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ECLI:PT:STJ:2020:572.09.4TBVLN.G1.S1

Relator: Maria Olinda Garcia

Descritores: Responsabilidade extracontratual; Acidente de viação; Dano morte; Direito à indemnização; Titularidade; Interpretação da lei; Revista excepcional; Revista excecional; Oposição de julgados; Objecto do recurso; Objeto do recurso

Processo: 572/09.4TBVLN.G1.S1

Data do Acordão: 19/05/2020

Votação: Maioria com Voto de Vencido

Texto Integral: S

Meio Processual: Revista

Decisão: Negada a Revista

Indicações eventuais: Transitado em julgado

Área Temática: 6.ª Secção (Cível)

Sumário

1. A repartição da indemnização pelo dano da morte, que cabe “em conjunto”, nos termos do art.496º, n.2 do CC, aos progenitores do filho falecido (num acidente de viação), faz-se em partes iguais, quando a factualidade provada não permita, solidamente, equacionar uma diferente repartição desse montante (ou até a sua exclusão).

2. Não cabe à jurisprudência o desenvolvimento de interpretações e construções dogmáticas que, por não se encontrarem suportadas pela necessária base factual, seriam inúteis para a solução do caso concreto.

Decisão Texto Parcial

Não disponível.

Decisão Texto Integral

 

Processo n. 572/09.4TBVLN.G1.S1

 

Recorrente: AA

Recorridos: Seguradoras Unidas, S.A; BB e outros

 

Revista excecional

 

       

I. RELATÓRIO

1. AA, residente no concelho de ..., propôs ação declarativa contra Seguradoras Unidas, S.A. (anteriormente Companhia de Seguros Tranquilidade S.A.), com sede em … [sendo depois intervenientes principais BB, residente em ..., Fundo de Garantia Automóvel, com sede em …, e CC, residente no concelho de ...] pedindo:

- que a Ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 63.627,50, a título de indemnização de danos patrimoniais e não patrimoniais, sofridos em virtude de um acidente de viação em que faleceu DD, filho dele próprio e da 1ª Interveniente Principal (sendo € 35.000,00 a titulo de indemnização por perda do direito à vida, € 7.500,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela Vítima mortal, € 20.000,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos por ele próprio, e € 1.127,50 a título de indemnização por danos patrimoniais sofridos pela Vítima mortal);

- a Ré fosse condenada a pagar juros de mora, vencidos e vincendos, calculados à taxa supletiva legal, de 4% ao ano, sobre o montante das indemnizações a arbitrar pelo Tribunal, contados desde a respetiva citação até efetivo e integral pagamento.

 

Alegou, em síntese, que, no dia 05.04. 2007, pelas 22.00 horas, na Estrada Nacional n.00, ao km 117,126, ocorreu um embate entre o motociclo de matrícula 00-00-CC, conduzido por seu filho, DD [onde era transportada CC], que seguia no sentido ...-..., e um veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de matrícula 00-00-HF, conduzido por EE, que seguia no sentido contrário; e ter-se o mesmo ficado a dever exclusivamente ao condutor do veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de matrícula 00-00-HF, pela manobra súbita e inopinada de mudança de direção, para a respetiva esquerda, realizada de forma enviesada e sem previamente se deter no sinal de Stop existente no local, cortando desse modo por completo a linha de trânsito do motociclo de matrícula 00-00-CC, que nada pode fazer para evitar o embate.

Mais alegou que, como consequência direta e necessárias das lesões sofridas mercê do dito embate, faleceu, na mesma data, DD, com 24 anos de idade, devendo a perda do seu direito à vida ser indemnizada com a quantia de € 70.000,00 (cabendo-lhe a ele, Autor, € 35.000,00); a vítima mortal sofreu aflição, sobressalto e angústia, nos minutos que precederam a sua morte, devendo esse sofrimento ser indemnizado com a quantia de € 15.000,00 (cabendo-lhe a ele, aqui Autor, € 7.500,00); ele próprio sofreu forte abalo psíquico e angústia com a morte do filho, que ainda hoje se mantêm, devendo ser indemnizado por isso com a quantia de € 20.000,00; ficaram destruídos e inutilizados, quer o motociclo de matrícula 00-00-CC, no valor de € 1.500,00, quer os dois capacetes de proteção, usados pelo seu Condutor e pela Passageira transportada, no valor global de € 250,00, quer todo o vestuário daquele, e ainda um telemóvel, no valor global de € 255,00, tudo bens propriedade de seu Filho (cabendo-lhe a ele, Autor, € 1.127,50).

Alegou ainda, como justificação da demanda da Ré (Seguradoras Unidas, S.A.), ter sido transferida para a mesma a responsabilidade civil resultante da circulação do veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de matrícula 00-00-HF.

 

2. O Autor requereu a intervenção principal provocada, como sua associada, de BB, mãe de DD, mercê da contitularidade de ambos em indemnizações peticionadas (nomeadamente, por perda do direito à vida do Filho comum, pelo sofrimento registado por este antes da respetiva morte, e pela perda de bens de sua propriedade).

 

3. A (Seguradoras Unidas, S.A.) contestou, pedindo que a ação fosse julgada improcedente.

Alegou, em síntese, ter o motociclo de matrícula 00-00-CC embatido no veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de matrícula 00-00-HF, quanto este se encontrava totalmente imobilizado, junto do sinal de Stop, existente no local e apontado, que pretendia mudar de direção à esquerda (atento o sentido de macha do dito veículo automóvel); e tê-lo feito porque o seu condutor era inábil (não dispondo de habilitação legal para o conduzir), circulava a velocidade superior a 100 km/h (quando a máxima permitida no local era de 50 km/h), fazia-o sem luzes, e viu antes ser cortada a sua linha de circulação por um veículo automóvel não identificado, que virou, súbita e inopinadamente, à respetiva esquerda, sem sinalizar previamente essa sua manobra.

Defendeu, por isso, a Ré (Seguradoras Unidas, S.A.) ter-se o acidente devido exclusivamente à conduta negligente, inconsiderada e grosseiramente transgressiva quer do condutor do motociclo de matrícula 00-00-CC, quer do condutor do veículo automóvel que seguida à frente daquele, cuja responsabilidade civil decorrente da respetiva circulação fora assumida por ela própria.

Mais alegou a Ré (Seguradoras Unidas, S.A.) desconhecer os danos alegados pelo Autor (AA), por isso os impugnando, sem prejuízo de precisar que DD não usava, então, capacete de proteção (contribuindo essa sua omissão culposa para a verificação ou o agravamento dos danos registados por ele), ter tido o mesmo morte imediata, ou ter ficado em situação de total inconsciência, valer o seu motociclo um máximo de € 800,00, e serem exorbitantes as quantias reclamadas pelo Autor.

 

4. O Autor (AA) replicou, reiterando os seus pedidos iniciais, e requerendo a intervenção principal provocada, como associado da Ré (Seguradoras Unidas, S.A.), do Fundo de Garantia Automóvel.

Alegou para o efeito, em síntese, ser falsa a versão do acidente apresentada pela Ré (Seguradoras Unidas, S.A.), nomeadamente que o motociclo de matrícula 00-00-CC circulasse de luzes apagadas, que o seu condutor não usasse capacete de proteção, ou que circulasse a velocidade superior a 50 km/h.

Prevenindo, porém, o apuramento de uma outra realidade, o Autor (AA) requereu a intervenção principal provocada do Fundo de Garantia Automóvel, como responsável pelo pagamento da indemnização que se viesse a cometer ao condutor do alegado veículo automóvel não identificado, que seguiria à frente do veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de matrícula 00-00-HF.

