I - Curando da responsabilidade civil conexa com a criminal, o art. 71.º do CPP consagra o princípio da adesão da acção civil à acção penal que, mais do que mera interdependência das acções, arrasta o pedido de indemnização civil de perdas e danos para a jurisdição penal.
II - Não obstante as diversas salvaguardas à obrigatoriedade de o direito à indemnização ser exercido no procedimento penal, plasmadas no art, 72.º do CPP, assiste ao lesado o direito de aguardar o termo do inquérito criminal, com o seu arquivamento ou com a dedução da acusação, se, perante qualquer das situações abarcadas em tais ressalvas, não quiser recorrer, logo, à acção cível em separado.
III - Contudo, deduzida a acusação no inquérito, uma vez que o direito à indemnização tem de ser aí exercido nos prazos peremptórios cominados no art. 77.º do CPP, sob pena de ficar definitivamente encerrada a possibilidade do exercício da acção cível em conjunto com a penal, cessa o impedimento para o exercício do direito na instância cível e passa a verificar-se a inércia do respectivo titular, em que se funda a extinção inerente à prescrição, iniciando-se o cômputo do prazo desta a partir de então.
Não disponível.
PROC. n.º 6678/16.6T8LRS.L1.S1
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I. Relatório
1. AA intentou acção declarativa de condenação contra Lusitânia Companhia de Seguros, SA alegando, em resumo, que: i) em 08/02/2008, pelas 20h e 45 minutos, sofreu um acidente, na estrada que liga ..., ..., no concelho de ...; ii) o A. conduzia o tractor agrícola -DP- e BB conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ...-QR, ambos no sentido ...-..., tendo sido o tractor do A. embatido na traseira pelo dito veículo ligeiro; iii) o A. com o embate sofreu danos na sua integridade física, além de outros; iv) a Ré assumiu a responsabilidade pelo sinistro, mandando reparar o veículo; v) o A. fez fisioterapia, paga pela Ré, tendo tido alta clínica em 09-05-2008, mas, nesse mesmo dia, foi emitido relatório médico no sentido de que o A. ficasse, pelo menos, com mais dois meses de ITA; vi) a expensas suas, o A. teve de continuar a socorrer-se de sessões de fisioterapia e consulta; vii) o A. apresentou, em 15/07/2008, queixa-crime.
Reclama indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, pedindo que a R. seja condenada a pagar-lhe:
«A) A título de Danos patrimoniais:
1- Despesas com tratamentos médicos - 2721,81€ (Factos 17,37,41 e 44 da P.I)
2. Contestou a R., defendendo-se por excepção e por impugnação.
Em sede de excepção, arguiu a prescrição do direito do A., referindo, em resumo, que: i) o sinistro em apreço ocorreu no dia 08/02/2008; ii) apesar disso, a Ré só foi citada para a acção no dia 14/06/2016; iii) nos presentes autos, estará em causa o crime de ofensa à integridade física simples, previsto pelo art.º 143.º do Cód. Penal e punível com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa; iv) como tal, é aplicável o disposto no art.º 118.º, n.º 1, al. c) do C.P., que define que o prazo de prescrição para este tipo de crime é de 5 anos; v) aplicando a regra prevista no art.º 498.º, n.º 3 do C.C., o direito do A. à eventual indemnização, decorrente dos prejuízos que alega ter sofrido em função deste sinistro, prescreveu no dia 08/02/2013; vi) em 15/07/2008, o A. apresentou queixa-crime, que dirigiu aos Serviços do Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca da .... Como tal, tinha perfeito conhecimento do direito que lhe competia desde a data do sinistro, 08/02/2008, e tanto assim é que denunciou os factos praticados por BB, por ser o condutor da viatura com a matrícula ...-QR que embateu no seu veículo; vii) tinha o A. também perfeito conhecimento de que esta viatura estava segura na ora Ré; viii) a partir daquela data, o A., como lesado, tinha diversos mecanismos legais ao seu dispor, entre os quais: formular pedido de indemnização civil em separado perante o tribunal civil, conforme permite o art.º 72.9 do Cód. Proc. Penal; formular o pedido indemnizatório nesse processo-crime, nos termos do art.º 77.º - do C.P.P., ou apresentar pedido de aceleração processual previsto nos arts.º 108.º e 109.9 do mesmo C.P.P. Mas nada fez, optando, conscientemente, pela inércia. Concluiu a R. pela absolvição do pedido, por via da prescrição, ou, assim não se entendendo, por falta de fundamentação e carência de provas e violação do disposto no art.º 342.º do C. Civil.
