Não disponível.
A livrança não se encontra paga pelo Executado, nem na data de vencimento, nem posteriormente. […]».
B) Tendo o processo sido distribuído ao Juízo de Execução de Coimbra (Juiz 1), o Mmo. Juiz, por despacho de 04/02/2019, invocando o disposto no art.º 65.º do Código do Imposto do Selo, na Portaria n.º 28/2000, de 27/01, e nos artºs 10.º, 703º, nº 1, c) e 726.º, n.º 2, a), do NCPC, indeferiu liminarmente o requerimento executivo, por entender ser manifesta a falta de título executivo.
Para o efeito consignou, no referido despacho, entre o mais, o seguinte:
«[…] Foi apresentado como título executivo um documento particular emitido a 18-04-2018 que, em nosso entender, não tem qualquer valor legal como Livrança, logo não configura título de crédito nos termos e para os efeitos previstos no art.º 703.º/1/c) CPC.
Com efeito, a emissão de Livranças está legalmente sujeita não só aos requisitos previsto na Lei Uniforme relativa às Letras e Livranças, como também ao art.º 65.º do Código do Imposto do Selo e à Portaria n.º 28/2000, de 27/01.
A Exequente, ao editar o módulo de Livrança, não observou os requisitos legais e técnicos previstos no art.º 65.º CIS e na P.28/2000.
Não existe número sequencial e nem o formato, nem o papel, nem as cores, nem as tintas, nem a impressão, respeitam as obrigações legais decorrentes da P.28/2000.
Em síntese, o documento apresentado é ilegal, pois não reúne as características mínimas para valer como Livrança validamente editada por instituição de crédito/sociedade financeira à luz da lei portuguesa. […]».
28/2000. E por isso é que os ditos modelos têm variado com uma rapidez típica da voragem legislativa de cada momento, de tal modo que só no ano de 1988 sofreu três alterações. Imagine-se os contratempos que ocorreriam para a actividade bancária, por exemplo, se os novos modelos viessem inutilizar os títulos emitidos anteriormente.
É neste âmbito que o preâmbulo da Portaria n.º 28/2000 também refere que “em consequência da entrada em vigor do Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro, e respectiva Tabela Geral, resulta a abolição definitiva da forma de arrecadação do imposto do selo por meio de papel selado, ainda subsistente na espécie de papel para letras, e a sua substituição por meio de guia. Torna-se, pois, necessário adequar a esta realidade os modelos das letras e livranças”.
Esta interpretação também decorre do art. 65.º do Código do Imposto de Selo, cujo n.º 1 dispõe, de forma bem expressiva, que as letras e as livranças “obedecerão aos requisitos previstos na lei uniforme relativa a letras e livranças”. Como não podia deixar de ser, atenta a vinculação do Estado Português à Convenção acima referida e o disposto no art. 8.º da Constituição da República Portuguesa.
Acresce a tudo isso que, nem o Código do Imposto de Selo, nem qualquer das Portarias que criam e recriam os modelos de impresso das letras e das livranças, prevêem qualquer sanção para as letras e livranças emitidas em desconformidade com os modelos de impresso que vigoram em cada momento. Designadamente ao nível da sua validade como letras e livranças, ou ao nível da sua força executiva.
Por isso, como escreve Pinto Furtado (em Títulos de Crédito, Almedina, 2000, p. 141), referindo-se à letra de câmbio, mas que tem plena aplicação relativamente à livrança: “a clássica letra de câmbio é, como qualquer título de crédito, antes de mais, um pedaço de papel onde se inscrevem os elementos literais e o tributário … Estes não se compreenderão plenamente se dissociados da realidade material que lhes serve de corpus mechanicum e que alguns autores qualificam de novo e autónomo elemento, a acrescer àqueles: o instrumentum. (…) A obrigatoriedade do emprego de impressos nas condições oportunamente referidas, para servirem de instrumentum a uma letra de câmbio, é obviamente de natureza tributária, não afectando a sua violação, por isso, a validade das obrigações cambiárias respectivas”.
Com efeito, nos termos do art. 76.º da LULL, o escrito só deixará de valer como livrança quando lhe faltar algum dos requisitos mencionados no art. 75.º da mesma Lei, com a ressalva das excepções ali previstas. Sucede que o art. 75.º da LULL não se refere a nenhum modelo específico de impresso de livrança. E, por isso, qualquer documento escrito que satisfaça todos os requisitos previstos no art. 75.º da LULL vale como livrança. Mesmo que esse documento não corresponda ao modelo de impresso criado por Portaria.