 

5. Deferido o incidente de intervenção principal provocada, e regularmente citada, BB apresentou articulado próprio, repetindo o pedido antes formulado pelo Autor, isto é, que

- a Ré fosse condenada a pagar-lhe quantia de € 63.627,50, a título de indemnização de danos patrimoniais e não patrimoniais (sendo € 35.000,00 a titulo de indemnização por perda do direito à vida de DD; € 7.500,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos por ele antes da respetiva morte; € 20.000,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos por ela própria com essa morte; e € 1.127,50 a título de indemnização por danos patrimoniais sofridos pela vítima mortal), acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, calculados à taxa supletiva legal, de 4% ao ano, sobre o montante das indemnizações a arbitrar pelo Tribunal, contados desde a respetiva citação até efetivo e integral pagamento.  

Alegou, em síntese, aderir integralmente à descrição da dinâmica do acidente de viação, e suas consequências, feita pelo Autor (AA) na petição inicial.

Mais alegou que, não vivendo com o Filho, mantinha com ele uma relação de grande e recíproco carinho, tendo por isso sofrido tristeza e angústia com a sua morte, qua ainda hoje se mantêm.

 

6. Deferido o respetivo incidente de intervenção principal provocada, e regularmente citado, o Fundo de Garantia Automóvel apresentou articulado próprio, pedindo que a ação fosse julgada totalmente improcedente, e requerendo a intervenção principal provocada de CC.

Alegou, em síntese, ter-se o acidente em causa devido exclusivamente à atuação do condutor do motociclo de matrícula 00-00-CC, que circulava sem luzes e sem habilitação legal para o efeito, tendo sido ele quem embateu no veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de matrícula 00-00-HF, quando este realizava regularmente a manobra de mudança de direção à respetiva esquerda (conforme despacho de arquivamento proferido no inquérito crime aberto mercê da sua morte).

Alegou desconhecer os danos invocados pelo Autor (AA), por isso os impugnando, defendendo ainda serem manifestamente exagerados os montantes indemnizatórios reclamados por ele.

Por fim, o Interveniente Principal (Fundo de Garantia Automóvel) requereu a intervenção principal provocada de CC, passageira transportada gratuitamente no motociclo de matrícula 00-00-CC, por forma a que se lograsse uma regulação unitária e definitiva da relação material controvertida (intervindo nos autos todos os titulares de pretensões indemnizatórias relacionadas com o evento danoso em causa).

 

7. Deferido o respetivo incidente de intervenção principal provocada, e regularmente citada, CC apresentou articulado próprio, pedindo que:

- a Ré fosse condenada a pagar-lhe quantia de € 38.754,91, a título de indemnização de danos patrimoniais e não patrimoniais (sendo € 18.754,91 a titulo de indemnização por danos patrimoniais, e € 20.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, uns e outros sofridos por ela própria), acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, calculados à taxa supletiva legal, de 4% ao ano, sobre o montante das indemnizações a arbitrar pelo Tribunal, contados desde a respetiva citação até efetivo e integral pagamento; 

- (subsidiariamente) vindo DD a ser considerado culpado do acidente em apreço, o Fundo de Garantia Automóvel e a Herança Aberta por óbito daquele primeiro fossem condenados a pagarem-lhe a mesma quantia de € 38.754,91, acrescida dos mesmos juros de mora (peticionados antes contra a Ré).

Alegou, em síntese, aderir integralmente à descrição da dinâmica do acidente de viação em causa, feita pelo Autor (AA) na petição inicial, considerando como único responsável da sua produção o condutor do veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de matrícula 00-00-HF.

Mais alegou que, como consequência direta e necessária, do embate de veículos em causa, e da queda registada por ela própria, sofreu múltiplas e graves lesões, que exigiram diversos internamentos hospitalares, só em 11 de Novembro de 2007 lhe tendo sido dada alta; ficou com sequelas permanentes (v.g. dores generalizadas, crise de rigidez, 80% de surdez no ouvido direito, cicatrizes nas pernas e costas, alteração de personalidade - de alegre e comunicativa, para reservada e com maior dificuldade de integração social -e incapacidade para realizar todas as suas tarefas), que lhe determinaram uma incapacidade geral permanente de 10%, tendo então 25 anos, devendo ser indemnizada com a quantia de € 15.000,00; viu destruídos e inutilizados os seus vestuário, relógio e um anel de prata, no valor global de €200,00, devendo ser indemnizada com igual montante; gastou em despesa médicas, medicamentos e deslocações para tratamentos a quantia de € 613,01, devendo ser indemnizada com igual montante; esteve 219 dias incapacitada para trabalhar, o que, sendo remunerado com o salário mínimo nacional então vigente, de € 403,00, correspondeu a um prejuízo de € 2.941,90, devendo ser indemnizada com igual montante; e sofreu dores, que ainda hoje se mantêm, prejuízo estético nas suas pernas e costas, e dificuldade de integração social, devendo ser indemnizada com quantia não inferior a € 20.000,00.

 

8. A Ré (Seguradoras Unidas, S.A.) contestou qualquer um dos articulados de intervenção principal provocada apresentados (quer por BB, quer por CC), pedindo que se julgassem improcedentes os respetivos pedidos.

Alegou para o efeito, em síntese, ter sido o acidente de viação aqui em causa devido exclusivamente à conduta negligente, inconsiderada e grosseiramente transgressiva do condutor do terceiro veículo não identificado e do Condutor do motociclo de matrícula 00-00-CC, reiterando tudo o que aduzira antes (na contestação apresentada à petição inicial).

Alegou ainda desconhecer os danos alegados pelas Intervenientes Principais –além de defender o carácter exorbitante dos montantes indemnizatórios reclamados por elas – por isso os impugnando, sem prejuízo de precisar que a 1ª Interveniente Principal (BB) mantinha-se totalmente alheada da vida e fortuna do seu filho, com quem deixou de privar desde 1989, só retomando o contacto com ele um ano antes da sua morte; e a 2ª Interveniente Principal (CC) não usava então capacete de proteção (contribuindo essa sua omissão culposa para a verificação ou agravamento dos danos por ela invocados), e encontrava-se então desempregada (não tendo por isso sofrido quaisquer perdas salariais).

 

9. O Interveniente Principal (Fundo de Garantia Automóvel) contestou todos os articulados de intervenção principal provocada apresentados (quer por BB, quer por CC), pedindo que fossem julgados de acordo com a prova que viesse a ser produzida.

Alegou, em síntese, desconhecer os factos por elas alegados, por isso os impugnando; e ter como manifestamente excessivos os montantes indemnizatórios reclamados.

 

10. Foi proferida sentença, que julgou a ação parcialmente procedente, nos seguintes termos: «(…) Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a presente acção e, em consequência:

- absolvo o Fundo de Garantia Automóvel dos pedidos formulados pelos demandantes AA e BB;

- condeno a ré Seguradoras Unidas SA, a pagar ao autor AA a quantia de € 292,50 (duzentos e noventa e dois euros e cinquenta cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a citação até integral pagamento; e a quantia de € 48.750,00 (quarenta e oito mil, setecentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a sentença até integral pagamento; absolvendo-a do restante pedido;

- condeno a ré Seguradoras Unidas SA, a pagar à demandante BB a quantia de € 292,50 (duzentos e noventa e dois euros e cinquenta cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a citação até integral pagamento; e a quantia de € 26.000,00 (vinte e seis mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal legal de 4%, contados desde a sentença até integral pagamento; absolvendo-a do restante pedido;

- condeno solidariamente a ré Seguradoras Unidas, SA, o Fundo de Garantia Automóvel e AA e BB (na qualidade de herdeiros do DD), a pagar à demandante CC a quantia global de € 38.754,91 (trinta e oito mil, setecentos e cinquenta e quatro euros e noventa e um cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a citação até integral pagamento;»

 

11. A segunda instância proferiu a seguinte decisão:

«Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pelo Autor (AA), e em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela Ré (Seguradoras Unidas, S.A.), e, em consequência, em:

- alterar a sentença recorrida, na parte em que fixou na quantia de €35.000,00 a indemnização por danos não patrimoniais sofridos pelo Autor (AA) com a morte do seu filho DD, reduzindo-a agora para a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros, e zero cêntimos);

- manter integralmente o remanescente da sentença recorrida

 

12. Inconformado com a decisão da segunda instância, o autor interpôs recurso de revista excecional, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:

«1ª: Com o presente recurso de Revista Excepcional, pretende o Recorrente, ao abrigo do disposto nos artigos 629º n.1, 631º, 672º n.1 als. b) e c) e 674º n.1.al a), a reapreciação da questão referente ao valor da indemnização a atribuir ao Recorrente pelo dano da perda do direito à vida - interpretação da norma constante do artigo 496º n.º 2 do Código Civil, por estarem em causa interesses de particular relevância social, e o douto Acórdão de que ora se recorre se encontrar em contradição com outros já transitados em julgado, quer do Tribunal da Relação, quer do Supremo Tribunal de Justiça. 