3. O Instituto da Segurança Social deduziu pedido de reembolso de prestações de Segurança Social, pagas ao A. em consequência do acidente de viação, no montante de €3.602,55, acrescido de juros de mora desde a notificação da reclamação.
4. Contestou a R. esta pretensão, invocando igualmente a prescrição e defendendo-se ainda por impugnação.
5. Teve lugar audiência prévia e foi proferido despacho saneador, no qual se julgou procedente a excepção da prescrição, absolvendo-se a R. do pedido formulado pelo A..
6. Inconformado o A. apelou e o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu acórdão, concedendo a apelação, no qual decide:
“Pelo exposto, na procedência da apelação, revoga-se a decisão recorrida, julgando-se improcedente a excepção da prescrição, o que implica o prosseguimento dos autos, a ser assegurado pela Ia Instância.”
7. Inconformado o Réu apresentou recurso de revista, no qual formula as seguintes conclusões (transcrição):
1 - O presente Recurso vem do Acórdão proferido nos Autos em referência, que alterou a Sentença proferida em 1ª Instância e julgou improcedente a excepção da prescrição, o que implica o prosseguimento dos Autos;
2 - Houve erro de interpretação e de aplicação dos arts.º 498.º, n.º 1 e n.º 3 do Cód. Civil;
3 - Houve erro de interpretação e de aplicação do art.º 118º nº 1 al. c) do Cód. Processo Penal;
4 - Houve erro de interpretação e de aplicação dos arts. 72.º e 77.º do Cód. Processo Penal;
5 - Houve erro de interpretação e de aplicação do art.º 576.º, nº 3 do Cód. Processo Civil;
6 - Houve erro de interpretação e aplicação do art.º 60.º, n.º 3 da Lei nº 4/2007, de 18 de Janeiro;
7 - O Acórdão recorrido enferma da nulidade prevista no art.º 615º, n.º1, alínea c) do C.P.C., porque os fundamentos estão em oposição com a Decisão;
8 - A Recorrente não pode concordar com o entendimento defendido, segundo o qual, “apenas com o desfecho do Inquérito, maxime com a formulação da Acusação, poderá exigir-se ao lesado que deduza o pedido de indemnização civil”;
9 - E a base legal usada (pág. 13 do Acórdão) resulta da norma do art.º 72.º, n.º 1 al. a) do C.P.P. - a possibilidade do lesado deduzir o pedido de indemnização civil em separado no caso de não ser proferida Acusação dentro de 8 meses a contar da notícia do crime, e al. h) - se o Processo Penal correr sob a forma sumária ou sumaríssima, sucedendo, precisamente que o arguido foi acusado na forma sumaríssima em Processo-Crime;
10 - Todavia, o Tribunal a quo branqueou estas circunstâncias e não aplicou a consequência legal prevista pelos arts.º 498.º do Cód. Civil e 576.º do C.P.C., com a simples justificação retirada de um Acórdão citado: “assiste ao lesado (direito a)aaguardar o termo do inquérito criminal”;
11 - Consta dos Autos certidão extraída do Processo-Crime com o n.º 161/08.0 TALNH que correu termos no extinto Tribunal Judicial da .... A fl. 2 dessa certidão reproduz a queixa apresentada em 15/07/2008 por AA (ora Recorrido), referindo expressamente nos parágrafos 6º e 7º ter sofrido prejuízos materiais diversos e perda de rendimentos das suas explorações agrícolas;
12 - Ao invocar prejuízos materiais diversos e perda de rendimentos das suas explorações agrícolas, o queixoso demonstrou que pretendia deduzir pedido de indemnização civil nesse Processo-Crime;
