Tomar Nota

ECLI:PT:TRL:2013:240.13.2YHLSB.L1.8.7C

Relator: TERESA PRAZERES PAIS

Descritores: TRIBUNAL ARBITRAL DIREITO AO ACESSO À JURISDIÇÃO ARBITRAGEM NECESSÁRIA

Processo: 240/13.2YHLSB.L1-8

Nº do Documento: RL

Data do Acordão: 12/12/2013

Votação: UNANIMIDADE

Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO

Decisão: IMPROCEDENTE

Sumário

I) A Constituição prescreve, a propósito da função jurisdicional, que a lei poderá institucionalizar instrumentos e formas de composição não jurisdicional de conflitos, fazendo expressa referência aos tribunais arbitrais e aos julgados de paz.
II) Os tribunais arbitrais estão previstos como uma categoria autónoma de tribunais e encontram-se submetidos a um estatuto funcional similar ao dos tribunais judiciais, correspondendo a sua atividade a um verdadeiro exercício privado da função jurisdicional.
III) O direito de acesso aos tribunais, como direito fundamental correlacionado com a reserva da função jurisdicional instituída pelo artigo 202.º, n.º 2, da CRP, está interligado com a tendencial resolução dos conflitos através dos Tribunais estaduais.
IV) Fora dos casos individualizados na Constituição em que há lugar a uma reserva absoluta de jurisdição, o que sucederá não apenas em matéria penal mas sempre que estejam em causa direitos de particular importância jurídico-constitucional a cuja lesão deve corresponder uma efetiva proteção jurídica, poderá admitir-se que o direito de acesso aos tribunais seja assegurado apenas em via de recurso, permitindo-se que num momento inicial o litígio possa ser resolvido por intervenção de outros poderes, caso em que se poderá falar numa reserva relativa de jurisdição ou reserva de tribunal.
V) Nos termos do artº 3º nº7 da Lei 62/2011 aplicável, a decisão arbitral é passível de recurso para os tribunais estaduais; com este mecanismo processual de impugnação, concretiza-se o direito fundamental de acesso aos Tribunais. (AAC)

Decisão Texto Parcial

Decisão Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

B…, com sede em …, B… Portugal, S.A., com sede na Rua …; Be… - Especialidades Farmacêuticas, Lda., com sede na Rua … e L…, Lda., com sede na Rua …, intentaram a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário, contra a ré G… PLC, invocando que a esta introduziu no mercado cinco medicamentos genéricos contendo como princípios activos drospirenona e etinilestradiol, o que infringe a patente Europeia n° 1380301 de que são titulares e que lhes concede o direito exclusivo do processo de fabrico da substância activa Drospirenona.
Como questão prévia vêm as autoras alegar que, não obstante a regra da competência expressamente fixada na Lei n." 62/2011, de 12 de Dezembro, que estabelece, no seu art. 2°, um regime de arbitragem necessária relativo aos litígios emergentes de direitos de propriedade industrial, quando estejam em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos, deve o presente Tribunal de Propriedade Intelectual ser julgado competente para conhecer da presente ação por força do disposto no art. 89°-A da Lei n° 46/20 11, que introduz alterações na Lei n° 3/99.
Referem que nesta lei de arbitragem voluntaria não existe qualquer mecanismo de reação imediata perante a ameaça ou efetiva violação de direitos de propriedade industrial e que as providências cautelares ou ordens preliminares só podem ser ordenadas apos constituição do Tribunal Arbitral, assim como o próprio processamento das ações principais sendo que a constituição do Tribunal Arbitral é demasiadamente morosa para que, em tempo útil, se possa iniciar celeremente a sujeição de litígio a Tribunal, com toda a tramitação subsequente, nomeadamente fase dos articulados, fase da instrução e decisão.
Alegam ainda que a sujeição a uma arbitragem necessária, sem alternativa, atenta frontalmente o núcleo do direito fundamental de acesso aos Tribunais, consagrado no art. 20°, nº1 da Constituição da Republica Portuguesa (CRP), devendo ser garantido a todos o acesso aos Tribunais Judiciais do Estado.
Em causa estão igualmente normas decorrentes de Tratados Internacionais dos quais o Estado Português e parte contraente, incluindo a Convenção sobre a Patente Europeia, o Acordo Internacional TRIPS e a própria União Europeia (e toda as fontes de normas e normas emanadas pelos vários órgãos desta) e que o regime da arbitragem necessária não garante procedimentos justos e equitativos, que não sejam demasiadamente onerosos, nem que comportem prazos ou atrasos irrazoáveis. Referem que a Lei n° 62/2011 viola ainda o Acordo Internacional TRIPS, do qual Portugal é signatário.
Concluem que, caso o Tribunal entenda poder aplicar os art. 2° e 3° da Lei n° 62/2011, devera ser declarada a inconstitucionalidade de tais normas se interpretadas no sentido do titular de direito de propriedade industrial apenas poder recorrer a Arbitragem Necessária, precludindo definitivamente o recurso directo ao Tribunal Judicial.
Solicitam ainda que se declare a inconstitucionalidade de tais normas se interpretadas no sentido de que o titular de direito de propriedade industrial não pode demandar o titular de pedido/concessão de AIM, para lá do prazo de trinta dias, neste caso a contar da publicação
pelo Infarmed referida no art. 9°, n" 3 da Lei N° 62/2011.