2ª: Para além da sobredita matéria, pretende, ainda, o Recorrente, a reapreciação da questão referente ao valor que lhe foi arbitrado pelo Tribunal a quo a título de dano não patrimonial próprio e a contagem dos respetivos juros de mora.

3ª: O Recorrente pretende que se lhe reconheça o direito a ser indemnizado, na qualidade de pai da vítima mortal, pela perda do direito à vida do filho, devendo o valor respetivo ser repartido entre o Recorrente e a Interveniente BB, mãe da vítima, não em obediência a critérios de repartição aritmética igualitária, como considerou o Exmo. Tribunal a quo, mas tendo em conta a relação de proximidade, convivência e afeto, mantida por cada um deles com o falecido filho.

4ª: Com relevo para a questão suscitada resultou provado, além do mais, que a vítima mortal nasceu no dia 3.04.1983; que o Recorrente mantinha com o filho uma relação de proximidade afectiva, convivendo ambos com alguma regularidade em família e em consequência da morte do filho, o Recorrente sofreu forte abalo psíquico e angústia.

5ª: Com interesse para a questão sub judice provou-se, ainda, que o falecido DD não vivia com a mãe desde tenra idade, não mantendo com a mesma qualquer relacionamento.

6ª: Desta factualidade, resulta que o Recorrente sofreu danos de natureza não patrimonial pela perda do seu filho de 24 anos de idade que acabara de completar, consistentes, designadamente, em sofrimento, angústia e abalo psicológico.

7ª: O Exmo. Tribunal de Primeira Instância atribuiu a título de indemnização pela perda do direito à vida, a quantia de €80.000,00, tendo ordenado a repartição igualitária por ambos os progenitores.

8ª: Autor e Ré Seguradoras Unidas, S.A., interpuseram Recurso de Apelação, tendo, além do mais, pugnado pela qualificação deste dano, como dano não patrimonial produzido na esfera jurídica dos pais, devendo a indemnização ser atribuída a cada um deles, atendendo à relação de proximidade e de afetividade que mantinham com o falecido, bem como o grau de afetação que cada um sofreu em consequência da morte

9ª: Para o que aqui releva, defendeu o Recorrente que em face da prova produzida, haveria que diferenciar a indemnização a atribuir-lhe na qualidade de pai da que seria de atribuir à mãe, justificando-se, atenta a mesma prova, que do valor fixado pelo Tribunal de Primeira Instância, ou seja, do montante de €80.000.00, o Recorrente recebesse €60.000,00 e a Interveniente Ilídia, o montante de €20.000,00.

10ª: A pretensão do Recorrente foi julgada improcedente, tendo o Exmo. Tribunal a quo, referido a este propósito, o seguinte “…, e salvo o devido respeito por opinião contrária, não ser esse o entendimento que resulta do artigo 496º, n.º 2 e n.º 4 do C.C., isto é: se na prévia determinação do montante da indemnização por dano morte se terá necessariamente que atender à equidade e às circunstâncias referidas no artigo 494º antecedente (conforme n.º 4 do artigo 496º citado), uma vez fixada aquela, será a mesma unicamente atribuída “em conjunto” ao restrito elenco de pessoas discriminadas no n.º 2 do preceito em referência.

11ª: Tendo-se, ainda, referido no douto Acordão em consideração: “Por outras palavras, esta atribuição “em conjunto” pressupõe que seja exclusivamente feita por meio de uma repartição aritmeticamente igualitária, já que a lei não consagrou quaisquer outros critérios de atribuição, nomeadamente fundados na efectiva repercussão daquele dano morte na concreta pessoa dos beneficiários da respectiva indemnização (juízo a realizar apenas na atribuição da indemnização que lhes caiba por danos não patrimoniais próprios).

12ª: O Recorrente, com o devido respeito por diferente e melhor opinião, considera que a indemnização pelo dano morte deve ser atribuída a cada um dos pais, não por simples operação aritmética, mas por equidade e de acordo com o efetivo dano que cada um sofreu, ou seja, atendendo à maior ou menor proximidade do progenitor ao seu falecido filho, da relação de afetividade existente e ao maior ou menor abalo psicológico que cada um sofreu, pois que, se estamos em presença de um dano próprio de natureza não patrimonial só pela verificação concreta do mesmo e respectiva extensão na esfera de cada um dos pais, se encontrará uma indemnização justa para cada um.

13ª: Concorda, pois, o Recorrente com o entendimento que vem sendo defendido por parte da Jurisprudência, que entendendo a perda do direito à vida como um direito não patrimonial próprio dos pais e, portanto excluído do regime sucessório, considera que deverá o seu valor ser encontrado por equidade e tendo em consideração a relação de afeto e proximidade, existente entre a falecida vítima e os seus familiares.

14ª: A discussão relativa à natureza e qualificação do direito à indemnização do Recorrente, pela perda da vida do seu jovem filho preenche, manifestamente, a previsão da alínea b) do n.º 1 artigo 672º do C.P.C., por ser de relevante interesse social, contendendo com o direito à justa reparação ou compensação de danos não patrimoniais, que pela sua relevância e dimensão, merecem a tutela do direito.

15ª: Ao contrário do decidido no douto Acórdão ora posto em crise, quer o Tribunal da Relação, quer o Supremo Tribunal de Justiça, proferiram anteriores decisões, no sentido de que a indemnização pela perda do direito à vida apesar de a lei prever que se atribui ex lege aos familiares referidos no artigo 496º n.º 2 do CC, não significa que o tribunal não possa atribuir valores diferentes a cada um deles ou até excluir dessa indemnização o titular, provando-se que não existiam laços de afecto de espécie alguma entre ele e a vítima.

16ª: Tratando-se de um dano de natureza não patrimonial e afastando a lei a aplicabilidade do regime sucessório que decorria de se considerar que o direito à indemnização pelo dano morte se integrou com a morte na esfera jurídica do de cujus, a indemnização a atribuir deve ser baseada numa ponderação global e equitativa das circunstâncias do caso que resultam da conjugação dos artigos 494º e 496º n.º 3 do CC.

17ª: O entendimento supra exposto foi já defendido no Acordão do STJ de 30.03.2017, proferido no âmbito do Processo n.º 225/14.1T8BRJ.G1, do Exmo. Relator Lopes do Rego, a propósito da natureza do direito em apreço, por interpretação da norma do artigo 496º do CC, em termos de os titulares de toda a indemnização devida por danos não patrimoniais conexionados com a morte da vítima serem necessariamente os sujeitos enunciados nos n.º s 2 e 3, estabelecendo o legislador que tal indemnização, sempre reportada à lesão de bens ou interesses de ordem eminentemente pessoal, deve necessariamente reverter para quem se presume estar numa relação familiar ou afetiva de particular intensidade com o defunto.

18ª: No douto Acordão proferido pelo STJ em 30.04.2015, no âmbito do Processo n.º 1380/13.3T2AVR.C1.S1, do Exmo. Relator Salazar Casa Nova, considerou-se que: “(…) a circunstância de o tribunal fixar pela perda do direito à vida uma verba idêntica para todos os casos em que se está a ressarcir a perda de vida não impõe que essa verba tenha de ser atribuída necessariamente a todos os membros dentro da respetiva categoria de titulares do direito à indemnização a que alude o artigo 496º/2 do Código Civil precisamente, porque essa verba constitui uma entre outras que se integram na fixação do valor global da indemnização a atribuir por danos não patrimoniais. Ora no caso de se demostrar que o titular do direito à indemnização por tais danos não sofreu nenhum desgosto pela perda da morte do familiar o que significa que não teve dano, não se vê razão para lhe arbitrar um montante indemnizatório com base nesse título.

