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ECLI:PT:STJ:2020:6102.12.3TBVFR.P1.S1

Relator: Olindo Geraldes

Descritores: Responsabilidade extracontratual; Acidente de viação; Danos futuros; Cálculo da indemnização; Equidade; Retribuição líquida; Danos patrimoniais; Questão relevante; Poderes do Supremo Tribunal de Justiça; Perda da capacidade de ganho; Princípio da diferença

Processo: 6102/12.3TBVFR.P1.S1

Data do Acordão: 20/02/2020

Votação: Unanimidade

Texto Integral: S

Meio Processual: Revista

Decisão: Negadas as revistas

Indicações eventuais: Transitado em julgado

Área Temática: 7ª Secção (Cível)

Sumário

I.    Por efeito da aplicação do critério da equidade, o valor da indemnização, pelo dano futuro, dificilmente corresponde à aplicação do resultado de fórmula matemática, por necessidade de ser temperado pela equidade, de modo a encontrar a justa indemnização.
II.    Por isso, ainda que se admita, no cálculo da indemnização, a consideração da remuneração mensal líquida, a questão não é relevante, por o cálculo estar também dependente da aplicação do critério da equidade.
III.    Na fixação da indemização por perda de rendimento, deve atender-se à situação patrimonial do lesado à data do acidente, nomeadamente quanto rendimento mensal proveniente de atividade profissional.

 

Decisão Texto Parcial

Não disponível.

Decisão Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

 

 

I – RELATÓRIO

 

AA instaurou, em 1 de dezembro de 2012, no então 3.º Juízo Cível da Comarca de … (Juízo Central Cível de …, comarca de …), contra BES – Companhia de Seguros, S.A. (que, entretanto passou a denominar-se GNB – Companhia de Seguros, S.A.), ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, pedindo que a R. fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 541.111,84, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento, e ainda do que se viesse a liquidar referente a danos patrimoniais e não patrimoniais.

Para tanto, alegou em síntese, que em consequência do acidente de viação, ocorrido no dia 6 de dezembreo de 2009, na EN n.º 1, ao km 285,200, em …, …, no qual foram intervenientes os veículos ligeiro de passageiros, matrícula ...-...-DS, cujo condutor foi o único responsável, e o ligeiro de mercadorias, matrícula ...-AJ-..., propriedade do A. e por si conduzido, sofreu danos materiais e não patrimoniais.

Contestou a R., por impugnação, devolvendo a culpa do acidente ao A., que conduzia em estado de embriaguez, e concluindo pela improcedência da ação. Em reconvenção, pediu que o A. fosse condenado a pagar-lhe a quantia de € 4.735,00, acrescida dos juros de mora legais, desde a notificação do A. até efetivo e integral pagamento, por danos pagos ao A.

Replicou o A., impugnando a reconvenção.

Foi organizada a base instrutória, que sofreu alteração, a reclamação do A.

Em 10 de novembro de 2017, o A. veio ampliar o pedido em mais € 211.144,84.

Durante a sessão da audiência de julgamento de 13 de novembro de 2017, A. e R. acordaram em repartir equitativamente a responsabilidade do acidente, à razão de 50 % por cada um.

Depois, realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida, em 26 de junho de 2018, sentença, que, julgando a ação parcialmente procedente, condenou a R. a pagar ao A. a quantia de € 293.231,04, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal desde a citação (10.12.2012), sobre a quantia de € 201.619,00, e desde 31.10.2017, sobre a quantia de € 91.612,04; a pagar metade dos valores que o A. vier a despender com ajudas médicas e medicamentosas ou tratamentos/cirurgias, para tratamento das sequelas decorrentes do acidente; e a pagar a quantia de € 37.500,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros desde a data da sentença até efetivo e integral pagamento.

Inconformada, a R. apelou para o Tribunal da Relação do Porto, que, por acórdão de 15 de janeiro de 2019, julgando parcialmente procedente o recurso, condenou a R. a pagar a quantia de € 66.591,72 (rendimento deixado de auferir), acrescida de juros a contar da citação, sobre a quantia de € 42 281,46, mantendo a sentença no demais.

