Decisão Texto Integral
Acordam os juízes nesta Relação:
A Ré/Apelante “M…, S. A.”, com sede na Rua…, em Vilamoura, Quarteira, vem interpor recurso do douto despacho saneador que foi proferido em 10 de Agosto de 2011 (ora, na parte recorrida, a fls. 303 a 305), e que julgou improcedente a por si invocada excepção dilatória da preterição da convenção de arbitragem, na presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, que lhe instauraram, no 2º Juízo de Competência Cível do Tribunal Judicial da comarca de Loulé, os Autores, ora Apelados, C… e esposa, Di…, residentes no Reino Unido, P… e esposa R…, G… e esposa C…, residentes na …, Irlanda, G…, residente no …, Reino Unido, D… e esposa, A…, com residência no Reino Unido, P…, com residência…, Reino Unido, J…, residente … na Irlanda, I… e A…, ambos residentes… no Reino Unido, T…, residente na … Irlanda, A… e marido, S…, residentes… Reino Unido, J…, residente em…, Dublin 16, na Irlanda, B…, residente em… Dublin 16, na Irlanda, I… e esposa, C…, residentes em …Dublin, Irlanda, S…, residente em…, na República da Irlanda, T…, com residência em…, na Irlanda, Ga…, com residência em…, Dublin 12, Irlanda, D… e esposa, M…, com residência em … Dublin, na Irlanda, E…, residente na Irlanda, T…, com residência em…, Dublin 3, na Irlanda, J… e esposa, D…, residentes… em Santiago de Compostela, Espanha e “Banco…, S.A.”, com sede … em Lisboa – e onde peticionaram a sua condenação a ver “anulada a deliberação da assembleia-geral de condóminos, datada de 30/01/2010, na parte em que aprovou o orçamento para o ano de 2010 e o respectivo valor mensal do condomínio” (com o fundamento aí aduzido de que “resulta à saciedade que o que, nesta acção, está em causa é a actuação da Ré, e não qualquer questão atinente ao título constitutivo do empreendimento, relativamente ao qual nenhumas dúvidas de interpretação ou contestação parece haver por parte dos AA”, pelo que “o presente litígio não está abrangido pela convenção de arbitragem constante do título constitutivo do empreendimento”) – intentando a sua revogação e alegando, para tanto e em síntese, não concordar com o assim decidido, pois os condóminos foram claros ao pretender excluir do âmbito da cláusula compromissória apenas as providências cautelares; então, aduz, “se pretendessem seguir o mesmo procedimento relativamente às acções de anulação das deliberações sociais, com certeza o teriam feito”. Pelo que se justifica agora conceder provimento ao recurso e revogar-se a decisão recorrida.
Os Autores vêm contra-alegar (a fls. 328 a 334 dos autos), para dizerem, também em síntese, que não assiste qualquer razão à Ré/Recorrente, pois que “o litígio em apreço não emerge do título constitutivo, mas sim do comportamento adoptado pela Ré, enquanto proprietária de todas as fracções que integram os edifícios A e B, plasmado na deliberação da assembleia-geral impugnada” (“os Autores não puseram em causa o título constitutivo, tendo questionado, tão só, aquela deliberação da assembleia-geral de condóminos” – aliás, “não se podem confundir as questões que emergem do título constitutivo, com aquelas que dizem respeito às relações de condomínio”, aduzem). Dessarte, “pelo exposto, mostra-se indubitável que o presente litígio não está abrangido pela convenção de arbitragem constante do título constitutivo de empreendimento, pelo que o mesmo deve ser apreciado pelo Tribunal a quo”, concluem. * Provam-se os seguintes factos com interesse para a decisão:
1) Em 30 de Abril de 2010 os Autores supra identificados no Relatório intentaram a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra a Ré, também aí identificada, pedindo a sua condenação a ver “anulada a deliberação da assembleia-geral de condóminos, datada de 30/1/2010, na parte em que aprovou o orçamento para o ano de 2010 e o respectivo valor mensal do condomínio” (vide a douta petição inicial, a fls. 21 a 61 dos autos, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido – a data de entrada consta de fls. 62).
2) Aí se invoca “um aumento do valor mensal de condomínio de cerca de 114% para cada uma das referidas tipologias”, “face ao ano de 2009” (vide os artigos 100º e 128º: fls. 47 e 52), que “ao apresentar e viabilizar um orçamento que assenta num diferente critério de repartição das despesas, a Ré excedeu manifestamente os limites que lhe são impostos pela boa fé” (vide o artigo 135º, a fls. 53) e que “é manifesto que o orçamento apresentado pela Ré não respeita a estrutura de custos constante do Título” (vide o art.º 142º, a fls. 55 dos autos).
3) Em 27 de Setembro de 2010 a Ré deduziu contestação, em que suscita, além do mais, a excepção da preterição de tribunal arbitral voluntário, conforme aos artigos 32º a 64º desse douto articulado, ora a fls. 109 a 115 dos autos, aqui dado igualmente por reproduzido na íntegra – a data de entrada está a fls. 209.
