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LCR/JG/CM
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
I
1 - Relatório
1. No Juízo do Trabalho …… do Tribunal Judicial da Comarca ……… AA intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, emergente de contrato de trabalho contra “AVIPRONTO PRODUTOS ALIMENTARES, S.A.”, pedindo a condenação da Ré no pagamento:
A) Do montante correspondente à rúbrica “mudança de viatura a cada 4 anos ou 200.000Km, no final opção de compra da mesma por 5% do valor da compra” no valor de €70.000,00;
B) Do montante correspondente à rúbrica “prémio de produtividade anual equivalente a três salários” no valor de €123.000,00, ou tendo como referência o valor de €12.500,00;
C) Do valor pela não realização da formação profissional no montante de €12.000,00
D) Do montante que o Autor não descontou para a segurança social no valor de €2.670,00;
E) Assim como os juros legais vincendos e que, entretanto, se vencerem até integral pagamento.
Para tanto invocou, em síntese, que que foi admitido ao serviço da ré para desempenhar as funções de ……comercial, que tal admissão teve lugar após negociações dos termos do contratuais com a ré e depois de esta ter aceite garantir ao autor as condições contratuais e remuneratórias não inferiores às que o mesmo dispunha na sua anterior empregadora, e que, não obstante os vários anos decorridos e a insistência do autor, a ré não cumpriu a totalidade das condições acordadas. Invocou também que o incumprimento da ré que teve reflexo nos valores declarados para a segurança social, estando o autor em situação de baixa médica desde 3-3-2017 com inegável reflexo nos valores que lhe são liquidados a título de subsídio de doença, e que a ré nunca lhe facultou qualquer formação profissional tendo sido o próprio a, à sua custa e sem reconhecimento da categoria de trabalhador-estudante, a promover a sua formação académica e profissional.
2. Realizada a audiência de partes, e frustrada a conciliação, a Ré apresentou contestação na qual invocou, em síntese, que, sem prejuízo de nunca ter acordado qualquer prémio de produtividade, impugna que tenha tido lugar a expansão de negócios que o autor alega para justificar o mesmo, questionando a sua forma de cálculo e, bem assim, qualquer obrigatoriedade de aumento anual. Mais invocou que a viatura automóvel é sua propriedade e foi disponibilizada ao autor para utilização, enquanto trabalhador, sem que daí resultasse para o autor qualquer direito sobre a mesma ou relativo à mesma, e que, sem prejuízo de ter ministrado ao autor formação profissional concedeu-lhe diversas dispensas para o mesmo concluir os seus estudos académicos, permitindo que o mesmo utilizasse e permanecesse nas suas instalações a estudar.
Em reconvenção, alegando prejuízos resultantes da retenção pelo Autor, durante a suspensão do contrato de trabalho por tempo indeterminado por motivo de doença, da viatura automóvel que lhe havia sido facultada para utilização ao seu serviço, pediu a Ré a condenação do Autor a reconhecer que não tem direito ao veículo da Ré enquanto perdurar a suspensão do contrato de trabalho e a proceder à sua entrega imediata, e no pagamento de indemnização no montante mínimo diário de € 41,34, perfazendo ao tempo a quantia de € 3 720,60, e na condenação do A., a título de sanção pecuniária compulsória, de € 50,00 diários por cada dia de atraso na entrega do veículo.
Após resposta do Autor a acção prosseguiu os seus termos normais, com realização de audiência prévia, no âmbito da qual o tribunal convidou o Autor a concretizar factos atinentes ao pedido formulado, o que o Autor fez em articulado a que a Ré respondeu mantendo o anteriormente alegado, vindo a instância a ser suspensa, em razão do óbito do Autor, e a prosseguir depois com os sucessores entretanto habilitados.