 

Ainda inconformada, a R. interpôs recurso de revista, que não foi admitido, e recurso de revista excecional e, tendo alegado, formulou essencialmente as conclusões:

 

  1. A decisão, quanto ao cálculo do dano patrimonial futuro, está em contradição  com o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11.06.2015, processo n.º 3/12.2TBMLG.G1, nos termos do qual deve ser considerado o salário líquido recebido pelo lesado.
  2. No cálculo da indemnização tem de atender-se ao montante líquido do salário percebido pelo lesado, entendimento que decorre da aplicação da teoria da diferença consagrada no art. 566.º, n.º 2, do Código Civil.
  3. Esta é a solução que melhor alcança os princípios que norteiam a obrigação de indemnização, porquanto e caso assim não fosse estar-se-ia a atribuir ao lesado uma indemnização superior ao lucro que efetivamente auferiria caso não fosse o evento lesivo, o que se traduziria num enriquecimento ilegítimo e injustificado.
  4. O montante da indemnização a alcançar é de € 63.000,00 ou € 100.000,00.
  5. No acórdão recorrido fez-se menos acertada interpretação dos factos e errada aplicação da lei, designadamente dos arts. 562.º, 564.º e 566.º, todos do Código Civil.

 

Contra-alegou o Autor, pugnando pela confirmação da decisão recorrida.

 

O Autor interpôs recurso subordinado e, tendo alegado, formulou as conclusões:

 

  1. No cálculo da indemnização pelos danos patrimoniais resultantes da perda aquisitiva passada e futura, deverá o tribunal atender ao rendimento médio auferido nos últimos três anos anteriores ao acidente, tal como consta dos pontos 28 e 29 da matéria de facto.
  2. O período em análise compreende 2007, 2008 e 2009, pelo que é facto notório que nesse triénio conviveram na economia portuguesa dois ciclos, por um lado uma pujante atividade económica em 2007 e, por outro, uma forte retração económica em 2008 e 2009.
  3. Essa realidade macroeconómica deveria ter sido considerada pelo tribunal recorrido.
  4. A decisão do tribunal da primeira instância é a solução mais justa, mais equitativa e que melhor se coaduna com a realidade factual.
  5. O tribunal recorrido, ao atender apenas ao último ano anterior ao acidente, não retrata, nem de longe, nem de perto, a real situação económica do lesado.
  6. A decisão em crise constitui uma violação do disposto nos artigos 562.º, 564.º e 566.º, n.º 2, do Código Civil.

 

Por acórdão da Formação a que alude o art. 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), de 6 de janeiro de 2020, foi admitida a revista excecional da Ré.

 

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Nos recursos, discute-se o valor da indemnização, por dano patrimonial passado e futuro.

 

II – FUNDAMENTAÇÃO

 

2.1. No acórdão recorrido, foram dados como provados, designadamente, os seguintes factos:

 