19ª: tendo-se ainda referido neste último Acordão que: «(…) não se trata de considerar que um dos pais é o único membro do grupo “pais e outros ascendentes”, mas antes de excluir a atribuição de indemnização por danos não patrimoniais ao outro progenitor por se ter provado que, dentro do referido grupo, apenas a mãe sofreu danos morais.» - Junta-se em anexo cópia deste último Acórdão.

20ª: No Acórdão acabado de citar, a matéria factual no que concerne à questão suscitada é semelhante à dos presentes autos, na medida em que estamos perante a morte de um filho jovem tendo o Tribunal atribuído a indemnização pela perda do direito à vida, tendo em consideração a relação de afecto existente entre o falecido filho e cada um dos progenitores, vindo, até, a excluir dessa indemnização, o progenitor que não mantinha com o filho quaisquer laços.

21ª: Na situação sub judice, o Recorrente considera que, face a todos os factos dados como provados nos autos, lhe deverá ser atribuída do valor arbitrado - €80.000,00 -, a quantia de €60.000,00 e à mãe o montante de €20.000,00, sendo injusto e irrazoável que se proceda a uma simples operação aritmética igualitária, atribuindo-se igual montante a cada um deles.

22ª: Existe, assim, identidade entre o caso sub judice e o apreciado no Acórdão referido por último, cuja cópia se junta em anexo e constitui o acordão fundamento, devendo considerar-se preenchido o requisito previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 672º do C.P.C. e verificados os pressupostos formais exigidos para o conhecimento e apreciação do vertente Recurso, como Revista Excepcional.

23ª: Considerando a improcedência da Apelação do Recorrente que pretendia a imputação da totalidade da responsabilidade ao segurado da Ré e da questão ora suscitada, tendo o Exmo. Tribunal a quo confirmado a decisão de Primeira Instância quanto à questão da repartição de culpas e dividindo igualitariamente a quantia de €80.000,00, o Recorrente que pretendia receber a este título €60.000,00, viu cair a sua pretensão para o montante de €26.000,00, uma vez que dos €40.000,00 que lhe foram atribuídos, haveria de receber apenas 65%, sendo certo que, por via da dupla conformidade no que tange à questão da repartição de culpas na produção do acidente, o Recorrente virá a receber apenas 65% do valor que lhe venha a ser atribuído.

24ª: Conforme decorre dos autos, o Exmo. Tribunal de Primeira Instância apurou que, a mãe não convivia com o falecido filho desde tenra idade deste, tendo sido por esta razão que não lhe atribuiu qualquer indemnização a título de dano não patrimonial próprio.

25ª: Dando aqui por reproduzido tudo quanto acima se alegou, considera o Recorrente, com o devido respeito por diferente e melhor opinião, que este Supremo Tribunal, face à factualidade provada e, admitindo, ainda assim, que a mãe, apesar de distanciada do filho desde tenra idade deste, possa ter sofrido algum abalo psicológico com a sua morte, mas não em termos de igualdade com o Recorrente, como resulta da experiência da vida e da normalidade das coisas, deverá deferir a sua pretensão, revogando a anterior Decisão, repartindo-se o fixado montante de €80.000,00, não por cálculo aritmético igualitário, mas atendendo ao especial dano causado na esfera jurídica de cada um dos pais, atribuindo desse valor, €60.000,00 ao Recorrente e 20.000,00 à mãe da infeliz vítima.

26ª: Para além da questão supra suscitada em sede de Revista Excecional, o Recorrente pretende, ainda, a reapreciação da questão referente ao valor fixado no Acordão ora posto em crise, a título de dano não patrimonial por si sofrido e a contagem dos respectivos juros de mora.

27ª: O Exmo. Tribunal a quo julgou parcialmente procedente a Apelação da Ré Seguradoras Unidas, S.A., tendo reduzido o valor arbitrado ao Autor/Recorrente a título de dano não patrimonial, de €35.000,00 para €20.000,00.

28ª: O Recorrente considera que este valor se mostra manifestamente abaixo dos valores que vêm sendo fixados pela Jurisprudência em situações análogas, pelo que a referida indemnização se deverá manter no montante fixado pela Primeira Instância.

29ª: Com efeito, conforme decorre da douta sentença proferida em Primeira Instância, o valor arbitrado, além de fixado por equidade, tendo em conta a prova produzida, resultou de atualização, nos termos do artigo 566º n.º 2 do Código Civil, que consagra o critério derivado do confronto da efetiva situação patrimonial do lesado na data mais recente atendível pelo Tribunal e a que teria nessa data, se não tivesse ocorrido o dano, razão pela qual o Tribunal ordenou o pagamento de juros de mora desde a prolação da sentença.

30ª: O acidente de viação em apreço nestes autos ocorreu em Abril de 2007, a ação foi proposta em Dezembro de 2009 e a douta sentença de Primeira Instância foi proferida em Fevereiro de 2018.

31ª: Atento o lapso temporal decorrido desde a data do acidente e a prolação da sentença em primeira instância, ou seja, mais de dez anos, o valor de €35.000,00 já resultante da referida atualização, fixado ao Recorrente a título de dano não patrimonial, é justo e adequado e encontra-se enquadrado com as decisões que vêm sendo proferidas pelos Tribunais Superiores, pelo que deverá se mantido por este Venerando Tribunal.

32ª: Ao julgar procedente a Apelação da Ré, no que concerne à redução do valor deste segmento da indemnização, fixando-a em €20.000,00, o Exmo. Tribunal a quo foi completamente omisso no que respeita à respetiva atualização, não havendo no douto Acordão ora posto em crise qualquer matéria de onde se possa interpretar que o Tribunal da Relação procedeu à atualização do valor, por aplicação dos critérios previstos no artigo 566º n.º 2 do Código Civil, pelo que não o tendo feito, deveria ter ordenado o pagamento dos respetivos juros de mora desde a citação.

33ª: O Acordão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2002 de 9 de Maio assenta na ideia de uma decisão actualizadora da indemnização em razão da inflação no período compreendido entre ela e o momento do evento danoso, decisão que, tendo em conta a motivação daquele Acordão, tem que ter alguma expressão no sentido da utilização, no cálculo da indemnização, do critério da diferença a que se reporta o artigo 566º do Código Civil, designadamente a menção à desvalorização da moeda.

34ª: Nada existindo no douto Acordão de que se recorre, no sentido de ter existido uma actualização do valor, vindo este Venerando Tribunal a manter a referida quantia de €20.000,00, a título de indemnização pelo dano não patrimonial do Recorrente, o que se não espera mas acautela, deverá, neste caso, a Ré ser condenada no pagamento de juros de mora sobre a mesma, desde a citação e não desde a prolação da sentença em Primeira Instância.

35ª: O douto Acordão ora posto em crise violou, por errada interpretação e aplicação, conforme conclusões supra, o disposto, designadamente, nos artigos 496º n.ºs 2 e 3, 566º n.º 2 e 805º n.º 3, todos do Código Civil e ainda, o Acordão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2002 de 9 de Maio

Termos em que, com o vosso douto suprimento, deve:

a) Ser admitido o presente recurso de revista excepcional, nos termos do artigo 672º n.1 als. b) e c) do CPC;

b) O acórdão recorrido ser substituído conforme conclusões supra, fixando-se a repartição do valor arbitrado a título de perda do direito à vida, no montante de €60.000,00 para o recorrente e de €20.000,00 para a interveninete ilídia santos, mais se fixando a indemnização do recorrente a título de dano não patrimonial próprio, no montante de €35.000,00, ou quando assim se não entender, vindo a manter-se o valor de €20.000,00, ser, então, neste caso, fixados os juros de mora desde a citação com o que se fará inteira justiça

 

13. Tendo o recorrente sustentado o recurso em dois argumentos – o interesse social da questão respeitante à repartição da indemnização pelo dano da morte entre os dois progenitores do de cujos –  e a contradição jurisprudencial com o acórdão do STJ de 30.04.2015, a Formação a que alude o art.672º, n.3 do CPC admitiu a revista excecional, com base nesta última hipótese, para que se aferisse da correta aplicação do art.496º, n.2 ao caso concreto.

