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ECLI:PT:STJ:2020:5155.16.0T8OER.A.L1.S1

Relator: Paulo Ferreira da Cunha

Descritores: Aval; Plano de Recuperação de Empresa; Autonomia Cartular; Voto desfavorável do portador da livrança

Processo: 5155/16.0T8OER-A.L1.S1

Data do Acordão: 05/05/2020

Votação: Unanimidade

Texto Integral: S

Meio Processual: Revista

Decisão: Negada a Revista

Indicações eventuais: Transitado em julgado

Área Temática: 1ª Secção (Cível)

Sumário

1.O avalista não se vincula a uma obrigação constituída pelo avalizado (subjacente), antes ao pagamento da quantia da obrigação cartular, que é autónoma e independente daquela primeira.

2.Um plano de recuperação de empresa, do qual beneficia a sociedade subscritora de uma livrança, porém com o voto desfavorável do portador da livrança, ainda que nele se determine uma moratória para os avalistas, em nome da autonomia cartular não autoriza os ditos avalistas a invocar tal circunstância na oposição à execução instaurada pelo portador da livrança, caso o incumprimento do contrato de crédito subjacente à livrança - entregue em branco, e em caução do cumprimento de tal contrato de crédito - seja anterior à aprovação do PER. Especificamente o Acórdão da RC de 08-03-2016 (4064/14.1T8VIS.C2), lança luz sobre a questão.

3.Tendo presente o art. 217, n.º 4, do CIRE, e os princípios enquadradores, é razoável que terceiros (ao PER), condevedores ou garantes pessoais da devedora, não possam opor a moratória ao credor que não lhe deu o seu assentimento, sendo, pois, a referida cláusula ineficaz perante o Banco credor, agora recorrido, solução que aparece, no caso concreto, reforçada pelo caráter autónomo do aval, que deve ser respeitado, sob pena de este instituto se tornar inútil como forma de promover a concessão de crédito bancário às empresas. A solução contrária, fere, choca, por excessiva.

A jurisprudência tem aceitado a aplicação analógica do artigo 217, n.º 4, do CIRE, previsto para os processos de insolvência, ao processo de revitalização (PER). Independentemente de se fazer uma interpretação literal do artigo 217, n.º 4, do CIRE, que exclui do âmbito da norma o prazo de cumprimento da obrigação, o qual poderia vir a ser alterado pelo plano de recuperação (cf. acórdão do STJ, de 29-01-2019), ou de se adotar uma interpretação extensiva, que impede, para além da afetação da existência e do montante do crédito, também a modificação temporal da obrigação, há que ter em conta que o credor não votou favoravelmente o plano e que as obrigações garantidas por um negócio jurídico de aval gozam de uma especial proteção, dada a natureza autónoma do aval.

4.Aqui não se afigura que seja de considerar, mesmo em tese, a «ideia de irradiação externa dos efeitos do plano de revitalização», porque a exequente se opôs à sua homologação, votando-o desfavoravelmente, e também não se vislumbra nos factos quaisquer seus outros comportamentos ou circunstâncias com relevo para uma diversa  consideração.

Pelo exposto, conclui-se que os avalistas podem ser acionados pelo credor, com base na livrança, como título executivo, independentemente da verificação da moratória. Termos em que se acorda em negar a revista e  confirmar o Acórdão recorrido.

Decisão Texto Parcial

Não disponível.

Decisão Texto Integral

 

 

Processo n.° 5155/16.0T8OER-A.L1.S1

 

I

Relatório

1.Por apenso à execução comum para pagamento de quantia certa que NOVO BANCO S.A. moveu contra AA, BB, CC, para haver deles a quantia de € 210.332,52 (duzentos e dez mil, trezentos e trinta e dois euros e cinquenta e dois cêntimos) acrescida de juros, vieram os identificados Executados deduzir oposição por embargos.

 

2.Alegaram, em resumo, que desconhecem o valor aposto na livrança, pelo que não podem deixar de o impugnar, que a presente execução não pode prosseguir, por existir manifesto abuso no preenchimento do escrito junto como título executivo, pois existe uma e moratória que foi expressamente aprovada que torna inexigível o crédito do banco exequente.

Esclareceram que a livrança dada à execução foi entregue em branco no âmbito de financiamento concedido pelo Banco Internacional de Crédito à Globalis, SGPS, S.A., sociedade de que eram administradores; que avalizaram a livrança em causa; que, em 09 de março de 2015, a Globalis, SGPS, S.A apresentou um processo especial de revitalização, no âmbito do qual, no dia 24 de julho de 2015 foi aprovado o plano de recuperação da Globalis, SGPS,  S.A.   no   qual  se   encontra   previsto   o   pagamento   do   crédito  da exequente nos seguintes termos:

  • execução imediata de todas as garantias;
  • perdão de 95% do capital do valor remanescente;
  • conversão de juros em capital;
  • amortização do valor remanescente em 8 anos após um período de carência de 2 anos;

- pagamento de juros o 1.° Ano - 1%
o 2.° Ano -1,257%

o 3.° Ano- 1,5%

o 4.° Ano -27%

o 5.° Ano e restantes - 2,5%

o Cap de 2,5% (Euribor + Spread)

-  Os juros remuneratórios serão liquidados numa base anual, e o
seu pagamento com o início um ano após o trânsito em julgado da
sentença de homologação do plano.

Acrescentaram que o cumprimento integral do plano de recuperação encontra-se previsto para janeiro de 2026, que a Exequente era titular de uma garantia bancária à primeira solicitação sobre o "Banque Privée Espírito Santo" que deveria executar de imediato e, caso não recebesse o respetivo valor, o seu crédito era reduzido em 95%.

Mais referiram que do plano de recuperação consta também a seguinte cláusula: "moratória no pagamento da dívida por parte dos avalistas e outros condevedores e terceiros garantes enquanto a devedora principal cumprir com as suas obrigações definidas no presente plano", que o plano de recuperação aprovado tem vindo a ser cumprido, pelo que não podia a Exequente intentar a presente ação para cobrança de dívidas, por violar de forma patente o estipulado no plano de revitalização aprovado.

Concluíram que deve a presente oposição à execução ser considerada procedente, por provada e, em consequência, ser a execução declarada extinta.

 

3. A Exequente, notificada, veio contestar, alegando, em síntese que a cláusula de moratória de não acionamento dos avalistas não é válida, nem eficaz, uma vez que o Exequente votou contra o plano, não concordando com o teor da referida cláusula, para além do que o plano de insolvência não estaria a ser cumprido pela sociedade Globalis, SGPS, S.A. Impugnou, no mais, os factos alegados pelos Embargantes e pugnou, a final, pela improcedência dos embargos.

