Decisão Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
RELATÓRIO:
N e L. instauraram procedimento cautelar contra T. alegando a infração, por parte da demandada, da patente europeia n.º 2292219 BI (doravante , EP 219), de que se arrogam a titularidade e requerendo, em consequência, o seguinte:
A intimação da requerida a :
a) abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos R., sistema transdérmico, nas dosagens de 4, 6mg/24 h e 9,5 mg/24 h, ou, com estas ou outras designações ou marcas, qualquer medicamento com a forma farmacêutica de sistema transdérmico contendo R. para utilização num método de prevenção, tratamento ou retardação da progressão da demência ou da doença de Alzheimer, em que a dose de partida é de 4,6 mg/24h durante a vigência da EP 2292219, isto é, até 10 de Outubro de 2026;
b) retirar imediatamente do mercado , a suas expensas, os medicamentos referidos, em qualquer das suas formulações e dosagens , e a abster-se de, quanto aos mesmos, praticar as atividades acima mencionadas;
c) não transmitir a terceiros autorizações de introdução no mercado (doravante AIM) daqueles medicamentos genéricos, até à referida data de caducidade da EP 2292219;
- a fixação de uma sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a € 13.000,00 , a ser paga pela Requerida às Requerentes por cada dia de atraso no cumprimento da ordem de cessação da atividade infratora, nos termos das disposições conjugadas do artigo 338.º-I, n.º 4 do CPI, do artigo 384.º do CPC e do artigo 829-A do CC.
T. deduziu oposição, defendendo-se por exceção e por impugnação.
No prosseguimento dos autos foi proferida, em 3 de Junho de 2014, decisão que concedeu parcialmente a providência e, assim, intimou a requerida T. :
1. A abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos R. , sistema transdérmico, a que corresponde a AIM DE/H/3404/01DC (ID 54944), com a dosagem de 4,6 mg/24h, enquanto a EP 219 se encontrar em vigor, isto é, até, 10.10.2026;
2.a retirar do mercado , no prazo de dez dias, contados da notificação da decisão, os ditos medicamentos, e a abster-se de, quanto aos mesmos, praticar as atividades referidas atrás.
3. A pagar às requerentes uma sanção pecuniária compulsória de € 5.000,00, por cada dia de atraso no cumprimento das intimações referidas em 1.E 2.
Inconformada interpôs T. competente recurso de fls 1245 a 1294 dos autos concluindo que ‘’não se verificando os pressupostos da aparência de direito (neste caso e após as exceções suprarreferidas relativas à caducidade do direito de iniciar de iniciar arbitragem e da invalidade da patente , a questão da não infração) bem como a falta do requisito do periculum in mora , deverá este Venerando Tribunal revogar a decisão proferida , proferindo Acórdão que absolva in totum a Recorrida do petitório do Requerimento Inicial de Providência Cautelar’’.
A fls. 2099 a recorrida apresentou contra-alegações em que pugna pela improcedência do recurso.
Também N. e L. interpuseram recurso a fls. 1519 , impugnando também a matéria de facto, e concluindo, nos seguintes termos:
a) Deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto, nos seguintes termos:
‘’i) Devem os factos constantes dos artigos 39.º a 41 do requerimento inicial ser dados como provados;
ii) Deve o facto dado como provado no ponto 35 da matéria de facto assente ser alterado, passando a constar que ‘’o termo ‘’dose de partida’’ corresponde à dose libertada ou administrada ao paciente no início do tratamento’’;
iii) Deve o facto dado como provado no ponto 51 da matéria de facto assente ser alterado, passando a constar que ‘’a invenção consiste num método de tratamento cuja dose inicial representa o ponto ótimo entre uma reduzida dose de R., prevenindo problemas de tolerância, e a dose minimamente eficaz, permitindo o início do tratamento da dose de partida’’.
b) Intime a Requerida a abster-se de , em território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer o medicamento R. , sistema transdérmico, a que corresponde a AIM DE/H/3404/02/DC, com a dosagem aprovada de 9,5 mg/24 h, enquanto a EP 219 se encontrara em vigor, e
c) Intime a Requerida na não transmissão das AIMs relativas aos medicamentos dos autos, nos exatos termos constantes do requerimento inicial’’.
No prosseguimento do processo, já em sede recursiva, e para obviar decisão-surpresa foram as recorrentes convidadas a se pronunciarem sobre eventual ilegitimidade e desproporcionalidade jurídico-constitucional do regime de arbitragem necessária legalmente instituído’’.