É, aliás, esta a posição claramente dominante na doutrina e na jurisprudência. Assim, para além do acórdão da Relação do Porto citado na decisão recorrida, defendem esta posição o acórdão do STJ de 03-12-1998, no BMJ n.º 482, p. 250, dois acórdãos da Relação de Lisboa de 27-01-1998 ambos sumariados em www.dgsi.pt/jtrl.nsf/ procs. n.º 0010741 e 0093661 e um terceiro de 21-09-2006, em www.dgsi.pt/jtrl.nsf/ proc. n.º 5455/2006-8. Entre todos, destaca-se o acórdão da Relação de Lisboa de 27-01-1998, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Ano de 1998, Tomo I, p. 95, e também na Revista da Ordem dos Advogados, ano 60, Janeiro 2000, vol. I, com comentário favorável de JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO e PEDRO PAIS DE VASCONCELOS. […]».
Em face do exposto e sem prejuízo de se saber existir jurisprudência em sentido divergente, não se poderia ter entendido ser manifesta a falta de título executivo e, com base nisso, ter-se indeferido liminarmente o requerimento inicial executivo.
Efectivamente, se à luz da interpretação que uma parte expressiva da jurisprudência dos Tribunais Superiores faz dos preceitos legais aplicáveis, o documento escrito em causa pode ser tido como livrança e, como tal, se deve considerar como título de crédito, não pode entender- se que uma execução fundada num tal documento, padeça de manifesta falta de título executivo.
Perfilhamos, assim, o expendido na Decisão Singular desta Relação de Coimbra de 19/05/2015 (Apelação nº 433/14.5TBSCD.C1)4, quando aí se escreve: «[…] o indeferimento in limine do requerimento executivo, com fundamento na falta de título executivo, só é admissível quando essa falta seja manifesta (artº 726 nº 2 a) do nCPC).
E a falta de título só é manifesta quando seja patente, ostensiva, evidente, quando não possa ser oferecida qualquer dúvida, por mínima que seja, para a inexequibilidade extrínseca do documento no qual o exequente funda a pretensão de realização coactiva da prestação objecto do pedido executivo. Como o juízo sobre o carácter ostensivo da falta de título é feito na fase liminar da execução, deve fazer-se um uso prudente, circunspecto e moderado da prerrogativa de indeferimento in limine do requerimento executivo, de que, portanto, só deve lançar-se mão, em casos extremos e contados. Dito doutro modo: o requerimento executivo só deve ser liminarmente indeferido com fundamento na falta de título, se for possível fazer, logo nesse momento, um juízo consciencioso e seguro sobre a manifesta, evidente, patente ou ostensiva falta dessa condição da acção executiva.
(…)
No caso, a falta de título não é seguramente manifesta, evidente, patente, ostensiva ou indubitável. E não o sendo, segue-se, como corolário que não pode ser recusado, que aquela falta – mesmo a verificar-se – não autorizaria a decisão de indeferimento in limine do requerimento executivo. […]».
O que se acabou de expor é o bastante, pois, para negar a possibilidade de, no presente caso, se ter indeferido liminarmente o requerimento executivo com base na manifesta falta de título executivo, o que desde logo justifica a revogação do despacho que assim decidiu.
Afigura-se, assim, que, do exposto, poder-se-á sumariar o seguinte: “Não é de entender existir manifesta falta de título executivo – v.g., para assim alicerçar o indeferimento liminar do requerimento executivo -, quando, apesar de essa conclusão ser arrimada na interpretação que, das normas aplicáveis, faz determinada corrente da jurisprudência das Relações, existe, também nos Tribunais Superiores, expressiva corrente jurisprudencial contrária em que se pode confortar a defesa da exequibilidade do título”.
V - Decisão:
Em face de tudo o exposto, na procedência da Apelação, revoga-se o despacho recorrido e determina-se que, não havendo outro motivo que a isso obste, se dê seguimento aos normais termos da acção executiva.
Custas pela parte que, a final, suportar as custas da execução. 19/11/20195
O relator - Luiz José Falcão de Magalhães
1 Segue-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, em caso de transcrição, a grafia do texto original.
2 Consultáveis na Internet, em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase, endereço este através do qual poderão ser acedidos todos os Acórdãos do STJ que abaixo se assinalarem sem referência de publicação.
3 Consultável em “http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf?OpenDatabase”.
4 Consultável em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf?OpenDatabase.
5 Processado e revisto pelo Relator