 

4.Foi proferido despacho saneador/sentença que julgou procedentes os embargos e declarou extinta a execução.

 

5.Inconformada com a aludida sentença, veio a Embargada da mesma interpor o competente recurso de apelação, apresentando as seguintes conclusões:

 

  1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo, notificado ao exequente no dia 18.05.2018, que julgou os Embargos de Executado procedentes, por preenchimento abusivo da livrança dada à execução.
  2. Salvo melhor entendimento e atenta a parca fundamentação de facto e de direito constante na sentença recorrida, parece-nos que o Juiz a quo andou mal na apreciação do processo, uma vez que a livrança dada à execução é título executivo válido, não tendo sido abusivamente preenchida.
  3. A quantia exequenda certa, líquida e exigível.
  4. A sentença recorrida, conclui que na data em que livrança dada à execução foi preenchida pela exequente, ora Recorrente, os avalistas beneficiavam de uma "moratória" que impedia a embargada de instaurara presente execução.
  5. A 6 de Março de 2015 a sociedade Globalis apresentou um plano especial de revitalização, que correu termos no Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste, Sintra, Instância Central, Secção de Comércio, Jl, sob o n.° de processo 5507/15.2T8SNT.

6. O ora Recorrente votou contra o plano especial de revitalização apresentado.

7.    O facto de constar no plano a cláusula de moratória no
pagamento da dívida por parte dos avalistas enquanto a sociedade
Globalis, SGPS, SA cumprir o pagamento, não é impeditiva do
accionamento da garantia do contrato, ou seja, o preenchimento da
livrança dada à execução.

  1. A cláusula de moratória no pagamento da dívida por parte dos avalistas, não pode ser imposta ao ora Recorrente.
  2. O plano de revitalização da Globalis, SGPS, SA é composto por um conjunto de medidas que apenas e só se aplicam à sociedade devedora, com vista à sua revitalização.

10. O Recorrente não pode ser impedido de accionar os avalistas que livremente e de forma autónoma prestaram o aval para garantir o bom cumprimento do contrato celebrado entre a sociedade Devedora e o Banco Recorrente,

11. Dispõe o artigo 217°, n.° 4 do CIRE: "As providências previstas no plano de insolvência com incidência no passivo do devedor não afectam a existência nem o montante dos direitos dos credores da insolvência contra os condevedores ou terceiros garantes da obrigação, mas estes sujeitos apenas poderão agir contra o devedor em via de regresso nos termos em que o credor da insolvência pudesse exercer contra eles os seus direitos.".  A sentença recorrida, salvo melhor opinião, faz "tábua rasa" do disposto no artigo 217°, n.° 4, que se aplica ao Processos Especial de Revitalização, por força do artigo 17.°-F, n.° 5 do ORE, uma vez que nem sequer analisou a referida disposição face à situação dos autos.

  1. A sentença recorrida limita-se apenas tão só a referir que existe uma cláusula de moratória quanto ao accionamento dos avalistas no plano de recuperação da sociedade Globalis, SGPS, SA, que foi aprovado e homologado, com voto contra do banco ora Recorrente, e que nos termos do número 6 do artigo 17.° F do CIRE, a sentença homologatória do PER transitada em julgado, vincula todos os credores.
  2. Para a correcta apreciação da questão essencial em causa nos autos, é fulcral a interpretação e aplicação do disposto no artigo 217°, n.° 4 do CIRE, disposição legal essa que foi absolutamente ignorada pelo tribunal a quo.

15.     A existência do artigo 217°, n.° 4 do CIRE prende-se
essencialmente para evitar a existência de inserção de cláusulas
abusivas no plano (de insolvência ou de recuperação), que visam a
impedir ao credor o exercício das garantias que detém sob terceiros
que não estão insolventes, com manifesto, inexigível e injustificado
prejuízo para o credor, como a que se encontra em causa nos
presentes autos.

  1. Essa aplicação e interpretação daquele artigo não foi feita, como deveria ter sido, pelo tribunal a quo, indo totalmente contra ao que a jurisprudência tem entendido sobre o accionamento dos avalistas de responsabilidades negociadas em PER com a sociedades Revitalizandas.
  2. Neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 17.10.2016, do processo n.° 3238/15.2T8PRT-A.P1.
  3. O plano de recuperação homologado da sociedade Globalis, SGPS, SA, o mesmo prevê, nomeadamente, um perdão de 95% do capital do valor remanescente, conversão de juros reclamados em capital; e amortização do valor remanescente em 8 anos após um período de carência de 2 anos, com o impedimento do accionamento dos avalistas enquanto for cumprido o plano.
  1. Esta conduta prevê afectar de forma inquestionável e intolerante o montante e direito do Recorrente de ser ressarcido do seu crédito, prejudicando de forma evidente e deliberada ora Recorrente, pretendendo os Embargantes, diminuir o montante do crédito, impor um perdão inaceitável do montante mutuado e garantido pelo aval prestado pelos Embargantes, impedindo, por essa via, o ora credor de recuperar o seu crédito.
  2. Esta situação tem sido já largamente apreciada pela Jurisprudência conforme se pode verificar pelos seguintes Acórdãos: Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17.05.2016, no processo 20931/12.7TYLSB-A.L1-7: "O que está em causa é, num PER relativo à sociedade, inserirem-se no Plano de Revitalização cláusulas que respeitam a terceiros garantes das obrigações por aquela assumidas, e que, uma vez aprovado o Plano, vinculam todos os credores, podendo aqueles, eventualmente, opor ao credor o teor do Plano, na parte que lhes respeita, não estando em causa excepção que a sociedade pudesse opor, mas que os próprios garantes podem opor. (...) Desde logo a constante do n° 4 do arí. 217° [6] que dispõe que "as providências previstas no plano de insolvência com incidência no passivo do devedor não afectam a existência nem o montante dos credores da insolvência contra os condevedores ou os terceiros garantes da obrigação, (...), não pode o Plano dispor contra os interesses e a vontade dos apelantes incidentes na sua relação com os garantes, nem a decisão, portanto, homologar uma cláusula a limitar o exercício de direitos (de crédito e de acção) que aqueles sempre estariam impedidos de invocar, nos termos do n° 4, do citado art° 217°, e que, portanto, violadora de tal norma, sempre lhes seria inoponível" (sublinhado e negrito nosso).

21. Veja-se também o Acórdão proferido no Tribunal de Relação de Guimarães, em 24.09.2015, no processo n.° 378/l4.9T8VNF.Gl:"A homologação de medida que estabelece uma moratória no pagamento da dívida de avalistas, ao impedir o exercício desses direitos "durante a vigência do Plano" está a afectar os "direitos dos credores contra os terceiros garantes da obrigação", constitui uma violação do n.° 4 do aríigo 217° do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas."