13 - E tanto assim é, que no dia 10/12/2009 o queixoso foi informado, nos termos dos arts.º 75.º, 76.º e 77.º do C.P.P., da possibilidade de deduzir pedido de indemnização civil em Processo Penal - conferir fls. 78 e 79 da mencionada certidão;
14 - Contudo, o queixoso/Recorrido nada fez para activar o hipotético pedido de indemnização civil, porque negligenciou a notificação da Acusação proferida em 27/03/2014 - conferir fls. 146 e 147 da certidão;
15 - Se o lesado optou intencionalmente por não enxertar Pedido de Indemnização Civil no âmbito daquele Processo-Crime, como pode o Acórdão em crise defender que apenas com o desfecho do Inquérito, maxime com a formulação da Acusação, poderá exigir-se ao lesado que deduza Pedido de Indemnização Civil? Se essa fosse a sua intenção, devia ter cumprido o prazo legal de 20 dias;
16 - Além disso, o Tribunal a quo fez tábua rasa dos interesses da Recorrente, sujeitando-a a uma inadmissível expectativa que o Recorrido nunca materializou ao longo de 8 anos 4 meses e 6 dias, até resolver instaurar a presente Acção Cível;
17 - Situações como a dos Autos perturbam a paz social e lançam uma intolerável necessidade de aguardar quase uma década, para verificar se o lesado cumpre ou não os prazos legais definidos pelo Código Civil e pelo Código de Processo Penal;
18 - O sinistro em apreço ocorreu no dia 08/02/2008, mas a Recorrente só foi citada para a Acção no dia 14/06/2016;
19 - Estando em causa o crime de ofensa à integridade física simples, previsto pelo art. 143º do Cód. Penal e punível com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, é aplicável o disposto no art. 118º nº 1 al. c) do C.P., que define que o prazo de prescrição para este tipo de crime é de 5 anos;
20 – Subsumindo os factos à regra prevista no art.º, 498.º, nº 3 do C.C., constata-se que o direito do Recorrido à eventual indemnização, prescreveu no dia 08/02/2013;
21 - E o Recorrido não fez nenhum esforço para interromper atempada e tempestivamente o prazo prescricional que estava em curso. E podia tê-lo feito, desencadeando algum dos referidos mecanismos previstos nos arts.º 72.º ou 77.º do C.P.P., ou apresentando Notificação Judicial Avulsa;
22 - Não é verdade que enquanto estiver pendente o Processo Penal não começa a correr o prazo de prescrição do direito à indemnização civil, nem que esse prazo começará a correr quando o lesado for notificado do arquivamento e muito menos da condenação;
23 - A prescrição constitui excepção peremptória que, nos termos do art.º 576.º, nº 3 do Cód. Proc. Civil, extingue o efeito jurídico dos factos articulados pelos Recorridos, importando a absolvição total da Recorrente do pedido;
24 - Tudo o que já foi dito, é aplicável ao Pedido de Reembolso formulado pelo Instituto da Segurança Social, I.P., que pretende ser reembolsado do montante de 3.602,55 €, pago a título de subsídios por doença;
25 - Usando as regras previstas no art.º 60.º, n.º 3 da Lei n.º 4/2007 de 16/01 ou no art.º 43.º do DL n.º 28/2004 de 04/02, teremos que concluir que quando a Demandada/Recorrente foi citada para contestar (em 12/09/2016), o suposto direito do Demandante/Recorrido Instituto da Segurança Social, I.P. relativo aos subsídios pagos até 07/06/2009 já estava prescrito desde 07/06/2014.