Justificou-se essa decisão, em síntese, nos seguintes termos:

«Quanto ao interesse social o mesmo não se mostra visível, assomando apenas um interesse individual do recorrente que não reclama, por si, a admissibilidade da revista. Não se mostra efetivamente visível uma situação que justifique a intervenção deste Supremo satisfazendo um interesse geral da sociedade que ultrapasse o que o recorrente procura defender.

Outra é a solução sob a perspetiva da contradição jurisprudencial entre o acórdão recorrido e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.4.15, 1380/13 que é invocado (…)

A situação subjacente a cada um dos arestos não é totalmente sobreponível, tanto mais que nesta ação intervieram ambos os progenitores e na outra ação apenas um deles a quem foi reconhecido o direito de indemnização.

Todavia, existe uma relação de identidade quanto ao núcleo fundamental, na medida em que em ambos os arestos se discutiu, com resultados divergentes, a interpretação do preceituado no n. 2 do art. 496º do CC, na parte em que nele se prevê a atribuição "em conjunto" da indemnização pelo direito à vida aos sujeitos beneficiários da mesma.

Da interpretação desse segmento normativo dependeu, no essencial, a solução que foi dada, a justificar, por esta via, a admissibilidade do recurso de revista. Face ao exposto, admite-se a revista excecional

 

II. ANÁLISE DO RECURSO E FUNDAMENTOS DECISÓRIOS

1. Admissibilidade e objeto do recurso:

O presente recurso foi admitido como revista excecional. Assim, o objeto do recurso é delimitado não apenas pelas conclusões das alegações do recorrente, mas sobretudo pelo âmbito de admissibilidade traçado pelo acórdão da Formação.

Como resulta do acórdão da Formação, a revista foi excecionalmente admitida, à luz da contradição jurisprudencial invocada pelo recorrente, para que fosse reanalisada a aplicação do art.496º, n.2 do Código Civil, no que respeita ao modo de repartição da indemnização pelo dano da morte. É esta, portanto, a questão a analisar no presente recurso.

 

2. Factualidade provada:

A primeira instância deu como provados os seguintes factos (que não foram alterados pela 2ª instância):

«1 - No dia 05 de Abril de 2007, cerca das 22.00 horas, na Estrada Nacional nº 00, ao Km.117,126, do concelho de ..., ocorreu um embate de veículos. (alínea A) dos Factos Assentes)

2 - Foram intervenientes no embate referido no facto anterior o motociclo de matrícula 00-00-CC, marca Honda, modelo NSR 125 R, pertencente e conduzido por DD, e o veículo ligeiro de mercadorias, de matrícula 00-00-HF, pertencente e conduzido por EE.

(alíneas B) [parte inicial] e C) dos Factos Assentes, e resposta a parte do item 1º da Base Instrutória)

3 - O motociclo de matrícula 00-00-CC seguia no sentido ... - ....

(parte final da alínea B) dos Factos Assentes)

4 - O veículo automóvel de matrícula 00-00-HF circulava no sentido ...-.... (resposta a parte do item 1º da Base Instrutória)

5 - No local onde ocorreu o embate a via é composta por duas hemi-faixas de trânsito, reservadas a cada um dos sentidos, existindo, atento o sentido ...-..., um corredor ao centro, correspondente a uma via de abrandamento, junto ao eixo da via, destinada aos veículos que pretendam mudar de direcção à esquerda.

(alínea D) dos Factos Assentes)

6 - Na extremidade da referida via de abrandamento, ou corredor central, existia e existe, marcada no pavimento, sinalização de prescrição absoluta de paragem - STOP.

(alínea E) dos Factos Assentes)

7 - A dita via forma um entroncamento, pelo lado esquerdo, atento o sentido ...-..., com a estrada que dá acesso às freguesias de ... e ....

(alínea F) dos Factos Assentes)

8 - A hemi-faixa direita, atento o sentido de marcha ...-..., tem 3,60 metros de largura e a via de abrandamento tem 2,20 metros, encontrando-se as mesmas delimitadas, entre si, através de uma linha longitudinal descontínua. (alínea G) dos Factos Assentes)

9 - A hemi-faixa por onde seguia o motociclo de matrícula 00-00-CC mede, igualmente, 3,60 metros de largura. (alínea H) dos Factos Assentes)

10 - O eixo da via, ou de separação entre a faixa de abrandamento e a hemi-faixa contrária, por onde seguia o motociclo de matrícula 00-00-CC, encontrava-se delimitado por uma linha longitudinal contínua. (alínea I) dos Factos Assentes)

11 - No sentido de marcha ...-... existe um sinal vertical de marca H7 - passagem para peões, e sinais de pré-sinalização de localidades e uma passadeira para peões, antecedida de bandas cromáticas perpendiculares ao eixo da via.

(artigos 11º e 12º, da contestação da Ré, e artigos 13º e 14º, da contestação do Fundo de Garantia Automóvel)

12 - No local, a via descreve uma recta com mais de cem metros. (alínea J) dos Factos Assentes)

13 - O piso, de asfalto, encontrava-se sem buracos ou irregularidades e estava seco. (alínea L) dos Factos Assentes)

14 - O local do embate é servido por iluminação pública, que, à data do mesmo, se encontrava em funcionamento, beneficiando ainda da iluminação proveniente do posto de abastecimento denominado REPSOL. (resposta ao item 2º da Base Instrutória)

15 - O Condutor do motociclo de matrícula 00-00-CC circulava pela hemi-faixa direita, atento o sentido de marcha ...-.... (resposta ao item 3º da Base Instrutória)

16 - O veículo automóvel de matrícula 00-00-HF seguia animado de uma velocidade não concretamente apurada. (resposta ao item 19º da Base Instrutória)

17 - Pretendendo mudar de direcção à sua esquerda, de forma a passar a progredir pela via conducente a ..., o Condutor do veículo automóvel de matrícula 00-00-HF, cerca de 50 metros antes do entroncamento, ingressou na faixa de abrandamento sita do lado esquerdo da hemi-faixa, atento o seu sentido de marcha, pela qual passou a progredir, à velocidade de não mais de 10/20 quilómetros hora.  (alínea M) dos Factos Assentes, e resposta ao item 20º da Base Instrutória)

18 - Nessa altura, à frente e no mesmo sentido de marcha do veículo automóvel de matrícula 00-00-HF, circulava um outro veículo automóvel ligeiro, cuja matrícula e Condutor não foi possível apurar. (resposta ao item 21º da Base Instrutória)

19 - Essa outra viatura circulava, também, na faixa de abrandamento que permitia o acesso à via conducente a .... (resposta ao item 22º da Base Instrutória)

20 - Quando o motociclo de matrícula 00-00-CC se aproximava do entroncamento, o Condutor do veículo de matrícula desconhecida procedeu a uma manobra de mudança de direcção à esquerda, invadindo a metade esquerda da EN nº 00, atento o sentido ...-.... (resposta ao item 29º da Base Instrutória

21 - Perante esta manobra do veículo automóvel ligeiro cuja matrícula não foi possível apurar, o Condutor do motociclo 00-00-CC desviou-se à sua esquerda e, quando procurava retomar o centro da hemi-faixa de rodagem por onde seguia, foi embater no veículo automóvel de matrícula 00-00-HF, que, entretanto, tinha iniciado também a manobra de mudança de direcção à esquerda. (resposta aos itens 4º e 33º da Base Instrutória, e artigo 17º da contestação do Fundo de Garantia Automóvel)