3. Em continuação da audiência prévia foi admitido o pedido reconvencional, fixado o valor da causa e proferido despacho saneador, após o que, discutida a causa, foi proferida sentença que finalizou com o seguinte dispositivo:
“Termos em que, com a fundamentação de facto e de direito enunciada, se decide julgar a presente acção parcialmente procedente por provada e em consequência:
a) Condenar a ré a pagar, aos sucessores habilitados do autor, a quantia que em sede de execução de sentença se venha a apurar corresponder ao valor corresponder a 5,00% da viatura da marca ………… entregue ao autor em 2005, quando esta atingiu os 200 000 km, 5,00% de uma viatura equivalente à entregue em 2005 quando esta atingiu os 400 000 km e os 600 000 km, acrescida de juros de mora à taxa anual de 4,00% contabilizados desde a liquidação de tal valor e até efectivo e integral pagamento.
b) Condenar a ré a pagar, aos sucessores habilitados do autor, a quantia de 1 817,55€ (mil oitocentos e dezassete euros e cinquenta e cinco cêntimos) a título de crédito de formação profissional não prestada, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa anual de 4,00% contabilizados desde 1-1-2015 sobre 605,85€, desde 1-1-2016 sobre 605,85€ e desde 1-1-2017 sobre 605,85€, sempre até efectivo e integral pagamento.
c) Absolver a ré do mais contra si peticionado nos autos
d) Julgar improcedente o pedido reconvencional absolvendo o autor, representado pelos seus sucessores habilitados, do mesmo.
e) Condenar autor, representado pelos seus sucessores habilitados, e ré nas custas do pedido da acção na proporção de, respectivamente, 95,00% e 5,00%.
f) Condenar a ré nas custas do pedido reconvencional.
4. Inconformada com a sentença dela apelou a Ré, tendo os Autores habilitados apresentado contra-alegações e interposto recurso subordinado, ambos impugnando a decisão proferida sobre a matéria de facto, e de direito, alegando, em substância, erro de julgamento na aplicação do direito aos factos.
5. Conhecendo dos recursos, o Tribunal da Relação, por acórdão de 29 de Abril de 2020, julgou-os parcialmente procedentes, tendo a final, proferido a seguinte decisão:
“Decisão
Em face do exposto, acordam os Juízes deste Tribunal e Secção em:
- Julgar parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto apresentada pela Ré, nos termos supra mencionados
- Julgar parcialmente procedente por parcialmente provado o recurso da Ré e, em consequência, alterar a al. a) do dispositivo da sentença na parte em que refere …….. passando a ter a seguinte redacção:
“a) Condenar a ré a pagar aos sucessores habilitados do autor, a quantia que em sede de execução de sentença se venha a apurar corresponder ao valor de 5,00% da viatura de marc……………, com a matrícula ……-AQ entregue ao autor em 2005, quando esta atingiu 200.000km, 5,00% de uma viatura equivalente à entregue em 2005 quando esta atingiu os 400.000km e os 600.000km, acrescida de juros à taxa anual de 4,00% contabilizados desde a liquidação de tal valor e até efectivo e integral pagamento. ”
- Julgar procedente a impugnação da matéria de facto apresentada pelos Autores habilitados nos termos supra mencionados.
- Julgar o recurso subordinado parcialmente procedente por parcialmente provado e condenar a Ré a pagar ao Autor os prémios anuais relativos aos anos de 2006, 2007, 2008, 2010,2011,2012, 2013, valor a apurar em incidente de liquidação”.
6. Inconformada com a decisão dela interpõe a Ré recurso de revista, formulando a final as seguintes conclusões:
1. A matéria de facto considerada provada conforme pontos 5 e 17 em conjugação com o raciocínio do acórdão só pode conduzir à absolvição da Ré do pagamento dos prémios anuais peticionados pelo A. uma vez que não foi provado que fossem as vendas referidas no ponto 17 o indicador para esse efeito.
2. Competia ao autor, nos termos do art 342º nº 1 do Código Civil, provar qual era o indicador de pagamento do prémio que foi acordado e a sua verificação em termos que determinasse a obrigação de pagamento de prémio anual.
