Consta das conclusões do mesmo relatório que os danos verificados tiveram lugar “(…) [n]um primeiro momento associado ao longo período de abandono e degradação a que foi votado o edifício anteriormente existente no n° …3 da Av. … e, um segundo momento, mais recente, associado aos movimentos provocados pela obra de demolição desse mesmo edifício e posterior escavação para execução de duas caves
 

22. Mais consta que “as fracções direitas do edifício apresentam já danos de tal modo elevados, que as condições de habitabilidade e segurança se encontram comprometidas”.
 

23. Perante as interpelações do 1° Autor, a 2a Ré decidiu accionar a sua apólice de seguro de responsabilidade civil, contratada com a aqui 3a Ré e identificada com o n° 0002…8.
 

24. Na sequência de peritagem promovida pela 3a Ré, foi elaborado, em Março de 2014, pelo FUNDEC - ICIST, um relatório cuja cópia consta dos autos a fls. 131 e seguintes.
 

25. Relatório esse que voltou a identificar como principais danos a “fendilhação/desligamento em paredes”, as “infiltrações”, com “(...) sinais exuberantes de infiltrações (...) descasque de pinturas e (...) do próprio reboco, bem como presença de colonização biológica” e o “apodrecimento de elementos em madeira”, situações que podem se ter “agravado na situação actual devido ao facto de a empena ter ficado directamente exposta à intempérie sem que tenha sido aplicado um revestimento adequado do ponto de vista da estanqueidade”.
 

26. Daí constando, também, que “(…) a generalidade das anomalias (...) descritas e a respectiva gravidade podem ser associados à demolição e reconstrução do edifício vizinho. Esta intervenção terá provocado (i) a descompressão dos solos de fundação do edifício inspeccionado devido à profundidade de escavação, (ii) a eventual perturbação do solo devido às injecções das ancoragens das contenções periféricas e (iii) a perda de confinamento da parede da empena Sul, na zona mais larga do edifício devido à demolição da construção existente’’.
 

27. Perante este conjunto de danos, foi recomendada por ambos os relatórios periciais já juntos aos autos a realização de obras imediatas no prédio propriedade dos ora Autores, obras essas que se encontram também descritas em documento elaborado pela Matutec - Engenharia e Peritagens, Lda., ao serviço da 3a Ré.
 

28. O 1.º Autor, Condomínio, outorgou também um contrato de Apólice de Seguro Multirriscos Condomínio com a ora 3a Ré, datado de 11 de Março de 2010, apólice n.° 001…3.
 

29. Em conformidade, os Autores a intervenção da seguradora, através de participação do sinistro, em Setembro de 2014.
 

30. A 3a Ré, “Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A.”, informou que não poderia assumir o evento, atendendo a que “(...) os danos que se registam por infiltrações através de paredes e tectos não se encontram garantidos já que essas infiltrações não surgiram de danos resultantes da ocorrência dos riscos cobertos na apólice, mas sim do resultado da falta de manutenção da junta de separação com o prédio adjacente, n°…3, e do estado devoluto em que este prédio esteve durante muitos anos (…)”.
 

31. Mais comunicou que “(...) as fracturas e fissuras que se verificam nas fracções e nas partes comuns do edifício …5 resultaram em parte da execução das obras de demolição e escavação das caves do edifício do n° …3 da Av. …, não sendo portanto consequência directa de qualquer fenómeno geológico, e também devido à existência de graves problemas estruturais, entre os quais o apodrecimento dos encabeçamento dos barrotes que suportam os pavimentos”.
 

32. Os Autores interpelaram, por carta registada com aviso de recepção, datada de 26 de Novembro de 2014, a Ia Ré.
 

33. Na mesma data, os Autores endereçaram também carta registada com aviso de recepção à 2a Ré, “Sonangil - Construção Civil e Obras Públicas, S.A.”, responsável pela realização das obras e, ainda, novamente, à 3a Ré, mas agora na qualidade de entidade seguradora da 2a Ré.
 

34. Tendo a 3a Ré respondido, em 5 de Dezembro de 2014, assumindo o enquadramento das situações previstas na apólice contratada e indicando “(•••) nunca deixámos de assumir que os danos causados pelo nosso segurado - Sonangil - estariam abrangidos pelo contrato de seguro em vigor”, bem como a sua total disponibilidade para “(…) iniciar os trabalhos logo que desej[assem] a sua concretização
 

35. Em Fevereiro de 2015, os Autores solicitaram um Projecto de reforço do edifício, à “A2P Estudos e Projectos, Lda.”, bem como requereram, a 8 de Maio de 2015, à empresa “Rosa Moreira Construções, Lda.” um orçamento para realização dessas obras no prédio a que pertencem as suas fracções, orçamento que cifrou o valor necessário para resolução dos prejuízos em € 271.312,00 e efectuou um levantamento de todos os danos invocados por cada condómino.
 

36. […]
 

37. Desde o início das obras no edifício contíguo que os Autores proprietários das fracções do lado direito foram confrontados com quedas de poeira, cal e pedaços de paredes, das sancas e do estuque, ficando as respectivas habitações sujas e com um aspecto descuidado.
 

 38. A autora usufrutuária do 5° andar esquerdo, a A. proprietária do 5° andar direito, os Autores proprietários do 4.° andar direito, os Autores proprietários do l.° andar Direito, os Autores proprietários do R/c Esquerdo e 2° andar esquerdo, os Autores do 3° andar esquerdo e os AA. proprietários do 1° andar esquerdo sentiram-se inseguros, bem como os que consigo habitam e visitam, e tiveram medo de viver na sua própria casa.
 

39. Os Autores ficaram impossibilitados de usar a sua habitação para fins sociais e de alojamento de familiares, designadamente em épocas festivas e de férias.
 

40. Os Autores estão impossibilitados de efectuar trabalhos de melhorias ou benfeitorias nas suas fracções, tais como pintura de paredes ou substituição de soalho, por deverem aguardar o desfecho da presente acção.
 

41. Os Autores proprietários do 4.º e 5° andar direitos têm rachas onde conseguem colocar a sua mão, tendo receio todos os dias de que as mesmas aumentem ou que provoquem a ruína de alguma das divisões da respectiva casa.
 

42. As pessoas que habitam no 2° andar direito são estudantes, tendo-se visto forçados a estudar fora de casa devido ao barulho das obras.
 

43. Em Julho de 2015 os Autores tomaram conhecimento de que a 3a Ré declinaria a assunção de responsabilidade no sinistro enquanto seguradora da 2a Ré.
 

