I. Por efeito da aplicação do critério da equidade, o valor da indemnização, pelo dano futuro, dificilmente corresponde à aplicação do resultado de fórmula matemática, por necessidade de ser temperado pela equidade, de modo a encontrar a justa indemnização.
II. Por isso, ainda que se admita, no cálculo da indemnização, a consideração da remuneração mensal líquida, a questão não é relevante, por o cálculo estar também dependente da aplicação do critério da equidade.
III. Na fixação da indemização por perda de rendimento, deve atender-se à situação patrimonial do lesado à data do acidente, nomeadamente quanto rendimento mensal proveniente de atividade profissional.
Não disponível.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I – RELATÓRIO
AA instaurou, em 1 de dezembro de 2012, no então 3.º Juízo Cível da Comarca de … (Juízo Central Cível de …, comarca de …), contra BES – Companhia de Seguros, S.A. (que, entretanto passou a denominar-se GNB – Companhia de Seguros, S.A.), ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, pedindo que a R. fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 541.111,84, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento, e ainda do que se viesse a liquidar referente a danos patrimoniais e não patrimoniais.
Para tanto, alegou em síntese, que em consequência do acidente de viação, ocorrido no dia 6 de dezembreo de 2009, na EN n.º 1, ao km 285,200, em …, …, no qual foram intervenientes os veículos ligeiro de passageiros, matrícula ...-...-DS, cujo condutor foi o único responsável, e o ligeiro de mercadorias, matrícula ...-AJ-..., propriedade do A. e por si conduzido, sofreu danos materiais e não patrimoniais.
Contestou a R., por impugnação, devolvendo a culpa do acidente ao A., que conduzia em estado de embriaguez, e concluindo pela improcedência da ação. Em reconvenção, pediu que o A. fosse condenado a pagar-lhe a quantia de € 4.735,00, acrescida dos juros de mora legais, desde a notificação do A. até efetivo e integral pagamento, por danos pagos ao A.
Replicou o A., impugnando a reconvenção.
Foi organizada a base instrutória, que sofreu alteração, a reclamação do A.
Em 10 de novembro de 2017, o A. veio ampliar o pedido em mais € 211.144,84.
Durante a sessão da audiência de julgamento de 13 de novembro de 2017, A. e R. acordaram em repartir equitativamente a responsabilidade do acidente, à razão de 50 % por cada um.
Depois, realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida, em 26 de junho de 2018, sentença, que, julgando a ação parcialmente procedente, condenou a R. a pagar ao A. a quantia de € 293.231,04, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal desde a citação (10.12.2012), sobre a quantia de € 201.619,00, e desde 31.10.2017, sobre a quantia de € 91.612,04; a pagar metade dos valores que o A. vier a despender com ajudas médicas e medicamentosas ou tratamentos/cirurgias, para tratamento das sequelas decorrentes do acidente; e a pagar a quantia de € 37.500,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros desde a data da sentença até efetivo e integral pagamento.
Inconformada, a R. apelou para o Tribunal da Relação do Porto, que, por acórdão de 15 de janeiro de 2019, julgando parcialmente procedente o recurso, condenou a R. a pagar a quantia de € 66.591,72 (rendimento deixado de auferir), acrescida de juros a contar da citação, sobre a quantia de € 42 281,46, mantendo a sentença no demais.
Ainda inconformada, a R. interpôs recurso de revista, que não foi admitido, e recurso de revista excecional e, tendo alegado, formulou essencialmente as conclusões:
Contra-alegou o Autor, pugnando pela confirmação da decisão recorrida.
O Autor interpôs recurso subordinado e, tendo alegado, formulou as conclusões:
Por acórdão da Formação a que alude o art. 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), de 6 de janeiro de 2020, foi admitida a revista excecional da Ré.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
Nos recursos, discute-se o valor da indemnização, por dano patrimonial passado e futuro.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. No acórdão recorrido, foram dados como provados, designadamente, os seguintes factos:
“1- No dia 6 de Dezembro de 2009, pelas 05h40, o arguido circulava na EN 1, ao km 285, em Lourosa, área desta comarca, sentido …-…, conduzindo o veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula ...-AJ-...;
2 - Em sentido contrário, seguia CC, tripulando o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ...-...-DS, transportando como passageiro DD.
3 - Nessas circunstâncias de tempo e lugar e de modo que em concreto não se logrou apurar, quando se cruzaram, ambos os veículos colidiram frontalmente.
4 - No seguimento do embate, o arguido, o CC e o DD ficaram feridos, tendo sido transportados ao hospital desta cidade.
