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ECLI:PT:TRL:2019:649.19.8YRLSB.L1.7.37

Relator: DIOGO RAVARA

Descritores: MEDICAMENTOS ARBITRAGEM PROCEDIMENTO CAUTELAR REQUISITOS

Processo: 649/19.8YRLSB.L1-7

Nº do Documento: RL

Data do Acordão: 04/06/2019

Votação: UNANIMIDADE

Texto Integral: S

Meio Processual: RECURSO DE SENTENÇA ARBITRAL

Decisão: IMPROCEDENTE

Sumário

· A nova redação do art. 3º, nº 3 da Lei nº 62/2011, de 12-12, resultante da alteração introduzida pelo DL nº 110/2018, de 10-12 clarificou a questão anteriormente discutida na doutrina e jurisprudência, estipulando expressamente que no âmbito da arbitragem no domínio dos medicamentos de referência/genéricos o demandado pode, por via de exceção, invocar a invalidade da patente e/ou certificado complementar de proteção, e que o Tribunal arbitral tem competência para apreciar essa exceção.
· Esta alteração legislativa tem natureza interpretativa, aplicando-se por isso a todos os processos que se encontrassem pendentes à data da entrada em vigor do referido DL nº 110/2018, de 10-12.
· Por sentença proferida pelo Tribunal da Propriedade Industrial, o certificado complementar de proteção (CCP) nº 202, relativo ao medicamento TRUVADA foi declarado nulo, por violação do disposto no art. 3º, nº 3 do Regulamento nº 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 06-05-2009.
· Muito embora a sentença referida em III- não tenha ainda transitado em julgado, encontrando-se ainda pendente recurso de apelação que dela foi interposto, a sua prolação constitui fundamento suficiente para, no plano da summaria cognitio que a apreciação dos requisitos de que depende o decretamento de uma providência cautelar, se conclua que não se mostra verificado o requisito do fumus boni iuris.
· Neste contexto, carece de fundamento a pretensão manifestada pela recorrente, titular do mencionado CCP 202, no sentido de ser decretada providência cautelar contra as recorridas, instando-as a abster-se de comercializar medicamento genérico com composição semelhante à do mencionado medicamento TRUVADA, por não se verificar o requisito da provável existência de um direito, consagrado nos arts. 338º-I, nº 1 do Código da Propriedade Industrial e 362º, nº 1 do CPC.

Decisão Texto Parcial

Decisão Texto Integral

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO
A., sociedade de Direito norte-americano com sede em Foster City, California, intentou ação arbitral contra B., sociedade de Direito dinamarquês, com sede em Copenhaga, e C., pessoa coletiva nº 5..., alegando ser detentora da Patente Europeia nº 0915894 e do Certificado Complementar de Proteção nº 202, e que ao abrigo dos direitos conferidos por estes dois instrumentos comercializa o medicamento “TRUVADA”, e que as rés pretendem comercializar um medicamento genérico com a mesma composição. Formula diversos pedidos tendentes a impedir esse desiderato. No âmbito do mesmo processo pediu a demandante e ora recorrente que sejam decretadas as seguintes providências cautelares:
· intimação da B. a cessar totalmente a oferta do produto "Emtricitabina+Tenofovir Sandoz" e, consequentemente:
· retirar a sua oferta do Acordo Quadro 2017/64;
· não realizar qualquer ato que leve à execução, por si ou por terceiro, do referido Acordo Quadro, bem como a não executar, por si ou por terceiro, qualquer contrato de fornecimento lançado ao abrigo do Acordo Quadro, nomeadamente por meio da submissão de uma oferta em concurso público lançado ao abrigo do Acordo Quadro; e
· cessar imediatamente a oferta e/ou fornecimento, por si ou por terceiro, dos medicamentos "Emtricitabina+Tenofovir Sandoz", e bem assim qualquer outra conduta nos termos do artigo 101.2, n.2 2 do Código da Propriedade Industrial que esteja a ser praticada junto de qualquer hospital, público ou privado, ou qualquer autoridade pública responsável por processos centralizados de aquisição de medicamentos, tais como o SPMS;
· intimação da B. para retirar imediatamente do mercado português, a suas expensas, os medicamentos "Emtricitabina+Tenofovir Sandoz" que já tenham sido fornecidos, diretamente pela B. ou através de um terceiro;
· intimação da B. para informar qualquer hospital a quem tenham sido oferecidos          e/ou   fornecidos     os        medicamentos "Emtricitabina + Tenofovir Sandoz" de que essa oferta e/ou o fornecimento são ilícitos;
· intimação da B. para se abster de oferecer e/ou fornecer, por si ou por terceiro, o produto "Emtricitabina+Tenofovir Sandoz" a qualquer outro hospital (mediante participação em concursos públicos ou outros) bem como de, no território português, ou com vista à comercialização naquele território, importar, oferecer, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou usar o "Emtricitabina+Tenofovir Sandoz" ou, sob qualquer outro nome comercial, qualquer outro medicamento que compreenda TDF, enquanto os direitos de propriedade industrial da A. decorrentes da EP '480 se encontrarem em vigor;
· intimação da B. para se abster de oferecer e/ou fornecer, por si ou por terceiro, o produto "Emtricitabina+Tenofovir B." a qualquer outro hospital (mediante participação em concursos públicos ou outros) bem como de, no território português, ou com vista à comercialização naquele território, importar, oferecer, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou usar o "Emtricitabina+Tenofovir B." ou, sob qualquer outro nome comercial, qualquer outro medicamento que compreenda a associação de princípios ativos tenofovir disoproxil (ou um seu sal) e emtricitabina (incluindo TD+FTC) enquanto os direitos de propriedade industrial da A. decorrentes do CCP 202 se encontrarem em vigor;
· intimação da B. para prestar a informação solicitada no artigo 125;
· com vista a garantir o exercício dos direitos da Requerente, deve ser a B. intimada a não transmitir a terceiros a AIM identificada no artigo 91 do presente Requerimento Inicial, e ainda:
· a não transmitir a terceiros quaisquer AIMs ou pedidos de AIM relativos a produtos que compreendam TDF, enquanto a EP '480 se encontrar em vigor;
· a não transmitir a terceiros quaisquer AIMs ou pedidos de AIM relativos a produtos que compreendam a associação dos princípios ativos tenofovir disoproxil (ou sal do mesmo) e emtricitabina (incluindo TD+FTC), enquanto o CCP 202 se encontrar em vigor
Mais requereu a demandante a fixação de uma sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a € 145.000,00 (cento e quarenta e cinco mil euros), a ser paga pela B. por cada dia de atraso no cumprimento das intimações que lhe vierem a ser feitas nos termos do acima requerido.

As demandadas deduziram oposição à ação arbitral e ao procedimento cautelar nela inserto, e no decurso do processo arbitral, foram proferidas as seguintes decisões:
· Despacho nº 4, proferido em 04-05-2018, cuja cópia se acha a fls. 75 a 85, no qual o Tribunal Arbitral, entre outras decisões decidiu, “declarar a” sua “competência (…) para apreciar e conhecer da excepção de invalidade do CCP 202 com o fundamento na alegada não inclusão do CCP 202. Com fundamento na alegada não inclusão do ingrediente activo emtricitabina no âmbito da protecção da EP 9154894“.
· Acórdão intercalar, proferido em 03-01-2019, cuja cópia se acha a fls. 100 a 105 no qual o Tribunal Arbitral decidiu “absolver as Demandadas dos pedidos formulados pela Demandante no Requerimento de Providências Cautelares entrado nos autos em 19 de Fevereiro de 2018.”.