44. A Ia Ré, com o objectivo de prevenir eventuais tentativas de imputação de danos à demolição do n.° 233, encomendou à “Gauss - Topometria e Monitorização Estrutural, S.A.” a realização de uma inspecção aos prédios confinantes, entre os quais o dos Autores.
 

45. Essa inspecção foi efectuada em Julho de 2012 e culminou na elaboração de um relatório - doravante designado por “relatório Gauss”, junto aos autos, o qual foi também depositado em 13.08.2012, no Cartório Notarial de … .
 

46. Todas as patologias invocadas pelos Autores que coincidem com as patologias descritas no relatório Gauss são anteriores aos trabalhos de demolição efectuados no n.° …3.
 

47. Nos termos desse relatório, consta que nos alçados tardoz e lateral esquerdo do prédio dos Autores se verificou estarem os mesmos em razoável estado de conservação devido a obras efectuadas há alguns anos, mas que ainda assim eram visíveis um conjunto de patologias: empolamento da tinta, motivado por humidades e infiltrações, e fissuração do revestimento (algumas delas com reparações recentes visíveis).
 

48. Nos termos do mesmo relatório, o pequeno pano do alçado lateral esquerdo, que confinava com o edifício a demolir, apresentava-se em muito mau estado de conservação, nomeadamente ao nível do revestimento, o que provoca outras patologias.
 

49. Foram também inspeccionadas todas as fracções que confinam com as paredes do edifício da Ia Ré, tendo-se no relatório concluído que «não existem patologias de destaque, sendo que a maior parte são microfissuras em rebocos de parede, tectos e cantarias».
 

50. Todas as fachadas do edifício demolido eram construídas em alvenaria, pedra e argamassa, tendo as fachadas frontais (viradas para a Praça … e para a Avenida …) um revestimento em pedra.
 

51. Todos os trabalhos de demolição foram executados de acordo com todas as medidas preventivas indicadas no respectivo projecto de demolição e escavação aprovado pela Câmara Municipal de Lisboa.
 

52. Foram utilizados na demolição equipamentos mecânicos ligeiros, apoiados por trabalho manual e uma grua.
 

53. O prédio dos Autores, porque levantado após o prédio do n.° …3, possibilitando o encosto das empenas, foi construído sem respeitar o projecto licenciado.
 

54. O projecto inicial submetido à aprovação da Câmara Municipal pelo construtor e primeiro proprietário do prédio dos Autores previa a construção das fachadas laterais em “alvenaria branca de pedra rija”, processo construtivo que aquele pediu à edilidade para alterar para betão armado, a fim de que as divisões dos andares pudessem ficar com uma área superior à inicialmente prevista.
 

 55. O construtor e primeiro proprietário do n.° …5 declarou, perante a CML, em 1941, possuir o ferro suficiente para construir o edifício mas, em 1942, o mesmo construtor, invocando dificuldades em obter o ferro, veio pedir à Câmara uma redução das quantidades de ferro a aplicar.
 

56. Cerca de 10 anos depois da concessão da licença de habitação do …5, que ocorreu em 1943, o prédio dos Autores começou a apresentar patologias nos pisos superiores, com principal enfoque no 5° piso, o que levou a CML a intimar o proprietário a efeeluar obras.
 

57. Até ao ano de 1970 são conhecidas mais duas intimações da mesma edilidade para que o proprietário do prédio do n.° …5 realizasse obras, a fim de resolver problemas de fissuração e infiltrações no edifício, as quais assumiam especial relevo nos pisos superiores.
 

58. Na fachada frontal do prédio dos Autores, existem sinais de que foram colocados, seguramente há muitos anos, três esticadores para contenção dessa fachada.
 

59. Na empena principal do edifício dos Autores, junto à obra demolida, ao nível do piso 0 e na loja da Avenida … n.° …5B, existem dois vãos que abriram um vazio na fundação da empena confinante, os quais ocupam, em largura, a dimensão total da parede de fundação, pelo que, ao demolir-se a parede do n.° 233, esses vãos ficaram expostos para o exterior face à inexistência de parede no imóvel do n.° …5.
 

60. Ao remover ou alterar uma parede resistente, causou-se a fissuração das empenas e de paredes dos pisos superiores.
 

61. Por carta registada com aviso de recepção datada de 22.07.2013, a Ia Ré deu conhecimento ao 1° Autor que o proprietário da loja sita no n.° …5-B havia feito duas aberturas na empena do edifício, até à empena do edifício demolido, as quais colocavam em causa a estabilidade daquela parede.
 

62. Durante a fase de escavação para a construção das fundações do novo prédio da Ia Ré, apareceram no terreno águas residuais provenientes do subsolo do prédio dos Autores, sendo que as várias camadas de areia de cor negra permitiam perceber que essas águas estavam a escoar há largos anos para o subsolo, sem encaminhamento para a rede pública de esgotos, por o fundo da respectiva caixa de recepção de esgotos estar partido.
 

63. A caixa de esgotos e o respectivo ramal encontram-se a uma cota muito mais superficial do que as fundações do prédio e do muro de separação dos lotes a tardoz.
 

64. Esta situação provocou, não só o aparecimento de água no interior das caves da obra, como também contribuiu para o desgaste na base das fundações do prédio dos Autores, tendo disso sido dado conhecimento aos administradores do 1.º Autor.
 

65. Na empena do prédio dos Autores confinante com o prédio demolido, a 2a Ré aplicou reboco sarrafado à medida que os trabalhos de demolição iam progredindo, desde a cobertura até ao piso 0, sem interrupção, para que aquela não ficasse exposta a eventuais intempéries.
 

66. Concluídos os trabalhos de escavação foi, logo de seguida, executada a estrutura do novo edifício.
 

67. A empresa que efectuou o orçamento para as reparações no edifício e fracções autónomas dos Autores possui apenas um certificado de empreiteiro de obras públicas, que a habilita a executar obras cujo valor não exceda 20% do limite fixado para a classe 1, isto é, € 33.200,00.
 

68. Durante a fase de demolição, o prédio foi entaipado, com o levantamento de andaimes e a colocação de uma rede protectora, e os trabalhos foram executados com recurso permanente à projecção de água para evitar o levantamento de poeiras.
 

 69. Entre a 3a R., na qualidade de seguradora, e a 2.a Ré Sonangil, na qualidade de segurado, foi celebrado contrato de seguro de responsabilidade civil extracontratual por danos decorrentes da actividade por obras de construção civil a celebrar no local de risco, titulado pela Apólice n.° 0002…8 e regulado pelas Condições Gerais e Particulares juntos a fls. 281 e ss., que entrou em vigor no dia 22/08/2013.
 