3. O acórdão ainda que tenha procedido à alteração da matéria de facto vertida no ponto 5, não podia ter condenado a Ré a pagar ao A. o prémio nos anos de 2006, 2007, 2008, 2010, 2011, 2012 e 2013 com base nos valores referidos no ponto 17 da matéria de facto, dado que não foi feita qualquer prova de que esses valores fossem o indicador ou os termos acordados.
4. Os fundamentos invocados no acórdão são insuficientes para ser considerado como devidos ao A., o pagamento de prémios de produtividade.
5. O acórdão labora em erro de Julgamento ao considerar como devido o tal prémio nos anos 2006, 2007, 2008, 2010, 2011, 2012 e 2013.
6. O acórdão é nulo, nos termos do disposto no artigo 615º nº 1, als. b) e c) do CPC, pois os factos provados e os fundamentos invocados, são insuficientes e estão em oposição com a decisão de condenar a Ré no pagamento do prémio de produtividade nos anos 2006, 2007, 2008, 2010, 2011, 2012 e 2013, devendo o mesmo ser nesta parte revogado e reposta a decisão da 1ª instância que absolveu a Ré deste pedido.
REVOGANDO-SE O ACÓRDÃO RECORRIDO NESTA PARTE E DECIDINDO-SE DESTE MODO, SE FARÁ A COMPETENTE JUSTIÇA”.
7. Os Autores habilitados não apresentaram contra-alegações.
8. Cumprido o disposto no artº 87º, nº 3, do C.P.T., a Exma. Procuradora-Geral-Adjunta emitiu douto parecer no sentido da improcedência da revista, parecer que, tendo sido notificado às partes, foi objeto de resposta pela Ré/recorrente.
Admitido o recurso com o adequado efeito e regime de subida, cumpre proferir decisão quanto ao seu mérito.
II
2 - Delimitação objectiva do recurso
Delimitado o objecto do recurso pelas questões suscitadas pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nº 3, e 639º, nº 1, do CPC), sem prejuízo da apreciação das que são de conhecimento oficioso, (artigo 608º, nº 2 do CPC), as questões jurídicas trazidas à apreciação deste Supremo Tribunal são as seguintes:
a) nulidade, por insuficiência da fundamentação, nos termos do artigo 615º, nº 1, al. b), do C.P.C.;
b) nulidade, por contradição entre os fundamentos e a decisão, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea c), do CPC;
c) saber se o tribunal a quo errou ao condenar a recorrente a pagar ao A. o prémio, de produtividade anual, nos anos de 2006, 2007, 2008, 2009, 2011, 2012 e 2017.
III
3 - Fundamentação de facto
A sentença de 1ª instância considerou provada a seguinte matéria de facto:
1. Em Março Abril de 2005 o autor foi contactado pela ré com vista a exercer funções de ……comercial.
2. À data o autor encontrava-se a trabalhar noutra empresa.
3. Tendo manifestado disponibilidade para avaliar a proposta da ré desde que lhe fossem garantidas condições que superassem aquelas que então possuía.
4. Solicitado pela ré a esclarecer as condições que possuía o autor comunicou que à retribuição acresciam as seguintes condições: seguro de saúde (incluindo a família), seguro de vida, viatura para uso 365 dias/ano, mudança de viatura a cada quatro anos ou a cada 200 000 km e com opção de compra por 5,00% do valor da compra, combustível e portagens, fitness até 600,00€/ano, almoços à factura e prémios por objectivos em função dos resultados com o limite de 12 500,00€ líquidos.
5. Após negociações a ré propôs ao autor uma retribuição mensal base ilíquida de 3 000,00€, com subsídio de alimentação no montante diário de 5,00€, 930,00€ de ajudas de custo liquidadas onze vezes por ano, almoços à factura, viatura para uso total, pessoal e profissional, 365dias/ano, com mudança de viatura a cada quatro anos ou a cada 200 000km e com opção de compra por 5,00% do valor da compra, combustível, portagens, telemóvel e prémio anual em função dos resultados, em termos a acordar mas tendo por referência o limite de três salários.