5 - Nessa ocasião, submetido que foi a teste de pesquisa de álcool no sangue, AA acusou uma T.A.S. de 1,20 g/L
(...)
8 - Com o embate, o veículo automóvel do arguido recuou e destruiu o muro de vedação que se encontrava na berma da estrada, no sentido de marcha que este circulava.
(...)
10 - O condutor do veículo de matrícula ...-...-DS, conduzia com uma taxa de alcoolemia de 0,61 g/l.
(...)
12 - As companhias de seguro do veículo do arguido e do veículo de matrícula "...-...-DS" concluíram nos seus processos de averiguação que ambos os condutores terão contribuído para a produção do sinistro, tendo a responsabilidade civil decorrente do mesmo sido repartida em 50%-50%.
(...)
17 - No local do acidente, o piso era em alcatrão encontrava-se em bom estado de conservação e molhado à hora do evento, devido à chuva intensa que se fazia sentir.
18 - 0 local caracteriza-se numa reta longa com boa visibilidade,
19 - A via tem dois sentidos de marcha, com cerca de 10,30 metros de largura, ladeada por residências e tem iluminação pública.
20- O limite de velocidade é de 50 km/hora. (...).
***
2.2. Delimitada a matéria de facto, com a alteração introduzida pela Relação e expurgada ainda de juízos conclusivos e redundâncias, importa conhecer do objeto da revista excecional da Ré e da revista subordinada do Autor, definido pelas respetivas conclusões, genericamente do valor da indemnização pela incapacidade para o trabalho.
Começando pela revista excecional, a R. põe em causa, quanto ao cálculo do dano futuro, no valor de € 312 376,17:2, a circunstância do acórdão recorrido ter considerado o rendimento ilíquido auferido pelo lesado, advogando que o critério a seguir deve ser o do rendimento líquido, como decidiu o acórdão-fundamento invocado.
O acórdão recorrido, com expresso “apelo à equidade”, manteve o valor da “indemnização atribuída na sentença pelo dano patrimonial futuro”, ainda que “por outros caminhos”.
Na verdade, o acórdão recorrido, na sequência da alteração da matéria de facto, considerou o rendimento ilíquido, na determinação do dano patrimonial futuro, quando a sentença levara em conta o valor líquido, embora ambas as decisões com referência ao mesmo valor nominal.
O cálculo do valor da indemnização pelo dano futuro está sujeito ao critério da equidade, nos termos do disposto no art. 566.º, n.º 3, do Código Civil (CC).
Este cálculo, podendo embora aproveitar a aplicação de fórmulas matemáticas, para evitar juízos subjetivos, como é prática corrente na jurisprudência, é especialmente determinado pelo critério da equidade, como meio de alcançar um resultado justo e objetivo, salvaguardando a igualdade entre lesados colocados em circunstâncias idênticas.
A lei prescreve o critério da equidade e não outro, nomeadamente o baseado no mero cálculo matemático, como meio de alcançar a justa reparação do dano cujo valor exato não é possível averiguar, como sucede, paradigmaticamente, com o dano futuro.
Assim, por efeito da aplicação do critério da equidade, o valor da indemnização, pelo dano futuro, dificilmente corresponde à aplicação do resultado de fórmula matemática, por necessidade de ser temperado pela equidade, de modo a encontrar a justa indemnização.
Nesta perspetiva, a questão da consideração da remuneração líquida ou ilíquida, que esteve na base da admissibilidade da revista excecional, perde toda a importância, uma vez que, na determinação do valor da indemnização, acaba por entrar sempre o critério da equidade, que influencia o resultado do cálculo matemático, elevando-o ou diminuindo-o, conforme o juízo de equidade.
Diferente seria o caso, porém, se a determinação do valor da indemnização estivesse, exclusivamente, dependente de fórmula matemática, com a remuneração mensal a entrar como fator de cálculo. Nesta situação, com o critério do cálculo meramente matemático, a consideração da remuneração mensal líquida ou ilíquida seria já relevante.
Por isso, ainda que se admita, no cálculo da indemnização pelo dano futuro, a consideração da remuneração mensal líquida, como se indica no art 64.º, n.º 7, do DL n.º 291/2007, de 21 de agosto, na redação dada pelo DL n.º 153/2008, de 6 de agosto, e é também entendimento da jurisprudência, designadamente do Supremo Tribunal de Justiça, como no acórdão de 21 de março de 2019 (1069/09.8TVLSB.L2.S2), acessível em www.dgsi.pt, a questão não é relevante, por o cálculo estar também dependente da aplicação do critério da equidade, como foi expressamente o caso do acórdão recorrido.