70. A 2a Ré celebrou com a 3a Ré um outro contrato de seguro de âmbito geral, com o n.° de apólice 0003…5, cujo objecto garante a responsabilidade civil extracontratual, que lhe seja imputável por danos causados a terceiros, no exercício da sua actividade.
 

71. Os trabalhos efectuados foram sujeitos a constante monitorização, a qual sempre revelou parâmetros dentro dos limites admissíveis, em conformidade com o projecto de demolição e escavação.
 

72. Os trabalhos foram também sempre objecto de fiscalização, nos termos legais, a qual confirmou a inexistência de qualquer desvio na execução dos mesmos.
 

73. A apólice de seguro n.° 0002…8 entrou em vigor em 22.08.2013.
 

74. Da respectiva proposta, consta uma declaração emitida pela 2a Ré, confirmando a inexistência de sinistros relacionados com o local de risco até à data em que a mesma foi apresentada, 31.07.2013.
 

75. Os trabalhos de instalação, pela 2a Ré, de testemunhos nas fracturas existentes nas paredes do prédio dos Autores decorreram em Julho de 2013.
 

76. Os trabalhos de escavação decorreram entre o início de Agosto e o final de Setembro de 2013.
 

77. Entre 26.11.2013 e 10.12.2013, procedeu-se a trabalhos de betonagem da laje do tecto das Ia e 2a caves.
 

78. Por carta registada com aviso de recepção remetida para a 2.a Ré, com data de 30.10.2015, a 3.a Ré comunicou que procedia à anulação da apólice n.° 0002…8.

 

 

            24. Em consequência da reapreciação da matéria de facto, o acórdão recorrido deu como não provados os factos seguintes:

 

 

a) que o legal representante da Ia Ré tenha admitido a responsabilidade desta em reunião ocorrida em 01.10.2013 (artigo 72° da petição inicial);
 

b) que em diversas datas os Autores tiveram de se ausentar dos seus locais de trabalho em virtude de visitas e/ou vistorias nas respectivas fracções (artigo 89° da p.i.);
 

c) que os Autores participaram em mais de uma dezena de assembleias de condomínio extraordinárias, com durações nunca inferiores a três horas, prejudicando o descanso e hora de jantar (artigo 90° da p.i.);
 

d) que os Autores se viram impedidos de descansar e dormir devido ao barulho ensurdecedor e à trepidação, desde a fase da demolição até à data da propositura da acção (artigo 91° da p.i.);
 

e) que o barulho das obras se prolongou por inúmeras vezes até altas horas da noite e ultrapassou os limites de decibéis permitidos (artigo 92° da p.i.);
 

f) que os Autores se viram impossibilitados de estender roupa em todos os estendais exteriores do prédio sitos na rectaguarda do mesmo (artigo 93° da p.i.);
 

g) que os Autores se viram obrigados a colocar roupa a secar no interior das fracções durante mais de um ano (artigo 94° p.i.);
 

h) que os Autores sentem insegurança e ansiedade provocados pela expectativa de, a qualquer momento, terem de abandonar a casa durante o período de realização das obras de reparação dos danos (artigos 96° e 97 da p.i.);
 

i) que as tarefas de empacotamento e duas mudanças forçará os Autores a tirar férias do trabalho e por um período indeterminado (artigos 98° e 99° da p.i.);
 

j) que os Autores terão grande transtorno e dificuldade na procura de habitações para o período correspondente às obras, bem como que o animal dos Autores do 1.º direito terá de ser instalado num hotel para cães e sofrerá de ansiedade (artigos 100° e 101° da p.i.);
 

k) Que os habitantes do 2.º andar direito se tenham visto forçados a estudar fora de casa devido aos estragos provocados pela poeira e outros no seio da fracção (parte do artigo 103° da p.i.);
 

l) Que o chão da caixa de recepção de esgotos do prédio dos Autores foi partido na sequência de obras há muito por estes efectuadas, e devido à intenção de se poupar na reparação/substituição da manilha de grés que deveria conduzir as águas residuais para a rede pública (artigo 77° da contestação da Ia Ré);
 

m) Que os esticadores existentes no prédio dos Autores tenham sido colocados após o terramoto de 1969 e por causa das falhas estruturais verificadas na sequência do mesmo (artigo 51.º da contestação da 2a Ré).
 

 n) As obras a realizar nas fracções dos Autores obrigarão à saída destes de suas casas, tendo de habitar durante esse período noutro local, e obrigarão à remoção dos seus pertences para outro local.


 

 

            O DIREITO

 

 

            25. O Supremo Tribunal de Justiça tem considerado, constantemente, que

 

 

I - A dupla conformidade, como requisito negativo geral da revista excepcional, supõe duas apreciações sucessivas da mesma questão de direito, ambas determinantes para a decisão, sendo a segunda confirmatória da primeira.

 

II - Quando o tribunal da Relação é chamado a intervir para reapreciação das provas e da matéria de facto, nos termos dos arts. 640.º e 662.º do NCPC (2013), move-se no campo de poderes, próprios e privativos, com o conteúdo e limites definidos por este último preceito, que não encontram correspondência na decisão da 1.ª instância sobre a mesma matéria.

 

III - Embora haja urna decisão sobre a matéria de facto da 1.ª instância e, uma outra, da Relação, que reaprecia o julgamento da matéria de facto, não poderá afirmar-se que, quando se questiona o respeito pelas normas processuais dos arts. 640.º e 662.º pela Relação, existe uma questão comum sobre a qual tenham sido proferidas duas decisões conformes” [1] [2].


 

 

            26. O ponto foi recentemente reiterado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Dezembro de 2019 — processo n.º 363/07.7TVPRT-D.P2.S1 —:

 

 

“[d]e acordo com a jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal, a rejeição da impugnação da matéria de facto pela Relação, com fundamento em incumprimento do ónus do art. 640.º do Código de Processo Civil, pode, se tal rejeição for injustificada, configurar uma violação da lei processual que, por ser imputada à Relação, descaracteriza a dupla conforme entre as decisões das instâncias enquanto obstáculo à admissibilidade da revista”.
 

 

            27. A primeira questão consiste em determinar se o acórdão recorrido violou o n.º 1 do art. 5.º do Código de Processo Civil por não ter considerado factos alegados pela 1.ª Ré Residências Sénior do Areeiro, Instalações para Idosos, S.A., na sua contestação.