6. Proposta feita na condição de o autor assumir a gestão das grandes superfícies, compras gerais da ré e logísticas de viaturas e sua manutenção.
7. O autor aceitou a proposta da ré.
8. Em 17-5-2005, autor e ré subscreveram contrato de trabalho a termo incerto no qual o autor se obrigou ao desempenho, sob as ordens direcção e fiscalização da ré, das funções inerentes à categoria de director comercial.
9. No referido documento consignaram que o autor auferia uma retribuição mensal ilíquida de 3 000,00€ acrescida de 5,00€ diários de subsidio de alimentação.
10. Quando ao autor iniciou funções a ré atribui-lhe uma viatura, da marca …., modelo ………, com a matrícula …….-AQ que o autor passou a utilizar sem qualquer limitação no desempenho das suas funções e na sua vida particular.
11. Suportando a ré a sua manutenção, seguros, impostos e via verde.
12. A referida viatura nunca foi trocada ou substituída, tal como nunca foi facultada ao autor a sua aquisição.
13. A viatura tem 600 000 km de utilização pelo autor.
14. A ré nunca pagou qualquer prémio anual ao autor.
15. A retribuição base do autor nunca foi alterada.
16. Ao longo dos anos de desempenho de funções o autor questionou a ré sobre pagamento do prémio anual.
17. A ré registou os seguintes valores líquidos de vendas junto de clientes GMS: 20 607 588,00€ em 2004; 22 403 784,33€ em 2005; 29 851 313,86€ em 2006; 41 273 488,29€ em 2007; 47 899 117,38€ em 2008; 43 771 459,48€ em 2009; 43 831 331,27€ em 2019; 46 026 828,74€ em 2011; 46 699 706,94€ em 2012; 49 612 844,90€ em 2013; 47 303 156,55€ em 2014; 39 195 209,07€ em 2015.
18. Em 3-3-2017 o autor entrou em situação de baixa médica.
19. Passando a receber subsídio de doença.
20. Em 24-4-2017 o autor interpelou a ré, através de carta subscrita por advogado que mandatou, sobre a substituição da viatura e sobre o prémio anual, acusando a não substituição e o não pagamento.
21. Em 8-5-2017 e em 8-6-2017 a ré respondeu recusando a existência de qualquer a obrigação de substituição da viatura ou de pagamento de prémio anual.
22. Em 12-6- 2017 a ré solicitou ao autor a devolução da viatura num prazo de cinco dias.
23. A sua devolução teve lugar em 7-3-2018.
24. A ré facultou ao autor 14 e 18 horas de formação profissional em, respectivamente, 2012 e 2016
25. Enquanto ao serviço da ré o autor frequentou ensino superior.
E não provada a seguinte:
1. A viatura da marca …., modelo …….., com a matrícula ……-AQ após quatro anos de utilização ou de 50 000 km a mesma tinha um valor de mercado de 21 250,00€.
2. Os outros trabalhadores da ré viram as suas retribuições aumentadas em 2,00% ao ano.
3. Os objectivos do prémio anual de produtividade eram definidos no início de cada ano.
4. O prémio de produtividade foi acordado com um valor correspondente a três salários.
5. O autor obteve a licenciatura ao serviço da ré.
6. Qual o valor recebido pelo autor a título de subsídio de doença.
7. O autor nunca exerceu funções de compras, logística e manutenção.
8. Após a admissão do autor a ré teve uma quebra do volume de negócios superior a 10 000 000,00€.
9. Após a admissão do autor a ré perdeu clientes.
10. Qual o volume total de vendas da ré em 2004.
11. A ré facultou ao autor dispensas de mais de 100 horas para a frequência de ensino superior e realização de exames, permitindo ao autor que permanecesse nas instalações da ré a estudar.