4) E, efectivamente, nos termos que vêm estabelecidos no Título X do Título Constitutivo daquele Empreendimento, “Qualquer litígio emergente do presente documento será dirimido por arbitragem de acordo com as regras do Centro de Arbitragem Comercial da Câmara de Comércio Internacional, Associação Comercial de Lisboa e da Associação Comercial do Porto/Câmara de Comércio e Indústria do Porto, para decisão final por 3 árbitros. A presente disposição não prejudica a competência dos tribunais judiciais no que respeita a procedimentos cautelares. A arbitragem será conduzida na língua portuguesa e o tribunal funcionará em Lisboa” (vide a douta decisão recorrida, a fls. 304 dos autos).* Ora, a questão que demanda apreciação e decisão da parte deste Tribunal ad quem é a de saber se se verifica, ou não, a invocada excepção dilatória da preterição da convenção de arbitragem, que o mesmo é dizer se os tribunais judiciais são os competentes para dirimir, ab initio, o litígio que aqui lhes é presente – se haveria, assim, motivo para julgar procedente tal excepção, como pretende a Recorrente, ao contrário do que vem decidido pelo Tribunal a quo. É isso que hic et nunc está em causa, como se vê das conclusões alinhadas no recurso apresentado.
Vejamos, pois.
Realmente, a violação duma convenção de arbitragem celebrada constitui excepção de natureza dilatória, conforme à previsão do artigo 494.º, alínea j), in fine, do Código de Processo Civil.
Porém, terá que haver uma verdadeira violação dessa convenção, isto é, o litígio apresentado deverá conter-se no âmbito de tal previsão compromissória.
Para isso, importa ver correctamente os contornos do caso concreto.
Pretendem os Autores a condenação da Ré a ver “anulada a deliberação da assembleia-geral de condóminos, datada de 30/01/2010, na parte em que aprovou o orçamento para o ano de 2010 e o respectivo valor mensal do condomínio”, porquanto, aduzem, isso constituiu “um aumento do valor mensal de condomínio de cerca de 114% para cada uma das referidas tipologias”, “face ao ano de 2009”. Invocam ainda que “ao apresentar e viabilizar um orçamento que assenta num diferente critério de repartição das despesas, a Ré excedeu manifestamente os limites que lhe são impostos pela boa fé”, pelo que agiu em manifesto abuso de direito, nos termos do artigo 334.º do Código Civil, tanto que detém mais de 2/3 dos votos na assembleia de condóminos.
Ora, face ao assim peticionado e aos termos – supra descritos – da própria convenção de arbitragem (qualquer litígio emergente do Título Constitutivo do Empreendimento, com excepção dos procedimentos cautelares), concordamos, salva melhor opinião, com a decisão tomada na 1ª instância, de que o litígio sub judicio não emerge do Título Constitutivo do Empreendimento. Estamos até em crer – porque é normal que assim aconteça em situações similares – que não foi com essa intenção tão abrangente que foi feita esta convenção de arbitragem, já que usualmente aí se não colocam os normais litígios decorrentes do dia-a-dia do Condomínio (despesas correntes anuais, toldos, publicidade, e afins), apenas o que contendesse com o próprio Título Constitutivo, no fundo, com a matriz do Condomínio, com a especificidade que os fundadores lhe quiseram conferir.
Pelo que, tendo-se posto o acento tónico no comportamento abusivo da Ré – pois que a actuação em abuso de direito, que inviabilize o seu próprio uso, não pode deixar de reportar-se a comportamentos (por acção ou omissão) –, já se poderá dizer que extravasamos o âmbito do Título Constitutivo. No fundo, estamos situados no domínio da actividade decorrente de uma gestão normal do Condomínio, das suas contas e orçamentos, não de nada que pusesse em causa o próprio Título Constitutivo (a interpretação das suas cláusulas ou princípios).
[Aceita-se que a proposição, também aduzida pelos Autores, na petição inicial, de que “é manifesto que o orçamento apresentado pela Ré não respeita a estrutura de custos constante do Título” (vide o artigo 142º, a fls. 55 dos autos), já poderia conduzir a uma visão diferente, e que aí, estando em causa o próprio Título, o diferendo seria para ser dirimido pelos Árbitros. Mas é um pormenor no conjunto da causa de pedir invocada, toda ela, repete-se, virada para o abuso de direito da Ré na Assembleia de Condóminos em que detinha 2/3 dos votos.]
Por fim, não se acompanha a Recorrente na visão de que o Tribunal está impedido de se pronunciar sobre a competência dos Árbitros. O Tribunal está a pronunciar-se sobre a sua própria competência, não sobre a dos Árbitros – pese embora, é certo que por tabela e exclusão, acabe por ter que se pronunciar sobre a daqueles. E está a fazê-lo, não por sua iniciativa ou recreação, mas porque as partes optaram por instaurar a acção no Tribunal e lhe colocaram expressamente a questão da violação da convenção de arbitragem.
Assim, só lhe resta pronunciar-se.
[A ser como a Recorrente intenta, nunca o Tribunal se poderia pronunciar e teria que enviar tudo, automaticamente, para os Árbitros, logo que detectasse a existência de uma convenção de arbitragem. Supondo que depois os Árbitros se pudessem ainda vir a declarar incompetentes para dirimir o litígio, teríamos o processo, de novo, e de volta ao Tribunal; assim, pronuncia-se desde logo.]
Razões pelas quais, nesse enquadramento fáctico e jurídico, se terá agora que manter, intacta na ordem jurídica, a decisão impugnada da 1ª instância, e assim improcedendo a Apelação.
Decidindo.
Assim, face ao que se deixa exposto, acordam os juízes nesta Relação em negar provimento ao recurso e confirmar o douto despacho recorrido.
Custas pela Apelante.
Registe e notifique.
Évora, 21 de Março de 2013
Mário João Canelas Brás
Jaime de Castro Pestana
Paulo de Brito Amaral |