Inconformada com tais decisões, a autora interpôs o presente recurso de apelação, cuja motivação sumariou nos termos das seguintes conclusões:
· OBJETO DO RECURSO: O presente recurso vem interposto do Despacho n.2 4 (de 4 de maio de 2018) e do Acórdão Intercalar (de 3 de janeiro de 2019), no qual o Tribunal Arbitrai, constituído ao abrigo da Lei n.º 62/2011, entendeu rejeitar a providência cautelar requerida pela A. contra a B..
· Do RECURSO DO DESPACHO N. 4 — COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL: a A. vem recorrer do Despacho n.º 4, na parte em que o Tribunal Arbitral se declarou competente para decidir sobre a validade do CCP 202, com efeitos inter partes, ao abrigo do artigo 3.º, n.º 7 da Lei n.º 62/2011 e 629.º, n.º 2, alínea a) do CPC, em cumprimento da jurisprudência desta Relação firmada em 23 de maio de 2018 (Decisão Sumária proferida no Processo n.º 280/17.2YRLSB).
· O regime de declaração de nulidade de um CCP é em todo idêntico ao que rege a declaração de nulidade de uma patente, dispondo o artigo 15.º, n.º 2 do Regulamento CCP que as ações de nulidade dos certificados sejam instauradas junto da instância competente em matéria de anulação da patente de base (ação essa que fica sujeita às mesmas normas reguladoras do processo da anulação da patente de base, de acordo com o 19.º, n.º 1 do Regulamento CCP).
· Ora, a invalidade de direitos de propriedade industrial só pode ser declarada por via principal e com efeitos erga omnes. Nessa medida, o tribunal arbitral não tem (nem qualquer outro tribunal estadual que não o TPI, por via da ação proposta ao abrigo do artigo 35.º do CPI) competência para declarar essa invalidade de forma incidental e com efeitos inter partes e— pior— de forma perfunctória.
· Da leitura integrada dos artigos 35.º do CPI e do artigo 111., n.2º 1, alínea c) da LOSJ resulta inequivocamente que o Tribunal competente para apreciar, conhecer e declarar a nulidade ou a anulação de direitos de propriedade industrial é, apenas e em qualquer circunstância, o Tribunal da Propriedade Intelectual, por meio de uma ação própria intentada e com efeitos erga omnes.
· O legislador assim o estipulou porque a concessão de um CCP é um ato administrativo precedido de um procedimento próprio, tendente a uma completa averiguação da verificação de todos os seus pressupostos de facto e de direito, e culminando num ato registrai constitutivo de direitos (cf. Acórdão deste STJ de 16 de dezembro de 2016).
· É por isso que um dos princípios basilares que preside à proteção da propriedade industrial, e que se encontra plasmado no artigo 4.º, n.º 2, do CPI, estabelece que a concessão de direitos de propriedade industrial implica a presunção iuris tantum dos requisitos da sua concessão. Da concessão do título de propriedade industrial resulta, pois, uma presunção da sua validade.
· Pelo que enquanto o TPI não declarar nulo ou anular um título de propriedade industrial por via de uma decisão transitada em julgado, nenhuma outra autoridade (outros tribunais judiciais e administrativos, tribunais arbitrais, administração pública etc.) se poderá pronunciar sobre a sua invalidade, quer por via de ação, quer de reconvenção, ou exceção, quer a título principal, quer perfunctório, funcionando em toda a sua plenitude a presunção de validade decorrente do artigo 4.º, nº 2 do CPI.
· Considerando a natureza absoluta dos direitos privativos que resultam da patente ou do CCP, encontram-se adstritos a averbamento e inscrição no título todos e quaisquer factos que limitem, modifiquem ou extingam esses direitos, entre eles decisão invalidante final (artigo 35.º, n.os 3 e 4 do CPI). Essa decisão produz efeitos extintivos do direito de propriedade industrial em causa, oponíveis erga omnes.
· Admitir a declaração de invalidade desse direito, com meros efeitos inter partes, seria negar a natureza erga omnes do mesmo, ou seja, permitir-se-ia a invalidação subjetivamente parcial da mesma patente ou CCP, os quais passariam a ser inválidos apenas em relação às partes recorridas, continuando a ser válidos e oponíveis contra todos os outros interessados, o que é inadmissível.
· O que geraria a prolação de decisões contraditórias, considerando uns tribunais a sua invalidade e outros negando-a.
· E, pior, se vier a ser a final julgada improcedente a ação de invalidação proposta nos termos do artigo 35.º do CPI, tal decisão, embora eficaz erga omnes, teria de conviver com eventuais decisões individuais considerando o CCP inválido, permitindo assim a sua contrafação por parte dos agentes económicos que, sendo parte nessas ações individuais, aproveitavam das decisões nelas proferidas.
· Esta matéria foi abordada pelo TJUE no Acórdão de 13 de julho de 2006, Processo C-4/03, onde decidiu que o artigo 16.4 da Convenção de 27 de setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (Convenção de Bruxelas), que trata da competência exclusiva dos tribunais estaduais nacionais, se aplica às decisões sobre a nulidade de patente — sejam elas suscitadas tanto pela via da ação como da exceção.
· A A. não desconhece a jurisprudência do Acórdão do TC n.º 251/2017, em que foi sindicada a constitucionalidade da norma "resultante da interpretação conjugada do artigo 2.º da Lei n.º 62/2011, de 12 dezembro, e artigos 35.g, n.º 1 e 101.º, n.º 2, do Código da Propriedade Industrial no sentido de que «em sede de arbitragem necessária instaurada ao abrigo daquele diploma legal, a parte não se pode defender, por exceção, mediante invocação da invalidade de patente, com meros efeitos inter partes»".
· A decisão vertida no Acórdão do TC n.º 251/2017, assenta em premissas totalmente erradas e não tem força obrigatória geral.
· Contrariamente ao que é entendido pelo TC no Acórdão do TC n.º 251/2017, a alegada indefesa, desde fogo, não é absoluta, dado que se reporta apenas à impossibilidade de utilização de uma, de várias, vias de defesa, não sendo, porquanto inconstitucional em si mesma.
· O TC apenas apreciou a problemática da violação do processo equitativo do ponto de vista do direito de defesa dos demandados nas ações arbitrais, ignorando totalmente a problemática para os demandantes titulares de patentes.
· Para justificar o alegado prejuízo injustificado ao direito de defesa dos demandados, o TC salienta que: 1) a instauração de uma ação de invalidação de uma patente dificilmente terá qualquer influência na resolução do litígio pendente na ação arbitrai, considerando o artigo 36.º do CPI e as normas relativas à suspensão da instância (272.º e ss. do CPC) e 2) o requerente/titular de AIM pode não ter um interesse na declaração de invalidade da patente ou do CCP através de uma ação de anulação com efeitos erga omnes, visto que tal beneficiaria todos os terceiros concorrentes do titular da patente e não apenas o seu interesse económico.
· Ora, não resulta do artigo 36.° do CPI que a entidade demandada continuará vinculada ao conteúdo condenatório da decisão arbitrai após o trânsito em julgado da declaração de nulidade da patente ou do CCP. Assim, a declaração de nulidade de um direito depois da decisão arbitrai permite modificar ou inutilizar a força de caso julgado conferida à decisão arbitrai condena-tida do demandado.
· Em relação à suspensão da instância, o próprio regime do artigo 272.º, n.° 2 do CPC é, ele próprio, uma manifestação adjetiva do princípio da proporcionalidade, pelo que ele nunca poderia, sem mais e em termos absolutos, fundamentar um juízo de inconstitucionalidade. Estão em confronto nesse artigo 272.º, n.° 2 do CPC o direito do demandante a uma decisão célere e o direito do demandado a um procedimento prioritário, devendo ambos ser conciliados. Admitir-se sempre o deferimento da suspensão em causa prejudicial é, isso sim, fazer uma interpretação inconstitucional do artigo 272.º, n.° 1 do CPC, por violação do direito à decisão da causa em prazo razoável — particularmente premente tendo em conta a natureza urgente dos presentes autos.
· Quanto à premissa identificada em 2), não podem ser confundidos argumentos de política jurídico-económica com o facto de saber se da norma sob sindicância resulta a supressão do direito de defesa. E este direito não fica limitado.
· A solução adotada pelo TC não é nem proporcional, nem respeita o artigo 18.º, n.° 3 da CRP, visto que pondera erradamente os verdadeiros interesses confronto, não tomado em conta que o que é necessário é salvaguardar o conteúdo essencial do direito de patente, diretamente protegido pela Constituição por força do artigo 42.° ou do artigo 62.° da CRP.
· Foi obliterado que estamos perante um direito temporário e que o cerne deste direito é a fruição de um exclusivo que seria posto em causa com os efeitos inter partes, suprimindo-se do direito de patente a dimensão que lhe mais característica (o seu ius prohibendi).
· Assim, uma interpretação dos artigos 35.º, n.° 1 do CPC e 2.° da Lei n.° 62/2011 segundo a qual é admissível a declaração de nulidade de um direito de propriedade industrial por um tribunal arbitral com efeitos inter partes importa a diminuição da extensão e do alcance do conteúdo essencial do direito fundamental de propriedade industrial das titulares de patentes ou CCPs de forma desproporcional, sendo materialmente inconstitucional por violação dos artigos 42.º, 62.° e 18.º, n.°s 2 e 3 da CRP.
· Num caso que opõe a A. a outra empresa de genéricos, foi proferida a Decisão Sumária n.º 160/2018, na qual o Tribunal Constitucional aderiu integralmente à fundamentação vertida no Acórdão n.º 251/2017, a A. apresentou reclamação para a conferência no dia 3 de abril de 2018, a qual foi deferida a 17 de outubro de 2018, através do Acórdão n.º 539/2018.
· É, pois, evidente que o Tribunal Constitucional considerou que a sua posição sufragada anteriormente no Acórdão n.2 251/2017 relativamente à competência dos Tribunais Arbitrais para conhecer da validade de um direito de propriedade industrial, quando suscitada a título de exceção e com meros efeitos inter partes, poderia ser revista e modificada.
· O Acórdão recorrido enferma do vício de violação de lei substantiva, uma vez que errou na interpretação e aplicação das normas aplicáveis ao caso concreto, concretamente dos artigos 2.º da Lei n.2 62/2011, 4.º, n.º 2, 7.º, n.ºs 1 e 4, 35.º, n.º 1, e 338.º-I, n.º 2, do CPI, tendo incorrido, ainda, na violação dos artigos 42.º, 62.º e 18.º, n.ºs 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa ("CRP").