**************
Foi ,então ,decidido:
Face ao exposto, conclui-se que houve preterição do Tribunal Arbitral Necessário, o que determina a absolvição da ré da instância, de acordo com os artº 2.° da Lei n." 62/2011, de 12 de Dezembro, 278.°, n." 1, alínea e), 576°, nº1 e nº2, todos do NCPC entrado em vigor a 01 de Setembro de 2013.”
*********
É esta decisão que as apelantes impugnam, formulando estas conclusões:
1)Em primeiro lugar, sempre salvaguardando o devido respeito pelo Ilustre Magistrado, signatário da Decisão ora do Tribunal a quo, desde já se indicam as normas jurídicas violadas: art/s 13.°, 17.°, 18.°,20.°, nº/s 1 e 5,42.°nº2 , 204.° e 268.°, n." 4, todos da Constituição da República Portuguesa, bem como o art." 89.0-A, aditado pela Lei n." 46/2011, que introduz alterações na Lei n .°3/99, rol que não se pretende exaustivo;
2) competência material do Tribunal da Propriedade Intelectual funda-se no facto de os art/s  2.° e 3.° da Lei n." 62/2011 serem materialmente inconstitucionais, se interpretados no sentido do titular de direito de propriedade industrial apenas poder recorrer à Arbitragem Necessária, no prazo de trinta dias a contar da publicação referida no Estatuto do Medicamento, precludindo definitivamente o recurso directo ao Tribunal Judicial.
3)Este entendimento é igualmente comongado na Doutrina, de acordo com a opinião supra transcrita do Prof. Dário Moura Vicente;
4) Sentença em causa entendeu considerar que o artigo 2.° da Lei n." 62/2011 não é inconstitucional, já que não viola o direito de acesso aos tribunais, nem viola qualquer norma internacional.
5)Ora, a Constituição da República Portuguesa demanda do Estado no n." 5 do art." 20.° CRP que a lei assegure aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade de modo a obter a tutela efectiva e em tempo útil.
6)Portugal é ainda parte contraente de diversos Tratados Internacionais, de acordo com os quais se obriga a consagrar na lei mecanismos judiciais de tutela contra a violação de direitos de propriedade industrial, como sejam os previstos na Convenção sobre a Patente Europeia, o Acordo Internacional TRIPS e do facto de Portugal ser membro da União Europeia (e toda as fontes de normas e normas emanadas pelos vários órgãos desta), normas supra identificadas e citadas.
7)De acordo com as normas do nosso Direito Fundamental e do Direito Internacional, justifica-se a consideração como inconstitucional do art." 2.° da Lei n." 62/2011, interpretado no sentido de precIudir o recurso directo ao Tribunal Judicial.
8)Sempre salvaguardando o devido respeito pelo entendimento do Tribunal a quo, merece reparo a consideração de que as AA. puderam reagir no prazo de trinta dias, após conhecimento da informação publicada no sítio virtual do INFARMED.
9)As informações, per si, são insuficientes para aquilatar da infracção ou não de direitos da propriedade industrial, pois o nome de requerente de uma AIM, data do pedido, substância activa, dosagem e forma farmacêutica não permitem aos titulares de direitos de propriedade industrial, quando estes direitos sejam relativos a patentes de processo, saber se o seu direito está ou não a ser infringido. É sempre necessário saber o processo utilizado na fabricação do Medicamento Genérico em causa.
10)Este conhecimento do processo utilizado no Medicamento Genérico está legalmente vedado, nos termos do art." 188.°, n," 3 do Estatuto do Medicamento, na redacção introduzida pela Lei n. ° 62/2011.
11)Este acesso insuficiente não permite aos titulares de direitos de propriedade industrial aferir da existência ou não de infracção aos seus direitos.
12)O  ónus da prova neste caso pertence às AA., facto absolutamente olvidado pelo Tribunal a quo, pelo que só após existir um grau seguro de convicção, quanto à infracção, àquelas foi possível intentar esta acção.
13)Só com o decurso do tempo e reunião dos elementos fácticos e documentais, identificados na petição inicial, foi possível às AA. reagirem à entrada no mercado do medicamento genérico da R., rejeitando-se assim a argumentação da sentença, quando refere que as AA. poderiam ter reagido nos trinta dias.
14)Um direito de patente vigora durante vinte anos [art." 99.° do Código da Propriedade Industrial (CPI) ou art." 63.° da Convenção da Patente Europeia (CPE)], não podendo ser restringido, por absurdo, a trinta dias.
15)Esta lei n." 62/2011, que institui a arbitragem necessária, refere, no art." 3.°, n." 8 que tudo o que aí não se encontrar expressamente previsto fica sujeito ao regime geral da arbitragem voluntária (consagrado na Lei n." 63/2011, que entrou em vigor no dia 14 de Março de 2012), ao mesmo tempo que nesta lei de arbitragem voluntária não existe qualquer mecanismo de reacção imediata perante a ameaça ou efectiva violação de direitos de propriedade industrial.
16)Mesmo que se admitisse a possibilidade de um Tribunal Arbitral decidir a presente causa, tal possibilidade só ocorreria após a constituição de tal Tribunal.