Não houve contra-alegações.
Colhidos os vistos, cumpre analisar e decidir.
II. Fundamentação
De facto
8. Na 1ª instância tomaram-se em consideração os seguintes factos:
«1 - Em 08/02/2008 o A. sofreu um acidente quando conduzia o tractor agrícola de matrícula -DP-(acordo das partes).
4 - O A. apresentou queixa-crime contra BB
em 15/07/2008 (doc. de fls. 42-44 e em certidão de fls. 259 ss.).
De direito
9. As questões a conhecer no presente recurso de revista são aquelas que se extraem das conclusões da alegação da recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, não tendo o tribunal que analisar todos os argumentos apresentados.
As duas únicas questões que se identificam são as de saber se:
i) o acórdão recorrido é nulo, por contradição entre a decisão e os fundamentos;
ii) no caso dos autos, o prazo de prescrição da responsabilidade civil da Ré se encontra já decorrido, tendo o tribunal a quo incorrido em erro de interpretação das normas jurídicas indicadas: arts. 498º nº 1 e nº 3 do Cód. Civil, art. 118º nº 1 al. c) do Cód. Processo Penal[1], arts. 72.º e 77.º do Cód. Processo Penal, art.º 576.º, n.º 3 do Cód. Processo Civil e do art.º 60.º, n.º 3 da Lei n.º 4/2007, de 18 de Janeiro.
10. A recorrente imputa ao acórdão recorrido nulidade por contradição entre a decisão e os fundamentos.
Em conferência, o tribunal recorrido teve oportunidade de explicar que, na sua opinião, não havia nulidade, mas eventual erro de julgamento.
Disse aí:
“Daí que os fundamentos de facto e de direito do acórdão devam ser logicamente harmónicos com a pertinente conclusão ou decisão, como corolário do princípio de que o acórdão deve ser fundamentado de facto e de direito, sendo certo que se não verifica esse requisito quando haja contradição entre os fundamentos de facto e de direito e a decisão nos quais assenta.
Mas uma coisa é a contradição lógica entre os fundamentos e a decisão da sentença ou do acórdão, e outra, essencialmente diversa, o erro de interpretação dos factos ou do direito ou na aplicação deste, que não raro, na prática são confundidos.»
No presente caso, consideramos que o que se aponta ao acórdão são erros de interpretação, que, aliás, se alinham logo nas primeiras conclusões. O que se discute é, pois, o mérito da decisão, como se extrai, por exemplo, da conclusão 8-, que se segue à invocação da nulidade: "A Recorrente não pode concordar com o entendimento defendido (...)».
Salvo melhor opinião, no acórdão recorrido, independentemente de se concordar ou não com a solução adoptada, a decisão encontra-se em harmonia com os fundamentos expostos, não se verificando a invocada nulidade.
10.1. Lido o acórdão recorrido é de concordar com a posição defendida pelo colectivo, na conferência, que repudiou a indicada nulidade do acórdão, já que, no que respeita à imputada violação do artigo 615.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Civil, não se conseguiram compreender as razões que justificariam tal nulidade uma vez que a mesma pressupõe que os fundamentos da decisão estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, vícios de que o acórdão recorrido não padece de todo.
Sabendo que a decisão judicial tem “como antecedentes lógicos os fundamentos de direito (premissa maior) e os fundamentos de factos (premissa menor), não podendo o sentido da decisão achar-se em contradição ou oposição com os fundamentos, o que sucede sempre que na construção da sentença os fundamentos expressos pelo juiz, necessariamente, haveriam de conduzir a uma solução de sentido antagónico: a proposição final (conclusão) revela-se incompatível com as proposições logicamente antecedentes (fundamentos), o que traduz um vício de raciocínio”, e que a “nulidade de oposição entre os fundamentos e a decisão não se confunde com o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, ou com a inidoneidade dos fundamentos para conduzir à decisão”[2], ou, noutra formulação, que a “oposição entre os fundamentos e a decisão da sentença só releva como vício formal, para os efeitos da nulidade cominada na aludida al. c) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, quando se traduzir numa contradição nos seus próprios termos, que não permita sequer ajuizar sobre o seu mérito”[3], o que não ocorre no acórdão recorrido, pelo que é de concluir que, in casu, não procede a invocada nulidade.