· A A. não ignora ainda a recente publicação do Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de dezembro, que promove alterações à Lei n.º 62/2011, aditando uma nova disposição (n.º 3) ao seu artigo 3.º, que agora dispõe que "no processo arbitral pode ser invocada e reconhecida a invalidade da patente com meros efeitos inter partes". No entanto, o facto de ser consagrada a nova disposição em apreço não altera o facto de qualquer declaração de invalidade de um direito de propriedade industrial com efeitos inter partes ser inconstitucional.
· RECURSO DO ACÓRDÃO INTERCALAR: No que diz respeito a medidas cautelares, o artigo 338º-1, n.ºs 1, alínea a) e 2 do CPI (artigo 9.º da Diretiva do Enforcement) só estabelece que o requerente da providência cautelar tenha de demonstrar que é titular de um direito e que esse direito está a ser violado.
· Essa prova foi feita por recurso à apresentação dos certificados do CCP 202 e da sua patente de base nos termos do artigo 7.º do CPI, pelo que não podia o tribunal a quo ter ilidido a presunção de que o CCP beneficia por força do artigo 4.º, n.º 2 do CPI e conhecido, incidental e perfunctoriamente da sua alegada invalidade.
· Com efeito, o Tribunal deveria ter aplicado a presunção de validade do CCP e, nesse sentido, considerado que os requisitos para o decretamento das providências cautelares se encontravam devidamente preenchidos, negando qualquer competência para conhecer da invalidade deste direito, ainda que a título perfunctório.
· DA VALIDADE DO CCP 202: O Tribunal a quo deveria ter verificado que o CCP 202 se encontra a ser infringido — o que está - e decretado a providência cautelar requerida.
· Apenas por cautela de patrocínio se irá demonstrar por que motivos o CCP 202 é válido. Antes de mais, cumpre dizer que caberia à Requerida B. demonstrar, fazendo prova, que o CCP 202 é inválido, uma vez que este goza duma presunção de validade (se se aceitasse que o Tribunal tem competência para apreciar esta questão, o que a A. rejeita veementemente).
· Tal não foi feito, razão pela qual as medidas cautelares requeridas deveriam sempre ter sido decretadas.
· Enquadramento legal - o Regulamento CCP tem de ser analisado e compreendido à luz dos seus considerandos, sendo que relevam para a questão de que ora nos ocupamos os considerandos 3, 4, 5, 9 e 10.
· Resulta da sua leitura que o Regulamento CCP tem um propósito diferente do das patentes: enquanto estas servem para remunerar o seu titular pela divulgação que fez da sua invenção, os CCPs servem para incentivar a investigação farmacêutica levada a cabo com base numa determinada patente de base.
· Isto é aliás corroborado pela exposição de motivos que levou à origem do Regulamento CCP, um documento de 1990 de onde resulta com toda a clareza que o que se procurou proteger com a criação dos CCPs foi a investigação farmacêutica (cf. parágrafos 12, 24 e 29 do documento apenas acessível em
https://sites.google.com/site/spccases/explanatory-memoranda/thememo.pdf?attredirects=0&d=1).
· É neste contexto que o Regulamento CCP tem de ser compreendido e foi neste contexto que o TJUE o interpretou. Têm especial relevância os Acórdãos Medeva (C-322/10), Lilly (C-493/12) e Teva v. A. (C-121/17).
· Dos Acórdãos Medeva e Lilly resulta que (i) para cumprir o artigo 3.2, alínea a), as reivindicações da patente base podem incluir uma definição funcional (em vez de uma simples definição estrutural) do produto e que (ii) o artigo 69.2 da Convenção da Patente Europeia ("CPE") e o Protocolo sobre a sua interpretação são as normas relevantes para determinar a proteção de uma patente europeia nos termos do artigo 3.2, alínea a) do Regulamento CCP — ou seja, o chamado "teste do âmbito de proteção".
· No Acórdão Teva v. A., o TJUE decidiu o seguinte:
"O artigo 3.°, alínea a), do Regulamento n.° 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de maio de 2009, relativo ao certificado complementar de proteção para os medicamentos, deve ser interpretado no sentido de que um produto composto por vários princípios ativos de efeito combinado é «protegido por uma patente de base em vigor», na aceção desta disposição, quando a combinação dos princípios ativos que o compõem, mesmo que não esteja expressamente mencionada nas reivindicações da patente de base, é necessária e especificamente visada nessas reivindicações. Para o efeito, do ponto de vista do especialista na matéria e com base na evolução técnica à data de depósito ou de prioridade da patente de base:
· a combinação desses princípios ativos deve ser necessariamente abrangida, à luz da descrição e dos desenhos da patente, pela invenção coberta por esta, e
· cada um dos referidos princípios ativos deve ser especificamente identificável, à luz de todos os elementos divulgados pela referida patente".
· Em suma, o que releva para o caso destes autos é, portanto, que, à luz da evolução técnica existente à data da prioridade, o produto TRUVADA® seja especificamente identificável pelo perito na matéria à luz de todas as informações divulgadas pela EP '894 (parágrafos 49 e 51 do Acórdão Teva v. A.).
· A DECISÃO CORRETA: o CCP 202 É VÁLIDO - Na data de prioridade da EP '894, os médicos tratavam regularmente a infeção por VIH em pacientes utilizando terapêuticas de associação. Um conjunto de publicações em revistas de renome relatava resultados positivos de ensaios clínicos de terapêuticas de associação, mostrando que tais associações se revelavam comparativamente melhores face aos tratamentos em monoterapêuticas existentes no tratamento da infeção por VIH em pacientes.
· Um médico ao ler a EP '894, teria reconhecido que um aspeto importante da invenção seria a da utilização do tenofovir disoproxil com diferentes antirretrovirais no tratamento da infeção por VIH, pelo que a reivindicação 27 teria sido entendida à luz desse conhecimento.
· A leitura que um perito na matéria faz da reivindicação 27 é a de que esta protege um dos compostos abrangidos pela patente, o tenofovir disoproxil (já que este é o único composto expressamente referido pela sua designação química na EP '894, na reivindicação 25), e outro antirretroviral — e isto porque em 1996, tal como hoje, uma terapêutica de associação para o tratamento da infeção par VIH seria necessariamente interpretada como implicando a associação de antirretrovirais.
· No parágrafo [0044] da EP '894 - correspondente à página 38 da descrição da parte portuguesa da patente -, só o VIH é enfatizado e especificamente identificado como um vírus individual (em contraste com a listagem exemplificativa de alguns vírus herpes ou HBV). Isto, naturalmente, levaria o perito na matéria a perceber que a EP '894 se reporta, de forma específica, ao VIH.
· Relativamente à sua eficácia, a EP '894 indica apenas um exemplo de atividade antiviral no Exemplo 16, no parágrafo [0117] — correspondente à página 73 da parte portuguesa da descrição da patente - e que é a atividade do tenofovir disoproxil contra o VIH, ou seja, a sua atividade antirretroviral relativamente ao VIH. Nenhum outro antiviral é mencionado novamente na EP '894.
· Uma vez que, em julho de 1996, o tenofovir era um candidato promissor como anti-VIH e o perito na matéria leria a EP '894 tendo em mente o tratamento do VIH, o perito na matéria entenderia o termo "outros ingredientes terapêuticos" como estando relacionado com outros princípios que contribuem para a atividade antirretroviral, ou seja, a sua atividade contra o VIH.
· A emtricitabina é um exemplo de um ingrediente que contribui para a atividade antirretroviral que já se encontrava amplamente descrita no estado da técnica à data de prioridade da EP '894, a 26 de julho de 1996, estando numa fase inicial de ensaios clínicos e a ser testada em associação com outros INTRs (inibidores da transcriptase reversa) para atividade antirretroviral. Os INTRs são, por definição, uma classe de compostos antirretrovirais, da qual fazem parte o tenofovir disoproxil e a emtricitabina.
· O perito na matéria, perante o estado da técnica anterior à data de prioridade, consideraria assim que a emtricitabina era identificável, uma vez que se trata de uma das poucas substâncias ativas que poderiam ter estado na mente do perito na matéria quando o anterior estado da técnica lhe foi apresentado.
· Em face do exposto, associação dos ingredientes ativos tenofovir disoproxil e emtricitabina é identificável no texto das reivindicações da EP '894 interpretada de acordo com o artigo 69.2 da Convenção sobre a Patente Europeia e o Protocolo interpretativo da referida disposição e os considerandos do Regulamento CCP.
· AS DECISÕES REFERIDAS PELO TRIBUNAL ARBITRAL: No que respeita à decisão do Tribunal da Propriedade Industrial, a A. interpôs recurso desta decisão, pelo que, até o trânsito em julgado da  decisão invalidante, o CCP 202 permanece válido no registo, para todos os efeitos. Ademais, essa decisão do Tribunal da Propriedade Intelectual incorreu em vários erros na apreciação da matéria de facto, o que conduziu a uma errónea consideração e aplicação do quadro jurídico relevante para a apreciação da validade do CCP 202.
· A decisão no processo 777/18.7YRLSB.L1-6 não é definitiva, tendo sido dela interposto recurso perante o Supremo Tribunal de Justiça, pelo que a mesma não deveria ter sido tomada em conta pelo Tribunal a quo nestes autos.
· No que toca à decisão do High Court of Justice (England & Wales), tal não poderá influenciar a decisão sobre a validade do CCP português nos presentes autos, estando a mesma inquinada por manifestos erros jurídicos e de análise, uma vez que juiz do HCJ aplicou erradamente o teste definido pelo TJUE, teceu considerações sobre o conhecimento geral comum ainda que tal não fosse requisito para aplicação do teste do TJUE, e não tomou em conta o estado da técnica anterior, sendo esse o requisito imposto pelo teste daquele mesmo Tribunal. Para além disso, tal foi feito sem que tivesse sido produzida a prova necessária, tendo o HCJ tomado em conta questões irrelevantes quando formulou as suas conclusões.
· Finalmente, procedendo o primeiro dos pedidos, deverão ainda ser decretadas as medidas cautelares acessórias correspondentes aos pedidos acessórios de não transmissão de AIM e de sanção pecuniária compulsória, os quais são essenciais para assegurar o cumprimento da condenação de não exploração da invenção protegida pela EP '894, conforme a A. expos no seu Requerimento Inicial, sendo igualmente o último dos pedidos (condenação no pagamento dos encargos) uma decorrência lógica da condenação nas medidas cautelares requeridas.