17)Apenas o Estado oferece esta resposta, precisamente porque o Tribunal pré- existe o conflito, o mesmo não sucedendo na arbitragem necessária não institucionalizada, a qual destarte obsta, fatalmente, ao recurso atempado aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva.
18)Daí que o regime instituído pela Lei n." 62/2011 seja ilegal, violando o direito de acesso aos Tribunais e a uma tutela jurisidicional efectiva e acauteladora do efeito útil da decisão final a proferir, não garantindo procedimentos justos e equitativos, que não sejam demasiadamente onerosos, nem que comportem prazos ou atrasos irrazoáveis.
19)Os custos não podem ser antecipados no caso da acção arbitral, já que só depois da constituição do Tribunal Arbitral é que os mesmos são definidos, custos estes avultados e bastante superiores às despesas relativas a custas judiciais. Desta guisa, mostra-se igualmente comprometido o princípio da igualdade, consagrado no art." 13.° da CRP.
20)Anote-se que a l ." A. é titular de um direito de propriedade de exploração exclusiva de um invento, ao abrigo do art." 62.°, n. ° I da CRP, direito de natureza análoga aos direitos fundamentais como foi já considerado pelo Acórdão do Tribunal Constitucional.
21)A sujeição à arbitragem necessária, nos termos previstos da lei n." 62/2011, no referido prazo de trinta dias, constitui uma restrição ao direito de acesso à justiça e aos Tribunais, atingindo o núcleo de tal direito.
22)Assim, esta restrição acaba por atingir o alcance do conteúdo do direito fundamental de exploração exclusiva de patente, circunscrevendo a um período de trinta dias a existência de um direito que vigora durante vinte anos. Tal restrição não se limita ao necessário, para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
23)Estão somente em causa os interesses do titular de direitos de propriedade industrial e o titular de AIM's que infringem tais direitos, pelo que as leis restrictivas devem obedecer ao princípio da proporcionalidade e princípio da proibição do excesso, bem como ao princípio da necessidade e princípio da adequação.
24) A presente lei n." 62/2011 não cumpre tais requisitos, porquanto esta restrição a um período tão curto para reacção do titular dos direitos de propriedade industrial é manifestamente excessiva (o direito em causa vigora durante vinte anos), não se revela imperioso nem apto para obviar ao problema das elevadas pendências nos Tribunais Administrativos, já que deve ser o próprio Estado a criar mecanismos de tutela judicial para dirimir conflitos privados e não delegar nos próprios particulares e em instâncias privadas (como os Tribunais Arbitrais) tal tarefa nuclear das Funções do Estado.
25) Acresce ainda um outro argumento, incluído no direito de acesso aos Tribunais, mas aqui no plano do direito ao recurso.
26) Este "direito ao recurso" resulta como uma concretização do direito de acesso aos Tribunais e está legalmente limitado a determinadas matérias, que o legislador entendeu, na maioria dos casos, fazer depender do valor de processo.
27) A lei reconhece o direito a esse recurso para o Tribunal de Segunda Instância [por exemplo, art." 645°, n." I, alínea c) do NCPC] , o mesmo não acontecendo nos processos de arbitragem necessária instituída pela Lei n." 62/2011, porquanto o único recurso possível é o recurso da Decisão Final, da decisão a proferir no âmbito da acção principal arbitral.
28) Esta limitação atenta, uma vez mais, o alcance do art." 20.° da Constituição da República e que ajuda a reforçar o entendimento do art." 2.° da Lei n." 62/2011 como inconstitucional, se interpretado no sentido de precludir o recurso ao tribunal judicial.
29) Desta forma, conforme já pugnado em primeira instância, e caso o Tribunal entenda poder aplicar os art.ts 2.° e 3.° da Lei n." 62/2011, deverá ser declarada a inconstitucionalidade de tais normas se interpretadas no sentido do titular de direito de propriedade industrial apenas poder recorrer à Arbitragem Necessária, precludindo defmitivamente o recurso directo ao Tribunal Judicial
*************
Os factos a ter em conta
Os constantes do relatório
**********
Atendendo a que o âmbito do objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente ( artº663 nº2 ,608 nº2.635 nº4 e 639mº1 e 2 do Novo Código de Processo Civil ,aprovado pela Lei nº 41/2013 de 26 de Junho ,aplicável por força do seu artº 5 nº1,em vigor desde 1 de Setembro de 2013 ),sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso  ,exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras,o que aqui se discute é a inconstitucionalidade dos artº/s 2º e 3.° da Lei n." 62/2011, se interpretadas no sentido do titular de direito de propriedade industrial apenas poder recorrer à Arbitragem Necessária, precludindo defmitivamente o recurso directo ao Tribunal Judicial

