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III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS DE QUE CUMPRE CONHECER.
1 – Questão prévia: não apreciação do recurso de revista quanto à matéria relativa ao pedido de indemnização por privação de uso, face à irrecorribilidade da decisão, nos termos dos artigos 662º, nº 2, alínea c) e nº 4, do Código de Processo Civil.
2 – Pretendida alteração do quadro factual fixado pelo Tribunal da Relação de Lisboa na sequência da impugnação de facto apresentada ao abrigo do disposto no artigo 640º do Código de Processo Civil. Limitação dos poderes do Supremo Tribunal de Justiça relativamente à sindicância dos factos, nos termos conjugados dos artigos 662º, nºs 1 e 4, e 674º, nº 3, 1ª parte, 682º, nº 2, 1ª parte, do Código de Processo Civil.
3 – Pedido de condenação do Réu apelante como litigante de má fé, suscitada em contra-alegações pela A.
Passemos à sua análise:
1 – Questão prévia: não apreciação do recurso de revista quanto à matéria relativa ao pedido de indemnização por privação de uso, face à irrecorribilidade da decisão, nos termos dos artigos 662º, nº 2, alínea c) e nº 4, do Código de Processo Civil.
Decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa conceder parcial provimento ao recurso subordinado interposto pela Autora e, em consequência, anular a sentença recorrida na parte objecto deste recurso, ou seja, no que concerne à decisão de absolvição do Réu “do mais peticionado”, em ordem à ampliação da decisão da matéria de facto, nos termos supra indicados.
Refere-se no acórdão recorrido:
“Esta jurisprudência, ainda que por vezes sumariamente enunciada em termos demasiado rígidos, tem sido aplicada com alguma generosidade, conduzindo à atribuição de indemnizações pela denominada “privação do uso” do bem. Daí não divergirmos da mesma, já que, em nosso entender, quando, devido à ocupação do seu prédio por terceiro, o proprietário de um imóvel está a ser privado de o usar, inferindo-se dos factos provados que, não fora essa circunstância, o pretenderia fazer, do mesmo retirando quaisquer utilidades (cf. art. 1305.º do CC), tal configura um dano que deve ser indemnizado (por aquele ocupante), podendo na sua quantificação recorrer-se à equidade. Neste sentido, destacamos dois acórdãos da Relação de Lisboa:
- de 08-10-2020, proferido no processo n.º 3622/19.2T8LSB.L1 (não disponível online e em que a ora Relatora interveio como 1.ª Adjunta), como se alcança das seguintes passagens do respetivo sumário:
“2. O facto do lesado estar a ser privado de usar um bem que lhe pertence, não lhe sendo permitido dele retirar as utilidade pretendidas, constitui ele próprio um dano representando uma limitação ao seu direito de propriedade, que deve ser indemnizado quando os factos revelam de forma consistente e com toda a probabilidade a determinação de ser dado uso ao bem.
3. Estando demonstrada a existência dos danos, faltando apenas a sua quantificação, está o tribunal legitimado a recorrer à equidade para fixar o valor indemnizatório, de acordo com o art.º 566.º n.º 3 C.Civil.”
- de 07-10-2021, proferido no processo n.º 28606/17.1T8LSB.L1 (disponível em https://outrosacordaostrp.com e em que a ora Relatora interveio como 2.ª Adjunta), em cujo sumário se refere que: “Estando dado como provado, com base nas alegações dos autores, que “se o réu lhes tivesse entregado o imóvel em Agosto de 2013 estes poderiam ter percebido um rendimento mensal proveniente daquele não inferior a 1700€”, o réu deve ser condenado – como foi - a indemnizar os autores desse valor mensal enquanto não restituir o imóvel, podendo-o ser, no caso, quer ao abrigo da responsabilidade civil, quer ao abrigo do enriquecimento sem causa.”