As recorrentes N e L. pronunciaram-se no sentido da constitucionalidade em sede geral da arbitrabilidade dos litígios emergentes de direitos de propriedade industrial quando estejam em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos e sua submissão a arbitragem necessária, sendo que a recorrente T. opina , no essencial que ‘’com base nos custos da arbitragem , o sistema instituído de Arbitragem Necessária, resultante da Lei n.º 62/2011 é claramente inconstitucional, violando os artigos 64.º e 80.º da CRP’’, para além de violar o artigo 20.º da CRP, ‘’se os artigos 2.º e 3.º da Lei n.º 62/2011 forem interpretados no sentido de não permitir à Demandada invocar argumentos de invalidade, para serem considerados no procedimento arbitral’’.
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Constitui única questão decidenda saber da conformidade constitucional das normas relativas ao tribunal arbitral necessário, constantes dos artigos 2.º e 3.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro.
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A questão decidenda prejudica o conhecimento das demais questões suscitadas nos recursos, remetendo-se para a matéria de facto constante da decisão impugnada.
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Dos Recursos:
i)Pode definir-se arbitragem como um instrumento jurídico-processual, através do qual, os titulares de direitos subjectivos livremente disponíveis podem dirimir as controvérsias relativas a esses direitos sem recurso aos tribunais do Estado.
ii) A história do instituto da arbitragem tem sido a história, tantas vezes conflituante, entre este instituto e a conceção e exercício da função jurisdicional.
iii) Todos sabemos que com a revolução francesa a Lei passou a ser a ‘’expressão da vontade geral’’ (artigo 6.º da Déclaration des droits de l`homme et du citoyen de 26.08.1789) convertendo-se na única fonte de Direito e na referência exclusiva dos juízes. A justiça passou a ser vista não como poder (o terceiro poder), mas sim como uma ‘’ função lógica’’ predominante técnica.
iv) São conhecidas as afirmações de Robespierre de querer suprimir a palavra jurisprudência dos dicionários e a posição de Montesquieu de que os juízes não seriam mais do que a boca que pronuncia as palavras da lei.
v) Não admira assim que, por via de Rousseau ou outros, à denegação de um terceiro poder do Estado esteja consequentemente ligada uma ainda maior desconfiança relativamente à arbitragem.
vi) Costuma afirmar-se que, na base de outros princípios fundamentais enformadores do processo, o direito de se comprometer através de árbitros encontrou na época moderna definitiva consagração com a revolução francesa, e em particular com a lei orgânica sobre o ordenamento judiciário 16-24 de agosto 1790.
vii) A verdade é que no decurso dos trabalhos preparatórios do Código Napoleónico de 1806 houve uma viva oposição ao instituto da arbitragem.
viii) Sustentou-se então, que o Código, ao consagrar o monopólio estadual da jurisdição, deveria ter estabelecido que os cidadãos estivessem obrigados a recorrer ao juiz, único ministro da lei.
ix) Sabemos que esta tese não prevaleceu, mas sim outra segundo a qual, sem prejuízo de reconhecer que a jurisdição é uma emanação da soberania, não deixa de pôr em destaque e de defender que o respeito devido aos tribunais do Estado deve ser temperado com a autonomia contratual das partes, mantendo assim a arbitragem.
x)Também assim aconteceu entre nós. Sem nos querermos alongar num excurso histórico desproporcionado, lembremos alguns marcos normativos fundamentais da evolução do instituto da arbitragem, entre nós.
xi) A nossa Constituição de 1822 acrescenta ao artigo 176.º, que preceitua que ‘’o poder judicial pertence exclusivamente aos Juízes. Nem as Cortes nem o Rei o poderão exercitar em caso algum’’, um artigo 194.º que dispõe que ‘’nas causas cíveis e nas penas civilmente intentadas é permitido às partes nomear Juízos Árbitros, para as decidirem’’
xii) A Carta Constitucional de 1826, justapõe ao artigo 118.º -‘’O Poder Judicial é independente, e será composto de Juízes, e Jurados, os quais terão lugar, assim no Cível como no Crime, nos casos, e pelo modo que os Códigos determinarem’’- um artigo 127.º segundo o qual ‘’Nas Cíveis, e nas Penais civilmente intentadas poderão as partes nomear juízes Árbitros. Suas sentenças serão executadas sem recurso, se assim o convencionarem as mesmas partes ‘’.
xiii) A Constituição de 1838 afirma, no artigo 123.º, que ‘’o Poder Judiciário é exercido pelos Juízes e Jurados ‘’; ‘’ § 3.º Nas causas cíveis, e nas criminais civilmente intentadas, poderão as Partes nomear Juízes árbitros’’.
xiv) A Reforma Judiciária, aprovada pelo Decreto de 16 de Maio de 1832, contém uma norma – o artigo 30.º - do seguinte teor: ’’Os Juízes Árbitros serão sempre escolhidos pelas Partes. Nos casos, em que estas são livres de recorrer aos mesmos, a força dos seus julgados será dependente do Compromisso das Partes; mas quanto à forma do Processo, deverão em tudo dirigir-se pelas Leis, que estiverem em vigor’’.