  1. A cláusula de moratória foi colocada em causa pelo ora Recorrente, uma vez que este votou contra o plano de revitalização.
  2. A Recorrente requereu a não homologação do plano, não invocando especificamente no pedido de não homologação a existência da cláusula de moratória de accionamento dos avalistas.
  3. No entanto, isso não traduz, nem podia traduzir, de forma alguma que terá aceite essa cláusula.
  4. O ora Recorrente não aceitou nem aquela cláusula, nem o plano na globalidade, tendo por essa razão votado contra o mesmo.
  5. Tem vindo a ser entendido na maioria da jurisprudência, que a existência de uma cláusula de moratória de accionamento de garantias, não é fundamento para a não homologação do plano, mas sim de ineficácia ou nulidade dessa cláusula e não a globalidade do plano, homologando-se o mesmo, pelo que o facto de o plano ter sido homologado.
  6. Vejamos nesse sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 15.09.2016, no processo n.° 307/15.2T8PRG.G1: "(...)Assim estas cláusulas são nulas, enquanto violadoras de norma imperativa, que afectam apenas os créditos emergentes das livranças avalizadas, e,  nesta  medida,  pelo que são  inoponíveis à apelante,  mas não afectam a globalidade do plano, o que não justifica a sua não aprovação, bastando julgá-las nulas e não vinculativas da apelante. (...)

Concluindo: I. O Per não pode afectar a existência e o montante dos direitos dos credores da insolvência contra os co-devedores ou terceiros garantes da obrigação. (...) 2. As cláusulas que condicionam o exercício do direito dos credores bancários à execução das garantias e a carência de capital e juros, neste caso pessoais (aval) de terceiros violam a norma imperativa do artigo 217 n.° 4 do CIRE, sendo nulas nestes pontos e inoponíveis às apelantes." (sublinhado e negrito nosso).

  1. No mesmo sentido vem o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 06.07.2016 no processo 9499/15.0T8CBR.C1: "Razão pela qual, mesmo no caso de moratória, como se prevê no plano em análise nos autos - ao estabelecer-se a não execução das garantias pelos credores, enquanto se mantiver o cumprimento do plano de recuperação, designadamente quanto à existência de aval, que é uma obrigação autónoma - não pode considerar-se que o credor/recorrente fique afectado em demandar o terceiro garante (ou condevedor) para lhe exigir o crédito de que dispõe originariamente (...) II- A violação de tal segmento normativo, nos estritos termos ora definidos, apenas acarreta uma situação de ineficácia inter partes, não impedindo a homologação do plano na parte não afectada."(sublinhado e negrito nosso).
  2. Também no mesmo sentido vem o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 08.03.2016, no processo n.° 4064/14.1T8VIS.C2: "No caso, não tendo votado favoravelmente o plano, sem prejuízo da consideração de outras circunstâncias, o reclamante "Banco B (...)", sendo titular de garantias sobre os identificados C (...) e L (...) poderá estar em condições de acionar estes, repudiando a moratória."
  3. Mais recentemente, vai no mesmo entendimento o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, em 04.04.2017, no processo n.° 3380/13.4TJVNF.G3: "III - As medidas com incidência sobre passivo de terceiros (ainda que correlacionados com a devedora, pois na maioria dos casos são precisamente os seus gerentes ou administradores quem prestam tais garantias) contempladas no Plano, devem ser consideradas ineficazes e inoponíveis aos credores que contra ele votaram, por extravasarem o objecto do Plano de Recuperação. (...) Eventuais processos judiciais intentados contra os garantes pessoais cessam pela via de homologação do presente plano), não obsta à homologação do Plano, por não ocorrer violação não negligenciável das normas relativas ao seu conteúdo, mas é inoponível pelos terceiros condevedores ou garantes pessoais das obrigações da devedora (que são terceiros no âmbito deste processo) aos credores que não lhe deram o seu assentimento.

31.       Todos os créditos reclamados pelo ora Recorrente,
nomeadamente, o crédito referente ao contrato de financiamento sob a forma de abertura de crédito em conta corrente, constam da lista de credores elaborada pelo Senhor Administrador Judicial Provisório e que não foi impugnada pela sociedade devedora Globalis, SGPS, SA.

  1. O plano de Recuperação da Globalis, SGPS, SA, foi aprovado e homologado, reitera-se com o voto contra do banco ora Recorrente, obrigando apenas a sociedade devedora ao pagamento dos créditos nos termos constantes do plano.
  2. Não pode ser imposto ao Recorrente, conforme já supra se demonstrou, a cláusula moratória de não accionamento dos avalistas, uma vez que o Recorrente votou contra o plano, não concordando, nomeadamente com o teor daquela cláusula.
  3. Os efeitos produzidos pela prolação do despacho judicial de nomeação de administrador judicial provisório estão exclusivamente direccionados para a relação material e processual estabelecida com a sociedade devedora, mas já não para os demais responsáveis/garantes pelo cumprimento da dívida.
  4. Assim, apesar de ter sido aprovado e homologado um plano de recuperação, nada impede o credor de acionar as garantias das dívidas do devedor revitalizando.
  5. Face ao supra exposto, verifica-se que a sentença proferida está em desconformidade com a lei, violando, no mínimo, o artigo 217.°, n.° 4, aplicável por força do artigo 17° F, n.° 5 do CIRE e os artigos 607°, n.°3,4e5, 703°, alínea c) e 713.° do C.P.C.
  6. Deve, desta forma, ser a mencionada sentença recorrida revogada e substituída por outra que improceda na totalidade os embargos de executado, determinando o prosseguimento da acção executiva.

6.Os Embargantes contra-alegaram, formulando, por seu turno, as seguintes conclusões:

  1. Os recorridos foram executados na qualidade de avalistas da sociedade Globalis, SGPS, S.A;
  2. A referida Globalis, SGPS, S.A apresentou um processo especial de revitalização que correu termos no Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste, Sintra - Inst. Central - Secção Comércio - Ji, Processo n.° 5507/15.2T8SNT, no qual foi aprovado um plano de revitalização;
  1. A sentença homologatória proferida no processo especial de revitalização apresentada pela Globalis, SGPS, S.A, homologou o plano de revitalização sem qualquer restrição;
  2. No plano de revitalização homologado consta a seguinte cláusula: "MORATÓRIA NO PAGAMENTO DA DÍVIDA POR PARTE DOS AVALISTAS E OUTROS CONDEVEDORES E TERCEIROS GARANTES ENQUANTO A DEVEDORA PRINCIPAL CUMPRIR COM AS SUAS OBRIGAÇÕES DEFINIDAS NO PRESENTE PLANO".