 

 

            28. A 1.ª Ré, agora Recorrente, Residências Sénior do Areeiro, Instalações para Idosos, S.A., alega que:

 

 

pp) No recurso de Apelação, a Recorrente invocou o incorrecto julgamento da matéria de facto dos pontos 47, 49 e 57 dos factos provados, os quais revestem relevância para a cabal apreciação do Tema 3 da Prova – “Do nexo causal entre os danos no imóvel e a obra levada a cabo no imóvel referido no ponto 1.”, por o Tribunal de 1ª instância ter omitido factos relevantes constantes de documentos juntos aos autos, factos esses que são essenciais para o correcto julgamento do tema de prova acima referido.
 

qq) Encontra-se nesta situação a factualidade vertida nos seguintes documentos juntos aos autos pela Recorrente, em 20/05/2016:
 

 (i) Ofício dos Serviços Técnicos do Batalhão de Sapadores Bombeiros 12/02/1953 dirigido ao Director dos Serviços Técnico- Especiais da CML – a fls. 1509 e 1509 v.º;
 

(ii) Ofício da Comissão Permanente de Vistorias da CML de 29/04/1953 dirigido ao Director dos Serviços de Salubridade e Edificações Urbanas – a fls. 1508;
 

 (iii) Ofício dos Serviços Técnicos do Batalhão de Sapadores Bombeiros de 15/04/1961 dirigido ao Director dos Serviços Técnico- Especiais da CML – a fls. 1510;
 

(iv) Informação da Direcção dos Serviços de Salubridade e Edificações Urbanos de 22/05/1962 – a fls. 1511 a 1512 v.º;
 

(v) Proposta de Intimação solicitada à Polícia Municipal por parte da Direcção de Serviços de Obras da CML de 09/01/1970 – a fls. 1513 a 1514; (vi) Informação da Divisão de Fiscalização da Direcção dos Serviços de Obras da CML de 21/05/93 – a fls. 1515;
 

(vii) Informação da Divisão de Fiscalização da Direcção Municipal de Construção e Conservação de Edifícios da CML de 21/06/93 – a fls. 1516 e 1516 v.º.
 

rr) Os factos vertidos nesses documentos, essenciais e instrumentais, são manifestamente pertinentes à questão – Tema 3 da Prova – atrás enunciada e como tal deveriam ter sido valorados na sentença de 1ª. Instância.
 

ss) Trata-se de documentos autênticos (n.ºs. 1 e 2 do art.º 363º do CC), que fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade respectiva, assim como dos factos que nele são atestados com base nas percepções da entidade documentadora (art.º 371.º do CC).
 

tt) De tais documentos resulta provado que as patologias verificadas no prédio dos Autores desde 1953 até 1993 (e não 1970 como erradamente é referido no ponto 57 dos factos provados) não eram patologias decorrentes do mero uso ou decurso do tempo e seu efeito nos materiais (infiltrações, rachas nas paredes, etc.) — mas, antes, patologias que afectavam a segurança e salubridade do edifício, decorrentes de más condições de solidez e segurança.
 

uu) Do documento de fls. 1179 e ss (Relatório Gauss) também resultam factos essenciais para a análise crítica do real estado do prédio dos Autores antes do início das obras e da natureza e causas desse mesmo estado, os quais foram totalmente omitidos da matéria de facto.
 

vv) Com pertinência para a identificação das patologias das fracções relevam os factos constantes das fichas de inspecções visuais efectuadas em cada uma delas, factos esses que não foram tidos em conta pelo Tribunal a quo: Ficha do r/c Esq. – fls. 1265 e 1265 v.º; Ficha do 1º Dto. – fls. 1274 e 1274 v.º; Ficha do 2º Dto. – fls. 1295 e 1295 v.º; Ficha do 3º Dto. – fls. 1311 e 1311 v.º; Ficha do 4º Dto. – fls1335 e 1335 v.º; e Ficha do 5º Dto. – fls. 1348 e 1348v.º.
 

ww) O Tribunal a quo não deu provimento a esta parte do recurso, invocando o princípio do dispositivo, pelo que apenas aprecia factos em concreto que estejam alegados e correlacionados com o alegado nos articulados.
 

xx) Os factos em causa foram alegados pela Recorrente nos art.ºs 59.º a 80.º da contestação.

 

 

            29. A 1.ª Ré, agora Recorrente, Residências Sénior do Areeiro, Instalações para Idosos, S.A. suscitou a questão nas conclusões 23.ª e 24.ª do recurso de apelação:

 

 

23a Pelo que deverá resultar como provada no ponto 57 dos factos provados, para o apuramento da verdadeira causa dos danos alegados pelos Autores, a seguinte matéria:
 

(vii) Em Fevereiro de 1953 o 5.° andar direito apresentava a fachada principal, divisórias e tectos com fendas de carácter antigo;
 

(viii) Em Abril de mesmo ano as paredes e tectos do 5° andar apresentavam numerosas fendas, especialmente nos compartimento da frente, havendo o perigo de abaterem parcelas de estuque sobre os respectivos moradores, pelo que o então proprietário JJJ foi intimado a realizar obras de reparação, refechando as fendas das paredes e demolindo e reconstruindo os estuques dos tectos.
 

(ix) Em Abril de 1961 existiam no 5.° andar direito algumas fendas nas paredes, no sentido vertical, nas quais foram colocados testemunhos, tendo a CML concluído que o prédio necessitava de obras de consolidação.
 

(x) Em Maio de 1962 continuavam a faltar obras para refechar fendas nas paredes da sala de jantar do 5.° Dto.
 

(xi) Em Janeiro de 1970, no 3° Esq. do n° 235, verificaram-se as seguintes anomalias: fendas pronunciadas em paredes, tectos e sancas, com particular incidência na zona da frente, onde a parede da fachada se deslocou um pouco para o exterior; pavimento de um quarto da frente, um tanto abatido, junto à soleira da porta da sacada, infiltrações em parte intensas; revestimentos desagregados nos tectos de ambas as casas de banho e de um dos quartos pelo que foram consideradas necessárias, para corrigir as más condições de solidez e segurança verificadas, a execução de obras de consolidação e reparação;
 

(xii) Em Maio de 1993, encontravam-se afectadas as condições de segurança e salubridade grau B, pelo que não tendo o então proprietário, uma vez mais respondido à intimação, a CML decidiu, em Junho do mesmo ano, encaminhar o processo para a execução coerciva.
 