xv) A Nova Reforma Judiciária (Decretos de 29 de Setembro de 1836 e de 13 de Janeiro de 1837) dedica um título reservado aos árbitros, encimado pelo artigo 28.º, que reza que ‘’Todas as Causas Cíveis sobre direitos, de que as partes interessadas tiverem a livre disposição, e em que não houver lugar à intervenção do Ministério Público, podem ser decididas por Árbitro ou Árbitros, nomeados voluntariamente pelas mesmas Partes’’, consagrando o que hoje se designaria por arbitragem ritual ((artigo 38.º).
xvi) Não sendo diferente o regime da arbitragem consagrado na Novíssima Reforma Judiciária (Decreto de 21 de Maio de 1841, artigos 150.º e ss).
xvii) O Código de Processo Civil de 1876 consagrou toda uma secção ao Juízo Arbitral (Secção IIII, do Capítulo II do Título Único do Livro I – Do Processo em Geral) .
xviii) O artigo 44.º desse Código dispõe que ‘’a todas as pessoas, que puderem livremente dispor dos seus bens, é permitido fazer decidir por um ou mais árbitros da sua escolha as questões sobre que possa transigir-se, ainda que já estejam afetas aos tribunais ordinários’’.
xix) José Dias Ferreira referia, a propósito deste preceito, que ‘’o pensamento do legislador, estabelecendo a jurisdição arbitral, foi criar um juízo mais económico, e mais simples, que poupasse as partes a consideráveis despesas, que as fórmulas judiciárias importam, e que tornasse mais rápida a decisão dos negócios que por muito delicados, só com grandes delongas poderiam terminar nos tribunais ordinários’’ (Código de Processo Civil, Anotado, Vol I; 106).
xx) Suprimiu-se a arbitragem ritual do direito antigo, passando a dizer-se que ‘’as decisões dos árbitros são exequíveis como as sentenças das justiças ordinárias’’(artigo 54.º).
xxi) Daremos agora um grande passo em frente até ao Código de Processo Civil de 1939.
xxii) Como é sabido este Código está dividido em 4 Livros, a saber, Acção, Competência , Processo e tribunal arbitral.
xxiii) O IV livro dedicado ao tribunal arbitral abrange dois Títulos, um dedicado ao tribunal arbitral voluntário (artigos 1561.º a 1576.º) e outro contemplando em 4 artigos (artigos 1577.º a 1580.º) o tribunal arbitral necessário: ‘’Se o julgamento arbitral for prescrito por lei especial, atender-se-á ao que nesta estiver determinado’’ (artigo 1577.º) .
xxiv) Com meras modificações formais este regime manteve-se com a Reforma do Código de Processo Civil, operada pelo DL n.º 44.129, de 28 de Dezembro de 1961.
xxv) Deposto o regime político anterior, foi aprovada e decretada, em 2 de Abril de 1976, uma nova Constituição que não previu a instituição de tribunais arbitrais.
xxvi) Com efeito, o artigo 212.º reservado às categorias dos tribunais, dispõe o seguinte: ‘’1. Haverá tribunais judiciais de primeira instância, de segunda instância e o Supremo Tribunal de Justiça.
2. Haverá tribunais militares e um Tribunal de Contas.
3. Poderá haver tribunais administrativos e fiscais’’.
xxvii) Com a 1.ª Lei de Revisão Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro, o n.º 3 do artigo 212.º passou a constituir o novo n.º 2 do mesmo artigo, sendo o seu texto substituído por:
‘’2. Podem existir tribunais administrativos e fiscais, tribunais marítimos e tribunais arbitrais’’.
xxviii) Não demorou muito a que o legislador ordinário, aproveitando-se dos novos dados normativos, fizesse editar o Dec-Lei n.º 243/84, de 17 de Julho, sobre o enquadramento legal da arbitragem voluntária, em substituição do constante no Código de Processo Civil.
xxix) No entanto, o Acórdão n.º 230/86, de 8 de Julho, do TC declarou com força obrigatória geral, e com referência ao disposto no artigo 168.º , n.º 1, alínea q) , da Constituição, a inconstitucionalidade das normas do DL n.º 243/84, de 17 de Julho.
xxx) Remediando a declarada inconstitucionalidade orgânica do Dec-Lei n.º 243/84, o legislador fez aprovar em 29 de Agosto a Lei n.º 31/86, sobre a arbitragem voluntária, agora substituída pela Lei de Arbitragem Voluntária aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, que entrou em vigor em 14 de Março de 2012.
xxxi) Resulta, pois, do exposto, que a configuração centralista do Estado, herdada do absolutismo e consolidada no Sec. XIX, através da afirmação do monopólio do poder coercitivo do Estado teve de render-se, por circunstâncias várias, à sociedade civil, à vontade de os particulares não se deixarem propriamente comandar do alto, conseguindo reservar para eles um espaço significativo de resolução alternativa de conflitos.