  1. No dia 6 de dezembro de 2009, pelas 5:40 horas, na Estrada Nacional n.º 1, ao km 285,200, na localidade de …, em …, ocorreu um acidente de viação.
  2. Nele foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros, matrícula ...-...-DS, marca Toyota, modelo Corolla, propriedade de BB, conduzido por CC, e o veículo ligeiro de mercadorias, marca Citroen, modelo C4, matrícula ...-AJ-..., propriedade do A. e por si conduzido.
  3.  O local em que ocorreu o acidente caracteriza-se por ser uma reta com mais de 300 metros de comprimento, de boa visibilidade e piso betuminoso, sendo bom o estado de conservação e aderência do piso, pese embora estivesse molhado em face da chuva intensa estava àquela hora.
  4. A referida artéria tinha 10,30 metros de largura, sendo constituída por dois corredores de circulação, delimitados ao centro por uma linha longitudinal contínua, designadamente ao km 285,200, estando cada um afeto ao seu sentido de marcha.
  5. A velocidade máxima permitida é de 50 km horários.
  6. Nesse local, a faixa de rodagem é ladeada nas extremidades por passeios e casas de habitação, sendo bem iluminada.
  7. Momentos antes do acidente, o A. encontrava-se a circular pela referida E.N., no sentido sul/norte, S… /P… .
  8. Nesse momento, em sentido contrário, transitava o veículo DS.
  9. O proprietário do veículo DS, através de contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel titulado pela apólice n.º 1…1, transferiu a sua responsabilidade civil emergente da circulação do veículo para a R.
  10. A R., através de carta enviada ao A., de 17.02.2010, referiu que “(...) entendemos que a responsabilidade pelo sinistro é imputável aos veículos intervenientes no acidente em análise, pelo que a responsabilidade pela sua produção será repartida pelos mesmos na proporção de 50 %.”.
  11. A R. liquidou parcialmente o valor dos danos materiais sofridos pelo veículo AJ.
  12. Como consequência direta e necessária do acidente, o A. sofreu danos materiais e corporais.
  13. O veículo AJ sofreu danos materiais, designadamente no revestimento do pára-choques, friso, grelha ventiladora, amortecedor do pára-choques, reforço do pára-choques, farol completo com pisca incluído esquerdo e direito, guarda-lamas, suporte do radiador, capot, suporte transversal, reforço da cave da roda, suporte da cave da roda, pára-brisas colorido, frisos, airbag condutor, passageiro, cadeira e tejadilho, cintos de segurança, cobertura do pára-choques.
  14. Perfazendo essa estimativa, sem desmontagem, um total de € 9 159,64, e sendo necessários cerca de oito dias úteis para se proceder à reparação.
  15. Tal estimativa teria um incremento previsível de 20 % após a desmontagem.
  16. A peritagem condicional teve lugar no dia 15.03.2010.
  17. Os técnicos da Luso-Roux, S.A., concluíram ainda que o valor comercial do veículo AJ seria de € 10 000,00 e o valor do salvado € 1 250,00.
  18. Em face dessa avaliação, concluíram os técnicos que, do ponto de vista técnico e económico, não deveria ser processada a indemnização com base no valor apurado para a reparação (ainda sem desmontagem).
  19. Considerando quer o valor venal do veículo, quer o valor médio dos salvados, foi decidido considerar o veículo como “perda total”.
  20. Propondo-se proceder à regularização deste dano tendo por base o disposto no artigo 41.º do DL n.º 291/2007, de 21 de agosto, nomeadamente o seu n.º 3.
  21.  O A. foi informado dessa conclusão, tendo-a aceitado, motivo pelo qual veio a aceitar ser ressarcido da quantia de € 4 375,00, pela indemnização da perda total do veículo, considerando a posição assumida pela R. quanto à responsabilidade pelo acidente.
  22. Quantia paga pela R. ao A. no dia 25.03.2010.
  23. Após o embate, o A. foi transportado para o Hospital de São Sebastião, E.P.E., em …, onde foi assistido.
  24. Os condutores dos veículos que intervieram no acidente vieram a ser submetidos ao exame de álcool no sangue, tendo o condutor do veículo DS acusado uma taxa de 0,61g/l.
  25. Correu termos no 2.º Juízo Criminal do Tribunal da Comarca de …, sob n.º 174/10.2…, processo crime em que era arguido o A., imputando-se-lhe o cometimento de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, e tendo sido proferida sentença, transitada em julgado, que o absolveu desse crime e o condenou como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º l, do Código Penal, na pena de 65 dias de multa, à taxa diária de € 8,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de três meses.
  26. Nessa sentença, veio a ser considerada provada a seguinte matéria de facto:

1- No dia 6 de Dezembro de 2009, pelas 05h40, o arguido circulava na EN 1, ao km 285, em Lourosa, área desta comarca, sentido …-…, conduzindo o veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula ...-AJ-...;

2 - Em sentido contrário, seguia CC, tripulando o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ...-...-DS, transportando como passageiro DD.

3 - Nessas circunstâncias de tempo e lugar e de modo que em concreto não se logrou apurar, quando se cruzaram, ambos os veículos colidiram frontalmente.

4 - No seguimento do embate, o arguido, o CC e o DD ficaram feridos, tendo sido transportados ao hospital desta cidade.

5 - Nessa ocasião, submetido que foi a teste de pesquisa de álcool no sangue, AA acusou uma T.A.S. de 1,20 g/L

(...)

8 - Com o embate, o veículo automóvel do arguido recuou e destruiu o muro de vedação que se encontrava na berma da estrada, no sentido de marcha que este circulava.

(...)

10 - O condutor do veículo de matrícula ...-...-DS, conduzia com uma taxa de alcoolemia de 0,61 g/l.

(...)

12 - As companhias de seguro do veículo do arguido e do veículo de matrícula "...-...-DS" concluíram nos seus processos de averiguação que ambos os condutores terão contribuído para a produção do sinistro, tendo a responsabilidade civil decorrente do mesmo sido repartida em 50%-50%.

(...)

17 - No local do acidente, o piso era em alcatrão encontrava-se em bom estado de conservação e molhado à hora do evento, devido à chuva intensa que se fazia sentir.