Ora, constatamos que o Tribunal a quo, embora parecendo aderir a esta tese, não logrou, ante a insuficiência da decisão da matéria de facto, aplicá-la corretamente. Com efeito, a Autora alegou nos artigos 13.º a 31.º da Petição Inicial um conjunto de factos que se revestem de relevância para a decisão desta questão, factos que não foram considerados provados ou não provados na sentença, porventura por terem sido indevidamente perspetivados como respeitantes apenas ao pedido ilíquido referido em e) do petitório, o que não é correto, designadamente no que concerne à matéria vertida nos artigos 13.º, 14.º, 15.º, 17.º, 18.º, 23.º, 24.º, 28.º, 29.º e 30.º.
Impõe-se, assim, ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 2 do art. 662.º do CPC [e tendo em atenção o previsto na alínea c) do n.º 3 do mesmo artigo], anular, no tocante à decisão absolutória da mesma constante, a decisão proferida na 1.ª instância, por ser indispensável a ampliação da decisão da matéria de facto”.
Tal significa que, embora o Tribunal da Relação de Lisboa não afaste neste caso – antes dê conta de perfilhar -, em abstracto, a possibilidade da titularidade de um direito indemnizatório que venha a caber à A. com base no dano de privação de uso, a reconhecer perante a ausência da disponibilidade do bem e independentemente da prova do uso que lhe quereria dar, o certo é que neste particular (quanto à concreta absolvição do Réu desse pedido) a 2ª instância limitou-se a proceder tão somente à anulação do decidido, servindo-se para o efeito do disposto no artigo 662º, nº 2, alínea c), do Código de Processo Civil.
Assim sendo, cumpre concluir que inexiste, por ora, qualquer condenação do Réu no pagamento de indemnização a título de privação do direito ao uso do imóvel pertencente à A., prosseguindo neste tocante os autos para ampliação da decisão de facto e sendo oportunamente proferida a pertinente decisão em 1ª instância.
Logo, o acórdão recorrido é, nesta parte, irrecorrível para o Supremo Tribunal de Justiça nos termos do artigo 662º, nº 2, alínea c) e 4º do Código de Processo Civil.
De resto e em rigor, o recurso de revista não foi sequer admitido neste particular, conforme resulta do despacho proferido pelo Juiz Desembargador relator, donde consta: “Assim, por a decisão (que, com fundamentação essencialmente diferente, negou provimento ao recurso de apelação interposto pelo Réu e, em consequência, confirmou a sentença recorrida no tocante à decisão de condenação daquele a entregar à Autora a fração em apreço) ser recorrível, o recorrente ter legitimidade e estar em tempo, admite-se o requerimento de interposição de recurso, acompanhado da respetiva alegação, apresentado a 03-10-2022, sendo o recurso de revista, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo (artigos 629.º, 631.º, 637.º, 638.º, 662.º, n.º 4, 671.º, 675.º, 676.º e 679.º do CPC), sendo certo que o Réu não impugnou tal delimitação do objecto do recurso de revista por si interposto.
Pelo que não se conhecerá do objecto do recurso quanto a este ponto.
2 – Pretendida alteração do quadro factual fixado pelo Tribunal da Relação de Lisboa na sequência da impugnação de facto apresentada ao abrigo do disposto no artigo 640º do Código de Processo Civil. Limitação dos poderes do Supremo Tribunal de Justiça relativamente à sindicância dos factos, nos termos conjugados dos artigos 662º, nºs 1 e 4, e 674º, nº 3, 1ª parte, 682º, nº 2, 1ª parte, do Código de Processo Civil.
O recorrente pretende fundamentalmente que o Supremo Tribunal de Justiça aprecie, fiscalize e censure, modificando, a reapreciação do conjunto dos factos dados como provados e não provados que foi oportunamente realizada pelo Tribunal da Relação de Lisboa no uso dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 662º do Código de Processo Civil, na sequência do conhecimento (e procedência) da impugnação de facto apresentada nos termos do artigo 640º do Código de Processo Civil.
Ora, o Supremo Tribunal de Justiça não detém poderes para operar tal sindicância conforme expressamente resulta dos artigos 662º, nºs 1 e 4, e 674º, nº 3, 1ª parte, 682º, nº 2, 1ª parte, do Código de Processo Civil.