xxxii) A nossa legislação consente, como vimos, há cerca de 200 anos que os particulares submetam a terceiros, árbitros da sua escolha, o poder de dirimirem litígios, surgidos ou passíveis de surgir entre eles, sem terem de recorrer aos órgão jurisdicionais do Estado.
xxxiii) A doutrina divide-se quanto à natureza jurídica da arbitragem voluntária.
xxxiv) Para uns a arbitragem tem natureza contratual. Podemos tomar como exemplo desta orientação Girolamo Monteleone (Diritto Processuale Civile, terza ed., Cedam, Padova, 2002:818 ss).
xxxv) Tentemos resumir o pensamento deste autor.
xxxvi) Os titulares de direitos disponíveis não veem diminuída as suas faculdades jurídicas pelo facto de surgir uma contestação desses seus direitos , nem pelo facto de, com o fim de eliminar essa contestação terem de recorrer à justiça. Eles mantêm sempre o pleno e livre poder de disporem do seu direito com efeitos dirimentes sobre um eventual processo em curso: eles podem transigir, antes ou durante a ação judiciária, podem conciliar-se com o auxílio e intervenção do juiz (ou de outros órgãos com competência para isso),podem desistir do pedido ou da instância etc. pondo assim fim ao processo jurisdicional.
xxxvii) Mesmo que tudo o que afirmamos não aconteça, o exercício concreto da jurisdição civil, sem dúvida expressão da soberania do Estado, está subordinada à condição da propositura da ação. Na falta de uma ação judicial instaurada por quem tiver legitimidade ad causam e interesse em agir não nasce processo algum, não existe jurisdição em concreto e nenhum juiz pode ingerir-se no direito dos cidadãos.
xxxviii) Se tudo isto é verdadeiro e se até o exercício da soberana função jurisdicional está subordinada à autonomia das partes, parece normal que os sujeitos em conflito, valendo-se da mesma autonomia , decidam confiar a um árbitro da sua confiança a solução da controvérsia jurídica que os opõe em vez de recorrerem aos tribunais do estado.
xxxix) Das suprarreferidas premissas se extrai a convicção de que a arbitragem, que aprofunda as suas raízes no poder de disposição dos direitos subjetivos pelos particulares, constitui a expressão da autonomia negocial e não da jurisdição.
xl) A arbitragem nunca tem natureza jurisdicional, nem mesmo quando com base na lei o laudo devia ser depositado na secretaria do tribunal para homologação. Isto porque o póstumo e formal selo judiciário não pode transformar ex abrupto em sentença um ato que não dimana de um órgão de soberania.
xli) Os árbitros não são magistrados da ordem judiciária, mas cidadãos privados, designados e nomeados pelas partes na lide, e portanto não podem ser investidos de jurisdição.
xlii) Por outro lado, não é compatível sob o prisma do direito público, que os cidadãos a título privado possam por sua própria iniciativa e vontade delegar uma fração da soberania estadual a outros cidadãos . O que podem delegar é a faculdade de aceitar e de dispor convencionalmente dos direitos subjetivos, mas não certamente de um atributo do Estado e de um poder público.
xliv) Uma segunda posição, representada em Itália por Nicola Picardi (Manuale Del Processo Civile, Giuffrè, 2006:608 ss), defende que os juízes investidos pelo Estado não são os únicos depositários da função jurisdicional.
xlv) O ordenamento reconhece também à arbitragem voluntária o poder de jus dicere e a sua decisão arbitral tem hoje o mesmo efeito (fora os de carácter executivo) das sentença dos juízes estaduais. Noutros termos o árbitro acaba por ser um juiz privado investido pelas partes cuja atividade constitui o exercício da atividade jurisdicional. Daí deriva que o laudo arbitral tem os mesmos efeitos da sentença proferida pelo juiz, com exceção da eficácia do título executivo.
xlvi) Não deixa de ser interessante que no preâmbulo do DL n.º 243/84, de 17 de Julho se afirme o seguinte: ‘’A arbitragem voluntária é definida em termos amplos. Por efeito da convenção de arbitragem, a jurisdição de direito comum aplica-se graças a uma prorrogação convencional de competência. Tal traduz uma completa substituição da jurisdição do Estado por uma outra jurisdição, criada pelas partes que vai ter a mesma eficácia que a substituída por virtude das disposições legais que a estatuem e regulamentam.
Não se pode falar aqui em jurisdições antagónicas, contraditórias, visto que são aceites e eficazes perante a lei. Trata-se antes de jurisdições complementares.