Vejamos

De acordo com o disposto no art.º 2° da Lei n." 62/2011, de 12 de Dezembro, «Os litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial, incluindo os procedimentos cautelares, relacionados com medicamentos de referência, na aceção da alínea ii) do n." I do artigo 3.° do Decreto-Lei n." 176/2006, de 30 de Agosto, e medicamentos genéricos, independentemente de estarem em causa patentes de processo, de produto ou de utilização, ou de certificados complementares de proteção, ficam sujeitos a arbitragem necessária, institucionalizada ou não institucionalizada».
Assim, o Tribunal competente para julgar ações declarativas em que esteja em causa a violação de patente por medicamento genérico é o Tribunal Arbitral.

A Constituição prescreve, a propósito da função jurisdicional, que a lei poderá institucionalizar instrumentos e formas de composição não jurisdicional de conflitos (artigo 202º, nº 4), e faz expressa referência, no artigo 209º, n.º2, aos tribunais arbitrais e aos julgados de paz.
Qualquer litígio que não respeite a direitos indisponíveis pode ser cometido pelas partes, mediante convenção de arbitragem, à decisão de árbitros por si designados, podendo a convenção de arbitragem ter por objeto um litígio atual, ainda que se encontre afeto a um tribunal judicial (compromisso arbitral), ou litígios eventuais emergentes de uma determinada relação jurídica contratual ou extracontratual (cláusula compromissória) (artigo 1º, n.º 3, da LAV).
OS tribunais arbitrais estão previstos como uma categoria autónoma de tribunais e encontram-se submetidos a um estatuto funcional similar ao dos tribunais judiciais.As suas decisões têm natureza jurisdicional, mas não são órgãos estaduais, correspondendo a sua atividade a um verdadeiro exercício privado da função jurisdicional.