E)     Nove meses após o trânsito em julgado da sentença
homologatória do plano de revitalização, o recorrente apresentou a
presente execução contra os recorridos;

F)    A situação em apreço é totalmente distinta daquela que
resulta da aprovação de plano de recuperação apresentado em
processo especial de revitalização sem a referida cláusula moratória e
em que os avalistas pretendem beneficiar da moratória aprovada
apenas para a sociedade devedora;

G)  Nestes casos os credores não quiseram estabelecer qualquer
moratória relativamente aos avalistas, mas apenas para a sociedade
devedora, pelo que não existem dúvidas de que o plano de
recuperação não produz efeitos relativamente a estes e podem ser
imediatamente executados;

H) No caso em apreço, os credores quiseram expressamente estabelecer uma moratória no pagamento da dívida por parte dos avalistas, o qual passou a produzir efeitos relativamente à exigibilidade do crédito sobre os avalistas, podendo por estes ser invocado diretamente;

I) No plano de revitalização da Globalis a recorrente não colocou em causa a cláusula moratória;

J) Se relativamente à cláusula moratória a recorrente nada disse no processo de revitalização, não pode agora, depois de ter sido aprovado e homologado o plano pelo Tribunal da   Ia instância (e confirmado pelo Tribunal da Relação de Lisboa), colocar em causa a validade da mesma;

K) Como é referido na douta sentença recorrida, nos termos do artigo art.° 17° F n.° 6, Ia parte do CIRE, a homologação do plano obriga todos os credores (incluindo a exequente) mesmo que não hajam participado na negociação;

L) Bem andou o Tribunal a quo ao decidir que a exequente está obrigada a cumprir os termos do plano homologado (como sempre estaria obrigada a cumprir uma decisão judicial) e que embargantes beneficiam de uma "moratória", pelo que a exequente não podia ter preenchido a livrança em branco;

M) Estando em vigor um plano de revitalização devidamente homologado por sentença judicial transitada em julgado, não poderia o Tribunal a quo colocar em causa as cláusulas estabelecidas no plano ou a amplitude da homologação judicial;

N) Mesmo que a recorrente tivesse razão e a inserção da cláusula em causa fosse violadora do disposto no artigo 217.°, n.° 4 do CIRE, deveria ter suscitado essa questão junto do Tribunal do comércio, nomeadamente requerendo a não homologação do plano, com fundamento na violação não negligenciável de regras de conteúdo, por o plano conter uma cláusula que impede a execução dos avalistas;

O) A questão da alegada ilicitude da cláusula moratória deveria ter sido suscitada e apreciada no processo de revitalização estando agora vedada a sua discussão;

P) Existe vasta jurisprudência no processo de revitalização a considerar que a cláusula moratória é valida e deve ser homologada;

Q) Estando em vigor um plano de revitalização que abrange os créditos reclamados nos autos, e beneficiando os executados de uma moratória    que    consta    desse    plano    devidamente    aprovado    e homologado por sentença judicial transitada em julgado, podem os mesmos opor essa exceção à exequente.

Terminaram pedindo que se negue provimento ao recurso interposto pela Recorrente.

 

7. O Tribunal da Relação delimitou a discussão nos autos à questão da possibilidade da execução do avalista após homologação do plano de recuperação do avalizado, sublinhando ter sido a questão objeto de divergências na doutrina e na jurisprudência.

            Louvando-se no Acórdão da Relação de 07.06.2018 (Proferido no âmbito do processo n.º 7643/14.3YYLSB-A.L1-2, acessível em www.dgsi.pt; cf. ainda o Ac. da Relação de Évora de 26.05.2018, proferido no âmbito do processo n.º 71/14.2T2STC-B.E1, e acessível em www.dgsi.pt), o qual seguiu de perto, considerou haver "que concluir que a aprovação/homologação do plano de recuperação da sociedade subscritora da(s) livrança(s) dada(s) à execução, vencida(s) e não paga(s) em datas anteriore(s) ao PER, não aproveita aos avalistas, não sendo, portanto, susceptível de ser invocado pelos executados/apelantes, uma vez que o credor/exequente, portador das livranças, não está inibido de accionar os avalistas - como fez - face à autonomia da obrigação do aval que estes prestaram, entendimento que, de resto, tem sido unânime, desde há muito, na jurisprudência - v. neste sentido, entre muitos e a título meramente exemplificativo, Acs. STJ de 26.02.2013 (P° 597/11.0TBSSB-A.L1.S1) e de 28.04.2016 (P° 1106/12.9YYPRT-B.P1.S1); Acs. R. L. de 26.06.2012 (P° 597/11.0TBSSB-A.L1), de 21.11.2013 (P° 16/13.7TBSCF-A.L1 relatado pelo ora relatora), de 04.05.2015 (P° 125/13.2TCFUN-A.L1-6) e de 17.05.2016 (P° 20931/12.7TYLSB-A.L1); Acs. TRP de 09.07.2014 (P° 1213/12.8TBVFR-B.P1), de 16.09.2014 (P° 1527/13.0TBVNG-A.P1), de 07.10.2014 (P° 3803/13.2TBGDM-A.P1) e de 18.04.2017 (P° 10562I16.518PRJ-A.P1); Acs. TRC de 23.05.2017 (P° 789/15.2T8PBL-B.C1) e de 27.06.2017 (P° 780/14.6TBVIS-A.Cl); TRG de 04.12.2008 (P° 2523/08-1) e de 11.09.2012 (P° 1642/10.1TBGMR-B.G1); Acs.  TRE   de   08.02.2018  (P° 709/14.1TBOLH-C.E1)    e   de   22.02.2018    (P° 2484/13.8TBABF-A.E1), acessíveis em www.dgsi.pt." considera, pois, proceder o recurso.

Ou seja, em suma, como refere o sumário do Acórdão:

1.    O avalista não se obriga ao cumprimento da obrigação
constituída pelo avalizado (obrigação subjacente), mas ao pagamento
da quantia titulada no título de crédito (obrigação cartular),
constituindo esta uma obrigação autónoma e independente daquela.

2.   Em resultado dessa autonomia, a aprovação de um plano de
recuperação de que beneficia a sociedade subscritora de uma
livrança, com o voto desfavorável do portador da livrança, mesmo que
nele se estabeleça uma moratória para os avalistas, não autoriza estes
últimos a invocar tal circunstância na oposição à execução instaurada
pelo portador da livrança, caso o incumprimento do contrato de
crédito subjacente à livrança - entregue em branco, e em caução do
cumprimento de tal contrato de crédito - seja anterior à aprovação do
PER.