11. Entrando no conhecimento da questão de saber se o direito do A. se encontra prescrito ou não, comecemos por recordar a decisão recorrida.
11.1. Disse o tribunal, na decisão recorrida que o prazo de prescrição da responsabilidade da Ré não estava já ultrapassado porque, no seu entender, dever-se-ia tomar em consideração:
a) o tipo de crime de que o condutor do tractor foi acusado – crime semi-público;
b) a data em que foi o acidente e a data em que foi apresentada a queixa-crime;
c) o regime que decorre da lei penal, para o tipo de crime em causa, que não obrigando a deduzir o pedido cível na acção penal, não excluía esta possibilidade;
d) o facto de o inquérito crime só ter conduzido a acusação em processo sumaríssimo em 27-03-2014, apesar da queixa ter sido apresentada em 2008;
e) o facto de a presente acção ter dado entrada – e ter a R. sido citada – dentro do prazo de 3 anos após a dedução da acusação;
f) ter de se admitir que o prazo de prescrição não corre enquanto
pender a acção penal, nos termos do disposto no artigo 306.º, n.º1, do C. Civil.
11.2. O recorrente discorda, por entender que não é essa a correcta interpretação que se deve retirar das disposições conjugadas dos art.ºs 498.º, n.º 1 e n.º 3 do Cód. Civil, art.º 118.º, n.º 1, al. c) do Cód. Processo Penal[4], arts.º 72º e 77º do Cód. Processo Penal, art.º 576.º, n.º 3 do Cód. Processo Civil e do art.º 60.º, n.º 3 da Lei n.º 4/2007, de 18 de Janeiro, disposições das quais resultaria, na sua opinião, que: tendo o acidente ocorrido em 08/02/2008, sabendo que no dia 10/12/2009 o queixoso foi informado, nos termos dos arts. 75.º, 76.º e 77.º do C.P.P., da possibilidade de deduzir pedido de indemnização civil em Processo Penal e que aquele queixoso nada fez para activar o hipotético pedido de indemnização civil, deve entender-se que nada fez porque negligenciou a notificação da Acusação proferida em 27/03/2014 e desse comportamento deve deduzir-se que demonstrou expressamente que não teve intenção de usar o mecanismo legal previsto no art.º 77.º, n.º 3 e n.º 4 do C.P.P, comportamento do qual devem ser extraídas as legais consequências, nomeadamente que não se devia esperar pelo desfecho do inquérito (e dedução de acusação) para se lhe exigir que deduzisse pedido de indemnização cível. Na sua opinião, aplicando a regra prevista no art. 498º, nº 3 do C.C., o direito do Recorrido à eventual indemnização, emergente dos supostos prejuízos que alega ter sofrido em função do sinistro, prescreveu no dia 08/02/2013.
Por seu turno, o recorrido havia indicado na sua apelação que, embora pudesse deduzir o pedido de indemnização em separado, não estava obrigado a isso e que, tendo apresentado queixa-crime, o prazo de prescrição se interrompeu por força do decurso do inquérito, o que conjugado com o facto de o Ministério Público ter acusado o arguido em processo sumaríssimo em 27-03-2014, do que resultou sentença condenatória em 03-09-2014, implica que só a partir dessa altura se impunha interpor a acção no tribunal cível, face à resolução da questão do crime.