       Mais problemática é a questão de saber se a cobertura constitucional dos tribunais arbitrais abrange apenas os tribunais voluntários (isto é, os instituídos por vontade dos interessados) ou também os tribunais necessários (ou seja, os impostos por lei), visto que estes implicam que os litigantes fiquem impedidos de recorrer diretamente aos tribunais ordinários que seriam competentes, podendo, por isso, pôr em causa não apenas o direito de acesso aos tribunais, mas também o princípio da igualdade.
       Expressando esta dúvida, cfr GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4ª edição, Coimbra, pág. 551; JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra, 2007, pág. 17.
        Todavia, o Tribunal Constitucional tem extraído do expresso reconhecimento constitucional da possibilidade de existirem tribunais arbitrais, o entendimento de que, não só os cidadãos podem, no exercício da sua autonomia de vontade, constituir tribunais arbitrais para resolução de determinados litígios, como o próprio legislador pode criá-los para o julgamento de determinada categoria de litígios, impondo aos cidadãos neles implicados o recurso necessário a essa via de composição jurisdicional de conflitos. [1]
        Nesta última hipótese, ou seja, se por lei especial o litígio for submetido a arbitragem necessária, a decisão de recorrer à jurisdição arbitral não se baseia num negócio jurídico celebrado entre as partes, mas no acto legislativo que impõe essa forma de composição do litígio, ficando os interessados impedidos de aceder quer à jurisdição estadual, quer à arbitragem voluntária.
      A Constituição, embora admita a existência de tribunais arbitrais (artigo 209º,n.º 2), nada diz quanto à sua inserção no ordenamento jurisdicional, nem quanto à articulação com o direito de acesso à proteção judicial. Nem explicita o âmbito e a natureza dos litígios que podem ser submetidos à jurisdição desses tribunais.
      Em todo o caso, a criação de tribunais arbitrais não pode deixar de se encontrar preordenada a outros princípios constitucionais e, de entre estes, à garantia de acesso aos tribunais e à garantia de reserva de jurisdição.
      O artigo 202º, no seu n.º 1, define os tribunais como os «órgãos de soberania com competência para administrar a justiça», vindo a identificar, no n.º 2, o conteúdo da função jurisdicional por referência a três diferentes áreas de intervenção: defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos; repressão de violação da legalidade; dirimição de conflitos de interesses públicos e privados.
      O entendimento comum é o de que a Constituição pretendeu, deste modo, instituir uma reserva de jurisdição, entendida como uma reserva de competência para o exercício da função jurisdicional em favor exclusivamente dos tribunais.
       E tal  não é prejudicado pela  possibilidade de institucionalizar formas de composição não jurisdicional de conflitos, nos termos do n.º 4 desse mesmo artigo 202º, e de submissão de litígios a uma jurisdição arbitral, como prevê o n.º 2 do artigo 209º ,porquanto o recurso a um tribunal estadual é ainda a principal via de acesso ao direito e que não possam ser estabelecidos, com base nessa reserva de jurisdição, certos limites à constituição de tribunais arbitrais.
    Aliás, deverá ter-se presente que o direito de acesso aos tribunais, como direito fundamental correlacionado com a reserva da função jurisdicional, está interligado à tendencial resolução dos conflitos através dos Tribunais estaduais.[2]
       A este propósito podemos concluir que a garantia do artigo 20º, n.º 1, da Constituição, é a do «direito de acesso a tribunais estaduais, não tendo sentido dizer-se que ali se garante o acesso a tribunais a constituir por iniciativa dos interessados. O que a instituição de tribunais arbitrais voluntários representa, ou pode representar, é a voluntária renúncia ao direito de acesso aos tribunais do Estado» (Pedro Gonçalves ob. cit., pág. 565, nota 450 e citado no Ac do TC nº 230/2013)
      A admitir-se esta asserção como válida para os tribunais arbitrais voluntários, por maioria de razão ela é aplicável aos tribunais arbitrais necessários, visto que a criação destes tribunais resulta de imposição legal e impede os interessados de recorrerem ao tribunal da ordem judiciária comum que seria normalmente competente para dirimir o conflito. E é nesse sentido que aponta o autor agora citado quando refere que «o facto de a Constituição incluir os tribunais arbitrais nas categorias de tribunais não assegura a constitucionalidade dos tribunais arbitrais necessários em todos os casos: só é pensável admitir a imposição da composição arbitral quando não se encontre vedado o acesso aos tribunais estaduais, hipótese que só se verifica se não estiver excluída a possibilidade de recurso da decisão arbitral para aqueles tribunais» (ob. cit., pág. 573).
      Fora dos casos individualizados na Constituição em que há lugar a uma reserva absoluta de jurisdição, o que sucederá não apenas em matéria penal mas sempre que estejam em causa direitos de particular importância jurídico-constitucional a cuja lesão deve corresponder uma efetiva proteção jurídica, poderá admitir-se que o direito de acesso aos tribunais seja assegurado apenas em via de recurso, permitindo-se que num momento inicial o litígio possa ser resolvido por intervenção de outros poderes, caso em que se poderá falar numa reserva relativa de jurisdição ou reserva de tribunal.