12. As cartas da ré solicitando a devolução da viatura foram enviadas após infrutíferas solicitações verbais.
13. A utilização da viatura pelo autor causa prejuízo diário à ré no montante de 41,34€.
O Tribunal da Relação no acórdão recorrido, julgando parcialmente procedentes os recursos, principal e subordinado, relativamente à impugnação da decisão em matéria de facto, introduziu nela as seguintes alterações:
O ponto 5 da matéria de facto provada passou a ter a seguinte redacção:
5 – Após negociações a ré propôs ao autor uma retribuição mensal base ilíquida de 3 000,00€, com subsídio de alimentação no montante diário de 5,00€, 930,00€ de ajudas de custo liquidadas onze vezes por ano, almoças à factura, viatura para uso total, pessoal e profissional, 365 dias/ano, com mudança de viatura a cada quatro anos ou a cada 200 000km e com opção de compra por 5,00% do valor da compra, combustível, portagens, telemóvel e prémio anual em função dos resultados, em termos a acordar, mas tendo como limite mínimo três salários, salvo se as vendas efectuadas fossem inferiores aos anos anteriores e os resultados fossem negativos.
O ponto 10 da matéria de facto provada passou a ter a seguinte redacção:
10 – Quando o autor iniciou funções a ré atribuiu-lhe uma viatura de marca ……….., com a matrícula ……-AQ que o autor passou a utilizar sem qualquer limitação no desempenho das suas funções e na sua vida particular.
4 - Fundamentação de direito
a) nulidade, por insuficiência da fundamentação, nos termos do artigo 615º, nº 1, al. b), do C.P.C.
Invoca a recorrente que o acórdão recorrido incorre nas nulidades contempladas nas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, sustentando, por um lado, que os fundamento invocados são insuficientes para ser considerado como devido ao A. o prémio de produtividade nos anos de 2006, 2007, 2008, 2010, 2011, 2012 e 2013, e, por outro, que os fundamentos invocados estão em oposição com a decisão de condenação no pagamento de tal prémio de antiguidade, pugnando pela revogação do acórdão recorrido e repristinação da decisão de 1ª instância que a absolveu deste pedido.
Vejamos:
As causas de nulidade da sentença encontram-se enumeradas, de forma taxativa, no artigo 615º do Código de Processo Civil, dispondo esse preceito, aplicável aos acórdãos proferidos pela Relação, por força do n.º 1 do artigo 666.º do mesmo Código, que, para além das demais situações contempladas nesse normativo, é nula a sentença quando não especifique ao fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (alínea b), e os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (nº 1, al. c).
É, desde há muito, entendimento pacífico, que as nulidades da decisão não incluem o erro de julgamento seja de facto ou de direito[1]: as nulidades típicas da sentença reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de actividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal[2]; trata-se de vícios de formação ou actividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afectam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento ( error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei[3], consiste num desvio à realidade factual [nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma] ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma.
Como ensinava o Prof. José Alberto Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1981, Vol. V, págs. 124, 125, o magistrado comete erro de juízo ou de julgamento quando decide mal a questão que lhe é submetida, ou porque interpreta e aplica erradamente a lei, ou porque aprecia erradamente os factos; comete um erro de actividade quando, na elaboração da sentença, infringe as regras que disciplinam o exercício do seu poder jurisdicional. Os erros da primeira categoria são de carácter substancial: afectam o fundo ou o efeito da decisão; os segundos são de carácter formal: respeitam à forma ou ao modo como o juiz exerceu a sua actividade.
E, como salienta o Prof. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, pág. 686, perante norma do Código de Processo Civil de 1961 idêntica à actual, o erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade a não conformidade com o direito aplicável, não se incluiu entre as nulidades da sentença.
As nulidades ditam a anulação da decisão por ser formalmente irregular, as ilegalidades ditam a revogação da decisão por estar desconforme ao caso (decisão injusta ou destituída de mérito jurídico) (cf. neste sentido acórdão STJ citado de 17.10.2017, Procº nº 1204/12.9TVLSB.L1.S1.).