18 - 0 local caracteriza-se numa reta longa com boa visibilidade,

19 - A via tem dois sentidos de marcha, com cerca de 10,30 metros de largura, ladeada por residências e tem iluminação pública.

20- O limite de velocidade é de 50 km/hora. (...).

 

  1. Em consequência do acidente, o Autor apresentava as seguintes lesões:- traumatismo crânio-encefálico sem coma, mas com perda de conhecimento; - fraturas de costelas bilateralmente; - fratura da cabeça do fémur com protrusão endopélvica; - fratura da anca esquerda; - diversos hematomas nos membros inferiores e tórax.
  2. No Hospital de S. Sebastião foi efetuada tração esquelética à tíbia esquerda em face da fratura-luxação da anca esquerda.
  3. Tendo sido transferido imediatamente para o HPP - Hospitais Privados de Portugal, S.A., sito …, por vontade do A., e aí foi operado ao fémur com fixação por parafusos.
  4. Na sequência dessa intervenção cirúrgica e da medicação que teve necessidade de ingerir, o A. teve uma colite ulcerosa.
  5. Esta provocou-lhe múltiplos distúrbios ao nível intestinal, tendo que ir à casa de banho várias vezes por dia e perdendo grandes quantidades de sangue pelas fezes.
  6. A gravidade e extensão dessa sequela veio a ser confirmada após a realização de uma colonoscopia em março de 2010.
  7. Pese embora já tivesse andado sem recurso a ajudas técnicas, o A. apenas caminha com apoio numa canadiana (à direita).
  8. O A. não conduz e não consegue estar sentado mais de quinze minutos por ter dores intensas na bacia e na anca.
  9. O A.r realizou diversos exames radiológicos.
  10. Pela análise de um RX, efetuado em março de 2011, foram detetados sinais de necrose avascular da cabeça do fémur com achatamento e colapso da mesma cabeça femural.
  11. Apresentava igualmente a anca esquerda rígida na abdução em flexão.
  12. Rotação interna 0.º e rotação externa de 10.° e flexo de 5.o até uma flexão de apenas 30.º com dor.
  13. Por esse facto foi sujeito a nova intervenção cirúrgica no dia 16.05.2011, por necessidade de prótese total da anca (PTA) à esquerda sem cimento.
  14. Em 18.05.2012 foi efetuado novo RX onde se observava PTA não cimentada com alguma protrusão endopélvica.
  15. O A. continua impossibilitado de exercer a sua atividade profissional desde a data do acidente até, pelo menos, 13.11.2017.
  16. O A. tem muito sono em consequência da medicação que toma diariamente.
  17. Após o acidente, o A. engordou mais de 26 kg.
  18. Através de uma colonoscopia, efetuada em maio de 2012, pode observar-se que o A. tem “...ulceração e friabilidade até à transição do sigmóide descendente. Colite ulcerosa em actividade" e, em novo exame radiológico realizado em 06.06.2012, o Autor apresentava uma "cup acetabular um pouco verticalizada na prótese da anca esquerda.".
  19. O A. fez uma nova colonoscopia em 13.09.2012, onde se observava “cicatriz do reto e cólon sigmóide; colite ulcerosa em remissão”.
  20. O A. permaneceu com incapacidade temporária absoluta por 25 dias e com incapacidade temporária parcial por 889 dias, tendo consolidado as lesões a 06.06.2012.
  21. Durante o período de incapacidade temporária absoluta, o A. esteve totalmente dependente de uma terceira pessoa para fazer as suas necessidades fisiológicas e tomar banho e para se alimentar, na medida em que qualquer movimento do tronco lhe causava dores intensas.
  22. O A. está impedido de fazer carga sobre a anca esquerda.
  23. Durante os períodos pós-intervenções cirúrgicas, o A. foi submetido a cuidados de médicos e fisiátricos.
  24. E foram-lhe ministrados vários analgésicos, anti-inflamatórios e múltipla medicação.
  25. Na presente data, o A. apresenta as seguintes sequelas: síndrome subjetivo pós-comoção craneana; toracalgia pós-fractura de costelas; problemas intestinais por colite ulcerosa; limitações ao nível da bacia por prótese total da anca esquerda, não cimentada, com alguma limitação funcional e dismetria.