        A este propósito lê-se no citado acórdão do TC Nº230/2013
         “Para além disso, a circunstância de estarem aqui implicados poderes de autoridade que resultam de uma transferência de responsabilidade no exercício de uma certa tarefa pública, de que o Estado é ainda o titular e por cuja execução continua a ser o garante, justifica que se invoque uma reserva relativa de juiz que proporcione aos tribunais estaduais a última palavra na resolução de litígios que resultem dessa intervenção administrativa delegada.
         Ainda que os tribunais arbitrais constituam uma categoria de tribunais e exerçam a função jurisdicional, não pode perder-se de vista que essa é uma forma de jurisdição privada….O direito fundamental de acesso aos tribunais constitui tendencialmente uma garantia de acesso a tribunais estaduais em resultado da necessária conexão entre esse direito e a reserva de jurisdição, que apenas poderá caracterizar uma reserva de jurisdição arbitral quando o acesso ao tribunal arbitral seja livre e voluntário. Ademais, a intervenção de órgãos judiciais do Estado torna-se particularmente exigível quando se trate de assegurar, no quadro regulatório da atuação de entidades privadas investidas em poderes públicos, a sua vinculação à lei e aos princípios materiais de juridicidade administrativa, e, desse modo, também, a adequada fiscalização do desempenho da tarefa pública que lhes incumbe.
       Neste contexto, a irrecorribilidade das decisões arbitrais, tal como previsto na norma impugnada, representa uma clara violação do direito de acesso aos tribunais, não apenas por se tratar de decisões adotadas no âmbito de uma arbitragem necessária, mas também pela natureza dos direitos e interesses em jogo e pelo facto de estar em causa o exercício de poderes de autoridade delegados.”
      Voltando ao objecto do recurso..
     Nos termos do artº 3º nº7 da LAV é possível recurso da decisão arbitral, ainda que se entenda que é a decisão final.Com este mecanismo processual de impugnação efectua-se o aludido controle da legalidade, concretizando-se o direito fundamental de acesso aos Tribunais.
      E não se diga que, no caso concreto, esse mesmo garante fica prejudicado por só ser admitido recurso da decisão final .É que, o que aqui está em causa é a decisão que coloca fim a um litígio ,o qual se insere na reserva da função jurisdicional a que alude o artº 202 nº2 da CRP .O que queremos salientar é que sendo a decisão final o concluir de uma contenda ,ela contem em si todos os elementos factuais e jurídicos que levam a apelar à intervenção dos Tribunais Estaduais ,tal como a desenha o nº2 do citado artº 202.Tal já não sucederá com decisões intercalares tomadas no âmbito desse processo arbitral necessário ,pelo que não há “urgência” da intervenção do Tribunal Estadual na óptica  da norma invocada.
    No que respeita à sujeição das regras do valor diremos o seguinte:
    --entendendo-se que as normas em causa não são inconstitucionais, por via do recurso aos Tribunais Estaduais, o facto da decisão não ser recorrível em função do valor, tem o mesmo significado da irrecorribilidade de qualquer outra decisão num tribunal estadual. O legislador atendeu a determinados pressupostos para sustentar o acesso ,ou não ao recurso.
       Quanto à alusão do prazo de 30 dias para instaurar o processo ( artº3 da Lei nº 62/2001 de 12/12) ,percebemos a conveniência ou inconveniência prática da observação deste prazo .No entanto, se a apelante recorrer às normas do Código Civil verá que o legislador teve em conta o “O Tempo e sua repercussão nas relações jurídicas”—artº 296 e segs do CC .
       Logo, não se vislumbra que por este aspecto a parte litigante “perca ou ganhe “ direitos em função da indisponibilidade do acesso aos Tribunais Estaduais num primeiro momento; o tempo “transforma ,apaga “ qualquer realidade ,ainda que jurídica ,independentemente do Tribunal onde se pleiteie.
      Concluindo, o apelante não pode transpor para o plano constitucional “ dificuldades “ sentidas por si, mas colocadas pelo legislador na prossecução da obtenção da solução do litígio.
      Finalmente, no que toca ao Direito Internacional a ter em conta …
     Seguindo de perto os ensinamentos do Prof. Jorge Miranda “As Actuais Normas Constitucionais e o Direito Internacional![3]
“….supremacia das normas constitucionais sobre as  normas internacionais, consequência da própria soberania do Estado e da função que nele desempenha a Constituição como estatuto jurídico fundamental ;este é o postulado que , por toda a parte, se proclama,(…..)
De resto, o estabelecimento na nossa Constituição de um regime de fiscalização da constitucionalidade ,que inclui as normas convencionais (art/s 277 a 280 nº2 )e não exclui as normas de Direito Internacional geral ,reforça-o …”
Tais ensinamentos levam-nos a concluir que, estabelecida esta interligação entre o Direito Internacional e as normas constitucionais, e tendo já nos concluído pelo concreto acesso aos Tribunais, o raciocínio do apelante faz-se em sentido inverso a tudo o que já referimos.O apelante alega que ,por via do Direito Internacional as normas em causa são inconstitucionais .Porém, o silogismo deve fazer-se nos seguintes moldes:
---está garantido o acesso aos Tribunais, não existe qualquer inconstitucionalidade.
---existe uma supremacia das normas constitucionais sobre as referidas normas internacionais.
Logo, nunca a inconstitucionalidade do artº º 2° e 3º da Lei n." 62/2011, de 12 de Dezembro, se poderá colocar.