É certo que a arbitragem reveste uma componente essencial e determinantemente contratualista, que conforma a sua natureza jurídica. Mas é certo que reveste também uma componente jurisdicional quanto à sentença arbitral e sua equiparação à sentença judicial nos seus efeitos mais marcantes: eficácia do caso julgado e execução judicial’’.
xlviii) Quanto a nós perfilhamos a orientação clássica da arbitragem. A entrega do julgamento a árbitros não implica a atribuição de funções jurisdicionais, que exorbitariam dos limites da autonomia privada. Os árbitros integram o tribunal arbitral, mas não agem, como órgãos do Estado, não dispõem de poderes de autoridade, que são inerentes ao exercício da função jurisdicional, e a decisão que sela o seu juízo, o laudo, não tem a eficácia da sentença dos tribunais Estaduais.
xlxix) Não impressionam os argumentos daqueles que invocam o uso frequente da expressão ‘’sentença arbitral’’ feito na nLAV , nem os amplos poderes conferidos aos árbitros por esta lei, que podem inclusive decretar providências cautelares e ordens preliminares.
l) As decisões judiciais são, em Portugal, de duas espécies: sentenças ou despachos.
Os acórdãos não têm autonomia, porquanto a lei utiliza esta designação não para caracterizar uma especial forma-conteúdo do ato, mas sim atendendo ao número de magistrados que o proferem.
li) O Código de Processo Civil contém, no artigo 152º, n.º 2, uma definição de sentença: «Diz-se sentença o acto pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa».
lii) As sentenças civis são, por conseguinte:
i) atos processuais;
ii) proferidos por juízes;
iii) no âmbito de uma causa principal ou de um incidente que apresente a estrutura de uma causa;
iv) que decidem essa causa ou esse incidente.
liii) A sentença é, pois, antes de mais, um ato processual. Mas é também um ato do processo, ou pertencente ao processo, proferido por um juiz.
liv) Os atos processuais são atos dos sujeitos processuais; no essencial, atos do órgão jurisdicional ou das partes.
Diferentemente do que ocorre com os atos das partes, que exercem o direito de ação e de defesa, os atos dos órgãos jurisdicionais são praticados no exercício de uma função pública.
lv) A prolação de uma decisão sobre matéria pendente e o cumprimento das decisões dos tribunais superiores são, entre outros, atos de realização da justiça e, por isso, obrigatórios ou devidos, constituindo a sua omissão denegação de justiça, possível fonte de responsabilidade civil, disciplinar e penal.
lvi) Ao falar genericamente em juiz, o Código quis referir-se aos magistrados judiciais, titulares do órgão de soberania tribunais, a quem compete o exercício da função jurisdicional.
lvii) Porém, o nosso ordenamento reserva também a designação de sentença para as decisões arbitrais (e até para as decisões finais proferidas pelos juízes de paz).
lix) Ora, não se pode conferir, em substância, o valor de sentença a uma decisão que não constitui expressão da jurisdição, entendida como poder inerente à soberania do Estado, antes retira vida e consistência da manifestação de uma vontade negocial, como é o caso, como vimos, do laudo dos árbitros.
lx) Acresce que a qualificação legal não é vinculativa.
lxi) Por outro lado, os árbitros não detém poderes executórios que lhes permitam assegurar coercivamente o cumprimento da medida cautelar por si decretada, devendo, portanto, o requerente, se a providência não for cumprida voluntariamente, pedir ao juiz estadual a sua execução nos termos do artigo 27.º,, n.º1.
lxii) Refira-se ainda que certas medidas cautelares, dado o facto de revestirem simultaneamente carácter declaratório e executivo, como é o caso do arresto, do embargo de obra nova ou da restituição da posse, não podem ser decretadas por tribunais arbitrais, precisamente por falta de poderes coercivos destes tribunais.
lxiii) Também é verdade que ‘’não é criminalizável a desobediência a uma medida cautelar arbitral, ao contrário do que pode acontecer no caso de uma medida cautelar emitida por um tribunal estadual.
Na verdade, para além da falta de tipificação legal do crime, também o tribunal arbitral não é uma entidade pública a quem seja devida obediência por um imperativo de natureza pública. É uma entidade privada constituída para dirimir litígios de natureza privada, tratando-se claro está de arbitragem voluntária. Que goza de autoridade para emitir uma ou mais decisões obrigatórias, mas que não é uma entidade pública’’ (Manuel Pereira Barrocas, Lei de Arbitragem Comentada, Almedina, Coimbra, 2013:94).
lxiv) Não se esqueça, por fim, que, por falta de coercibilidade perante terceiros das decisões dos árbitros as partes têm de contar com o apoio do tribunal estadual para obtenção de provas (artigo 38.º) e que cabe bem entendido ao tribunal estadual em regra a execução da sentença arbitral (artigo 47.º).