Como se afirmou no acórdão deste Supremo Tribunal de 19.11.2015, Procº nº 568/10.3TTVNG.P1.S1, na nulidade, ao contrário do erro de julgamento, em que se discorda do teor do conteúdo da própria decisão, invocam-se circunstâncias, legalmente previstas no artigo 615º do CPC, que ferem a própria decisão.
Em suma, as causas de nulidade da decisão elencadas no artigo 615º do Código de Processo Civil visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o erro de julgamento, não estando subjacentes às mesmas quaisquer razões de fundo, motivo pelo qual a sua arguição não deve ser acolhida quando se sustente a mera discordância em relação ao decidido.
No caso vertente a recorrente invoca que o acórdão recorrido enferma da nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, sustentando que os factos provados e os fundamentos invocados são insuficientes para ser considerado como devido ao A. o pagamento de prémios de produtividade nos anos de 2006, 2007, 2008, 2010, 2011, 2012 e 2013 com base nos valores referidos no ponto 17 da matéria de facto provada, porquanto, em seu entender, não foi feita prova de que esses valores fossem o indicador ou os termos acordados, daí concluindo que os factos provados são insuficientes para a decisão.
De acordo com o disposto no artigo 615º, nº 1, al. b) do C.P.C. “é nula a sentença quando (…) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (…)”.
A nulidade contemplada nesse preceito ocorre quando não se especifiquem os fundamentos de facto e de direito em que se funda da decisão, impondo-se por razões de ordem substancial, cumprindo ao juiz demonstrar que da norma geral e abstracta soube extrair a disciplina ajustada ao caso concreto, e de ordem prática, posto que as partes precisão de conhecer os motivos da decisão, em particular a parte vencida, a fim de, sendo admissível o recurso, poder impugnar o respectivo fundamento.
Esse dever de fundamentação, causa de nulidade da sentença, respeita à falta absoluta de fundamentação, como dão nota A. Varela, M. Bezerra e S. Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, p. 687, ao escreverem “Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente e incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”.
Como já afirmava o Prof. Alberto os Reis, ob. citada, pág. 140, “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade”.
No mesmo sentido constitui jurisprudência pacifica e reiterada deste Supremo Tribunal de Justiça, sufragada, entre outros, nos acórdãos de 9.10.2019, Procº nº 2123/17.8LRA.C1.S1, 15.5.2019, Procº nº 835/15.0T8LRA.C3.S1 e 2.6.2016, Procº nº 781/11.6TBMTJ.L1.S1, que só se verifica a nulidade da sentença em caso de falta absoluta de fundamentação ou motivação não bastando que esta seja deficiente, incompleta ou não convincente.
A insuficiência da fundamentação invocada pela recorrente, sustentada na mera discordância relativamente ao decidido que evidencia, não integra a causa de nulidade da decisão prevista no artigo 615º, nº 1, al. b) do C.P.C.
De notar, de todo o modo, que o acórdão recorrido não enferma de qualquer insuficiência da fundamentação porquanto, apreciando a questão, suscitada no recurso subordinado, de saber se era devido ao A. um prémio anual em função dos resultados, indica claramente os fundamentos que motivaram a decisão, dizendo:
“Ora, considerando a alteração introduzida na parte final do ponto 5 dos factos provados no sentido de que foi acordado com o Autor um “prémio anual em função dos resultados, em termos a acordar, mas tendo como limite mínimo três salários, salvo se as vendas efectuadas fossem inferiores aos anos anteriores e os resultados da empresa não fossem negativos”, não podemos acompanhar o entendimento do Tribunal a quo de que não estão verificados os pressupostos de atribuição do prémio anual.
Com efeito, ao Autor ficou assegurado um prémio anual equivalente a 3 salários, no mínimo, desde que as vendas efectuadas não fossem inferiores às dos anos anteriores e os resultados da empresa não fossem negativos.