24a Consequentemente a resposta dada do Tribunal a quo ao ponto 57 dos factos provados deverá ser eliminada e substituída pelos factos enunciados na conclusão anterior.

 

 

            30. O Tribunal da Relação de Lisboa pronunciou-se sobre a questão suscitada pela 1.ª Ré, agora Recorrente, sustentando três coisas.

 

            Em primeiro lugar, que os documentos indicados pela 1.ª Ré foram considerados para a prova do facto n.º 57, ou seja, para a prova de que, “[a]té ao ano de 1970 são conhecidas mais duas intimações da mesma edilidade para que o proprietário do prédio do n.° …5 realizasse obras, a fim de resolver problemas de fissuração e infiltrações no edifício, as quais assumiam especial relevo nos pisos superiores”. Em segundo lugar, que os factos que a 1.ª Ré pretende que sejam dados como provados não foram alegados na contestação e, em terceiro lugar, que, ainda que os factos que a 1.ª Ré pretende que sejam dados como provados tivessem sido alegados na contestação, sempre seriam irrelevantes.
 

 

 “… sempre a prova de factos tem de resultar de factos alegados pelas partes, Ora, tendo por base o disposto no âmbito do CPC quanto à impugnação da matéria de facto, e o princípio basilar que enforma todo o processo civil — o do dispostivo — não é de atender aos factos que o recorrente pretende que sejam ‘acrescentados’, pois o tribunal de recurso aprecia a sentença proferida e a resposta contida na mesma, e apenas aprecia factos em concreto desde que o recorrente os correlacione com o alegado nos autos e, logo, nos articulados. Invocando nomeadamente que existe omissão na sentença de consideração de factos alegados, e não, como pretende, o recorrente, que se considerem os factos tal como constam da simples análise de documentos, mas sem correlação com o alegado. Ou seja, a verificação de ofícios da CML nos termos referidos em sede de recurso apenas releva para matéria factual constante dos articulados e esta, tal como resulta do ponto 57. Tem na sua base o alegado pela ré. Nomeadamente no art° 60° da contestação e como tal consta da sentença. Acresce que para a decisão destes autos, os factos cujo aditamento se pretende em nada relevam e frise-se não resultam alegados, existindo esta nos pontos 54. a 57. Pelo que manter-se-à a decisão quanto a este ponto, não sendo de aditar o ora pretendido”.
 

 

            31. O n.º 3 do art. 607.º do Código de Processo Civil, na parte em que determina que “o juiz [deve] discriminar os factos que considera provados”, e o n.º 4 do art. 607.º, na parte em que determina que, “[n]a fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados”, devem interpretar-se em termos de se aplicarem exclusivamente aos factos, provados ou não provados, que sejam relevantes para a decisão da causa [3].
 

           

            32. O princípio de que o juiz “deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes”, analisando todos os pedidos formulados, está de qualquer forma sujeito a uma restrição, e a restrição reporta-se às matérias e aos pedidos que foram juridicamente irrelevantes [4].
 

 

            33. Como se diz, p. ex., no acórdão do STJ de 17 de Maio de 2017 processo n.º 4111/13.4TBBRG.G1.S1 —,
 

 

“o princípio da limitação de actos, consagrado no art. 130.º do Código de Processo Civil para os actos processuais em geral, proíbe a sua prática no processo — pelo juiz, pela secretaria e pelas partes — desde que não se revelem úteis para este alcançar o seu termo”; entre os casos a que deve aplicar-se o princípio da limitação de actos processuais estará o conhecimento da impugnação da decisão fáctica”, desde que “a análise da situação concreta em apreciação evidenci[e], ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual, cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir”.
 

 

 “… aos tribunais cabe dar resposta às questão que tenham, directa ou indirectamente, repercussão na decisão que aprecia a providência judiciária requerida pela(s) parte(s) e não a outras que, no contexto, se apresentem como irrelevantes e, nessa medida, inúteis. Para se aferir da utilidade da apreciação da impugnação da decisão fáctica importa considerar se os pontos de facto questionados se não apresentam de todo irrelevantes, se a eventual demonstração dos mesmos é susceptível de gerar um juízo diferente sobre a questão de direito, se é passível de influenciar e, porventura, alterar a decisão de mérito no quadro das soluções plausíveis da questão de direito”.
 

 

             34. Em termos em tudo semelhantes, escreve-se no acórdão do STJ de 18 de Abril de 2018 — processo n.º 205/12.1TTGRD.C3.S1 —:

 

 

 “Tratando-se de factos irrelevantes, não faz qualquer sentido ponderar sequer a sua inserção na matéria de facto provada, sob pena de se estar a praticar um acto inútil, o que a lei proíbe (cf. art. 130.º do Código de Processo Civil)”.
 

 

            35. Ora a Relação decidiu que os factos que a 1.ª Ré pretendia que fossem dados como provados eram irrelevantes, em face da redacção do facto n.º 57 — e, desde que os factos sejam irrelevantes, não é necessário apreciar a impugnação da matéria de facto.

 

 

            36. O argumento decisivo para a resposta à primeira questão é de igual forma decisivo para a resposta à segunda e à terceira questões.
 

 

            37. O acórdão recorrido não violou nem a alínea a) do n.º 2 do art. 5.º, nem a alínea b) do n.º 2 do art. 5.º nem o art. 411.º do Código de Processo Civil: ainda que os factos que a 1.ª Ré pretende que sejam dados como provados fossem factos instrumentais, concretizadores ou complementares, e ainda que os factos instrumentais, concretizadores ou complementares resultassem da instrução da coisa, sempre seriam irrelevantes.
 

 

            38. A quarta questão consiste em determinar se o acórdão recorrido ofendeu caso julgado, ao alterar os valores individuais de indemnização por danos não patrimoniais.
 

 

            39. O art. 629.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil é do seguinte teor:
 

 

“Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso […] [c]om fundamento na violação das regras de competência internacional, das regras de competência em razão da matéria ou da hierarquia, ou na ofensa de caso julgado”.
 