lv) Em suma: ‘’Desprovidos de potestas, os tribunais arbitrais afirmam a sua legitimidade pela vontade das partes e a sua autoridade por disposição legal. A coercibilidade vai buscá-la ao apoio dos tribunais estaduais’’ (Barrocas, op. cit: 118).
lvi) Temos estado até agora a falar na arbitragem voluntária, cujo regime deixa totalmente em branco a questão que nos preocupa neste recurso.
lvi) Importa assim fazer uma deriva focando-nos sobre outra modalidade de arbitragem : a arbitragem necessária.
lviii) Na arbitragem necessária ‘’a controvérsia somente pode ser decidida por árbitros em atenção à natureza ou ao objeto do concreto litígio, precisamente porque uma disposição legal, e não já a vontade das partes, impõem a obrigação de submeter a árbitros certos litígio’’ (J.P.Remédio Marques, Ação Declarativa à Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, Coimbra, 2007:35/36).
lxix) A arbitragem necessária não foi criação do legislador de 39 do século passado.
lxx) Já, pelo menos, no Sec. XIX existiam casos de arbitragem forçada (v.g. artigos 452.º , 749 e 1032.º C. Comercial 1883, e artigo 1263.º CC de 67)
lxxi) Por isso o legislador de 1876 não teve qualquer relutância em regulamentar, nos artigos 56.º e 57.º, o julgamento arbitral quando este for determinado por lei especial, entendendo-se esta como a lei comercial e administrativa, e mesmo a lei civil nos casos especiais em que determina o julgamento arbitral.
lxxii) Diga-se de passagem, e por mera curiosidade, que Dias Ferreira , considerava que ‘’o arbitramento forçado, além de contrário aos princípios , é inteiramente incompatível com os nossos hábitos e tendências.
É uma providência reacionária e anti-liberal, que devia ser banida das nossas leis’’ (op. cit: 118).
lxxiii) O Código de Processo Civil de 39, apesar das várias reformas, e da aprovação das nossas duas leis de arbitragem voluntária sempre conservou, bem ou mal, o instituto.
lxxiv) Hoje, o Livro VI do nCPC, justamente dedicado ao tribunal arbitral necessário, contém quatro artigos – artigos 1082.º a 1085 – que no fundo reproduzem os correspondentes artigos do CPC revogado.
lxxv) Lembremos o teor do primeiro e último desses artigos: artigo 1082: ’’Se o julgamento arbitral for prescrito por lei especial, atende-se ao que nesta estiver determinado; na falta de determinação, observa-se o disposto nos artigos seguintes’’; artigo 1085.º ‘’Em tudo o que não vai especialmente regulado observa-se, na parte aplicável, o disposto na Lei de Arbitragem Voluntária’’.
lxxvi) A arbitragem necessária, por não assentar na autonomia negocial, suscita problemas delicados de compatibilização com a reserva de jurisdição, particularmente evidenciados quando não é claro o seu carácter e não se respeita convenientemente o contraditório.
lxxvii) José Lebre de Freitas, in ‘’A citação dos interessados como garantia de defesa no processo de expropriação’’, Estudos sobre Direito Civil e Processo Civil, Coimbra Editora, Coimbra, 2002: 57/58, refere que ‘’constitui requisito do Estado de direito ‘’a reserva da função jurisdicional aos tribunais’’ independentes e dotados de garantia de independência dos juízes. De acordo com o [artigo 202.º, n.º 4 da CRP] ‘’a lei poderá institucionalizar instrumentos e formas de composição não jurisdicional de conflitos’’ e a constitucionalidade do processamento da arbitragem nas expropriações pode ser defendida com base neste preceito, introduzido na revisão de 1989 e não com base no artigo [209-2], que prevê tribunais integrados na função jurisdicional; mas, precisamente, o texto constitucional é inequívoco quando qualifica como não jurisdicionais as formas de composição que admite fora do âmbito de exercício das funções dos tribunais. A arbitragem voluntária, fundada no reconhecimento da autonomia privada , não briga com a reserva da função jurisdicional aos tribunais ; mas a consagração de formas de arbitragem forçada , que não tem o mesmo fundamento , constituirá violação da Constituição se se entender que implica o exercício duma função jurisdicional , máxime se nelas não for respeitado o princípio do contraditório’’.
lxxviii) É na verdade problemática a questão de saber se a cobertura constitucional dos tribunais abrange os tribunais arbitrários necessários visto que estes implicam que os litigantes fiquem impedidos de recorrer diretamente a tribunais ordinários que normalmente seriam competentes (‘’Meu filho, quer tu queiras quer tu não queiras, hás-de ser bombeiro voluntário!’’ Raúl Solnado).