Decidiu, pois, julgar procedente a apelação e, em consequência, revogou a decisão recorrida, julgando improcedente a exceção de preenchimento abusivo da livrança dada à execução, fundada na inexigibilidade do crédito do Exequente em face da moratória consignada no PER.

 

8.Inconformados, os executados interpuseram recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo a sua motivação terminado com as seguintes Conclusões:

“A) Não podem os recorrentes deixar de fazer notar que, na sua interpretação, a decisão recorrida é contrária à recente jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, plasmada no douto Acórdão de 29-01-2019, no processo 1563/16.4T8AMT.P1.S2, Exma. Senhora Relatora Maria Olinda Garcia, www.dgsi.pt:

B)  Conforme é doutamente referido no citado Acórdão, "a constatação da realidade sociológica permite concluir que, em regra, os terceiros que prestam garantias pessoais para financiamento das empresas (geralmente, micro ou pequenas empresas) são os seus sócios ou gerentes ou familiares destes. Assim, do ponto de vista da avaliação geral da solução, pode afirmar-se que ela se justifica por evitar uma excessiva onerosidade ou penalização daqueles que prestam garantias pessoais às empresas (e, por isso, expõem o seu património pessoal e familiar), quando a dívida garantida se encontra a ser paga."

C)  Tal decisão é totalmente transponível para o caso sub judice porquanto no caso dos presentes autos, no processo especial de revitalização apresentado pela devedora originária Globalis, SGPS, S.A, também constava uma cláusula onde era estipulado uma "MORATÓRIA NO PAGAMENTO DA DÍVIDA POR PARTE DOS AVALISTAS E OUTROS CONDEVEDORES E TERCEIROS GARANTES ENQUANTO A DEVEDORA PRINCIPAL CUMPRIR COM AS SUAS OBRIGAÇÕES DEFINIDAS NO PRESENTE PLANO".

D)  O plano de revitalização em causa foi aprovado pelos credores e homologado pelo Tribunal com uma expressa moratória relativamente aos avalistas.

E)  Os ora recorrentes, já depois de aprovado e homologado o plano, foram executados na qualidade de avalistas da sociedade Globalis, SGPS, S.A.

F)  Conforme é referido no referido douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, o que está em causa é se "durante o prazo de execução do Plano, desde que não se verifique a ocorrência de algum incumprimento, os credores obrigam-se a não accionar os avalistas ou fiadores de qualquer uma das dívidas inseridas no Plano de Revitalização" e "Deste modo, a moratória ou o novo prazo de pagamento que os credores concedem ao devedor com a aprovação do plano de revitalização deverá aproveitar aos terceiros que pessoalmente garantem o crédito, enquanto o devedor continuar a cumprir o plano acordado"

G)  Durante o prazo do plano não existiu qualquer incumprimento que justificasse o preenchimento da livrança.

H) Não podem os ora recorrentes concordar com a interpretação do tribunal recorrido no sentido de que tal moratória, mesmo que o plano de revitalização esteja a ser cumprido, não é eficaz pois terá existido um incumprimento anterior à aprovação e homologação do plano de revitalização.

I) Essa interpretação, nos termos do citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, causaria uma excessiva onerosidade ou penalização daqueles que prestam garantias pessoais às empresas (e, por isso, expõem o seu património pessoal e familiar), quando a dívida garantida se encontra a ser paga.

J) Como bem foi decidido na l.ª instância, na data em que a livrança foi preenchida pela exequente, os avalistas ora embargantes beneficiavam de uma "moratória" que impedia a embargada de instaurar a presente execução, sendo possíveis duas conclusões: a livrança é nula, por preenchimento abusivo; ou a execução não deveria ter sido instaurada, por a livrança não poder ter sido preenchida na data em que o foi (não podendo valer então como título executivo). Em qualquer das hipóteses, a exequente não poderia ter título executivo para iniciar a presente execução - sem prejuízo da existência do seu crédito, e da possibilidade de executar os avalistas após o incumprimento do P.E.R. pela 'Globalis' (mas nunca (sic).

K) A situação em apreço é totalmente distinta daquela que resulta da aprovação de plano de recuperação apresentado em processo especial de revitalização sem a referida cláusula moratória e em que os avalistas pretendem beneficiar da moratória aprovada apenas para a sociedade devedora;

L) Nestes casos os credores não quiseram estabelecer qualquer moratória relativamente aos avalistas, mas apenas para a sociedade devedora, pelo que não existem dúvidas de que o plano de recuperação não produz efeitos relativamente a estes e podem ser imediatamente executados;

M) No caso em apreço, os credores quiseram expressamente estabelecer uma moratória no pagamento da dívida por parte dos avalistas, o qual passou a produzir efeitos relativamente à exigibilidade do crédito sobre os avalistas, podendo por estes ser invocado diretamente;

N) No plano de revitalização da Globalis a recoridae não colocou em causa a cláusula moratória;

O) Se relativamente à cláusula moratória a recorrente nada disse no processo de revitalização, não pode agora, depois de ter sido aprovado e homologado o plano pelo Tribunal da 1ª instância (e confirmado pelo Tribunal da Relação de Lisboa), colocar em causa a validade da mesma;

P) Como é referido na douta sentença recorrida, nos termos do artigo art. 17º F n.º 6, 1ª parte do CIRE, a homologação do plano obriga todos os credores (incluindo a exequente) mesmo que não hajam participado na negociação;

Q) Bem andou o Tribunal da primeira instância ao decidir que a exequente está obrigada a cumprir os termos do plano homologado (como sempre estaria obrigada a cumprir uma decisão judicial) e que embargantes beneficiam de uma "moratória", pelo que a exequente não podia ter preenchido a livrança em branco;

R) Estando em vigor um plano de revitalização devidamente homologado por sentença judicial transitada em julgado, não poderia o Tribunal a quo colocar em causa as cláusulas estabelecidas no plano ou a amplitude da homologação judicial;

S) Mesmo que a recorrida tivesse razão e a inserção da cláusula em causa fosse violadora do disposto no artigo 217.º n.º 4 do CIRE, deveria ter suscitado essa questão junto do Tribunal do comércio, nomeadamente requerendo a não homologação do plano, com fundamento na violação não negligenciável de regras de conteúdo, por o plano conter uma cláusula que impede a execução dos avalistas;

T) A questão da alegada ilicitude da cláusula moratória deveria ter sido suscitada e apreciada no processo de revitalização estando agora vedada a sua discussão;

U) Existe vasta jurisprudência no processo de revitalização a considerar que a cláusula moratória é valida e deve ser homologada;

V) Estando em vigor um plano de revitalização que abrange os créditos reclamados nos autos, e beneficiando os executados de uma moratória que consta desse plano devidamente aprovado e homologado por sentença judicial transitada em julgado, podem os mesmos opor essa exceção à exequente.

Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Exas doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, com as legais consequências, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA.”

 

 

9. Por seu turno, Novo Banco, SA, contra-alegou, mantendo e explicitando a posição anterior, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.

 

 

II

Dos Factos

Foram consideram-se como assentes os seguintes factos:

 

1. O ora Exequente foi constituído por deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal tomada em reunião extraordinária de 3 de Agosto de 2014, nos termos do n.° 5 do artigo 145.°-G do RGICSF (conforme certidão comercial permanente com o código de acesso n.° ...);

  1. Nos termos daquela mesma deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, o crédito que aqui se executa, que era da titularidade do Banco Espírito Santo, S.A., Sociedade Aberta, foi transferido para a titularidade do Banco ora Exequente, com efeitos à data daquela deliberação;
  2. O Exequente deu à execução a livrança subscrita em 04.06.2003 pela sociedade Globalis - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA., subscrita pelos Executados no verso, a seguir à expressão "dou o meu aval à firma subscritora", na qual se encontra aposto o montante de € 208.762,17, e a data de vencimento de 07.10.2016;
  1. A livrança foi entregue no âmbito de financiamento sob a forma de abertura de crédito em conta corrente concedido pelo Banco Internacional de Crédito, S.A. à Globalis, SGPS, S.A., documento que os ora Embargantes subscreveram, na qualidade de avalistas, nele se tendo estipulado que o BIC ficava autorizado a "completar o preenchimento do título", "em caso de incumprimento das obrigações assumidas", "fixando o seu vencimento para a data que entender";
  2. Mais se estipulou na cláusula n.° 15.1. do citado documento que "o não cumprimento pela Cliente de qualquer uma das obrigações por si assumidas neste contrato dará ao BIC o direito de considerar imediatamente vencido o FINANCIAMENTO, com a consequente exigibilidade do pagamento da totalidade da dívida, incluindo juros contratuais, juros de mora, comissões e demais encargos devidos;

6.  Acordaram ainda as partes, sob a cláusula 15.2. que "haver-se-
ão, ainda, por não cumpridas definitivamente as obrigações que do
presente contrato decorrem se a cliente estiver em situação de falta de
cumprimento ou tenha que reembolsar prematuramente qualquer outro
empréstimo ou dívida, por falta de pagamento na respectiva data de
vencimento, com exceção de qualquer tolerância que lhe tenha sido
concedida, ou caso a garantia prestada relativamente a essas
obrigações seja executada;

7. Os executados AA, BB, CC eram os administradores da
referida Globalis, SGPS, S.A.;

  1. Quando a referida livrança foi subscrita e avalizada em 2003, encontrava-se em branco;
  2. As datas, locais, valores e demais elementos que nela constam foram preenchidos posteriormente pela exequente;
  1. Em 09 de março de 2015, a Globalis, SGPS, S.A apresentou um processo especial de revitalização, que correu termos no Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste, Sintra - Inst. Central - Secção Comércio - Jl, Processo n.° 5507/15.2T8SNT
  2. No dia 24 de julho de 2015, com o voto desfavorável do Novo Banco, S.A. foi aprovado o plano de recuperação da Globalis, SGPS, S.A com votos favoráveis de 65,40% dos créditos reclamados, por sentença já transitada em julgado;
  3. No plano de recuperação encontra-se previsto o pagamento do crédito da exequente nos seguintes termos:

 

  • execução imediata de todas as garantias;
  • Perdão de 95% do capital do valor remanescente;
  • conversão de juros em capital;
  • amortização do valor remanescente em 8 anos após um período de carência de 2 anos;

- pagamento de juros
o l.°Ano- 1%

o 2° Ano- 1,25%

o 3.° Ano- 1,5%

o 4° Ano -2%

o 5.° Ano e restantes-2,5%

o Cap de 2,5% (Euribor + Spread)

- Os juros remuneratórios serão liquidados numa base anual, e o seu pagamento com o início um ano após o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano.

13.   O cumprimento integral do plano de recuperação encontra-

se previsto para janeiro de 2026;

14.     Do plano de recuperação consta também a seguinte
cláusula: "moratória no pagamento da dívida por parte dos avalistas e
outros condevedores e terceiros garantes enquanto a devedora
principal cumprir com as suas obrigações definidas no presente plano";

  1. Na reclamação de créditos apresentada pelo ora Exequente no âmbito do referido PER consta que a sociedade devedora pagou as prestações a que estava obrigada no âmbito do supra mencionado contrato de abertura de crédito, até 12.06.2014, data em que efectuou o último pagamento;
  2. A reclamação de créditos não foi impugnada.

 

Cumpre apreciar e decidir.

 

III

Fundamentação

 

1.O recurso de revista interposto por AA, BB e CC tem por objeto o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-02-2019, que decidiu:

(…) julgar procedente a apelação e, em consequência, revogam a decisão recorrida e julgam improcedente a exceção de preenchimento abusivo da livrança dada à execução, fundada na inexigibilidade do crédito do Exequente em face da moratória consignada no PER.

 

2.A fundamentação do acórdão pode resumir-se pela seguinte forma: 

1. O avalista não se obriga ao cumprimento da obrigação constituída pelo avalizado (obrigação subjacente), mas ao pagamento da quantia titulada no título de crédito (obrigação cartular), constituindo esta uma obrigação autónoma e independente daquela.

2. Em resultado dessa autonomia, a aprovação de um plano de recuperação de que beneficia a sociedade subscritora de uma livrança, com o voto desfavorável do portador da livrança, mesmo que nele se estabeleça uma moratória para os avalistas, não autoriza estes últimos a invocar tal circunstância na oposição à execução instaurada pelo portador da livrança, caso o incumprimento do contrato de crédito subjacente à livrança - entregue em branco, e em caução do cumprimento de tal contrato de crédito - seja anterior à aprovação do PER.

 

3. O recurso é admissível. De acordo com o disposto no artigo 854 do CPC, tendo o acórdão recorrido sido proferido no âmbito de uma oposição à execução, a admissibilidade do recurso de revista segue as regras gerais.

A admissibilidade ocorre nos termos do artigo 671, n.º 1, do CPC, não se verificando a situação obstativa a que alude o n.º 3 do mesmo preceito legal.