Havendo o Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão recorrido, reanalisado criticamente toda a prova produzida junto do juiz a quo, servindo-se para o efeito dos elementos constantes dos autos (testemunhais, periciais e documentais), tendo de forma conclusiva emitido um juízo de facto diverso do perfilhado em 1ª instância, o que foi relevante para a sorte da lide (independentemente da solução jurídica final – convergente - que a sentença proferiu), haverá que concluir que a 2ª instância actuou no pleno exercício dos seus poderes jurisdicionais em matéria de facto, sendo assim o seu veredicto neste particular definitivo e insindicável.
Concretamente, entendeu o Tribunal da Relação de Lisboa que, face à prova produzida nos autos, não se havia demonstrado que a A. tivesse assinado o teor do documento (completamente redigido) que formalizaria o contrato de comodato celebrado entre as partes, no sentido de, conforme nele se atestaria, ter efectivo conhecimento do seu conteúdo e querer, livre e conscientemente, aceitá-lo, assumindo desta forma a qualidade jurídica de comodante.
Logo, por inexistência de prova de qualquer vinculação da A. à celebração nessa qualidade de um contrato de mútuo, julgou-se procedente (com fundamentação essencialmente diversa da adoptada na sentença de 1ª instância) o seu pedido de reivindicação, não podendo, logicamente, considerar-se que o Réu detivesse título idóneo para a ocupação do imóvel (face à não celebração do invocado contrato de mútuo que lhe conferiria, nessas circunstâncias – como se disse, não verificadas -, a qualidade de mutuário).
Foi, em consequência, o Réu condenado à imediata restituição do bem imóvel à sua legítima proprietária, cessando desse modo a ocupação de que até então usufruía, sem título legal que a justificasse.
Esta decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, tomada no estrito âmbito da reapreciação da decisão de facto, é, nos termos legais citados, absolutamente soberana, na medida em que não se verifica qualquer violação do direito probatório material (que o recorrente nem sequer alega ou concretiza), nela não podendo o Supremo Tribunal de Justiça interferir, por ausência de competência para o efeito.
Acresce neste sentido que no seu recurso de revista o recorrente não invocou a incorrecta utilização dos poderes de reapreciação da matéria de facto por parte do Tribunal da Relação ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Diferentemente, o recorrente limitou-se apenas a discordar da concreta valoração da prova em 2ª instância, essencialmente divergente realizada pelo juiz a quo, concluindo – em sede de discussão de facto – que esta habilitaria a afirmar que a A. havia subscrito o documento que formaliza o contrato de comodato em referência, conhecendo o respectivo conteúdo (já inscrito no documento) na sua integralidade, aceitando-o e vinculando-se a cumprir as obrigações daí decorrentes.
Concretamente aludiu à fidedignidade e genuidade do documento que, segundo a sua versão, formaliza o contrato de comodato, assegurando que a perícia realizada atesta a letra e assinatura da A. dele constante.
Porém, o que estava em causa apurar era se a A. havia, ou não, subscrito tal documento com a redacção que, uma vez completo, ostentava.
Quanto a esta discussão concreta – se a A. assinou o documento sem qualquer texto, ou já redigido, afigura-se-nos inócuo o resultado da referida perícia (que apenas serviu para demonstrar que o documento continha uma assinatura da A., aposta em data e circunstâncias não certificadas).
As considerações desenvolvidas pelo Réu recorrente relativamente aos anos de permanência no imóvel não são, por sua natureza, susceptíveis de comprovar a efectiva celebração do invocado contrato de comodato, cujos pressupostos de facto o Tribunal da Relação, uma vez alterado o quadro factual subjacente, entendeu não se encontrarem reunidos.
Ora, tal valoração da prova por parte do Tribunal da Relação, que introduziu as alterações que considerou justificarem-se, dando razão à impugnante, escapa, por sua natureza, ao controlo por parte deste Supremo Tribunal de Justiça, vocacionado apenas para a apreciação de matéria de direito, conforme directamente resulta do disposto no artigo 682º, nº 2, 1ª parte, do Código de Processo Civil.