As recorridas contra-alegaram, sustentando em resumo, o que segue:
· O recurso interposto do despacho nº 4 é inadmissível, por extemporâneo;
· Ainda que assim se não considere, tal recurso é improcedente;
· O recurso interposto do acórdão intercalar é igualmente improcedente, porquanto o CCP 202 é nulo.

A recorrente pronunciou-se sobre a alegada inadmissibilidade do recurso interposto do despacho nº 4, sustentando que o mesmo é admissível e foi tempestivamente apresentado.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

· QUESTÃO PRÉVIA – DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO INTERPOSTO DO DESPACHO Nº 4
Estabelece o art. 18º, nº 4 da Lei da Arbitragem Voluntária, aplicável ao caso vertente ex vi do art. 3º, nº 8 da Lei nº 62/2011, de 12-12 que “a decisão interlocutória pela qual o tribunal declare que tem competência pode, no prazo de 30 dias após a sua notificação às partes, ser impugnada por qualquer destas perante o tribunal estadual competente, ao abrigo das subalíneas i) e ii) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º, e da alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º”.
No caso vertente, os autos revelam que o despacho nº 4 foi proferido em 04-05-2018, e notificado às partes por correio eletrónico enviado na mesma data, tendo o presente recurso sido interposto em 28-01-2019 (fls. 998 a 1020; e 1338 e segs. da certidão apensa).
Assim sendo, é inequívoco que o presente recurso foi interposto muito depois de ter decorrido o prazo de 30 dias contado da notificação às partes do mencionado despacho nº 4.
Porém, é igualmente certo que o acórdão intercalar foi proferido em 03-01-2019 (fls. 1326 a 1337 da certidão apensa), pelo que o presente recurso foi interposto antes de decorridos 30 dias contados da data em que as partes foram notificadas daquele acórdão.
Assim sendo, a questão que se coloca é a de saber se o art. 18º, nº 9 da LAV consagra um sistema de recurso intercalar preclusivo, nos termos do qual se as partes não recorrem da decisão do Tribunal Arbitral que aprecia a sua competência perdem o direito de a impugnar juntamente com a decisão final, ou se aquela disposição legal consagra uma mera faculdade, permitindo às partes impugnar de imediato aquela decisão ou optar por fazê-lo apenas no prazo de impugnação da decisão final.
A primeira via interpretativa referida foi sustentada por DÁRIO MOURA VICENTE e outros, nos seguintes termos:
“Atendendo às características do sistema de recursos no processo civil português, do qual resulta que existe um único momento para impugnação das decisões judiciais – e ao facto de a referência ao verbo «poder» constante do texto ser passível de ser interpretada como um verdadeiro ónus processual […] inclinamo-nos para considerar que a parte que tenha nisso interesse deverá impugnar imediatamente a decisão do tribunal arbitral pela qual este aceita ter competência para julgar o litígio. Esta solução é a que melhor se coaduna com o interesse na estabilização da instância arbitral tão rapidamente quanto possível, evitando-se na generalidade dos casos situações de prolação de sentenças arbitrais que venham mais tarde a ser anuladas por incompetência do tribunal arbitral (recorde-se que a duração média dos recursos não ultrapassa hoje os seis meses). Para reforçar esta nossa posição concorre ainda o facto de o artigo sob anotação prever expressamente o prazo para interposição de recurso (trinta dias)”.
Nas antípodas desta posição se pronunciaram ESTEVES DE OLIVEIRA e outros, que sobre esta mesma questão sustentam o que segue:
“E como neste art. 18/9 da LAV não se contém qualquer vestígio de cominações preclusivas e como, por outro lado, até se dispõe que a parte interessada “pode” (não que “deve”) impugnar aquela decisão, a conclusão seria a de que estamos qui perante uma faculdade, não um ónus. Donde, poder a parte interessada, mesmo que não haja impugnado diretamente a decisão interlocutória no prazo deste preceito, impugná-la depois, a final, ao abrigo do art.º 46.º da LAV.”
Em sentido idêntico se manifestou MARIANA FRANÇA GOUVEIA, para quem o preceito em análise “se limita a oferecer à parte que alegou a incompetência a possibilidade de recorrer de imediato, não fazendo precludir tal opção caso o faça mais tarde. No fundo, trata-se de uma possibilidade de impugnação imediata, mas que não impede que a parte prefira prosseguir o processo arbitral arte ao seu término e só depois, caso as razões subsistam, o levar de uma vez só aos tribunais estaduais.”
Como bem resulta dos trechos sura citados, inexiste consenso na doutrina quanto à questão de saber se o referido art. 18º nº 9 da LAV consagra um sistema de recurso intercalar preclusivo, ou pelo contrário, se prevê um mecanismo que confere às partes a faculdade de optar entre recorrer de imediato da decisão do Tribunal Arbitral que aprecia a questão da sua própria competência ou relegar para o final da causa arbitral a decisão de recorrer ou não daquela decisão, fazendo-o conjuntamente com o recurso que interpuser desta.
Cremos que pelo menos no contexto em que decidimos, a tese mais adequada é esta última.
Com efeito, importa ter presente que a Lei nº 62/2011, de 12-12 instituiu um sistema de arbitragem necessária (vd. a redação originária do art. 2º deste diploma), e que foi só com a recente revisão daquela lei, (operada pelo DL nº 110/2018, de 10-12) que tal sistema passou a ser de arbitragem voluntária (cfr. a redação que este diploma conferiu ao art. 2º do primeiro).
Ora, nos sistemas de arbitragem necessária, em que as partes não podem escolher entre submeter a causa a um tribunal arbitral ou a um tribunal estadual, estando obrigados a litigar no primeiro, é natural que as normas que consagram o direito de recorrer sejam interpretadas de forma mais ampla, ou seja, que seja privilegiada a tese interpretativa mais favorável ao recurso.
No caso vertente, a arbitragem que opõe as partes do presente recurso teve lugar antes da entrada em vigor das alterações introduzidas na Lei 62/2011 pelo DL 110/2018, pelo que aquela arbitragem tem a natureza de arbitragem necessária.
Assim sendo, privilegiando a via interpretativa mais generosa em matéria de admissibilidade do recurso, concluímos que assistia à recorrente a faculdade de optar entre recorrer de imediato ou juntamente com o recurso a interpor da decisão “final”, no caso o acórdão sobre medidas cautelares.
Em consequência, concluímos pela admissibilidade do recurso interposto do despacho nº 4.

III – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
Conforme resulta das disposições conjugadas dos arts. 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, seja quanto à pretensão dos recorrentes, seja quanto às questões de facto e de Direito que colocam. Esta limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação não se verifica em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art. 5º n.º 3 do CPC).
Não obstante, está vedado a este Tribunal o conhecimento de questões que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.
Assim, as questões essenciais a decidir são as seguintes:
· Do recurso do despacho nº 4: a competência do tribunal arbitral para apreciar a validade do Certificado Complementar de Proteção nº 202
· Do recurso do acórdão intercalar: o mérito das pretensões cautelares deduzidas pela ora recorrente, em especial a existência do requisito do fumus boni iuris face à invocada invalidade do CCP 202.

IV- OS FACTOS
Considerando o teor dos articulados apresentados no processo de arbitragem e dos documentos constantes do mesmo, e tendo presentes as questões jurídicas a apreciar e decidir, os factos relevantes para a decisão do presente recurso são os seguintes:
· A Requerente A. é titular  da Patente Europeia EP n.º 0915894 (adiante designada por “EP’894”), a qual protege diversos intermediários para análogos de nucleótidos fosfonometoxi (ou análogos fosfonometoxi de nucleótidos), em especial pró-fármacos, e os seus sais adequados para uso na administração oral eficaz desses análogos.
· A EP’894 protege igualmente composições farmacêuticas que incluem os compostos referidos com outros ingredientes terapêuticos.
· A EP’894 foi pedida junto do Instituto Europeu de Patentes (“IEP”) em 25 de Julho de 1997 e a menção de concessão da patente foi publicada no Boletim Europeu de Patentes em 14 de maio de 2003.
· A tradução da EP’894, tal como concedida, foi apresentada junto do Instituto nacional da Propriedade Industrial (“INPI”).
· A EP’894 permaneceu em vigor até 25 de julho de 2017.
· As reivindicações da EP’894, tal como concedida, são as que se encontram indicadas no documento cuja cópia se acha a fls. 135 e segs. da certidão apensa a estes autos.
· A A. é ainda titular do Certificado Complementar de Protecção n.º202 (“CCP 202”), concedido pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial em 30 de Setembro de 2005, nos termos do Regulamento (CEE) n.º 1768/92 do Conselho, de 18 de junho de 1992, cuja cópia se acha a fls. 241 ss. da certidão apensa.
· O CCP 202 foi concedido com base: (i) na patente de base EP’894 e (ii) na autorização de introdução no mercado (AIM) concedida para o medicamento TRUVADA que contém a associação de substâncias activas FTC e TDF.
· A primeira autorização de introdução no mercado (AIM) para o TRUVADA – Emtricitabina/ Tenofovir Disoproxil” foi concedida a 21 de fevereiro de 2005 e notificada a 24 de fevereiro de 2005.
· Em 01-02-2016 a requerida B. apresentou no Infarmed um pedido de AIM relativo a um “medicamento genérico contendo a associação de emtricitabina e tecnofovir, disoproxil, como substâncias ativas, sob a forma farmacêutica de comprimido revestido por película (…)”.
· A TP” intentou contra a ora recorrente A., e contra AI UC uma ação declarativa com processo comum, pedindo que seja declarada a nulidade do CCP nº 202.
· Na ação referida em 11., que corre termos no Tribunal da Propriedade Intelectual com o nº 384/16.9YHLSB foi proferida a sentença de 11-07-2018, cuja cópia se acha a fls. 152 a 169, e que tem o seguinte dispositivo: “ao abrigo do disposto no art. 15º, 1, a) e 3º, a) do Regulamento (CE) nº 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, anulo o Certificado Complementar de Protecção nº 202”.
· A sentença referida em 12. foi objeto de recurso o qual foi admitido com efeito meramente devolutivo e na data em que o presente acórdão é lavrado, ainda se acha pendente neste Tribunal da Relação de Lisboa.