22 - O Condutor do veículo automóvel de matrícula 00-00-HF efectuou a manobra de mudança de direcção à esquerda de forma enviesada, não tendo dado a sua esquerda ao centro de intersecção das duas vias. (resposta ao item 5º da Base Instrutória)

23 - O embate ocorreu entre a dianteira do motociclo de matrícula 00-00-CC e a frente do veículo automóvel de matrícula 00-00-HF, e dentro da hemi-faixa direita, ainda que próximo do seu limite esquerdo, atento o sentido de marcha do motociclo de matrícula 00-00-CC. (resposta aos itens 6º, 8º e 35º da Base Instrutória)

24 - Após o embate, o veículo automóvel de matrícula 00-00-HF ainda circulou para a sua esquerda, tendo ficado a ocupar totalmente a hemi-faixa direita, atento o sentido de marcha do motociclo de matrícula 00-00-CC. (resposta ao artigo 35º da petição inicial, e ao artigo 50º da contestação da Ré)

25 - O motociclo de matrícula 00-00-CC seguia animado de uma velocidade superior a 50 quilómetros por hora.(resposta do item 25º da Base Instrutória)

26 - O motociclo de matrícula 00-00-CC não reduziu a velocidade à aproximação das bandas cromáticas, da passadeira para peões, e do entroncamento à sua direita, existentes no local do embate. (resposta ao item 26º da Base Instrutória)

27 - O motociclo de matrícula 00-00-CC era visível a cerca de 20/30 metros do entroncamento. (resposta ao item 31º da Base Instrutória)

28 - DD não era titular de habilitação legal para conduzir motociclos. (resposta ao item 28º da Base Instrutória)

29 - No local onde ocorreu o embate, a velocidade permitida é de 50 quilómetros por hora. (resposta ao item 36º da Base Instrutória)

30 - O sinistro ocorreu dentro da localidade de ..., e em local compreendido entre placas indicativas do início e fim de povoação, onde, de um lado e outro da via, eram contínuas as casas de habitação e comércio, e se processava, com carácter habitual, tráfego de pessoas e viaturas. (resposta ao item 37º da Base Instrutória)

31 - Após o embate, o Condutor do veículo automóvel cuja matrícula não foi possível apurar não parou, tendo prosseguido a sua marcha. (resposta ao item 38º da Base Instrutória)

32 - Por força e em consequência do embate, o Condutor do motociclo de matrícula 00-00-CC e CC (aqui 2ª Interveniente Principal), passageira nele transportada, foram projectados 19,50 metros e 44,60 metros, respectivamente, vindo a ficar caídos na berma direita, atento o sentido de marcha do motociclo. (resposta ao item 7º da Base Instrutória)

33 - Em consequência do embate, o DD sofreu lesões, que lhe provocaram a morte. (alínea N) dos Factos Assentes, e resposta à 1ª parte, do item 12º, da Base Instrutória)

34 - O DD nasceu no dia 00 de … de 1983, e era filho de AA (aqui Autor) e de BB (aqui 1ª Interveniente Principal), conforme documentos de fls. 24 a 31 (cujo teor se dá por integralmente reproduzido). (alínea O) dos Factos Assentes)

35 - O Autor (AA) mantinha com o filho DD uma relação de proximidade afectiva, convivendo ambos com alguma regularidade em família. (resposta ao item 10º da Base Instrutória)

36 - O convívio referido no facto anterior estendia-se a todos os Irmãos de DD. (resposta ao item 11º da Base Instrutória)

37 - Em consequência da morte do Filho, o Autor (AA) sofreu forte abalo psíquico e angústia. (resposta ao artigo 58º da petição inicial)

38 - DD não vivia com a Mãe (BB) desde tenra idade, não mantendo com a mesma qualquer relacionamento. (resposta aos artigos 4º e 5º do articulado da 1ª Interveniente Principal)

39 - Em consequência do embate, o motociclo de matrícula 00-00-CC sofreu danos na pintura, na chaparia e nos órgãos eléctricos e mecânicos, nas partes laterais, frontal e traseira, os quais, pela sua extensão, determinaram a perda total da viatura. (resposta ao item 14º da Base Instrutória)

40 - À data do embate, o motociclo de matrícula 00-00-CC tinha um valor de mercado nunca inferior a € 800,00 (oitocentos euros, e zero cêntimos). (resposta ao item 16º da Base Instrutória)

41 - Devido ao embate, ficaram danificadas as peças de vestuário e de calçado que DD usava, nomeadamente, umas calças e um casaco de algodão, em valor não inferior a € 100,00 (cem euros, e zero cêntimos). (resposta ao item 17º da Base Instrutória)

42 - A 2ª Interveniente Principal (CC) seguia como passageira do motociclo 00-00-CC, no lugar de pendura. (alínea Q) dos Factos Assentes)

43 - Em consequência do embate, a 2ª Interveniente Principal (CC) sofreu traumatismo craniano, com hemorragia subaracnoideia, hemopneumotórax com contusão pulmonar, fractura da bacia, fractura da apófise transversa de L1 torácico e fractura da perna esquerda. (resposta ao item 44º da Base Instrutória)

44 - Após o embate, a 2ª Interveniente Principal (CC) foi transportada do local para o Centro de Saúde de ..., onde lhe foram prestados os primeiros cuidados médicos. (alínea R) dos Factos Assentes)

45 - Após, a 2ª Interveniente Principal (CC) foi transferida para o Hospital de ..., em .... (alínea S) dos Factos Assentes)

46 - A 2ª Interveniente Principal (CC) esteve internada no Hospital de ..., em ..., desde o dia 06 de Abril de 2007 até ao dia 24 de Abril de 2007, tendo estado em coma. (resposta ao item 45º da Base Instrutória)

47 - No Hospital de ..., em ..., a 2ª Interveniente Principal (CC) foi submetida a tratamentos e a exames complementares de diagnóstico. (resposta ao item 46º da Base Instrutória)

48 - No dia 24 de Abril de 2007, a 2ª Interveniente Principal (CC) foi transferida do Hospital de ... (...) para o Hospital de ..., onde esteve internada até ao dia 25 do mesmo mês. (resposta ao item 47º da Base Instrutória)

49 - No dia 25 de Abril de 2007, foi dada alta hospitalar à 2ª Interveniente Principal (CC) para o domicílio (alta melhorada), e a mesma regressou a sua casa. (resposta ao item 48º da Base Instrutória)

50 - A 2ª Interveniente Principal (CC) passou então a consulta externa no Hospital de ..., em ..., e no Hospital de .... (resposta ao item 49º da Base Instrutória)

51 - A data da consolidação médico-legal das lesões sofridas pela 2ª Interveniente Principal (CC) é fixável em 05 de Abril de 2008. (resposta ao item 50º da Base Instrutória)

52 - Em consequência do embate e das lesões sofridas, a 2ª Interveniente Principal (CC) apresenta dores no ombro direito e bacia, dores lombares ligeiras, e diminuição da acuidade auditiva à direita. (resposta ao item 51º da Base Instrutória)

53 - Em consequência do embate e das lesões sofridas, a 2ª Interveniente Principal (CC) apresenta cicatriz de escoriação abrasiva com 17 cm x 6 cm na região lombar direita. (resposta ao item 52º da Base Instrutória)

54 - A partir do embate, a 2ª Interveniente Principal (CC) tornou-se mais reservada, menos comunicativa, com dificuldade de integração social, e revela ansiedade e dificuldades de memória. (resposta ao item 53º da Base Instrutória)

55 - Até à data do embate, a 2ª Interveniente Principal (CC) CC não sofria de qualquer incapacidade física. (resposta ao item 54º da Base Instrutória)