lxxxix) No caso sujeito, está apenas em causa indagar da constitucionalidade das normas integrantes da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, ‘’enquanto sistema de resolução de litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial sobre medicamentos de referência , quando seja desencadeado um procedimento administrativo , perante o INFARMED , conducente à produção da autorização no mercado de medicamentos genéricos’’.
xc) No parecer juntos aos autos, da autoria de Gomes Canotilho, sustenta-se, nomeadamente, o seguinte:
- sob pena de inconstitucionalidade material, resultante da violação dos princípios da aplicação direta dos direitos, liberdades e garantias e da vinculação das entidades públicas e privadas (artigo 18.º n.º 1 da Constituição), por um lado, bem como da violação do princípio da reserva constitucional do juiz estadual , por outro, é de entender que tais litígios emergentes de direito de propriedade industrial respeitantes a medicamentos de referência devem ser dirimidos perante tribunais estaduais;
- Assiste-se a uma lesão flagrante do regime geral dos direitos fundamentais, designadamente dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e do princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva;
- O regime legal de composição de litígios em questão põe em causa o conteúdo daqueles dois princípios gerais que conferem a proteção jurídico-constitucional mais profunda e efetiva aos direitos fundamentais. Estando em causa uma necessidade de tutela de direitos fundamentais, como são os direitos de propriedade industrial, é de questionar pela razão de ser da discriminação dos seus titulares em sede de proteção jurisdicional. Discriminação que, independentemente dos motivos que lhe estão subjacentes – razões de políticas públicas ou de ordem económica – se processa ao nível de acesso ao direito e aos tribunais, em geral, e da tutela jurisdicional efetiva, em particular. A sujeição, por lei ordinária, da resolução desses litígios a um sistema de arbitragem ‘’forçada’’ ou ‘’necessária’’, significa uma subtração inconstitucional dos titulares dos direitos fundamentais invocados ao exercício do direito fundamental de acesso aos tribunais estaduais para defesa desses mesmos direitos, ao mesmo tempo que coloca indiscutivelmente numa situação de desigualdade, quando confrontados com a proteção jurisdicional conferida a outros titulares de outros tantos direitos fundamentais.
- O próprio iter processual desenhado pelo legislador ordinário no artigo 3.º confirma a conclusão anterior, traduzindo-se numa violação do princípio da proibição do arbítrio ou do princípio da proporcionalidade na sua tripla vertente de adequação, necessidade e de proporcionalidade em sentido estrito: as peculiaridades processuais prescritas naquele artigo transformam a arbitragem necessária numa alternativa desprovida de adequação à proteção ou à tutela jurisdicional efetiva dos direitos fundamentais; a concreta conformação do processo arbitral viola o princípio do due process que postula a proteção dos direitos fundamentais através de um processo ’’jurisdicional’’ adequado.
xci) Lê-se, por outro lado, na 4.ª ed. Revista do Vol II, da CRP. Anotada, de Gomes Canotilho e Vital Moreira, Coimbra, 2010: 551 que ‘’problemática é a questão de saber se a cobertura constitucional dos tribunais arbitrais abrange apenas os tribunais ‘’voluntários’’ (cfr. L. n.º 31/86) , ou seja, os instituídos por vontade dos interessados ,ou também os ‘’necessários’’ (cfr. CPC 1525 e ss; Ac TC n.º 230/86), ou seja, os impostos por lei, visto que estes implicam que os litigantes ficam impedidos de recorrer diretamente aos tribunais ‘’ordinários’’ que normalmente seriam competentes, podendo por isso pôr em causa não apenas o direito de acesso aos tribunais (artigo 20.º, n.º 2) , mas também o princípio da igualdade (artigo 13.º)’’.
xcii) Ora, não temos dúvidas em seguir a opinião dos autores citados, e bem assim , entre outros, a de José Acácio Lourenço quando considera que a manutenção da arbitragem necessária no ‘’novo’’ CPC viola e subalterniza o direito fundamental de acesso aos tribunais para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos , consagrado no n.º 1 do artigo 20.º da CRP (ROA, 73: 517 ss).
xciii) Diz este autor:’’ A outra situação em que se afigura haver subalternização do direito de acesso aos tribunais refere-se à arbitragem necessária.
O Livro VI, que é o último na sistemática do Código de Processo Civil, refere-se ao tribunal arbitral necessário e compreende os arts. 1082º até 1085º, sendo, portanto, este o último artigo do Código.
Este livro VI e os correspondentes arts. 1082.º até 1085º reproduzem o que já constava do CPC ora revogado, mais precisamente, os arts. 1525.º a 1528.º do Título II – Do Tribunal Arbitral Necessário, o qual faz parte do Livro IV – Do tribunal Arbitral.
Numa primeira observação, poderá, pois, concluir-se que o CPC se limitou a reproduzir o que já constava do CPC ora revogado.
Na verdade, a matéria relativa à arbitragem voluntária já tinha sido abrogada, desde a aprovação da Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto.