V- OS FACTOS E O DIREITO
· Do recurso do despacho nº 4: a competência do tribunal arbitral para apreciar a validade do CCP nº 202 – Conclusões 2. a 28.
Sustentou a recorrente que o Tribunal Arbitral carece de competência para apreciar a invalidade do Certificado Complementar de Proteção nº 202.
O Certificado Complementar de Proteção é um instrumento de proteção da propriedade intelectual previsto e regulado no Regulamento (CE) n.º 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Maio de 2009.
Como se refere na sentença do Tribunal da Propriedade Industrial de 12-06-2018, cuja cópia se acha a fls.152 a 169 destes autos, o CCP “prolonga, até um período máximo de cinco anos, a protecção conferida por uma patente de base para um determinado produto, medicamento ou fitofarmacêutico, desde que esse produto esteja protegido pela patente de base, conferindo a mesma protecção que esta patente de base mas apenas para o produto relativamente ao qual tenha sido dada uma autorização para introdução no mercado.
O fundamento da concessão de um CCP prende-se com o facto de o período de protecção conferido por uma patente ser, de um modo geral, insuficiente para amortizar os investimentos efectuados na investigação e desenvolvimento inovador. Para obviar a isto é que o legislador comunitário criou esta figura do certificado complementar de protecção, cuja finalidade é, pois, prorrogar o prazo de validade das patentes químico-farmacêuticas, a fim de garantir uma duração efectiva adequada a amortizar os investimentos feitos com a investigação e desenvolvimento do medicamento inovador.”
Como bem aponta a recorrente, o CCP beneficia de proteção análoga à conferida à patente, o que significa que está sujeito às mesmas regras, no que diz respeito a impugnação judicial.
Tal é o que resulta das disposições conjugadas dos arts. 15º e 19º do Regulamento.
A Lei nº 62/2011, de 12-12 veio instituir um “regime de composição dos litígios emergentes de direitos de propriedade industrial quando estejam em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos”, consagrando um sistema de arbitragem necessária (vd. art. 2º).
A implementação de tal sistema levou a que em diversas ocasiões os demandados questionassem a validade dos CCP invocados pelos requerentes, o que levou os tribunais arbitrais e, por efeito de recursos interpostos das decisões destes, também os Tribunais da Relação, a apreciar a questão de saber se no âmbito daquela arbitragem podia o requerido invocar, por via de exceção, a invalidade do CCP, já que o artigo 35.º, n.º 1, do CPI, com a epígrafe “Processos de declaração de nulidade e de anulação”, estatui que “a declaração de nulidade ou a anulação só podem resultar de decisão judicial.”
O problema colocava-se, pois, ao nível da competência dos Tribunais Arbitrais, e essa dúvida ou questão interpretativa foi apreciada em inúmeros acórdãos desta Relação e bem assim do Supremo Tribunal de Justiça.
Tal controvérsia foi aliás precedida e acompanhada por intenso debate doutrinário, marcado por uma acentuada clivagem de entendimentos, embora se afigure mais difícil identificar, neste campo, uma corrente que possamos qualificar como dominante.
Seja como for, o certo é que o sentido da jurisprudência não foi unívoco, embora se afigure manifesto que se distinguiram duas correntes, uma delas claramente maioritária, e outra minoritária.
Assim, de acordo com a corrente jurisprudencial maioritária, o Tribunal Arbitral previsto no art. 3º da Lei nº 62/2011 carecia de competência para apreciar, ainda que a título de mera exceção, a questão da invalidade da patente ou CCP invocados pelo demandante.
Neste sentido, cfr., entre outros os seguintes acórdãos (indicados por ordem cronológica):
· RL 13-02-2014 (Jorge Leal), p. 1053/13.7YRLSB-2
· RL 13-01-2015 (Rosa Ribeiro Coelho), p. 1356/13.OYRLSB.L1-7
· RL 21-05-2015 (Tomé Ramião), p. 1465/14.9YRLSB-6
· RL de 04-02-2016 (Sacarrão Martins), Proc. 138/15.0YRLSB.L1-8
· RL 16-11-2016 (Maria José Mouro), p. 1053/16.5YRLSB.L1-2
· STJ 23-06-2016 (Lopes do Rego), p. 1248/14.6YRLSB.S1
· STJ 14-12-2016 (Lopes do Rego), p. 1248/14.6YRLSB.S1
· STJ 22-03-2018 (Fernanda Isabel Pereira), p. 1053/16.5YRLSB.S1.S1
· RL 21-06-2018 (Jorge Leal), p. 227/18.9YRLSB.L1-2
· RL 07-02-2019 (Gabriela Cunha Rodrigues), p. 2552/18.0YRLSB.L1-2  
· STJ 12-02-2019 (Henrique Araújo), p. 861/16.1YRLSB.L1.S1
· RL 02-05-2019 (Manuel Rodrigues), p. 1956/18.2YRLSB-6
Na doutrina pronunciaram-se neste sentido MANUEL OEHEN MENDES, EVARISTO MENDES, CÉSAR BESSA MONTEIRO, e PEDRO SILVA E SOUSA.
A esta corrente jurisprudencial se opôs uma outra, claramente minoritária, de acordo com a qual o tribunal arbitral necessário previsto na Lei 62/2011 é competente para apreciar, por via de exceção perentória, a questão da nulidade da patente ou CCP em que se fundamenta a demanda arbitral.
Neste sentido cfr., v.g.:
· RL 13-01-2015 (Rosa Ribeiro Coelho), p. 1356/13.0YRLSB.L1.7
· RL 05-07-2018 (Mª de Deus Correia), p. 582/18.0YRLSB-6
Esta foi a tese sustentada na doutrina por autores como REMÉDIO MARQUES, DÁRIO MOURA VICENTE e JOSÉ ALBERTO VIEIRA.
Entretanto, a questão foi sendo discutida também no plano da conformidade entre o sistema de arbitragem necessária instituído pela referida Lei 62/2011 e a Constituição da República, nomeadamente pela circunstância de aquela lei instituir um sistema de arbitragem necessária, em que portanto as partes não podem escolher entre litigar nos tribunais estaduais ou nos tribunais arbitrais, e nessa medida ser questionável a conclusão de que o demandado na instância arbitral necessária não pudesse defender-se invocando por via de exceção a nulidade da patente ou CCP invocado pelo demandante, o que .
E em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade, o Tribunal Constitucional veio a proferir o acórdão n.º 251/2017 (Maria de Fátima Mata-Mouros), p. 297/16, que decidiu julgar inconstitucional, “a norma interpretativamente extraível do artigo 2.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro e artigos 35.º, n.º 1, e 101.º, n.º 2, do Código da Propriedade Industrial, ao estabelecer que, em sede de arbitragem necessária instaurada ao abrigo da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, a parte não se pode defender por exceção, mediante invocação da invalidade da patente, com meros efeitos inter partes”, por violação do Princípio da Proibição da indefesa, consagrado no art. 20º, conjugado com o art. 18º, nº 2, ambos da Constituição da República.
A doutrina deste acórdão foi igualmente adotada na Decisão Sumária n.º 160/2018, embora, como aponta a recorrente, tenha sido apresentada reclamação, a qual foi deferida (pelo acórdão n.º 539/2018, de 17-10-2018, posteriormente alterado pelo acórdão n.º 157/19,  de 13-03-2019), que determinaram a apreciação da constitucionalidade pelo plenário da 2ª Secção, não tendo ainda sido proferido o respetivo acórdão.
Seja como for, um outro dado veio interferir nesta equação, na medida em que o DL n.º 110/2018, de 10/12 introduziu na Lei n.º 62/2011 duas importantes alterações.
Com efeito, tal diploma alterou a redação do art. 2º desta Lei, que passou a consagrar um sistema de arbitragem voluntária, em vez do anterior sistema de arbitragem necessária.
E, por outro lado, alterou igualmente o art. 3º, cujo nº 3 passou a estabelecer expressamente que “no processo arbitral pode ser invocada e reconhecida a invalidade da patente com meros efeitos inter partes”.
Com tais alterações o legislador ordinário terá ultrapassado a questão da inconstitucionalidade verificada no ac. do Tribunal Constitucional nº 251/2017.
Mais recentemente, o STJ proferiu novo acórdão em que apreciou a matéria do conhecimento incidental a validade da patente ou CCP no âmbito do processo arbitral.
Com efeito, no ac. STJ 14-03-2019 (Nuno Pinto Oliveira), p. 582/18.0YRLSB.S1 o Supremo considerou que o art. 4.º do Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de Dezembro, na parte em que adita o novo n.º 3 ao art. 3.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, tem natureza interpretativa.
Como é sabido, nos termos do disposto no art. 13º, nº 1 do Código Civil, “a lei interpretativa integra-se na lei interpretada, ficando salvos, porém, os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transação, ainda que não homologada, ou por actos de análoga natureza.”
Interpretando este preceito explicam PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA que “deve considerar-se lei interpretativa aquela que intervém para decidir uma questão de direito cuja solução é controvertida ou incerta, consagrando um entendimento a que a jurisprudência, pelos seus próprios meios, poderia ter chegado (…).“
Ora, a natureza interpretativa do novo nº 3 do art. 3º da Lei nº 62/2011 implica a sua aplicação imediata aos processos pendentes à data da entrada em vigor do DL n.º 110/2018, incluindo os presentes autos.
Assim sendo, no caso vertente, haverá que concluir que, à luz do Direito constituído atualmente em vigor, o Tribunal Arbitral tem competência para apreciar a validade do CCP invocada incidentalmente, nomeadamente quando na contestação o demandado convoca tal questão nos quadros de uma exceção perentória de nulidade.
Não obstante, sempre terá que se apreciar a questão da alegada inconstitucionalidade do nº 3 do art. 3º da Lei nº 62/2011, introduzido pelo DL 110/2018, invocada pela recorrente.
Com efeito, sustentou a recorrente que “uma interpretação dos artigos 35.º, n.º 1 do CPC e 2º da Lei n.º 62/2011 segundo a qual é admissível a declaração de nulidade de uma patente por um tribunal arbitral com efeitos inter partes importa a diminuição da extensão e do alcance do conteúdo essencial do direito fundamental de propriedade industrial das titulares de patentes e de CCPs de forma desproporcional, sendo materialmente inconstitucional por violação dos artigos 42.º, 62.º e 18.º, n.°s 2 e 3 da CRP, e representando uma solução, em violação do artigo 13.º da Lei Fundamental”.
Discordamos em absoluto deste entendimento, na medida em que consideramos que a interpretação que a recorrente reputa de inconstitucional é, ao invés uma interpretação conforme a Constituição, razão pela qual aderimos inteiramente à fundamentação expendida pelo Tribunal Constitucional no já referido acórdão 251/2017.
Ali se escreveu, a propósito desta matéria, o seguinte:
“12. A questão de constitucionalidade agora colocada reconduz-se à vexata quaestio atinente aos instrumentos jurisdicionais ao dispor das empresas titulares de patentes de medicamentos inovadores ou de referência em resposta à violação de patentes por empresas interessadas na comercialização de medicamentos genéricos. Concretamente, a norma em apreciação prende-se com a controversa admissibilidade de defesa por exceção, no procedimento perante o tribunal arbitral necessário, previsto na Lei n.º 62/2011, através da invocação da nulidade da patente do medicamento, objeto de anterior registo