 

            40. O tribunal de 1.ª instância condenou a 1.ª Ré:
 

 

— a pagar ao(s) residente(s) no rés-do-chão direito a quantia de 2000 euros;
 

— a pagar ao(s) residente(s) no rés-do-chão esquerdo a quantia de 1000 euros;
 

— a pagar ao(s) residente(s) no 1.º direito a quantia de 2000 euros;
 

— a pagar ao(s) residente(s) no 1.º esquerdo a quantia de 1000 euros;
 

— a pagar ao(s) residente(s) no 2.º direito a quantia de 2000 euros;
 

— a pagar ao(s) residente(s) no 2.º esquerdo a quantia de 1000 euros;
 

— a pagar ao(s) residente(s) no 3.º direito a quantia de 2000 euros;
 

— a pagar ao(s) residente(s) no 3.º esquerdo a quantia de 1000 euros;
 

— a pagar ao(s) residente(s) no 4.º direito a quantia de 3500 euros;
 

— a pagar ao(s) residente(s) no 4.º esquerdo a quantia de 1000 euros;
 

— a pagar ao(s) residente(s) no 5.º direito a quantia de 3500 euros;
 

— a pagar ao(s) residente(s) no 5.º esquerdo a quantia de 1000 euros.

 

 

            41. Enquanto a 1.ª Ré impugnou a decisão da 1.ª instância, na parte relativa aos danos não patrimoniais, nenhum dos Autores a impugnou.
 

 

            42. O teor das conclusões 87.º, 88.º e 89.º da alegação apresentada no recurso de apelação é esclarecedor quanto ao facto de a 1.ª Ré ter impugnado a decisão da 1.ª instância:
 

 

Da condenação por danos não patrimoniais:
 

87a O Tribunal a quo condenou a Recorrente no pagamento de uma indemnização a título de danos não patrimoniais no montante total de € 21.000,00.
 

88a Considerando a matéria a dar como provada, nos termos da impugnação da decisão sobre matéria de facto constante das conclusões 7.a a 15.a supra, a Recorrente deverá ser absolvida do pagamento de qualquer indemnização a título de danos não patrimoniais aos Autores proprietários do 5.° Direito, do 3.° direito, do ° direito, do r/c direito, do 1.° Esquerdo, do 3.° Esquerdo, do 4.° Esquerdo e do 5.° Esquerdo.
 

89a Já relativamente ao proprietário do R/c Direito, o mesmo nem sequer é parte na acção, não lhe podendo ser reconhecido o direito a uma indemnização por danos não patrimoniais.
 

90a No tocante a este segmento da decisão, a sentença sempre será nula, na medida em que a situação em apreço não pode deixar de ser considerada equivalente àquela em que o Tribunal a quo condena em quantidade superior do pedido - art.° 615.°, n.° 1, alínea e), e art.° 609.°, n.° 1, ambos do CPC.

 

 

            43. O teor das conclusões n.º 45 e n.º 46 da contra-alegação apresentada no recurso de apelação, esse, é esclarecedor quanto ao facto de os Autores não terem impugnado a decisão da 1.ª instância.
 

 

45. Quanto à condenação no pagamento de indemnizações a título de danos não patrimoniais os mesmos foram avaliados corretamente pelo douto Tribunal a quo à luz do artigo 496.° do CC e da dimensão normativa que o mesmo comporta.
 

46. Atendendo aos factos provados nos autos o montante total das indemnizações deverá manter-se, nos moldes indicados na douta sentença recorrida, de acordo com o princípio da equidade, os residentes/proprietários deverão ser ressarcidos pelos danos não patrimoniais que, pela sua extensão, merecem a tutela do direito, nos termos do artigo 496.° do CC.

 

 

            44. O Tribunal da Relação de Lisboa
 

            I. — alterou a redacção do facto provado sob o n.º 38, de “Os Autores sentiram-se inseguros, bem como os que consigo habitam e visitam, e tiveram medo de viver na sua própria casa” para “A autora usufrutuária do 5° andar esquerdo, a A. proprietária do 5° andar direito, os Autores proprietários do 4.° andar direito, os Autores proprietários do 1.° andar Direito, os Autores proprietários do R/c Esquerdo e 2° andar esquerdo, os Autores do 3° andar esquerdo e os AA. proprietários do 1° andar esquerdo sentiram-se inseguros, bem como os que consigo habitam e visitam, e tiveram medo de viver na sua própria casa”
 

            II. — e, em consequência, condenou a 1.ª Ré:
 

— a pagar ao(s) proprietários do r/c esquerdo e do 2.º esquerdo — na dupla qualidade de proprietários no r/c esquerdo e de residentes no 2.ª esquerdo —, a quantia de 3000 euros;
 

— a pagar aos proprietários do 1.º direito a quantia de 3000 euros;
 

— a pagar aos proprietários do 1.º esquerdo a quantia de 3000 euros;
 

— a pagar aos proprietários do 3.º esquerdo a quantia de 3000 euros;
 

— a pagar aos proprietários do 4.º direito a quantia de 3000 euros;
 

— a pagar à proprietária do 5.º direito a quantia de 3000 euros;
 

— a pagar à usufrutuária do 5.º esquerdo a quantia de 3000 euros.
 

 

            Em relação aos proprietários do r/c esquerdo e do 2.ª esquerdo, a indemnização por danos não patrimoniais foi aumentada de 2000 para 3000 euros. Em relação aos proprietários do 1.º direito, foi aumentada de 2000 para 3000 euros. Em relação aos proprietários do 1.º esquerdo, foi aumentada de 1000 para 3000 euros. Em relação aos proprietários do 4.ª direito, foi reduzida de 3500 para 3000 euros. Em relação aos proprietários do 4.º esquerdo, foi aumentada de 1000 para 3000 euros. Em relação à proprietária do 5.º direito, foi reduzida de 3500 para 3000 euros e, em relação à usufrutuária do 5.º esquerdo, foi aumentada de 1000 para 3000 euros.

 

 

            45. O Tribunal da Relação de Lisboa fundamentou a alteração das indemnizações por danos não patrimoniais nos seguintes termos:
 

 

“Os AA. formulam a título de danos ditos não patrimoniais o valor total de 43.000€ (art° 106° da petição inicial), sem discriminar que valor em concreto será devido a cada um dos AA.
 

Tendo por base o ponto 38., na redacção operada neste Acórdão, os danos morais que devem ser considerados serão apenas devidos aos AA. que residem nas fracções e não os que são proprietários das mesmas mas que não receiam pela sua segurança, pois não habitam nas fracções onde os danos se verificam.
 

Assim, avaliando estes danos à luz do artigo 496° do C.C. e de acordo com a equidade nos termos do n° 3 do mesmo preceito, temos como justos montantes, a título de compensação, considerando os valores peticionados todos idênticos relativamente aos AA. residentes nas fracções, mas considerando cada fracção ocupada, o valor de 3.000 euros. Altera-se assim, a sentença nesta parte, mantendo-se quanto ao mais”.