56 - Em consequência do embate, a 2ª Interveniente Principal (CC) sofreu um quantum doloris de 4/7, e ficou a padecer de um dano estético de 1/7 e de um défice permanente da integridade físico-psíquica fixável em 24 pontos, sendo as sequelas de que padece compatíveis com o exercício da actividade profissional habitual mas implicando esforços acrescido. (resposta ao item 55º da Base Instrutória)

57 - Em consequência do embate, a 2ª Interveniente Principal (CC) danificou umas sapatilhas no valor de € 60,00 (sessenta euros, e zero cêntimos), um casaco de lã no valor de € 30,00 (trinta euros, e zero cêntimos), uma camisola no valor de €20,00 (vinte euros, e zero cêntimos), umas calças no valor de € 50,00 (cinquenta euros, e zero cêntimos), um relógio no valor de € 20,00 (vinte euros, e zero cêntimos), e um anel de prata no valor de € 20,00 (vinte euros, e zero cêntimos). (resposta ao item 56º da Base Instrutória)

58 - Em deslocações para as consultas externas realizadas em ... e em ..., a 2ª Interveniente Principal (CC) despendeu quantia não inferior a € 350,00 (sessenta euros, e zero cêntimos). (resposta ao item 57º da Base Instrutória)

59 - A 2ª Interveniente Principal (CC), por força do embate e das lesões sofridas, esteve sem poder trabalhar desde a data do embate até 05 de Abril de 2008. (resposta ao item 58º da Base Instrutória)

60 - À data do embate, a 2ª Interveniente Principal (CC) encontrava-se desempregada e auferia o respectivo subsídio de desemprego. (resposta ao item 59º da Base Instrutória)

61 - Ainda por força do embate, em medicamentos, taxas moderadoras e consultas médicas, a 2ª Interveniente Principal (CC) despendeu a quantia global de € 263,21 (duzentos e sessenta e três euros, e vinte e um cêntimos). (resposta ao item 60º da Base Instrutória)

62 - A 2ª Interveniente Principal (CC) nasceu no dia 00 de … de 1981, conforme documento de fls. 170 a 172 (cujo teor se dá por integralmente reproduzido). (alínea T) dos Factos Assentes)

63 - Foi transferida para Seguradoras Unidas, S.A. (aqui Ré) a responsabilidade por acidentes de viação causados pelo veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de matrícula 00-00-HF, através do contrato de seguro titulado pela apólice nº 0900194861, válida e eficaz à data do sinistro. (alínea P) dos Factos Assentes)

64 - À data do embate, o motociclo de matrícula 00-00-CC não dispunha de seguro válido e eficaz. (resposta ao artigo 63º do articulado da 2ª Interveniente Principal). 

 

3. O direito aplicável:

3.1. O autor/recorrente, na sua petição inicial, pediu, no que respeita ao dano da morte do seu filho [DD], que lhe fosse atribuída metade da indemnização respeitante a essa categoria de dano. A outra metade caberia à mãe do seu filho – a interveniente principal BB –, cuja intervenção requereu (vindo esta interveniente a subscrever idêntico entendimento quanto à repartição da indemnização respeitante àquele dano).

A primeira instância assim decidiu, atribuindo metade da indemnização do dano da morte a cada um dos progenitores do falecido DD.

Entendendo que, segundo critérios de equidade, o valor do dano da morte devia ser de 80.000 Euros e [considerando que o acidentado tinha contribuído com 35% de culpa] condenou a ré Seguradora a pagar 65% desse valor, dividido em partes iguais entre os progenitores da vítima, devendo receber cada um 26.000 Euros.

 

3.2. No recurso de apelação, o autor mudou de ideias, e alterou o pedido. Passou a entender que lhe devia ser atribuída a percentagem de 75% da indemnização pelo dano da morte do seu filho, cabendo apenas 25% à mãe deste.

Defendeu tal entendimento, alegando existir entre ele e o seu filho uma relação de convívio e afetividade que não existia entre este e a sua mãe [a interveniente principal BB].

Embora o autor/recorrente tenha procedido à alteração do pedido na apelação, aumentando o valor da parcela correspondente à indemnização pelo dano da morte (sem ter diminuído o valor de qualquer outra parcela), o que, em sede de recurso, não podia acontecer sem o acordo das partes implicadas (nos termos dos artigos 264º e 265º do CPC), tal não impediu a segunda instância de se pronunciar sobre a pretensão do recorrente, ou seja, a de saber se, no caso concreto, com base no art.496º, n.2, a indemnização podia ser repartida segundo as percentagens por ele pretendidas. E acabou por ser também esta a questão que justificou a admissibilidade da revista excecional.

Cabe, portanto, reanalisar o modo como o acórdão recorrido aplicou o art.496º, n.2 do CC, tendo em conta a factualidade provada no caso concreto.

 

3.3. O acórdão recorrido interpretou o art.496º, n.2 do CC nos seguintes termos:

«(…) esta atribuição “em conjunto” pressupõe que seja exclusivamente feita por meio de uma repartição aritmeticamente igualitária, já que a lei não consagrou quaisquer outros critérios de atribuição, nomeadamente fundados na efectiva repercussão daquele dano morte na concreta pessoa dos beneficiários da respectiva indemnização (juízo a realizar apenas na atribuição da indemnização que lhes caiba por danos não patrimoniais próprios).»

Não está minimamente posto em causa, nos presentes autos, o entendimento de que a indemnização pelo dano da morte tem um tratamento próprio, não sendo qualificável como um montante conferido aos familiares da vítima por via sucessória.

Também não está em discussão o montante global da indemnização pelo dano da morte, nem o modo como a repartição de culpas [35% para a vítima e 65% para o segurado da ré] se projetou no cálculo do valor final a pagar pela ré aos progenitores da vítima.

Há, apenas, que saber se esse valor deve ser pago aos progenitores em partes iguais ou se deve ser repartido segundo a pretensão do recorrente [75% para ele e 25% para a mãe da vítima].

 

3.4. Vejamos a factualidade provada (que a este tribunal não cabe alterar, como estabelece o art.682º do CPC). Os únicos factos provados que respeitam à relação entre o DD e os seus familiares são os seguintes:

«35 - O Autor (AA) mantinha com o filho DD uma relação de proximidade afectiva, convivendo ambos com alguma regularidade em família. (resposta ao item 10º da Base Instrutória)

36 - O convívio referido no facto anterior estendia-se a todos os Irmãos de DD. (resposta ao item 11º da Base Instrutória)

37 - Em consequência da morte do Filho, o Autor (AA) sofreu forte abalo psíquico e angústia. (resposta ao artigo 58º da petição inicial)

38 - DD não vivia com a Mãe (BB) desde tenra idade, não mantendo com a mesma qualquer relacionamento. (resposta aos artigos 4º e 5º do articulado da 1ª Interveniente Principal)».

 

Neste quadro factual, pretende o recorrente que lhe seja atribuída 75% da indemnização pelo dano da morte (e 25% à progenitora), “tendo em conta a relação de proximidade, convivência e afeto, mantida por cada um deles com o falecido filho” (como se lê nas suas alegações).

Ora, facilmente se concluiu que a matéria de facto é manifestamente insuficiente (ou mesmo deficiente) para se equacionar o critério de repartição do montante indemnizatório pretendido pelo recorrente.

Deu-se como provado [no ponto 38] que o DD não vivia com a mãe “desde tenra idade”. Trata-se de uma expressão vaga, de sentido essencialmente conclusivo, que, em termos de linguagem comum, tanto pode corresponder aos primeiros meses de vida, aos primeiros anos, ou até à adolescência.

Apenas num contexto informativo mais densificado se poderia perceber qual a concreta idade da pessoa em causa, quando deixou de viver com a mãe. Todavia, a restante matéria provada é inócua para permitir extrair essa informação.

Por outro lado, não é possível saber se o DD alguma vez viveu com o pai.

Da factualidade provada [ponto 35] resulta apenas que o autor “mantinha com o filho uma relação de proximidade afetiva, convivendo ambos com regularidade em família”. Convívio esse que abrangia também os irmãos do DD [ponto 36].