Realmente, nos termos do artigo 35.º, n.º 1, do Código da Propriedade Industrial (CPI), a declaração de nulidade ou anulação da patente só podem resultar de decisão judicial, cabendo ao Tribunal da Propriedade Intelectual (TPI) a competência para julgar tais ações (artigo 111.º, n.º 1, alínea c), da Lei da Organização do Sistema Judiciário [Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto], anterior artigo 89.º-A, n.º 1, alínea c), da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais [Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 46/2011, de 24 de junho]). Tem legitimidade para instaurar uma tal ação o Ministério Público ou qualquer interessado, devendo ser citados, para além do titular do direito registado contra quem a ação é proposta, todos os que, à data da publicação do averbamento obrigatório da instauração da ação no Instituto Nacional da Propriedade Industrial, I.P., (INPI), tenham requerido o averbamento de direitos derivados (artigo 35.º, n.º 2, do CPI). A decisão, transitada em julgado, é remetida ao INPI para publicação do texto e respetivo aviso no Boletim da Propriedade Industrial.
Face ao regime legal previsto, tem sido aceite, sem contestação, que o tribunal arbitral necessário do medicamento não pode conhecer de pedido reconvencional de declaração da nulidade de uma patente, com efeitos erga omnes. A competência material para declarar a nulidade de uma patente, com tal eficácia, está reservada ao TPI.
Como se dá nota no acórdão recorrido, a controvérsia cinge-se, assim, à possibilidade de o tribunal arbitral necessário, previsto na Lei n.º 62/2011, apreciar a validade de uma patente invocada a título incidental ou por via de exceção para obstar à procedência do pedido, com efeitos circunscritos às partes.
13. A doutrina e a jurisprudência mostram-se divididas quanto à possibilidade de perante o tribunal arbitral necessário, previsto na Lei n.º 62/2011, ser invocada, como meio de defesa, designadamente como exceção perentória, a nulidade da patente. Numa tal hipótese, caberia ao tribunal arbitral apreciar a nulidade da patente, mediante decisão cuja eficácia permaneceria confinada ao processo em causa.
(…)
14. A solução legal, através de um procedimento arbitral expedito, para o conflito de interesses constitucionalmente protegidos em presença (os interesses privados contrapostos i) de exclusivo de exploração da patente, protegido pelo direito de propriedade, e ii) de liberdade de iniciativa económica, bem como o interesse público na prossecução da garantia de acesso à saúde e ao medicamento) acarreta, neste aspeto, a seguinte questão constitucional, que nos é colocada: a inadmissibilidade de utilização da invalidade da patente como meio de defesa, no processo arbitral, do requerente de AIM. Esta questão deve ser analisada à luz do direito fundamental de acesso ao direito e do princípio da tutela jurisdicional efetiva na sua vertente de proibição da indefesa.
O Tribunal Constitucional tem ampla jurisprudência sobre o direito fundamental de acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efetiva consagrado no artigo 20.º da Constituição.
De acordo com essa jurisprudência «o direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional implica a garantia de uma proteção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efetiva, cujo âmbito normativo abrange nomeadamente: (a) o direito de ação, no sentido do direito subjetivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional; (b) o direito ao processo, traduzido na abertura de um processo após a apresentação daquela pretensão, com o consequente dever de o órgão jurisdicional sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada; (c) o direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas, no sentido de a decisão haver de ser proferida dentro dos prazos preestabelecidos, ou, no caso de estes não estarem fixados na lei, dentro de um lapso temporal proporcional e adequado à complexidade da causa; (d) o direito a um processo justo baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade, no caso daqueles direitos cujo exercício pode ser aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas» (cfr. Acórdão n.º 839/2013).
O artigo 20.º da Constituição garante a todos o direito de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente legítimos, impondo igualmente que esse direito se efetive – na conformação normativa pelo legislador e na concreta condução do processo pelo juiz – através de um processo equitativo (n.º 4).
Como o Tribunal Constitucional tem sublinhado, “o direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, mediante o correto funcionamento das regras do contraditório (Acórdão n.º 86/88 […]. Como concretização prática do princípio do processo equitativo e corolário do princípio da igualdade, o direito ao contraditório, por seu lado, traduz-se essencialmente na possibilidade concedida a uma das partes de “deduzir as suas razões (de facto e de direito)”, de “oferecer as suas provas”, de “controlar as provas do adversário” e de “discretear sobre o valor e resultados de umas e de outras” (entre muitos outros, o Acórdão n.º 1193/96)» (cfr. Acórdão n.º 186/2010, ponto 2).
15. No caso em presença está em causa a específica dimensão do direito à tutela jurisdicional efetiva, designada por “proibição de indefesa”. Este princípio, decorrente do reconhecimento do direito geral ao contraditório inerente ao direito a um processo justo implicado no direito fundamental de acesso à justiça, consagrado no artigo 20.º da Constituição, afirma uma proibição da limitação intolerável do direito de defesa perante o tribunal.
Sobre este aspeto existe também abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional, nomeadamente o Acórdão n.º 350/2012, ponto 3, onde se refere que:
«(…) no âmbito de proteção normativa do artigo 20.º da CRP se integrarão, além de um geral direito de ação, ainda o direito a prazos razoáveis de ação e de recurso e o direito a um processo justo, no qual se incluirá, naturalmente, o direito de cada um a não ser privado da possibilidade de defesa perante os órgãos judiciais na discussão de questões que lhe digam respeito. Integrando, assim, a “proibição da indefesa” o núcleo essencial do “processo devido em Direito”, constitucionalmente imposto, qualquer regime processual que o legislador ordenaria venha a conformar - seja ele de natureza civil ou penal - estará desde logo vinculado a não obstaculizar, de forma desrazoável, o exercício do direito de cada um a ser ouvido em juízo». (cfr. também o Acórdão n.º 657/2013, ponto 7.1.).
Este entendimento acompanha jurisprudência anterior. Como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 286/2011, ponto 9:
«(…) O princípio da proibição da indefesa, ínsito no direito fundamental de acesso à justiça, tem sido caracterizado pelo Tribunal Constitucional como a proibição da “privação ou limitação do direito de defesa do particular perante os órgãos judiciais, junto dos quais se discutem questões que lhe dizem respeito” (Acórdão n.º 278/98). No Acórdão n.º 353/08 […] refere o Tribunal:
“O Tribunal tem entendido o contraditório, exigido no artigo 20.º da Constituição, essencialmente, como o direito de ser ouvido em juízo, do qual retira uma genérica proibição de indefesa, isto é, a proibição da limitação intolerável do direito de defesa do cidadão perante o tribunal onde se discutem questões que lhe dizem respeito”.
Mas o Tribunal tem feito sentir a necessidade de ponderar a preocupação de garantir o acesso ao tribunal para permitir o contraditório, com outros princípios processuais. Afirmou no Acórdão n.º 20/2010, […]:
“Da estrutura complexa que detém o princípio do processo equitativo, consagrado no artigo 20.º da Constituição, decorrem, para o legislador ordinário, para além da obrigação que se cifra em não lesar o princípio da ‘proibição da indefesa’, a obrigação de conformar o processo de modo tal que através dele se possa efetivamente exercer o direito a uma solução jurídica dos conflitos, obtida em tempo razoável e com todas as garantias de imparcialidade e independência, existindo à partida, entre os valores da ‘proibição da indefesa’ e do contraditório e os princípios da celeridade processual, da segurança e da paz jurídica, uma relação de equivalência constitucional, devendo o legislador optar por soluções de concordância prática, de tal modo que das suas escolhas não resulte o sacrifício unilateral de nenhum dos valores em conflito, em beneficio exclusivo de outro ou de outros”
O Tribunal reconhece, portanto, ser possível introduzir limitação à garantia de acesso aos tribunais em nome do interesse geral ou público (assim, o Acórdão n.º 658/06 […]).
Desta jurisprudência decorre que o princípio da proibição da indefesa não é um princípio absoluto, devendo ser ponderado com outros princípios conflituantes, o que pode levar à limitação do seu alcance, desde que não se transforme numa restrição intolerável».
O princípio do contraditório pressupõe, portanto, como regra a admissibilidade e conhecimento da defesa por impugnação e exceção na mesma ação. A proibição de indefesa enquanto elemento indispensável da via judiciária de tutela efetiva implica não apenas a impugnação dos fundamentos da ação como a possibilidade de os ver todos apreciados na mesma. Não se trata, no entanto, de um princípio absoluto, devendo, antes, ser ponderado com outros princípios conflituantes.
16. Ora, a norma objeto de fiscalização impossibilita a utilização de uma via de defesa, por exceção. Efetivamente, ao não admitir a invocação, no processo que corre perante do tribunal arbitral necessário, da nulidade da patente, a título de estrito meio de defesa, como mera exceção perentória, configura, portanto, uma restrição ao direito fundamental de defesa em tribunal, previsto no artigo 20.º da Constituição.
Uma tal restrição não implica, porém, necessariamente uma violação do artigo 20.º da Constituição. O legislador dispõe de ampla margem de liberdade na concreta modelação do processo a tramitar nos tribunais, judiciais ou arbitrais, cabendo-lhe ponderar os diversos direitos e interesses constitucionalmente relevantes. O Tribunal Constitucional já sublinhou que «(…) o legislador dispõe de ampla margem de conformação no que respeita à modelação do regime de acesso à via jurisdicional, podendo disciplinar o modo como se processa esse acesso, (…) posto que não crie obstáculos ou condicionamentos substanciais» (Acórdão n.º 373/2015, ponto 2 da Fundamentação; cfr. também o Acórdão n.º 674/2016, ponto 14). O princípio do processo equitativo impõe que os regimes adjetivos devem revelar-se funcionalmente adequados aos fins do processo e conformar-se com o princípio da proporcionalidade, não sendo legítimo ao legislador criar obstáculos que dificultam ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e uma tutela jurisdicional efetiva (cfr. Lopes de Rego, “Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e combinações e o regime da citação em processo civil”, in Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra Editora, Coimbra 2003, p. 839).
17. Resta, então, verificar se esta restrição ao direito de defesa é constitucionalmente admissível. O que implica verificar se os fins por si prosseguidos são constitucionalmente fundados e se esta restrição se apresenta como uma solução equilibrada e razoável à luz do princípio da proporcionalidade. Para tal é necessário verificar se as condições normativamente estabelecidas para a inadmissibilidade da defesa por exceção perentória consistente na invocação da nulidade da patente, importam a criação de dificuldades excessivas e materialmente injustificadas ao direito de defesa, ponderadas as vias procedimentais alternativas que são disponibilizadas ao requerido para obter a tutela jurisdicional efetiva do seu direito.