12. Analisando.
Estatui o artigo 498.° do Código Civil o seguinte:
"O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, salvo se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, caso em que é esse o aplicável "; por seu turno, dispõe o art.º 306.º do CC: “O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição.”
As indicadas normas têm de ser lidas de modo conjugado, quer entre si, quer com outros preceitos do ordenamento jurídico, como sucede com os art.º 71.º, 72.º, 75.º e 77.º do CPP, onde se lê:
Artigo 71.º |
O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.
| ||
Artigo 72.º | ||
1 - O pedido de indemnização civil pode ser deduzido em separado, perante o tribunal civil, quando: |
Artigo 75.º |
1 - Logo que, no decurso do inquérito, tomarem conhecimento da existência de eventuais lesados, as autoridades judiciárias e os órgãos de polícia criminal devem informá-los da possibilidade de deduzirem pedido de indemnização civil em processo penal e das formalidades a observar. |
Artigo 77.º |
1 - Quando apresentado pelo Ministério Público ou pelo assistente, o pedido é deduzido na acusação ou, em requerimento articulado, no prazo em que esta deve ser formulada. |
E, pela análise da jurisprudência deste STJ, pode concluir-se que a interpretação conjugada das citadas normas se traduz no seguinte resultado, extraído da fundamentação do Ac. do STJ de 22-05-2018, proc. 2565/16.6T8PTM.E1.S2[5]:
“uma vez que a prescrição se funda na inércia do titular do direito, deve contar-se o respectivo prazo, logicamente, a partir do momento em que o direito pode ser exercido: «O instituto da prescrição pressupõe que a parte possa opor-se ao exercício de um direito quando este não for exercitado durante o tempo fixado na lei. Trata-se, a um tempo, de punir a inércia do titular do direito em fazê-lo valer em tempo útil e de tutelar os valores da certeza e segurança das relações jurídicas pela respectiva consolidação operada em prazos razoáveis, o que implica que a prescrição não corra ou não opere enquanto o direito não puder ser exercido pelo respectivo titular.» .
Contudo, não obstante as diversas salvaguardas à obrigatoriedade de o direito à indemnização ser exercido no procedimento penal, plasmadas no art. 72º do CPP, concluímos que assiste ao lesado o direito de aguardar o termo do inquérito criminal, com o seu arquivamento ou com a dedução da acusação, se, perante qualquer das situações abarcadas em tais ressalvas, não quiser recorrer, logo, à acção cível em separado, «não se podendo considerar que o direito à indemnização tem de ser exercido apenas porque se lhe abriu a faculdade de accionar civilmente em separado». Acompanhamos, pois, a doutrina daquele acórdão de 13-10-2009: «A não ser assim, converter-se-ia uma faculdade num ónus, impondo-se, por via interpretativa, uma sanção que a lei não quis impor, não se vislumbrando na lei que o efeito interruptivo decorrente do procedimento criminal instaurado cesse logo que ocorra a possibilidade de ser demandado o responsável civil em separado».
Ora, postula o art. 75º, nº 2, do CPP que quem tiver legitimidade para deduzir pedido de indemnização cível deve manifestar no processo, até ao encerramento do inquérito, o propósito de o fazer e o subsequente art. 77º estabelece o momento para essa dedução (depois da acusação ou da pronúncia ou, se não tiver manifestado o propósito a que se refere aquele nº 2 até 20 dias depois da notificação ao arguido da acusação ou se não a houver do despacho de pronúncia).
Portanto, deduzida a acusação no inquérito, o direito à indemnização tem de ser exercido nos prazos peremptórios assim cominados, sob pena de ficar definitivamente encerrada a possibilidade do exercício da acção cível em conjunto com a acção penal.