 

 

            46. A 1.ª Ré, agora Recorrente, considera que a alteração das indemnizações por danos não patrimoniais ofende o caso julgado: 

 

 

 y) O Acórdão recorrido condenou a Recorrente a pagar, a título de danos não patrimoniais, a quantia total de € 21.000,00 (vinte e um mil euros) acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, no valor de 3.000,00 por cada fração ocupada, devida apenas aos seguintes autores que residem nas seguintes frações: 5º Esquerdo, 4º Direito, 3º Esquerdo, 2º Esquerdo (residentes que também são proprietários do r/c esquerdo) 1º Esquerdo, 1º Direito e 5º Direito)”.

z) Verificados que estão os requisitos gerais da recorribilidade (valor da causa e sucumbência), haverá sempre, quanto a este segmento, recurso ordinário de revista por ofensa de caso julgado, nos termos da alínea a) do n.º 2 do art.º 629.º do CPC.

aa) A sentença de primeira instância havia condenado a ora Recorrente no pagamento de uma indemnização a título de danos não patrimoniais no montante total de € 21.000,00, repartida da seguinte forma: r/c direito, 1.º direito, 2.º direito e 3.º direito. € 2.000,00 cada um; 4.º andar direito e 5.º andar direito, € 3.500,00 cada um; frações do r/c ao 5.º andar, lado esquerdo, € 1.000,00 cada um.

bb) A Recorrente colocou em crise esta decisão no recurso de Apelação e o Tribunal a quo alterou o ponto 38 dos factos provados da forma seguinte: “A autora usufrutuária do 5º andar esquerdo, a A. proprietária do 5º andar direito, os Autores proprietários do 4º andar direito, os Autores proprietários do 1º andar direito, os Autores proprietários do R/c esquerdo e 2º andar esquerdo, os Autores do 3º andar esquerdo, e os AA proprietários do 1º andar esquerdo sentiram-se inseguros, bem como os que consigo habitam e visitam, e tiveram medo de viver na sua própria casa.”

cc) Deste modo, o Tribunal a quo deu razão à ora Recorrente quanto ao número de pessoas abrangidas pela condenação em danos não patrimoniais, restringindo esse número ao dos AA que efectivamente habitavam no prédio.

dd) A Recorrente não impugnou os valores indemnizatórios individuais arbitrados em 1ª instância a cada um desses AA, mas apenas o valor global, porquanto, sendo menor o número de AA (e até de outras pessoas não intervenientes na acção) a indemnizar, logicamente quo o valor global indemnizatório só poderia ser inferior.

ee) Os AA não recorreram nem reclamaram dos valores que lhes haviam sido arbitrados em 1ª instância.

ff) Em face do que os valores arbitrados a cada um dos AA identificados no ponto 38 dos factos provados (na redacção que lhe foi dada pelo douto Tribunal a quo) transitaram em julgado, nos termos e para os efeitos do artigo 628.º do CPC.

gg) Ao alterar os valores individuais fixados pelo Tribunal da 1ª. Instância o Tribunal a quo ofendeu o caso julgado, violando o disposto no n.º 5 do art.º 635.º do CPC.

hh) O Tribunal a quo foi peremptório sobre a limitação da indemnização por danos constantes do ponto 38 dos factos provados aos “proprietários que habitam ou têm residência nessas fracções”.

ii) Deste modo, enferma de nulidade, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 615.º ex vi n.º 1 do art.º 666.º, ambos do CPC, por contradição e ambiguidade face ao anteriormente decidido, o trecho do douto Acórdão que refere:

“Donde, nos termos dos elementos de identificação constantes da petição inicial aferir-se-á dos residentes nas frações, a saber, a 2ª A. (do 5º Esquerdo), os 3º e 4º AA. (do 4º Direito), os 5º e 6º AA. (do 3º Esquerdo), os 7º e 8º AA. (do r/c esquerdo e 2º andar esquerdo), os 9º, 10º e 11º AA (do 1º esquerdo), os 24º e 25º AA (do 1º Direito) e a 26º A. (do 5º Direito).

jj) Isto porque os 7º e 8ºs AA e ora Recorridos são proprietários de duas fracções (r/c esquerdo e 2º esquerdo) – cfr. art.ºs 27.º.e 28 da p.i. – mas identificaram- se como residentes apenas no 2º esquerdo – cfr. fls. 87 dos autos.

kk) Face ao critério assumido pelo Tribunal recorrido, deverá o Acórdão anulado quanto à referência ao r/c esquerdo e ser ordenada a sua reforma eliminando-se a referência a esta última fracção de qualquer troço decisório sobre a indemnização por danos não patrimoniais.

ll) O Tribunal a quo deveria ter-se cingido, em consequência da reapreciação que fez da matéria de facto, a condenar a ora Recorrente no pagamento dos montantes indemnizatórios por danos não patrimoniais àqueles Autores que, de facto, residem em fracções do prédio contíguo ao da Recorrente, pelos valores fixados em 1ª instância e já transitados em julgado.

mm) O que constitui um valor global de indemnização por danos não patrimoniais de € 13.000,00 (treze mil euros) e não de € 21.000,00 como consta do douto Acórdão recorrido.

 

            47. Ora o art. 635.º, n.º 5, do Código de Processo Civil determina que “[o]s efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso […]” [5].

 

            48. Como se diz, p. ex., no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Dezembro de 2013 — processo n.º 1801/10.7TBOER.L1.S1 ,

 

1. É de admitir a revista, independentemente do valor da causa ou da sucumbência, se for invocada a ofensa de caso julgado (art. 629º, nº 2, al. a), in fine, do NCPC).

 2. Tal ocorre designadamente quando a Relação, no âmbito de recurso de apelação interposto pelo A., modifica ex officio o que foi decidido na sentença da 1ª instância que é objecto de recurso, em termos que se revelam mais desfavoráveis para o próprio apelante, em desrespeito pelo que dispõe o nº 5 do art. 635º do NCPC.

 

            49. Estando em causa a compensação ou indemnização de danos não patrimoniais, o caso julgado estabelece-se em relação aos valores individuais.
 

            [O]s danos não patrimoniais têm uma natureza infungível” [6] — daí que os valores individuais tenham precedência ou prioridade sobre o valor total da indemnização: Em primeiro lugar, o aplicador do direito há-de fixar a compensação devida a cada indivíduo, através da aplicação do art. 494.º, por remissão do art. 496.º, n.º 4, do Código Civil; em segundo lugar, e só em segundo lugar, há-de fixar a compensação devida ao conjunto dos indivíduos lesados.
 