Por outro lado, deu-se como provado que o DD “não mantinha com a mãe qualquer relacionamento”. Tal facto não se encontra, porém, temporalmente contextualizado. Não é possível saber desde quando não existia relacionamento. Acresce que, apesar de não existir um relacionamento socialmente percetível, não significa que não pudesse existir afetividade entre mãe e filho, e que a mãe não tivesse sofrido com a morte do filho.

3.5. Em geral, ainda que a relação entre progenitores e um filho (que vem a falecer) não seja aquela que o legislador pudesse ter abstratamente idealizado, na dúvida sobre os diferentes níveis de intensidade dessas relações, a expressão “em conjunto”, usada pelo art.496º, n.2, deve entender-se como referindo-se a uma repartição igualitária entre os progenitores. Até porque medir a intensidade de relações afetivas entre os sujeitos para daí fazer depender a atribuição de diferentes montantes indemnizatórios não é, certamente, uma tarefa fácil e que conduza a resultados cientificamente inquestionáveis.Não sendo de excluir, em termos abstratos, que a expressão “em conjunto” possa permitir uma repartição do montante indemnizatório, entre os diversos membros de uma categoria de beneficiários, que não seja aritmeticamente igualitária, certo é que no caso concreto, a insuficiência de elementos probatórios não permite questionar a repartição feita pelo acórdão recorrido.

Deste modo, nem há que desenvolver mais argumentos para excluir a tese do recorrente, pois não cabe à jurisprudência o desenvolvimento de interpretações e construções dogmáticas que, por não se encontrarem suportadas pela necessária base factual, seriam inúteis para a solução do caso concreto.

 

3.6. A invocação da alegada oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão do STJ, de 30.04.2015 (proc. n.1380/13)[1], que justificou a admissibilidade da revista excecional, não fornece um critério que, no presente caso, permitisse uma interpretação do art.496º, n.2 do CC diferente daquela que foi feita pelo acórdão em revista.

No referido acórdão do STJ não se tratou de repartir a indemnização entre progenitores de modo diferente, mas sim de excluir um deles da categoria de beneficiários da indemnização pelo dano da morte.

Na factualidade subjacente a tal acórdão provou-se: que o jovem de 19 anos de idade, filho da autora, com esta tinha vivido desde que nasceu até à data do acidente; que o pai o tinha abandonado, nunca mais tendo dado notícias, nem se sabendo do seu paradeiro; tendo sido sempre a mãe quem exerceu as funções de pai e mãe; e que foi, por sentença proferida por um tribunal da Ucrânia, decretada a inibição do exercício do poder paternal relativamente ao pai do falecido. Consequentemente, decidiu-se: “o Tribunal, ponderando tais circunstâncias, pode atribuir à progenitora a totalidade da indemnização por danos não patrimoniais nesta se incluindo a parcela respeitante à perda do direito à vida”.

No caso dos presentes autos não se encontra alegada nem provada a existência de qualquer situação de abandono, conflito ou hostilidade entre a mãe e o filho que pudesse questionar a aplicação do critério igualitário que emerge, pelo menos como regra, do art.496º, n.2, e que foi seguido pelo acórdão recorrido.

 

3.7. Para além da questão cujo conhecimento justificou a admissibilidade da revista excecional, o recorrente veio ainda pedir revista quanto a dois pontos: o valor da compensação que lhe foi atribuída pelos danos morais próprios, e o momento da contagem dos juros respeitantes aos danos não patrimoniais (entendendo que devia ser a data da citação e não a da sentença). Como supra referido, tratando-se de uma revista excecional, estas duas questões não integram o objeto da revista, porque não foi o seu conhecimento que justificou a admissão do recurso. 

Todavia, ainda que assim não se entendesse, nenhuma razão assistiria ao recorrente em ver alterado o que se decidiu no acórdão recorrido quanto a tais questões.

Quanto ao valor do dano moral (que a segunda instância fixou em 20.000 Euros), trata-se de um valor calculado segundo critérios de equidade, que corresponde aos valores que têm sido considerados, pela jurisprudência do STJ, como ajustados em casos equiparáveis. Vejam-se, por exemplo, os acórdãos em que a decisão recorrida se baseou:

 

- Ac. do STJ, de 18.06.2015, (relatora Fernanda Isabel Pereira), Proc. n. 2567/09.9TBABF.E1.S1, que concedeu indemnização por danos não patrimoniais, no valor de € 20.000,00, pelo sofrimento dos pais com a morte de um filho de 20 anos de idade, solteiro, com quem vivam, juntamente com uma outra filha, e que foi embatido na sua faixa de rodagem por um veículo que se pôs em fuga”;

- Ac. do STJ, de 11.02.2015, (relator Hélder Roque), Proc. n. 6301/13.0TBMTS.S1 - concedeu indemnização por danos não patrimoniais de € 20.000,00, pelo sofrimento dos pais com a morte de um filho de 31 anos de idade.

Quanto ao momento em que se deve iniciar a contagem dos juros de mora, respeitantes a indemnizações por danos não patrimoniais, o critério aplicável sempre seria o que resulta do art.566º, n.2 do CC, como entendeu o acórdão recorrido, e como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência, porque está em causa responsabilidade extracontratual por factos ilícitos [e não responsabilidade contratual, pelo que não teria aplicação o art.805º, n.3 do CC, como o recorrente parece defender].

 

 

Em resumo, deve concluir-se que o acórdão recorrido não merece censura ao repartir o montante do dano da morte de modo igual entre os dois progenitores da vítima.

 

 

DECISÃO: Pelo exposto, nega-se a revista, mantendo-se a decisão recorrida.

 

Custas na revista: pelo recorrente (exceto se continuar a beneficiar do apoio judiciário).

 

Lisboa, 19 de maio de 2020

 

Maria Olinda Garcia – Relatora

Ricardo Costa

Raimundo Queirós (vencido nos termos da declaração de voto que junto)

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).

 


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Supremo Tribunal de Justiça

PROC. N.° 572/09.4TBVLN.G1.S1-6a Secção.

O Autor/Recorrente pretende que lhe seja atribuída 75% da indemnização pelo dano da morte (perda do direito à vida) e 25% à progenitora, tendo em conta a diferente relação de proximidade, convivência e afecto, mantida por cada um dos progenitores com o falecido filho.

No acórdão, ora proferido, concluiu-se que a matéria de facto é “manifestamente insuficiente (ou mesmo deficiente) para se equacionar o critério de repartição do montante indemnizatório pretendido pelo recorrente”.

Discordo da decisão, pois entendo que, na factualidade provada, existem elementos suficientes que permitem e justificam diferenciar a indemnização entre os progenitores. Com efeito, resulta do facto 35 que o “Autor (AA) mantinha com o filho DD uma relação de proximidade afectiva, convivendo ambos com alguma regularidade em família”.

Por sua vez no facto 37, ficou provado que, “Em consequência da morte do Filho, o Autor (AA) sofreu forte abalo psíquico e angústia”.

Ao invés, porém, relativamente à progenitora, ficou provado (facto 38) que “DD não vivia com a Mãe (BB) desde tenra idade, não mantendo com a mesma qualquer relacionamento”. E nem sequer ficou provado que, em consequência da morte do filho, a progenitora tenha sofrido abalo psíquico ou angústia.

Neste contexto factual é manifesta a diferenciação entre os progenitores relativamente ao relacionamento com o falecido filho, ao nível da proximidade, convivência e das relações de afecto.

Assim, decidiria pela atribuição da indemnização do dano da morte na percentagem de 75% para o progenitor e 25% para a progenitora.

O Juiz Adjunto

Raimundo Queirós

 



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[1] http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/4ba83b4defe7004980257e3700553572?OpenDocument

 

 

Descritores:
 Responsabilidade extracontratual; Acidente de viação; Dano morte; Direito à indemnização; Titularidade; Interpretação da lei; Revista excepcional; Revista excecional; Oposição de julgados; Objecto do recurso; Objeto do recurso