Assim, considerando a matéria de facto provada no ponto 17, resulta que aos Autor são devidos os prémios anulais relativos aos anos de 2006, 2007, 2008, 2010, 2011, 2012 e 2013”.
Improcede, pois, esta nulidade invocada pela recorrente.
b) nulidade, por contradição entre os fundamentos e a decisão, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea c), do CPC
Começando por referir que a alteração do ponto 5 da matéria de facto provada não é bastante para sustentar a sua condenação automática de um prémio em função dos resultados com o limite mínimo de três salários, invoca a recorrente que o acórdão recorrido é nulo, por oposição entre os fundamentos e a decisão, sustentando que foi dado como não provado no ponto 4 dos factos não provados que o prémio de produtividade tivesse sido acordado com um valor correspondente a três salários “o que constitui uma absoluta contradição entre a factualidade provada e a decisão”, e que não se provou se provou que as vendas referidas no ponto 17 da matéria de facto provada fossem o indicador para o pagamento do prémio anual ao A.
De acordo com o disposto no artigo 615º, nº 1, al. c) do C.P.C. “é nula a sentença quando (…) os fundamentos estejam em oposição com a decisão (…)”.
A nulidade da sentença contemplada nesse preceito pressupõe um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la. Ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto.
Como se afirmou no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 26.1.2017, Procº nº 8838/12.0T8BVNG.P2.S1:
“(…)
III - A causa de nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. c), ocorre quando “há um vício real de raciocínio do julgador em que a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente.
IV – Saber se o enquadramento jurídico feito no acórdão e a conclusão a que nele se chegou são, ou não, acertados ou injustos, constitui matéria de que não cabe curar em sede de nulidade de sentença/acórdão. Trata-se de questão a envolver eventual erro de julgamento e nunca fundamento de nulidade do acórdão, que se prende tão só com a estrutura formal da decisão”.
Por outro lado, essa nulidade verifica-se quando existe contradição entre os fundamentos exarados pelo juiz na fundamentação da decisão e não entre os factos provados e a decisão ( cf. neste sentido acórdãos Supremo Tribunal de Justiça de 18.1.2018, Procº nº 25106/15.8T8LSB.L1.S1 e 31.1.2017, Procº nº 820/07.5TBMCN.P1.S1), ou, como se afirmou no acórdão de 11.1.2018, Procº nº 779/14.2TBEVR-A.E1.S1:
“(…)
II – A errada interpretação e valoração jurídica de facto envolve erro de natureza jurídica que, comprometendo o acerto da fundamentação nessa parte, se repercute no mérito do aresto, sem beliscar, todavia, a sua regularidade formal”.
Na esteira de tal jurisprudência é de concluir, desde já, que improcede liminarmente nesta sede a invocação de contradição entre a decisão e um determinado ponto da matéria de facto.
Mais, um facto não provado apenas significa não se ter provado o facto quesitado, não que se tenha demonstrado o facto contrário, tudo se passando como se aquele facto não tivesse sido articulado, donde se segue que a contradição entre a decisão e um facto não provado é uma impossibilidade lógica.
Certo é, no caso sub judice que, face à matéria de facto provada, considerou o acórdão recorrido que ao Autor foi assegurado um prémio anual equivalente a 3 salários, no mínimo, desde que as vendas efectuadas pela empresa não fossem inferiores às dos anos anteriores e os resultados da empresa não fossem negativos, e, considerando a matéria provada no ponto 17 respeitante às vendas efectuadas pela Ré, de que resulta que nos anos considerados se verificavam as condições de verificação do prémio, concluiu serem devidos os prémios anuais ao A.
A conclusão alcançada, a decisão, é a conclusão lógica que decorre dos fundamentos, não se surpreendendo entre tal decisão e os respectivos fundamentos qualquer vício de raciocínio.