ii) Admissibilidade constitucional do fim prosseguido pela norma objeto de fiscalização
18. A fundamentação da restrição à possibilidade de suscitação incidental da exceção perentória da nulidade da patente na ação por infração de patente passa pela consideração de que a matéria da nulidade não pode ser conhecida no tribunal arbitral necessário, por ser antes competência exclusiva do TPI, sendo tal vício apenas invocável perante esta jurisdição, mediante ação destinada a declará-la nula com eficácia geral. Este argumento tem na sua base duas ordens de razões: (i) a própria natureza da relação material controvertida; e (ii) o interesse de assegurar a competência exclusiva de determinado tribunal para apreciar a matéria subjacente à exceção perentória.
No primeiro conjunto de fundamentos (i), a solução jurisprudencial sindicada encontra justificação na natureza do direito de patente e no caráter constitutivo do respetivo registo.
A patente concede ao seu titular o direito exclusivo temporário da exploração económica da invenção, oponível erga omnes, como contrapartida da referida invenção, implicando uma restrição da livre concorrência. Nesta perspetiva, a nulidade das patentes – por respeitar a um ato público de atribuição de um direito de caráter absoluto – configura uma questão de interesse público económico (concorrencial), importando favorecer a sua declaração com eficácia geral. O meio apropriado para tal declaração é, defende-se, uma ação de declaração de nulidade como tal concebida e com eficácia erga omnes. A especificidade dessa ação assegura o máximo de segurança e clareza jurídicas, importantes para o sistema de patentes cumprir a sua função. A possibilidade da invocação da sua nulidade como defesa por exceção numa multiplicidade de processos potenciaria o risco de ocorrência de decisões diferenciadas relativamente à mesma patente, o que colocaria em questão a sua validade e efetividade. Além disso, a oponibilidade do direito erga omnes – e o correspondente controlo da invalidade do ato que o concede – apresenta-se também como um dado relevante para promover a igualdade concorrencial.
Relativamente ao segundo conjunto de razões (ii), a não admissibilidade da defesa por exceção nos processos arbitrais em apreço, prossegue ainda o sentido fundamental de concentrar o contencioso da propriedade industrial no TPI, favorecendo a especialização/competência e evitando decisões contraditórias relativamente à mesma patente.
Pode, pois, concluir-se que a compressão da plenitude do exercício de direito de defesa decorrente da solução normativa em apreciação encontra justificação na natureza peculiar da relação controvertida, com o caráter constitutivo do registo em sede de propriedade industrial e com a atribuição de competência exclusiva ao TPI. Um sistema concentrado que preveja uma “ação de nulidade única”, com possível “legitimidade aberta” e intervenção de todos os interessados, incluindo o Ministério Público e a entidade cujo ato é contestado (no caso, o INPI), e com a produção de uma decisão eficaz erga omnes a proferir por um tribunal de competência especializada, oferece racionalidade económica e processual adequada às exigências de segurança e certeza jurídicas que as situações registadas visam assegurar, tendo em conta a razão de ser do instituto do registo. Sobretudo quando estão em causa, por via de exceção, registos constitutivos do direito atribuído, como é o caso das patentes (que não existem sem ato administrativo de concessão: única forma de adquirir originariamente o direito de patente).
Não cabe ao Tribunal Constitucional apreciar se esta argumentação corresponde à correta interpretação do regime jurídico aplicável, mas apenas aferir da invocação de bens jus-constitucionalmente tutelados como fundamentação da norma objeto do presente processo.
Ora, do referido pode concluir-se que ocorre a invocação de interesses relativos a direitos fundamentais, de ordem pública e de uniformidade de critérios na administração da justiça, constitucionalmente tutelados, que legitimam a atribuição, em exclusivo, da competência para a apreciação da validade das patentes ao TPI, no âmbito de uma ação especificamente regulada para o efeito que garante o amplo contraditório de potenciais contrainteressados.