  26. Padece de uma incapacidade permanente de 35 pontos.
  27. Prevê-se um desgaste natural da prótese total da anca e a necessidade da sua substituição.
  28. O A. exercia a atividade profissional de mecânico, vendedor e empresário, tendo auferido, nos últimos três anos anteriores ao acidente, as seguintes quantias ilíquidas: em 2007, como comerciante em nome individual, a quantia de € 41 628,47; em 2008, como trabalhador por conta de outrem, a quantia de € 12 000,00, como comerciante em nome individual, a quantia de € 26 731,71 e, como empresário, obteve um resultado operacional de € 7 655,62; em 2009, como trabalhador por conta de outrem, a quantia de € 11 184,63, como comerciante em nome individual, a quantia de € 6 229,43, e, como empresário, obteve um resultado operacional de € 6 133,00 (alterado pela Relação 28).
  29. Nos últimos três anos anteriores ao acidente, o A. auferiu rendimentos médios mensais ilíquidos de cerca de € 3 098,97 (alterado pela Relação 29).
  30. O A. esteve de baixa médica desde o dia do acidente até, pelo menos, 13.11.2017.
  31. Até dezembro de 2012, o A. recebeu do Instituto da Segurança Social, IP, o valor total de € 26 615,15, a título de subsídio de doença.
  32. Durante o período compreendido entre a data do acidente e a presente data, o A. suportou as seguintes despesas: em consultas médicas € 105,65; em medicamentos € 3 832,00; em despesas hospitalares € 2 361,27.
  33. A assistência referida em 47 foi prestada pela mãe do A.
  34. Em consequência do acidente, o A. transformou-se, pois era uma pessoa alegre, bem-disposta, extrovertida e com facilidade para as relações sociais e perdeu tais características, passando a ser uma pessoa triste, de difícil contacto, desconcentrada e ansiosa.
  35. O A. suportou um grande choque e abalo quando tomou consciência das sequelas sofridas, as quais se vieram a revelar de forma paulatina.
  36. Com as lesões do acidente descrito, o A. tornou-se numa pessoa facilmente irritável e irascível.
  37. O A. sofreu e sofre dores com as lesões que padeceu e com os tratamentos de que tem sido alvo, decorrentes dos tratamentos fisiátricos que teve de se sujeitar e com as sequelas de que é portador, que são quantificáveis no grau 5 numa escala de 1 a 7.
  38. Em consequência do acidente e das lesões causadas, o A. apresenta grau 3 numa escala até 7, para praticar atividades de lazer e desportivas, bem como está a impossibilitado total de praticar todo-o-terreno, que lhe dava bastante gozo pessoal e o satisfazia plenamente.
  39. O A., ainda na presente data, continua a ter dificuldades em desempenhar tarefas domiciliárias e do quotidiano, algumas básicas, como a realização da própria higiene pessoal, o ortostatismo e a postura de sentado.
  40. As dores que sente obrigam o A. a desenvolver maior força de vontade e espírito de sacrifício para realização de atividades simples ou moderadas, incluindo a profissão de mecânico e empresário.
  41. O A. tem distúrbios do sono.
  42. O A. terá que se sujeitar a nova intervenção cirúrgica, tratamentos médicos e medicamentosos, mormente para a necessidade de substituição da prótese da anca esquerda.
  43. O A. tem sofrido de diversos episódios de crises agudas a nível gástrico.
  44. Por causa do acidente o A. é portador de dano estético permanente fixado no grau 4 em 7.
  45. O A. tem extrema dificuldade em permanecer algum tempo sem ir à casa de banho, sendo frequente sujar-se, por não conseguir controlar a defecação.
  46. O A. é portador de limitações na atividade sexual, em decorrência do acidente, fixadas no grau 3 de 7.
  47. O que muito o desgosta e entristece.
  48. O A. aceitou a responsabilidades referida em 10, recebendo da R., sem qualquer
    tipo de reserva, o valor referido em 22.
  49. Em consequência das lesões sofridas, o A. esteve com baixa médica subsidiada de 06.12.2009 a 04.12.2012.