Não ocorre, portanto, a nulidade arguida.
c) Erro de julgamento
Enquanto a sentença de 1ª instância, face ao teor do ponto 5 da matéria de facto provada, de que “Após negociações a ré propôs ao autor uma retribuição mensal base ilíquida de 3 000,00€, com subsídio de alimentação no montante diário de 5,00€, 930,00€ de ajudas de custo liquidadas onze vezes por ano, almoços à factura, viatura para uso total, pessoal e profissional, 365dias/ano, com mudança de viatura a cada quatro anos ou a cada 200 000km e com opção de compra por 5,00% do valor da compra, combustível, portagens, telemóvel e prémio anual em função dos resultados, em termos a acordar mas tendo por referência o limite de três salários”, partindo do pressuposto nela enunciado de o prémio ter sido estabelecido sem um valor garantido, com um limite máximo de três salários, e considerando que que “os prémios em função dos resultados da empresa são normalmente estabelecidos por referência a um valor percentual, de um determinado indicador de resultados” concluiu que o facto de o A. não ter feito prova de que o resultado das vendas era o indicador a considerar impedia que se tivessem por demonstrados os pressupostos que determinavam a obrigação de pagamento de prémio anual em função dos resultados, razão pela qual absolveu, nessa parte, a Ré do pedido.
A recorrente, respigando esse excerto da sentença de 1ª instância, insurge-se contra a decisão do acórdão recorrido, sustentando que apesar da alteração da matéria de facto vertida no ponto 5 não podia a decisão ser diversa por não terem ficado demonstrados os pressupostos de atribuição do prémio anual.
O que resulta, porém, da parte final do ponto 5 da matéria de facto provada após a alteração efectuada pelo tribunal a quo, é que, como o acórdão recorrido sublinhou na sua fundamentação, ao Autor ficou assegurado um prémio anual equivalente a três salários, no mínimo, desde que as vendas efectuadas pela empresa não fossem inferiores às dos anos anteriores e os resultados da empresa não fossem negativos, resultados esses que são os espelhados no ponto 17 da matéria de facto provada, que, nos anos considerados levaram à conclusão de ser devido aquele prémio ao Autor.
Face à alteração da matéria de facto provada, estando definitivamente assente que aquando da celebração do contrato de trabalho as partes acordaram na existência de um prémio anual em função dos resultados da empresa, com o valor mínimo de três salários, desde que as vendas efectuadas pela empresa não fossem inferiores às dos anteriores e os resultados da empresa não fossem negativos, a questão de saber qual o indicador para preenchimento dos pressupostos de atribuição ao A. do prémio anual em questão ficou ultrapassada e definitivamente resolvida, sendo vã e infundada a insistência da Ré nesse aspecto. Donde se conclui que,
A decisão proferida no acórdão recorrido, face à matéria de facto provada e ao princípio pacta sunt servanda consagrado no artigo 406º, nº 1, do Código Civil, não merece qualquer reparo.
IV - Decisão
Em face do exposto, acorda-se em negar a revista e em confirmar o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.
Anexa-se sumário do acórdão.
Nos termos e para efeitos do disposto no artigo 15º-A do Decreto-Lei nº 10-A/2020, de 13 de março (aditado pelo artigo 3º do Decreto-Lei nº 20/2020, de 1 de maio) consigna-se que o presente acórdão foi aprovado por unanimidade, sendo assinado apenas pela relatora.
Lisboa, 3 de Março de 2021
Leonor Maria da Conceição Cruz Rodrigues (Relatora)
_______________________________________________________
[1] Cf. acórdão STJ, de 9.4.2019, Procº nº 4148/16.1T8BRG.G1.S1., disponível, como os demais, em www.dgsi.pt ou em sumários de acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça.
[2] Cf. acórdão STJ, de 23.3.2017, Procº nº 7095/10.7TBMTS.P1.S1.
[3] Cf. acórdãos STJ, de 17.10.2017, Procº nº 1204/12.9TVLSB.L1.S1. e 10.9.2019, Procº nº 800/10.3TBOLH-8.E1.S2.