 

4. O thema decidendum versa sobre a possibilidade de execução do avalista após homologação do plano especial de recuperação do avalizado, no qual consta a seguinte cláusula: "moratória no pagamento da dívida por parte dos avalistas e
outros condevedores e terceiros garantes enquanto a devedora
principal cumprir com as suas obrigações definidas no presente plano".

 

5. Relevante para a presente causa se revela, inter alia, a seguinte jurisprudência, deste Supremo Tribunal de Justiça:

 

 

“I - No concreto Processo Especial de Revitalização considera-se válida a seguinte cláusula: 

“Durante o prazo de execução do Plano, desde que não se verifique a ocorrência de algum incumprimento, os credores obrigam-se a não accionar os avalistas ou fiadores de qualquer uma das dívidas inseridas no Plano de Revitalização”. 

II - Sendo um princípio indiscutível do direito das garantias pessoais o de que o incumprimento (temporário ou definitivo) é a condição necessária para que o garante possa ser chamado a cumprir em vez do devedor principal, concluiu-se que com a aprovação do plano de revitalização esta condição ainda não se verifica. A aprovação do plano de revitalização tem, precisamente, entre os seus objetivos permitir o cumprimento dos contratos, adequando o programa debitório às concretas possibilidades do devedor. Não existindo nem incumprimento de obrigações nem afetação quantitativa do crédito, a aprovada modificação temporal deverá aproveitar aos terceiros que garantem o cumprimento das obrigações, sobretudo porque a dilação do tempo de execução da obrigação modificada não é irrazoavelmente excessivo ou desequilibrado face à capacidade económico-financeira dos sujeitos envolvidos (credor e garantes). 

III - Sendo o plano de revitalização um contrato plurilateral, dotado de um sui generis procedimento formativo, cuja eficácia depende de homologação judicial, não lhe é, porém, estranha a aplicação das regras dos contratos. Todavia, a eficácia vinculativa do plano de revitalização não tem de se confinar, de forma absoluta, apenas aos sujeitos daquela estrutura negocial (os credores e o devedor “revitalizado”), ignorando completamente aqueles que prestam garantias pessoais ao devedor. O princípio da relatividade dos contratos, consagrado no art. 406.º, n.º 2, do CC, não é um princípio absoluto e hermético. Encontram-se na ordem jurídica várias figuras contratuais, em cujo regime legal se identifica uma eficácia de proteção para terceiros (como nos contratos que permitem o gozo ou o aproveitamento de faculdades de um bem de terceiro). Aliás, essa ideia de irradiação externa dos efeitos do plano de revitalização não é estranha ao legislador do CIRE, quando estabelece os limites que estão expressos no art. 217.º, n.º 4. (Ac. STJ de 29-01-2019, Revista n.º 1563/16.4T8AMT.P1.S2 - 6.ª Secção. Relatora: Maria Olinda Garcia (Relatora), http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/d05cde5557063b6480258391005041bc?OpenDocument.

 

Outro caso:

 

I - A reestruturação das dívidas do devedor principal não afecta as garantias reais ou pessoais prestadas por terceiros e daí que, tal como sucede com a homologação do plano de insolvência, os efeitos do PER, em que intervieram o avalisado e o credor, apenas se produzam na esfera do devedor, não podendo o avalista deste último alcançar qualquer benefício através da aprovação do plano de recuperação, a não ser quando haja convenção expressa nesse sentido (art. 17.º-E do CIRE).  

II - Tal entendimento não é afectado pelo facto de ter resultado da aprovação do plano de recuperação uma redução da dívida (perdão de juros) e a dilação do seu pagamento, dado que, face à autonomia do aval, aquele plano não se comunica ao avalista.  

III - A circunstância de o aval ter sido subscrito no mesmo documento que titulava o mútuo, no qual foi aposto o pacto de preenchimento, não permite concluir que o avalista beneficiaria de todas as alterações que viessem a ser assumidas relativamente ao contrato de mútuo outorgado.  

IV - Tendo sido a própria devedora que apresentou o requerimento de PER, nele reconhecendo a existência de uma situação de mora e a assunção perante os credores de que não lhe seria possível cumprir os seus compromissos, a comunicação do credor à devedora da antecipação do cumprimento consubstanciaria um acto sem qualquer utilidade.  

V - O acordo obtido no âmbito do PER não corresponde a uma novação da dívida, mas antes a um acordo global entre o devedor e o credor no sentido de reestruturar e programar o pagamento das dívidas, não podendo, portanto, o avalista invocar, em seu benefício, a regra do art. 861.º do CC – que determina a extinção das garantias com a extinção da obrigação novada – sob pena de se contrariar a natureza autónoma do aval.  (Ac. STJ de 08-03-2018, Revista n.º 4129/15.2T8LSB-A.S1 - 2.ª Secção. Relator: Conselheiro Abrantes Geraldes (Relator).

 

E ainda:

 

Deve ser recusada, ao abrigo do art. 215.º do CIRE, a homologação de plano de recuperação – como decidiram as instâncias – que preveja, não uma moratória, como pretendem os recorrentes, mas o desaparecimento do aval enquanto garantia tendencialmente autónoma e a substituição da responsabilidade solidária do avalista por uma responsabilidade subsidiária (liberando, deste modo, sócios e gerentes de obrigações que livremente assumiram), em frontal violação do conteúdo de normas legais imperativas, como é o caso do art. 32.º da LULL.  (Ac. STJ de 31-10-2017. Revista n.º 18265/15.1T8SNT.L1.S1 - 6.ª Secção. Relator: Conselheiro Júlio Gomes.

 

Ou ainda: 

I - A figura da livrança em branco, prevista nos arts. 75.º, 77.º e 10.º da LULL, produz todos os efeitos próprios da livrança caso seja integralmente preenchida.  

II - A obrigação cambiária torna-se perfeita desde que as assinaturas apostas no título de crédito exprimam a intenção de os signatários se obrigarem cambiariamente e o mesmo venha a ser preenchido antes de ser apresentado a pagamento.  

III - Porque o preenchimento abusivo reveste a natureza de facto impeditivo ou extintivo do direito do portador do título de crédito, o ónus alegatório e probatório da pertinente factualidade impende sobre os oponentes, em sintonia com a previsão do art. 342.º do CC, consubstanciando uma excepção pessoal fundada nas relações imediatas do seu subscritor com o portador imediato.  

IV - Por regra, o avalista não é sujeito da relação jurídica fundamental ou subjacente à subscrição da livrança, embora responda da mesma maneira que o subscritor (avalizado), não estando ao seu alcance defender-se através da invocação da excepção do preenchimento abusivo.  