 

            50. Ora, “… atento o disposto no n.º 5 do art. 635.º [do Código de Processo Civil], o caso julgado que porventura, por qualquer via, se tenha estabelecido em relação a alguma decisão ou segmento decisório não pode ser perturbado por uma actuação posterior, ainda que de um tribunal hierarquicamente superior” [7].
 

 

            51. O facto de a decisão da 1.ª instância relativa a cada um dos residentes só ter sido impugnada pela 1.ª Ré, e só ter sido impugnada pela 1.ª Ré na parte em que se afirmava a existência de um direito de compensação por danos não patrimoniais dos proprietários do r/c direito, do 1.º esquerdo, do 2.° direito, do 3.° direito, do 3.° esquerdo, do 4.° esquerdo, do 5.° direito e do 5.° esquerdo, faz com que se tenha formado caso julgado na parte (não impugnada) em que se determinava a extensão do direito de compensação por danos não patrimoniais (em que se determinava os valores individuais da compensação ou indemnização).
 

 

            52. “Em qualquer situação, não pode ser afectado o caso julgado que porventura se tenha formado sobre qualquer decisão ou segmento decisório (princípio da proibição da reformatio in pejus), de modo que a decisão do tribunal ad quem não pode ser mais desfavorável ao recorrente que a decisão proferida pelo tribunal a quo[8] — e, em relação aos proprietários do r/c esquerdo e do 2.ª esquerdo, aos proprietários do 1.º direito, aos proprietários do 4.º esquerdo e à usufrutuária do 5.º esquerdo, a decisão do tribunal ad quem é mais desfavorável ao Recorrente que a decisão proferida pelo tribunal a quo.

 

 

 III. — DECISÃO

 

 

            Face ao exposto, concede-se parcial provimento ao recurso, nos seguintes termos:
 

            I. — revoga-se o acórdão recorrido na parte em que condenou a Ré Residência Sénior do Areeiro, S.A., a pagar, a título de danos não patrimoniais, a quantia total de 21.000,00 euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, no valor de 3.000 euros por cada fracção ocupada;
 

            II. — repristina-se a sentença de 1.º instância, na parte em que condenou a Ré Residência Sénior do Areeiro, S.A., a pagar, a título de danos não patrimoniais,
 

            a. — aos proprietários do r/c esquerdo e do 2.ª esquerdo, a quantia de 2000 euros;
 

            b. — aos proprietários do 1.º direito, a quantia de 2000 euros;
 

            c. — aos proprietários do 1.º esquerdo, a quantia de 1000 euros;
 

            d. — aos proprietários do 4.º direito, a quantia de 3500 euros;
 

            e. — aos proprietários do 4.º esquerdo, a quantia de 1000 euros;
 

            f. — à proprietária do 5.º direito, a quantia de 3500 euros; 
         

            g. — à usufrutuária do 5.º esquerdo, a quantia de 1000 euros,
 

            no valor total de 13000 euros.
 

 

            Em tudo o mais, confirma-se o acórdão recorrido.
 

 

            Custas pela 1.ª Ré, agora Recorrente, Residências Sénior do Areeiro, Instalações para Idosos, S.A., e pelos Autores, agora, Recorridos, na proporção do respectivo decaimento.

 

 

Lisboa, 5 de Fevereiro de 2020

 

 

 

Nuno Manuel Pinto Oliveira (Relator)
 

 

Maria dos Prazeres Beleza
 

 

Olindo dos Santos Geraldes


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[1] Cf. acórdão do STJ de 14 de Maio de 2015 — processo n.° 29/12.6TBFAF.G1.S1.
 

[2] Em termos em tudo semelhantes, vide, p. ex., os acórdãos do STJ de 28 de Janeiro de 2016 — processo n.º 802/13.8TTVNF.P1.G1-A.S1 —, de 3 de Novembro de 2016 — processo n.º 3081/13.3TBBRG.G1.S1 —, de 24 de Novembro de 2016 — processo n.º 296/14.0TJVNF.G1.S1 —, de 17 de Maio de 2017 — processo n.º 4111/13.4TBBRG.G1.S1 —, de 18 de Janeiro de 2018 — processo n.º 668/15.3T8FAR.E1.S2 —, de 8 de Novembro de 2018 — processo n.º 48/15.0T8VNC.G1.S1 —, de 30 de Maio de 2019 — processo n.º 156/16.0T8BCL.G1.S1 — ou de 17 de Outubro de 2019 — processo n.º 617/14.6YIPRT.L1.S1.
 

[3] Cf. designadamente os acórdãos do STJ de 8 de Julho de 2003 — processo n.º 03A1905 —, em que impressivamente se diz que “não vale a pena perder tempo com factos irrelevantes para decisão”, de 17 de Maio de 2017 — processo n.º 4111/13.4TBBRG.G1.S1 — e de 18 de Abril de 2018 — processo n.º 205/12.1TTGRD.C3.S1.
 

[4] Cf. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, 2.ª ed., Lex, Lisboa, 1997, págs. 219-220.
 

[5] Sobre a interpretação do art. 635.º do Código de Processo Civil vide, por todos, António Santos Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Filipe Pires de Sousa, anotação ao art. 635.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. I — Parte geral e processo de declaração (artigos 1.º a 702.º), Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 761-762; ou António dos Santos Abrantes Geraldes, anotação ao art. 635.º, in: Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.`ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 115-121.
 

[6] Mário Tavares Mendes / Joaquim de Sousa Ribeiro / Jorge Ferreira Sinde Monteiro, “Relatório do Conselho constituído para fixação dos critérios das indemnizações por morte das vítimas dos incêndios em Portugal, nos meses de junho e outubro de 2017”, in: < http://revistas.ulusofona.pt/index.php/rfdulp/article/view/6309 >.
 

[7] António dos Santos Abrantes Geraldes, anotação ao art. 635.º, in: Recursos no novo Código de Processo Civil, cit., pág. 116.
 

[8] António Santos Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Filipe Pires de Sousa, anotação ao art. 635.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. I — Parte geral e processo de declaração (artigos 1.º a 702.º), cit., pág. 762.
 

Descritores:
 Dano causado por edifício ou outras obras; Danos não patrimoniais; Impugnação da matéria de facto; Acto inútil; Ato inútil; Questão relevante; Ofensa do caso julgado; Propriedade horizontal; Condomínio; Factos instrumentais; Factos complementares; Reformatio in pejus