 

***

 

2.2. Delimitada a matéria de facto, com a alteração introduzida pela Relação e expurgada ainda de juízos conclusivos e redundâncias, importa conhecer do objeto da revista excecional da Ré e da revista subordinada do Autor, definido pelas respetivas conclusões, genericamente do valor da indemnização pela incapacidade para o trabalho.

 

Começando pela revista excecional, a R. põe em causa, quanto ao cálculo do dano futuro, no valor de € 312 376,17:2, a circunstância do acórdão recorrido ter considerado o rendimento ilíquido auferido pelo lesado, advogando que o critério a seguir deve ser o do rendimento líquido, como decidiu o acórdão-fundamento invocado.

O acórdão recorrido, com expresso “apelo à equidade”, manteve o valor da “indemnização atribuída na sentença pelo dano patrimonial futuro”, ainda que “por outros caminhos”.

Na verdade, o acórdão recorrido, na sequência da alteração da matéria de facto, considerou o rendimento ilíquido, na determinação do dano patrimonial futuro, quando a sentença levara em conta o valor líquido, embora ambas as decisões com referência ao mesmo valor nominal.

O cálculo do valor da indemnização pelo dano futuro está sujeito ao critério da equidade, nos termos do disposto no art. 566.º, n.º 3, do Código Civil (CC).

Este cálculo, podendo embora aproveitar a aplicação de fórmulas matemáticas, para evitar juízos subjetivos, como é prática corrente na jurisprudência, é especialmente determinado pelo critério da equidade, como meio de alcançar um resultado justo e objetivo, salvaguardando a igualdade entre lesados colocados em circunstâncias idênticas.

A lei prescreve o critério da equidade e não outro, nomeadamente o baseado no mero cálculo matemático, como meio de alcançar a justa reparação do dano cujo valor exato não é possível averiguar, como sucede, paradigmaticamente, com o dano futuro.

Assim, por efeito da aplicação do critério da equidade, o valor da indemnização, pelo dano futuro, dificilmente corresponde à aplicação do resultado de fórmula matemática, por necessidade de ser temperado pela equidade, de modo a encontrar a justa indemnização.

Nesta perspetiva, a questão da consideração da remuneração líquida ou ilíquida, que esteve na base da admissibilidade da revista excecional, perde toda a importância, uma vez que, na determinação do valor da indemnização, acaba por entrar sempre o critério da equidade, que influencia o resultado do cálculo matemático, elevando-o ou diminuindo-o, conforme o juízo de equidade.

Diferente seria o caso, porém, se a determinação do valor da indemnização estivesse, exclusivamente, dependente de fórmula matemática, com a remuneração mensal a entrar como fator de cálculo. Nesta situação, com o critério do cálculo meramente matemático, a consideração da remuneração mensal líquida ou ilíquida seria já relevante.  

Por isso, ainda que se admita, no cálculo da indemnização pelo dano futuro, a consideração da remuneração mensal líquida, como se indica no art 64.º, n.º 7, do DL n.º 291/2007, de 21 de agosto, na redação dada pelo DL n.º 153/2008, de 6 de agosto, e é também entendimento da jurisprudência, designadamente do Supremo Tribunal de Justiça, como no acórdão de 21 de março de 2019 (1069/09.8TVLSB.L2.S2), acessível em www.dgsi.pt, a questão não é relevante, por o cálculo estar também dependente da aplicação do critério da equidade, como foi expressamente o caso do acórdão recorrido.

De resto, a modificação da indemnização segundo a equidade apenas se justifica, nesta sede, quando a indemnização seja manifestamente desproporcionada e violadora do princípio da igualdade, como se referiu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de novembro de 2019 (107/17.5T8MMC.C1.S1), acessível em www.dgsi.pt.

Quanto ao referido art. 64.º, n.º 7, do DL n.º 291/2007, importa esclarecer que a declaração de inconstitucionalidade (orgânica, por versar sobre matéria integrada na reserva relativa da Assembleia da República), com força obrigatória geral, declarada pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 221/2019, de 9 de abril de 2019 (acessível em www.tribunalconstitucional.pt.tc), não foi determinada pela norma que se refere aos “rendimentos líquidos auferidos à data do acidente”, mas pela norma a exigir que os mesmos se “encontrem fiscalmente comprovados”.

Dado o alcance limitado da inconstitucionalidade, o argumento retirado da norma referida, quanto aos “rendimentos líquidos”, não perde força, continuando inteiramente válido, não obstante tal declaração de inconstitucionalidade.

Deste modo, perante a indemnização fixada segundo a equidade, nos termos do art. 566.º, n.º 3, do CC, e a omissão de alegação da situação de manifesta desproporcionalidade, não é possível surpreender um afastamento, substancial e injustificado, dos critérios seguidos generalizadamente pela jurisprudência mais atual.