V - No caso dos avalistas do título de crédito dado à execução terem subscrito também a título pessoal o pacto de preenchimento, e uma vez que essa intervenção só pode significar que negociaram as cláusulas contratuais ali inseridas – pelo menos as respeitantes ao pacto de preenchimento directamente conexionado com a garantia consubstanciada no aval prestado na livrança em branco – tem de considerar-se que a livrança se encontra no domínio das relações imediatas, sendo lícito aos oponentes invocar a eventual violação do pacto de preenchimento.  

VI - Tendo sido celebrado um procedimento extraordinário de conciliação, ao abrigo do DL 316/98, de 20-10, com as alterações introduzidas pelo DL 201/2004, de 18-08, pela sociedade devedora (avalizada), cabia aos oponentes/avalistas o ónus de provar que os pagamentos efectuados ao abrigo do mesmo extinguiram, pelo menos, parcialmente o crédito cambiário titulado pela livrança dada à execução.  (Ac. STJ de 20-05-2015 - Revista n.º 448/11.5TBPRG-A.S1 - 7.ª Secção. Relatora: Conselheira Fernanda Isabel Pereira.

 

E mais ainda: 

I - No domínio da aplicação do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, os credores que aprovarem a reestruturação financeira da empresa devedora por via da extinção ou da modificação dos seus direitos de crédito com garantia real ou pessoal prestada por terceiros não podem exigir-lhes, em princípio, o pagamento.  

II - A extinção é susceptível de derivar de novação objectiva, de perdão ou de remissão, caso em que se extinguem as garantias prestadas por terceiro, designadamente o penhor, a hipoteca, a fiança e o aval; e a modificação envolve a manutenção do direito de crédito e da correspondente obrigação, implicando a afectação das garantias prestadas por terceiros na medida dessa modificação.  

III - A modificação do crédito remanescente - depois de operada a dação de prédios em cumprimento e a transmutação de créditos em capital da sociedade recuperanda - por via da moratória quanto ao tempo de pagamento e à taxa de juros não afecta integralmente a obrigação dos executados baseada no aval prestado à subscrição das livranças por aquela que à acção executiva servem de título executivo.  

IV - Os executados avalistas continuam vinculados à obrigação de pagamento do montante inscrito nas referidas livranças até que o direito de crédito da executada se extinga nos termos do convénio outorgado pelo exequente no processo de recuperação da empresa, pelo que inexiste fundamento para a extinção da execução em relação a eles em sede de oposição por inutilidade superveniente da lide.  (Ac. STJ de 04-12-2007 - Agravo n.º 4176/07 - 7.ª Secção – Relator: Conselheiro Salvador da Costa (Relator).

 

6.Além da ponderação dos arestos supra, parece adequado e plenamente convincente o Acórdão da RC de 08-03-2016 (4064/14.1T8VIS.C2), que muito especificamente lança luz sobre o caso vertente:

 

«Considerando as finalidades e os princípios subjacentes ao processo de revitalização (a recuperação da empresa ainda viável), por um lado, e a limitação de eficácia imposta pelo art.217º do CIRE (intangibilidade dos créditos sobre terceiros), por outro, entendemos que não devemos afastar a possibilidade daquela recuperação. Balanceando adequadamente os interesses em jogo, o regime jurídico da ineficácia permite a viabilização da empresa nos termos do plano acordado pela maioria dos credores, ao mesmo tempo que afirma este inoponível aos créditos sobre condevedores ou sobre terceiros garantes, sem prejuízo da consideração de “condutas impróprias” destes credores. (Só em concreto se apurará destas, dependendo da avaliação da votação favorável à moratória e de outras circunstâncias.) No caso, não tendo votado favoravelmente o plano, sem prejuízo da consideração de outras circunstâncias, o reclamante “Banco B (…)”, sendo titular de garantias sobre os identificados C (…) e L (…) poderá estar em condições de acionar estes, repudiando a moratória.».

 

 Havendo em consideração o art. 217, n.º 4, do CIRE, segundo o qual, «As providências previstas no plano de insolvência com incidência no passivo do devedor não afetam a existência nem o montante dos direitos dos credores da insolvência contra os codevedores ou os terceiros garantes da obrigação, (…)», e tendo presentes os princípios enquadradores, cremos ser em absoluto razoável que terceiros (ao PER), condevedores ou garantes pessoais da devedora, não possam opor a moratória ao credor que não lhe deu o seu assentimento, sendo, pois, a referida cláusula ineficaz perante o Banco credor, agora recorrido, solução que aparece, no caso concreto, reforçada pelo caráter autónomo do aval, que deve ser respeitado, sob pena de este instituto se tornar inútil como forma de promover a concessão de crédito bancário às empresas.

A solução contrária, fere, choca, por excessiva. Sublinhe-se, conforme o aresto citado: No caso, não tendo votado favoravelmente o plano, sem prejuízo da consideração de outras circunstâncias, o reclamante “Banco B (…)”, sendo titular de garantias sobre os identificados C (…) e L (…) poderá estar em condições de acionar estes, repudiando a moratória.».

A jurisprudência tem aceitado a aplicação analógica do artigo 217.º, n.º 4, do CIRE, previsto para os processos de insolvência, ao processo de revitalização (PER). Independentemente de se fazer uma interpretação literal do artigo 217.º, n.º 4, do CIRE, que exclui do âmbito da norma o prazo de cumprimento da obrigação, o qual poderia vir a ser alterado pelo plano de recuperação (cf. acórdão do STJ, de 29-01-2019), ou de se adotar uma interpretação extensiva, que impede, para além da afetação da existência e do montante do crédito também a modificação temporal da obrigação, há que ter em conta que o credor não votou favoravelmente o plano e que as obrigações garantidas por um negócio jurídico de aval gozam de uma especial proteção dada a natureza autónoma do aval.

 

Com efeito, e tudo ponderado, no caso em apreço não se afigura que seja de considerar, mesmo em tese, a «ideia de irradiação externa dos efeitos do plano de revitalização» porque a exequente se opôs à sua homologação, votando-o desfavoravelmente, e também não se vislumbra nos factos quaisquer seus outros comportamentos ou circunstâncias com relevo para uma diversa  consideração.

 

Pelo exposto, conclui-se que os avalistas podem ser acionados pelo credor, com base na livrança, como título executivo, independentemente da verificação da moratória.

 

 

III

Dispositivo

 

Termos em que se acorda na 1.º Secção do Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista e  confirmar o Acórdão recorrido.

 

Custas pelo recorrente.

 

Supremo Tribunal de Justiça, 5 de maio de 2020.

 

 

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Paulo Ferreira da Cunha

 

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Maria Clara Sottomayor

 

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Alexandre Reis

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Descritores:
 Aval; Plano de Recuperação de Empresa; Autonomia Cartular; Voto desfavorável do portador da livrança