De resto, a modificação da indemnização segundo a equidade apenas se justifica, nesta sede, quando a indemnização seja manifestamente desproporcionada e violadora do princípio da igualdade, como se referiu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de novembro de 2019 (107/17.5T8MMC.C1.S1), acessível em www.dgsi.pt.
Quanto ao referido art. 64.º, n.º 7, do DL n.º 291/2007, importa esclarecer que a declaração de inconstitucionalidade (orgânica, por versar sobre matéria integrada na reserva relativa da Assembleia da República), com força obrigatória geral, declarada pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 221/2019, de 9 de abril de 2019 (acessível em www.tribunalconstitucional.pt.tc), não foi determinada pela norma que se refere aos “rendimentos líquidos auferidos à data do acidente”, mas pela norma a exigir que os mesmos se “encontrem fiscalmente comprovados”.
Dado o alcance limitado da inconstitucionalidade, o argumento retirado da norma referida, quanto aos “rendimentos líquidos”, não perde força, continuando inteiramente válido, não obstante tal declaração de inconstitucionalidade.
Deste modo, perante a indemnização fixada segundo a equidade, nos termos do art. 566.º, n.º 3, do CC, e a omissão de alegação da situação de manifesta desproporcionalidade, não é possível surpreender um afastamento, substancial e injustificado, dos critérios seguidos generalizadamente pela jurisprudência mais atual.
Para o efeito, não basta a mera alegação, para a fixação da indemnização, ter sido considerada a remuneração mensal ilíquida em detrimento da remuneração mensal líquida. Para a sua relevância, era indispensável a alegação de que tal fator tinha originado a fixação de uma indemnização manifestamente desproporcionada, o que não sucedeu.
Nestas circunstâncias, não relevando a impugnação, nega-se a revista da Ré.
2.3. Passando, por sua vez, ao recurso subordinado do Autor, está em causa o valor da remuneração mensal para o cálculo da indemnização, pela incapacidade temporária, que o acórdão recorrido fixou na quantia de € 66.591,72, com referência à remuneração mensal de € 1.962,25, correspondente à do ano do acidente.
Por sua vez, a sentença tinha fixado a indemnização na quantia de € 267 787,00, partindo da referência mensal de € 3.098,97, correspondente à média mensal dos três anos anteriores ao acidente, decisão que o A., com o recurso, pretende ver repristinada.
Descrita, sumariariamente, a questão controvertida do recurso subordinado, importa então saber do direito aplicável.
O facto gerador da responsabilidade civil é o acidente de viação, sendo a partir da data da sua ocorrência e da data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal que é fixada a indemnização destinada a reparar o dano causado pelo evento, de harmonia com o disposto nos arts. 562.º e 566.º, n.º 2, do CC. Opera, então, a teoria da diferença, nos termos da qual a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado no momento da sua fixação e a que teria nessa ocasião se não existisse o dano.
Nesta perspetiva, a perda da capacidade de ganho tem de fazer-se pelo valor auferido à data do acidente, pois é esse o valor subtraído ao património do lesado.
Não fixando a lei outro critério específico, deve atender-se à situação patrimonial do lesado à data do evento causador da responsabilidade civil, nomeadamente quanto rendimento mensal proveniente de atividade profissional, como é entendimento há muito seguido, pacificamente, pela jurisprudência.
Aliás, o já mencionado n.º 7 do art. 64.º do DL n.º 291/2007, de 21 de agosto, especifica que “para efeitos de apuramento do rendimento mensal do lesado no âmbito da determinação do montante por danos patrimoniais a atribuir ao lesado, o tribunal deve basear-se nos rendimentos líquidos auferidos à data do acidente”.
Perante o sentido normativo consagrado, no caso dos autos, não interessa a remuneração média dos últimos três anos anteriores ao acidente, mas a remuneração do ano do acidente, independentemente do juízo valorativo que possa ser feito quanto a este último critério.
Tendo sido seguido, no acórdão recorrido, o sentido normativo consagrado, que nesta parte dissentiu da sentença, não é possível surpreender no aresto qualquer violação legal, designadamente dos arts. 562.º e 566.º, n.º 2, do CC.
Nesta consonância, nega-se também a revista subordinada do Autor.
2.4. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante:
2.5. Cada um dos Recorrentes, ao ficar vencido por decaimento, é responsável pelo pagamento das respetivas custas – art. 527.º, n.º s 1 e 2, do CPC.
III – DECISÃO
Pelo exposto, decide-se:
Lisboa, 20 de fevereiro de 2020
Olindo dos Santos Geraldes (Relator)
Maria do Rosário Morgado
Oliveira Abreu