(Sobre esta temática, vide, Abrantes Geraldes, in “Recursos em Processo Civil”, Almedina, 2022, páginas 503 a 504 ; na jurisprudência vide, entre muitos outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Novembro de 2022 (relator António Barateiro), proferido no processo nº 23994/16.0T8LSB.F.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt); acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 2022 (relator Cura Mariano), proferido no processo nº 6913/18.6T8BRG.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt); acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 2022 (relator Oliveira Abreu), proferido no processo nº 524/20.3T8BJA.E1.S1, publicado in www.dgsi.pt); acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Novembro de 2022 (relator Fernando Batista), proferido no processo nº 2603/19.0T8PDL.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt); acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Novembro de 2022 (relator Jorge Arcanjo), proferido no processo nº 46/08.0TBMIR.C2.S1, publicado in www.dgsi.pt).
Sem a alteração do quadro factual fixado, o enquadramento jurídico perfilhado é indubitável, inexistindo quaisquer dúvidas relativamente ao fundamento legal para a (ordenada) restituição do imóvel à A.
Pelo que a revista é negada neste tocante.
3 – Pedido de condenação do Réu apelante como litigante de má fé, suscitada em contra-alegações pela A.
O pedido de condenação como litigante de má fé do Réu, formulado em sede de contra-alegações, assenta na circunstância de o mesmo haver omitido nos autos a informação acerca do indeferimento do seu pedido de apoio judiciário (que sabia ter acontecido).
Alegou essencialmente a A.:
O Recorrente litiga em manifesta má-fé, nos termos das alíneas c) e d) do n.º 2 do art.º 542.º do CPC, por recorrer em dois graus com base num pretenso apoio judiciário que sabe não ter, devendo ser condenado em multa de montante não inferior a € 2.000,00 pela má-fé em que litiga;
Além disso, deve retirada a consequência prevista no art.º 642.º do CPC e serem as alegações de recurso desentranhadas, ou então, pelo menos que se seja aplicada a sanção de aplicação de multa, no valor máximo de 5UC por cada multa.
Apreciando:
Não lhe assiste razão quanto a esta matéria.
Dispõe o artº 542º, nº 2, do Cod. Proc. Civil:
“Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão“.
O comportamento processual contrário à lei, desde que se conclua que foi adoptado pelo agente com dolo ou negligência grave na prossecução de uma finalidade inadmissível e susceptível de afectar seriamente, de forma injustificada, os interesses da parte contrária, consubstancia uma conduta reprovável e sancionada no âmbito do instituto da litigância de má fé.
No sentido da afirmação de uma maior e mais exigente responsabilização das partes na forma de proceder processualmente, o Decreto-lei nº 320-A/95, de 12 de Dezembro, conferindo nova redacção ao nº 2 do artigo 456º do Código de Processo Civil (na versão então vigente), passou a sancionar a litigância temerária, quer a título de dolo, que na forma de negligência grave.
Pode ler-se, a este propósito no preâmbulo do diploma: “Como reflexo e corolário do princípio da cooperação, consagram-se expressamente o dever de boa fé processual, sancionando-se como litigante de má fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos, e o dever de recíproca correcção entre o juiz e os diversos intervenientes ou sujeitos processuais, o qual implica, designadamente, como necessário reflexo desse respeito mutuamente devido, a regra da pontualidade no início dos actos e audiências realizados em juízo”.
No mesmo sentido, o artigo 8º do Código de Processo Civil, introduzido igualmente pelo Decreto-lei nº 320-A/95, de 12 de Dezembro, dispõe que “As partes devem agir de boa fé e observar os deveres de cooperação (...)”.