***************
Concluindo: o preceituado nos artº/s artº º 2° e 3º da Lei n." 62/2011, de 12 de Dezembro será de aplicar por não violar qualquer dispositivo constitucional, atenta a recorribilidade das decisões para os Tribunais Estaduais.
**************
Pelo exposto, acordam em julgar a apelação improcedente e confirmar a decisão impugnada.

Custas pela apelante.
Lisboa, 12 de Dezembro de 2013
Teresa Prazeres Pais
Isoleta Almeida Costa
Carla Mendes

[1] Cfr acórdãos nºs. 52/92, 757/95 e 262/98 publicados no mesmo site

[2] Porém esta posição não é consensual, tal como demonstra o teor do Ac do TC nº230/2013 e os seus votos de vencido..Este acórdão poderá ser consultado na Base de Dados do TC :

“….Nesses casos, justamente porque os tribunais arbitrais exercem a função jurisdicional mencionada no artigo 202.º, n.º 2, da Constituição, a decisão de um tribunal arbitral voluntário pode ser final e definitiva.---Pedro Machete”

“. Dissenti, por entender que o direito de acesso aos tribunais (artigo 20.º, n.º 1, da CRP), direito fundamental correlacionado com a reserva da função jurisdicional, não é garantido apenas através do acesso aos tribunais do Estado.

O artigo 209.º, n.º 2, prevê a existência de tribunais arbitrais como uma categoria de tribunais, que se constituem precisamente para exercer a função jurisdicional(cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 230/86, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).--Maria Joâo Antunes

[3] A consultar na Internet com este endereço comum.rcaap.pt/bitstream/123456789/3431/.../NeD36_JorgeMiranda.pdf


Descritores:
 TRIBUNAL ARBITRAL DIREITO AO ACESSO À JURISDIÇÃO ARBITRAGEM NECESSÁRIA