Se assim é, passada essa fase processual, não só deixa de ser já possível o exercício do direito no processo penal, como, logicamente, deixa de operar o obstáculo a que o titular do mesmo o concretize na acção civil, pelo que se deve fixar em tal etapa o início do cômputo do prazo da prescrição do direito, por se verificar, a partir de então, a inércia do seu titular em que a inerente extinção do direito se funda. Donde, o prazo de prescrição do direito inicia-se quando ao respectivo titular for exigível que o exerça, por estar em condições objectivas de o poder fazer, nos termos do citado art. 306º do CC.
Em suma, neste caso, tendo o Ministério Público exercido a acção penal, deduzindo acusação, o A estava em condição de formular o pedido de indemnização cível no processo penal. Não o tendo feito e não estando, desde então, impedido de exercer o direito a que se arroga na instância cível, o prazo de prescrição conta-se a partir do momento em que poderia deduzir tal pedido no processo crime, de acordo com o princípio da adesão.”[6]
12.1 Na situação dos presentes autos, os factos apurados, permitem concluir que o R. foi condenado pelo crime de ofensa à integridade física, por negligência, através de sentença condenatória de 03-09-2014, tendo a acusação sido deduzida em 27-03-2014, data em começou o correr o prazo para dedução do pedido cível (a partir da respectiva notificação), não estando o A. obrigado a deduzi-la no processo crime, nem tendo renunciado a essa possibilidade (dedução de pedido cível perante o tribunal civil antes da apresentação da queixa vale como renúncia a este direito), pelo que, tendo a presente acção sido proposta em 03-06-2016, será de confirmar a decisão do tribunal recorrido no sentido de, nessa data, não se encontrar ainda prescrita a indicada responsabilidade do R.
Tendo a decisão recorrida acolhido a orientação da jurisprudência constante deste STJ (cf. nomeadamente: de de 18-01-2018, Revista n.º 103/14.4TBCBC.G1.S1 - 6.ª Secção, de 22-05-2013, Revista n.º 2024/05.2TBAGD.C1.S1 - 2.ª Secção, de 12-10-2010, Revista n.º 315/09.2TPRT-A.P1.S1 - 1.ª Secção, de 13-10-2009, Revista n.º 206/09.7YFLSB - 6.ª Secção, de 27-04-2006, Revista n.º 819/06 - 6.ª Secção, de 22-01-2004, Revista n.º 4084/03 - 2.ª Secção, com a qual se concorda, por se considerar que corresponde à melhor interpretação dos preceitos legais indicados – e não contraditada pelos argumentos do recorrente – nada há a apontar à decisão recorrida.
Cumpre ainda indicar que a invocação do art.º 118.º, n.º 3 do CP[7], não fica prejudicada pela solução dada ao litígio, s.m.o.
13. Pugna ainda a recorrente pela prescrição do direito ao reembolso reclamado pelo ISS.
Porque se trata de questão que não foi apreciada no acórdão recorrido e que nem sequer foi expressamente apreciada na sentença de 1.ª instância, não cumpre dela conhecer no presente recurso – que incide sobre as questões tratadas no acórdão recorrido e não sobre questões novas, pelo que não há que analisar a questões suscitada da violação do art.º 60.º, n.º 3 da Lei n.º 4/2007, de 18 de Janeiro (Bases Gerais do Sistema de Segurança Social).
III. Decisão
Pelos fundamentos acima indicados, é negada a revista e confirmado o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 5 de Maio de 2020
Fátima Gomes (Relatora)
Acácio Neves
Fernando Samões
[1] Sic.
[2] Cf., nomeadamente, Ac. STJ de 07-05-2008, proc. 3380/07.
[3] Ac. STJ de 17-01-2017, proc. 775/12.4TBMGR-A.C1.S1 – disponível em Sumários, Janeiro 2017 (www.stj.pt).
[4] Sic.
[5] Disponível em www.dgsi.pt.
[6] No mesmo sentido Ac. do STJ de 22-01-2004, Proc. n.º 03B4084 e de 13-01-2009, proc. n.º 206/09.7YFLSB.
[7] Umas vezes aparece indicado CPP, o que se crê ser lapso.