(Vide, a este propósito, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre in “Código de Processo Civil Anotado”, Volume II, Almedina Fevereiro de 2019, 4ª edição, a páginas 456 a 457, onde os autores aludem a que: “o autor ou o réu visa objectivo ilegal quando, por exemplo, utiliza meios processuais, como a reclamação, o recurso ou simples requerimento, para fins ilícitos, designadamente invocando fundamentos inexistentes”).
Refere-se, também sobre esta matéria, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Fevereiro de 2015 (relator Silva Salazar) proferido no processo 1120/11.1TBPFR.P1.S1: “Impõe-se, pois, para que haja litigância de má fé, que a parte, ao deduzir a sua pretensão ou oposição infundamentada, ou afirmar factos não ocorridos, tenha actuado com dolo ou com negligência grave, ou seja sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, ou encontrando-se numa situação em que se lhe impulha que tivesse esse conhecimento”.
Conforme enfatiza Paula Costa e Silva, in “A Litigância de Má Fé”, Coimbra Editora 2008, a páginas 632 a 633:
“Sempre que as repercussões do acto vão além deste efeito intraprocessual não podem evitar-se tais repercussões como valoração da inadmissibilidade. Intervirão outros instrumentos, entre os quais a responsabilidade civil decorrente do comportamento ilícito e culposo. (...) olhar os actos processuais como meros actos jurídicos simples redunda num empobrecimento do seu real significado jurídico. Aí está mais um plano em que a colocação dos fins do agente releva para a aplicação de um regime particular ao acto processual, a saber, o da responsabilidade.
Mas esta responsabilidade será determinada, perante um comportamento processual, pelo tipo de ilícito litigância de má fé. Esta intervém quando a inadmissibilidade não é suficiente para esgotar os efeitos do acto processual desconforme. Inadmissibilidade e ilicitude não são valorações reciprocamente excludentes, podendo um acto ser simultaneamente inadmissível e desencadear os efeitos típicos da má fé.
(...) A má fé destina-se a sancionar comportamentos processual ilícitos, independentemente de um juízo de inadmissibilidade”.
Em suma, a litigância processual exige responsabilidade, probidade e prudência, não sendo aceitável ou admissível a utilização desenfreada e sem critério de todos os meios e expedientes de que a parte se lembre para a prossecução e obtenção dos fins que a possam favorecer.
Na situação sub judice, e relativamente à circunscrita matéria suscitada pela recorrida (não informação nos autos do indeferimento do pedido de apoio judiciário formulado pelo Réu) não se vê que se justifique tal condenação a título de litigância de má fé.
Desde logo, na medida em que competia ao Instituto da Segurança Social informar o Tribunal, de forma célere e em momento oportuno, do indeferimento, a título definitivo, do pedido de apoio judiciário formulado pelo Réu.
Por outro lado, o indeferimento do pedido de apoio judiciário apresentado pelo Réu tem como consequência necessária que o mesmo tenha inevitavelmente de suportar todos os custos inerentes à actividade processual desenvolvida nos autos, daí não resultando, portanto, qualquer significativo prejuízo quer para o Estado, quer para a contraparte.
Com efeito, afastado o benefício do apoio judiciário, o Réu será inteiramente responsabilizado pelos encargos processuais na medida legalmente correspondente, sem que se julgue necessária ou justificada a penalização à luz do instituto da litigância de má fé, de utilização marcadamente excepcional ou parcimoniosa, reservada para as condutas processuais graves, que se revelem verdadeiramente inadequadas, abusivas e intoleráveis.
Acontece ainda que o Réu recorrente procedeu ao pagamento da taxa de justiça devida em função da interposição do recurso de revista, não existindo, pois, cabimento para a aplicação do disposto no artigo 642º, nº 1, do Código de Processo Civil, conforme aliás foi referido – e bem – no despacho de admissão da revista proferida em 19 de Dezembro de 2022.
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção) em negar provimento à revista, não condenando, porém, o Réu recorrente como litigante de má fé.
Custas pelo Réu recorrente.
Lisboa, 17 de Janeiro de 2023.
Luís Espírito Santo (Relator)
Ana Resende
Maria José Mouro
V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.