Para o efeito, não basta a mera alegação, para a fixação da indemnização, ter sido considerada a remuneração mensal ilíquida em detrimento da remuneração mensal líquida. Para a sua relevância, era indispensável a alegação de que tal fator tinha originado a fixação de uma indemnização manifestamente desproporcionada, o que não sucedeu.

Nestas circunstâncias, não relevando a impugnação, nega-se a revista da Ré.

 

2.3. Passando, por sua vez, ao recurso subordinado do Autor, está em causa o valor da remuneração mensal para o cálculo da indemnização, pela incapacidade temporária, que o acórdão recorrido fixou na quantia de € 66.591,72, com referência à remuneração mensal de € 1.962,25, correspondente à do ano do acidente.

Por sua vez, a sentença tinha fixado a indemnização na quantia de € 267 787,00, partindo da referência mensal de € 3.098,97, correspondente à média mensal dos três anos anteriores ao acidente, decisão que o A., com o recurso, pretende ver repristinada.

Descrita, sumariariamente, a questão controvertida do recurso subordinado, importa então saber do direito aplicável.

O facto gerador da responsabilidade civil é o acidente de viação, sendo a partir da data da sua ocorrência e da data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal que é fixada a indemnização destinada a reparar o dano causado pelo evento, de harmonia com o disposto nos arts. 562.º e 566.º, n.º 2, do CC. Opera, então, a teoria da diferença, nos termos da qual a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado no momento da sua fixação e a que teria nessa ocasião se não existisse o dano.

Nesta perspetiva, a perda da capacidade de ganho tem de fazer-se pelo valor auferido à data do acidente, pois é esse o valor subtraído ao património do lesado.

Não fixando a lei outro critério específico, deve atender-se à situação patrimonial do lesado à data do evento causador da responsabilidade civil, nomeadamente quanto rendimento mensal proveniente de atividade profissional, como é entendimento há muito seguido, pacificamente, pela jurisprudência.

Aliás, o já mencionado n.º 7 do art. 64.º do DL n.º 291/2007, de 21 de agosto, especifica que “para efeitos de apuramento do rendimento mensal do lesado no âmbito da determinação do montante por danos patrimoniais a atribuir ao lesado, o tribunal deve basear-se nos rendimentos líquidos auferidos à data do acidente”.

Perante o sentido normativo consagrado, no caso dos autos, não interessa a remuneração média dos últimos três anos anteriores ao acidente, mas a remuneração do ano do acidente, independentemente do juízo valorativo que possa ser feito quanto a este último critério.

Tendo sido seguido, no acórdão recorrido, o sentido normativo consagrado, que nesta parte dissentiu da sentença, não é possível surpreender no aresto qualquer violação legal, designadamente dos arts. 562.º e 566.º, n.º 2, do CC.

Nesta consonância, nega-se também a revista subordinada do Autor.

 

2.4. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante:  

 

  1. Por efeito da aplicação do critério da equidade, o valor da indemnização, pelo dano futuro, dificilmente corresponde à aplicação do resultado de fórmula matemática, por necessidade de ser temperado pela equidade, de modo a encontrar a justa indemnização.
  2. Por isso, ainda que se admita, no cálculo da indemnização, a consideração da remuneração mensal líquida, a questão não é relevante, por o cálculo estar também dependente da aplicação do critério da equidade.
  3. Na fixação da indemização por perda de rendimento, deve atender-se à situação patrimonial do lesado à data do acidente, nomeadamente quanto rendimento mensal proveniente de atividade profissional.

 

2.5. Cada um dos Recorrentes, ao ficar vencido por decaimento, é responsável pelo pagamento das respetivas custas – art. 527.º, n.º s 1 e 2, do CPC.

 

III – DECISÃO

 

Pelo exposto, decide-se:

  1. Negar a revista excecional e subordinada, confirmando o acórdão recorrido.

 

  1. Condenar cada um dos Recorrentes a pagar as respetivas custas.

     

Lisboa, 20 de fevereiro de 2020

 

 

Olindo dos Santos Geraldes (Relator)

 

Maria do Rosário Morgado

 

Oliveira Abreu

Descritores:
 Responsabilidade extracontratual; Acidente de viação; Danos futuros; Cálculo da indemnização; Equidade; Retribuição líquida; Danos patrimoniais; Questão relevante; Poderes do Supremo Tribunal de Justiça; Perda da capacidade de ganho; Princípio da diferença