Porém, sendo também óbvio que a matéria relativa à arbitragem necessária não se aplica, quer aos tribunais judiciais, quer aos processos neles tramitados, a interrogação que se suscita é a de saber por que é que o legislador, numa reforma em que apelidou de manta de retalhos o velho CPC, não retirou também a arbitragem necessária de um Código de Processo que, manifestamente, não a regula e à qual não se aplica, pois em todos os casos não previstos manda-se aplicar o disposto na Lei de Arbitragem Voluntária – cfr. art. 1085.º.
Com efeito, se era compreensível que, em 1939, o CPC albergasse normas sobre o tribunal arbitral, quer voluntário, quer necessário, até porque quanto a este último nem sequer se colocava a questão de saber era legítima e constitucionalmente admissível a arbitragem necessária, a partir do momento em que entrou em vigor a Constituição de 1976 e a arbitragem voluntária foi retirada do CPC, parece não se justificar, de todo, a referência, no CPC, ao tribunal arbitral necessário, até porque, como se diz no art. 1082.º, o mesmo só adquire existência " se o julgamento arbitral for prescrito por lei especial, atendendo-se ao que nesta estiver determinado" e, no que não estiver especialmente regulado, observa-se o disposto na Lei de Arbitragem Voluntária.
Todavia, afigura-se que a manutenção do tribunal arbitral necessário no actual CPC não foi uma opção inocente e de mera cópia do que já constava no velho CPC, pois, através da sua previsão num Código de Processo Civil aprovado por uma lei da Assembleia da República, pretendeu-se, segundo se crê, legitimar a possibilidade de impôr a arbitragem necessária.
Na verdade, o que tem sido feito, em iniciativas legislativas mais recentes, é lançar mão da arbitragem necessária para nela encaixar competências que estão atribuídas aos tribunais que são órgãos de soberania, como sucedeu com a Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, cujo art. 2º veio submeter a arbitragem necessária, institucionalizada ou não institucionalizada, os litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial relacionados com medicamentos de referência e com medicamentos genéricos, incluindo os procedimentos cautelares.
Trata-se de um verdadeiro desaforamento do Tribunal da Propriedade Intelectual, cuja competência é negada e suprimida apenas e tão só para os litígios referentes a medicamentos.
O mesmo se pretendeu com o Tribunal Arbitral do Desporto, cuja proposta de lei n.º 84/XII veio a ser aprovada, pela Assembleia da República, e retirava aos tribunais administrativos a competência relativamente a litígios emergentes do exercício poderes publicos, no âmbito do ordenamento jurídico desportivo ou relacionados com a prática do desporto, o que veio a ser declarado inconstitucional em sede de fiscalização preventiva.
No entanto, a inserção, no CPC, de normas sobre os tribunais arbitrais necessários não se afigura que possa servir para justificar e legitimar a arbitragem necessária, pois, salvo melhor opinião, a possibilidade de existência de tribunais arbitrais, consagrada no n.º 2 do art. 209º da Constituição, refere-se aos tribunais arbitrais voluntários e não aos necessários, dado que é o carácter voluntário que está na origem e na essência da própria arbitragem.
Por outro lado, cabendo aos tribunais/órgãos de soberania, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 202.º da Constituição, a administração da justiça para assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados, não se afigura que sobre as matérias para os quais os mesmos são competentes se possa impôr e obrigar os cidadãos a recorrer à arbitragem necessária, sob pena de se violar a norma do referido n.º 2 do art. 202.º da Constituição e o direito fundamental de acesso aos tribunais, pois este direito de acesso refere-se aos tribunais que são órgãos de soberania e não os tribunais arbitrais.
Mas, se ainda assim se entender que é conforme com a Constituição impôr o recurso aos tribunais arbitrais necessários, em detrimento dos tribunais que são órgãos de soberania, então o legislador deverá dizer, de forma clara, em que situações considera legalmente conforme com a Constituição a supressão do direito de acesso a esses tribunais e a imposição de tribunais arbitrais necessários e não servir-se de referências indirectas que remetem para leis especiais que os prevejam, ficando-se à mercê de um casuísmo de conveniências políticas do momento’’.
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Pelo exposto, acordamos em:
i) Declarar inconstitucionais as formulações normativas contidas nos artigos 2.º e 3.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro por violação do disposto nos artigos 13.º, n.º 1, 18.º, n.º 1, 20.º, n.º 1 e 4, 26.º n.º 1 e 209.º, n.º 2 da CRP;
ii) Consequentemente, sendo competentes os tribunais do Estado para conhecer do ajuizado litígio, em absolver a requerida da instância.
Custas pelas requerentes
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14.05.2015
Luís Correia de Mendonça
Maria Amélia Ameixoeira
Rui Moura |