iii) Proporcionalidade da norma restritiva
19. A criação de um mecanismo arbitral necessário de solução de conflitos visou regular – de modo expedito – eventuais litígios quanto à introdução em mercado de novos medicamentos genéricos que possam contender com os interesses particulares das empresas farmacêuticas detentoras das patentes dos medicamentos de referência. O legislador, ao estabelecer este regime, prosseguiu interesses públicos constitucionalmente legítimos. No entanto, existindo uma justificação, constitucionalmente fundada, para a restrição do direito de defesa, é necessário aferir se a compressão deste direito respeita o princípio da proporcionalidade. Efetivamente, resultam «constitucionalmente censuráveis os obstáculos que dificultam ou prejudicam, arbitrariamente ou de modo desproporcionado, o direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva” (Acórdão n.º 774/2014, ponto 7). Para tal é essencial aferir se a solução é adequada, necessária excessiva ou desrazoável. Terá de se analisar a solução encontrada para se verificar se dela resulta o aniquilamento, por completo, do direito de defesa das empresas comercializadoras de genéricos ou se uma tal solução jurisprudencial acautela também os interesses do demandado, o que implica ponderar as possibilidades de atuação processual que por via dela são consentidas àquele sujeito.
20. O princípio da proporcionalidade ocupa lugar central na avaliação dos requisitos materiais exigidos nas restrições de direitos fundamentais, as quais, de acordo com o n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, devem «limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos». São comummente identificados os seguintes três subprincípios em que se desdobra: idoneidade (ou adequação), necessidade (ou indispensabilidade) e justa medida (ou proporcionalidade em sentido estrito).
A análise de cada uma destas dimensões do princípio depende da identificação do interesse público prosseguido pela norma sindicada. Como já foi referido, neste caso, trata-se do interesse em proteger a natureza do direito de patente, enquanto oponível erga omnes, e do interesse de assegurar a competência exclusiva de determinado tribunal para apreciar a matéria. Identificados os fins prosseguidos pela solução normativa em juízo, vejamos, então, se esta se acomoda às três dimensões identificadas do princípio da proporcionalidade.
O subprincípio da idoneidade determina que as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem constituir um meio idóneo para a prossecução dos fins visados tendo em vista a salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos. Quanto a este aspeto, não se identificam problemas de desadequação da medida para prosseguir os fins referidos. A impossibilidade de invocação e de conhecimento inter partes da questão de nulidade, pelo tribunal arbitral, é suscetível de garantir que a validade da patente apenas é questionada através de uma ação de declaração de nulidade com eficácia erga omnes, competência exclusiva do TPI.
A resposta a dar à pergunta sobre se a norma objeto de fiscalização se apresenta como necessária ao prosseguimento dos objetivos delineados para satisfazer o interesse público vai no mesmo sentido. De acordo com a dimensão da necessidade/exigibilidade do princípio da proporcionalidade, as medidas restritivas de direitos fundamentais têm de ser indispensáveis para alcançar os fins em vista, não sendo configuráveis outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo fim. Ora, se o fim prosseguido passa pela proteção da competência exclusiva do TPI e da ação de declaração de nulidade ou anulação de patente como única via de questionar a sua validade, não é possível identificar meios menos lesivos de os alcançar.
Mais complexa se revela, no entanto, a aplicação ao caso do terceiro subprincípio. O princípio da proporcionalidade em sentido estrito veda a adoção de medidas que se apresentem como excessivas (desproporcionadas) para atingir os fins visados.
21. Analise-se então a norma em causa, para aferir do seu caráter restritivo, para que se possa ponderá-lo com o fim por si prosseguido.
De acordo com a interpretação da decisão recorrida, a competência exclusiva do TPI para a matéria da nulidade da patente determina que aquele vício só pode ser invocado perante este tribunal, mediante ação destinada a declará-lo com eficácia geral. Nesta perspetiva, os tribunais arbitrais necessários representariam uma solução limitada, destinando-se apenas a resolver a atual insuficiência da via judicial, permitindo aos titulares das patentes a sua invocação contra quem requer uma AIM, mas não a discussão da sua validade ou existência (artigo 2.º da Lei n.º 62/2011).
O demandado fica, assim, colocado numa situação em que não pode controverter a validade da patente por via incidental na arbitragem, não lhe sendo permitido invocar a exceção da sua nulidade. Isso não significa, porém, que seja impedido de defender o seu direito de comercializar um medicamento genérico contra um medicamento de referência protegido por uma patente inválida. Simplesmente terá o ónus de o fazer na ação própria (nos termos do artigo 35.º do CPI), com intervenção de todos os interessados nessa lide e perante o tribunal materialmente competente (o TPI). Decorre do que se expôs que do regime processual assim delineado não resulta uma privação absoluta de meios processuais idóneos para fazer valer em juízo o direito ou interesse do requerente da AIM.
A questão é saber, no entanto, se a imposição do recurso à ação de declaração de nulidade ou anulação da patente junto do TPI constitui meio eficaz para obter tutela da posição do demandado face a uma patente inválida ou se corporiza um ónus excessivo, o que implica averiguar da articulação entre os dois processos.
22. Subsiste, portanto, uma questão essencial: saber se o ónus imposto à parte, no caso, o requerente da AIM, consistente na interposição da ação de declaração de nulidade ou anulação da patente, revela respeito pela regra da proporcionalidade, tendo em conta o fim visado, revelando-se como uma restrição admissível do direito à tutela efetiva dos direitos das partes, no respeito pelo preceituado no artigo 20.º da Lei Fundamental.
Ora, na verdade, a instauração da referida ação de invalidação da patente dificilmente terá influência sobre a resolução do conflito pendente na arbitragem. A declaração de nulidade pelo TPI, com eficácia erga omnes, tem efeitos ex tunc (eficácia retroativa), mas com ressalva dos efeitos jurídicos já produzidos em cumprimento de decisão judicial transitada em julgado (artigo 36.º CPI). Ora, tendo em conta a duração habitual dos pleitos, é improvável que a decisão da jurisdição comum sobre a validade da patente transite em julgado em momento anterior ao do trânsito em julgado da decisão arbitral. Significa isto que, mesmo que a empresa de medicamentos genéricos obtenha a declaração de nulidade da patente relativa ao medicamento de referência, sempre continuará vinculada relativamente à indemnização ou a sanções pecuniárias compulsórias fixadas e transitadas em julgado o que, na realidade, deixa em aberto a possibilidade de condenação do agente do medicamento genérico pela prática de uma infração de um direito de propriedade industrial cujo título, afinal, é inválido. Assim, a mera possibilidade de interposição de uma ação de declaração de nulidade ou anulação não se revela um meio alternativo eficaz para suprir a necessidade de defesa do requerente de AIM, podendo redundar numa ablação total do seu direito de defesa pela impossibilidade de invocação da nulidade da patente na ação arbitral.
É certo que para obstar àquele efeito, o demandado na ação arbitral pode requerer uma “suspensão” do processo até o TPI se pronunciar. Nesse caso, «o tribunal arbitral deferirá a pretensão se – excecionalmente, dados os termos em que o exclusivo é concedido e a circunstância de se tratar de patentes em fim de vida, via de regra já escrutinadas a nível mundial – houver fortes indícios capazes de vencer a presunção de validade de que a patente goza» (cfr. Evaristo Mendes, “Arbitragem Necessária. Invalidade de Patente, Direito a uma Tutela Jurisdicional Efetiva e Questões Conexas”, in Propriedades Intelectuais, n.º 3, 2015, 103; cfr. também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de dezembro de 2016, ponto 8).
A necessidade de desencadear, pelo interessado na emissão da AIM do medicamento genérico, a pertinente ação de invalidação da patente que obsta à pretendida introdução no mercado, conjugada com a possibilidade de requerer e obter a suspensão da instância arbitral até que tal ação seja julgada, constituem, com efeito, meios procedimentais – alternativos à dedução perante o tribunal arbitral da exceção de nulidade da dita patente – que permitem satisfazer o seu direito a questionar a validade da patente que obsta à comercialização por ele pretendida.
No entanto, a obtenção da suspensão da instância arbitral deve ser considerada incerta. Atendendo-se ao regime aplicável a essa situação, verifica-se que a possibilidade de o demandado requerer a suspensão da instância se encontra prevista no artigo 272.º do Código de Processo Civil (CPC), dependendo da verificação de requisitos positivos e negativos. Por um lado, é necessária a verificação de uma causa prejudicial (requisito positivo) – entendendo-se que se verifica nexo de prejudicialidade entre duas ações pendentes justificativo da suspensão (a situação em que a decisão de uma ação pode afetar o julgamento a proferir na outra). Por outro lado, o seu deferimento depende também da verificação de requisitos negativos elencados no n.º 2 do artigo 272.º do CPC. De acordo com este preceito, «não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens».
Assim, a decretação da suspensão não pode ser tida como certa a priori, pois só diante das circunstâncias de cada caso é que os juízes avaliarão a pertinência e adequação de deferir o pedido de suspensão da instância arbitral.
Não deve ignorar-se, para além disso, que a suspensão da instância não encontra na ação arbitral o campo de aplicação ideal, sabido que é constituir uma mais-valia da arbitragem precisamente a oferta de celeridade na resolução do litígio. Note-se que a Lei da Arbitragem Voluntária (LAV), aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro, estabelece, no seu artigo 43.º, n.º 1, a regra geral de que «os árbitros devem notificar às partes a sentença final proferida sobre o litígio que por elas lhes foi submetido dentro do prazo de 12 meses a contar da data de aceitação do último árbitro». Independentemente da questão de saber se aquele prazo de caducidade encontra, ou não, justificação para ser aplicado nas arbitragens necessárias como a prevista no regime sob análise, certo é que o interesse da celeridade na composição do litígio constitui um apelo inegavelmente associado ao recurso à arbitragem. Ora, esta vocação de celeridade constitui fator que pode desincentivar a suspensão da instância.
Não pode, portanto, excluir-se a hipótese de o tribunal arbitral não determinar a suspensão. Nesse caso, como observado no voto de vencido constante da decisão arbitral, «na hipótese (muito provável) de esta suspensão da instância arbitral não ser acolhida, poderiam verificar-se consequências muito melindrosas e funestas para a empresa demandada na ação arbitral e demandante na ação proposta junto dos tribunais do Estado português (Tribunal da Propriedade Intelectual)». De facto, se a suspensão da instância não for decretada, mesmo que o TPI venha a declarar a nulidade erga omnes, o trânsito em julgado da decisão arbitral inviabiliza os efeitos retroativos da decisão judicial, nos termos do artigo 36.º, in fine, do CPI. Os efeitos já produzidos pela decisão arbitral manter-se-iam, embora fundados numa patente inválida. Terá de se concluir, nesse caso, que a solução em causa nem sempre permitirá acautelar os direitos de defesa do requerente da AIM, podendo originar uma situação da sua total supressão.
23. Mesmo nos casos em que o requerente da AIM interponha a ação de declaração de nulidade ou anulação da patente em momento prévio ao da demanda em processo arbitral e obtenha a suspensão da instância arbitral, o ónus assim imposto terá de ser proporcional ao fim visado com a norma.
De facto, a solução normativa em apreciação, ao impor ao requerente da AIM a instauração da ação de invalidação da patente, obriga a que logo no momento em que opta pela via procedimental traduzida em requerer a AIM, o respetivo requerente defina a sua estratégia processual: ou pretende ver invalidada a patente e terá de intentar a correspondente ação de declaração de nulidade ou anulação no TPI ou não tem efetivo interesse em questionar a validade da patente e desencadeia o pedido de AIM, sabendo que, na eventual ação arbitral a que se sujeita, não poderá suscitar e ver decidida, com eficácia limitada às partes naquela ação, a exceção de nulidade.
Enfatizando-se a circunstância de na génese do processo arbitral ter estado afinal uma iniciativa originária do próprio demandado, a posição de demandado pode ser vista como consequência da sua anterior iniciativa procedimental ao despoletar o pedido de AIM. E sendo assim, não pode deixar de ter presente que um tal requerimento o coloca em posição de sujeição a uma ação arbitral, devendo, pois, contar com a possibilidade de lhe vir a ser oposto o direito emergente do reconhecimento e registo da patente. Deste argumento decorreria a conclusão de que não constitui ónus excessivo acautelar o seu direito através da interposição da ação de invalidação da patente logo que requer a AIM.
Esta perspetiva ignora, porém, que pode não ser do interesse do requerente ou titular da AIM ver declarada a nulidade da patente, mas tão só defender-se da condenação que é pedida contra si na ação de arbitragem necessária. Pode bem ser que o seu interesse, enquanto demandado pelo titular da patente, se restrinja a impedir a condenação, ou dito de outro modo, a obter a absolvição do pedido de condenação por infração de patente (caso já tenha efetivamente introduzido o medicamento no mercado) ou simplesmente impedir a condenação a abster-se de introduzir aquele genérico (concorrente do medicamento de referência patenteado) no mercado, garantindo o início ou a continuação da sua atuação no mercado concernente àquele genérico.
A anulação, com efeito erga omnes, da patente, pode mesmo apresentar-se como contrária aos seus interesses, na parte em que beneficia terceiros igualmente concorrentes do titular da patente. Numa perspetiva económica – e não devemos esquecer que o campo das patentes nos coloca no domínio dos exclusivos económicos concedidos como estímulos à inovação – o contencioso sobre a validade de um direito de patente cuja decisão tenha eficácia erga omnes projeta-se na liberdade de agir no mercado de múltiplos agentes económicos. Não é de todo claro qual seria o interesse de um agente acusado de infração a uma patente em fazer declarar a nulidade desta com efeitos erga omnes, incentivando a concorrência de outros agentes. A anulação da patente prossegue o interesse público na defesa da liberdade do mercado, promoção da sã concorrência e seus reflexos no público em geral, enquanto consumidor. No entanto, neste caso, a sua prossecução está a ser imposta ao agente económico que apenas pretende comercializar um medicamento genérico.
Não é razoável impor-se ao requerente da AIM que promova e prossiga interesses de terceiros, bem como o interesse público no que diz respeito à validade da patente, ao fixar como única via a ação de declaração de nulidade ou anulação da patente. Desta forma, a solução normativa em apreciação obriga o requerente da AIM a tornar-se autor da ação de invalidação no TPI, mesmo contra a sua vontade, o que representa um condicionamento do seu direito de acesso aos tribunais e da sua liberdade de delinear a estratégia processual que seja mais consentânea com o seu interesse económico – o que está relacionado com a liberdade de iniciativa económica constitucionalmente tutelada.
Não cabendo ao requerente da AIM a defesa do interesse dos terceiros, agentes económicos que com ele concorrem no mercado, ou do interesse público, impor-lhe o ónus de instaurar a ação de declaração de nulidade da patente, constitui necessária e inevitavelmente um encargo excessivo, em especial quando o Ministério Público tem legitimidade para instaurar ação de nulidade no TPI. É excessivo forçar o requerente da AIM a ter que recorrer ao TPI – com todos os custos associados a essa ação – para ali requerer a declaração de invalidade de uma Patente, com efeitos erga omnes, quando pode apenas invocar a sua invalidade, inter partes, para efeitos exclusivos de se defender do pedido de condenação que lhe foi especificamente dirigido.
24. Aqui chegados somos levados a concluir que a norma restritiva objeto de fiscalização tem como consequência uma lesão efetiva e significativa do direito de defesa.
O recurso à ação de anulação da patente como única via de contestar a validade da patente pode deixar o requerente de AIM sem possibilidade de defesa contra uma patente inválida no âmbito de uma arbitragem. Tal significa que estaria obrigado a interpor a ação de anulação ainda antes de ser eventualmente demandado numa ação arbitral, o que o coloca na situação de estar vinculado a uma defesa por antecipação. Mesmo que tal fosse razoável, esta via não é suficiente para, só por si, dar resposta à necessidade de tutela do requerente pois, como se disse, a decisão do TPI não afeta casos julgados e que existe a probabilidade de esta apenas surgir após a pronúncia arbitral. A única forma de obstar a esta situação seria a alternativa de requerer a suspensão da instância arbitral enquanto o TPI não se pronuncia. Esta solução, no entanto, não oferece garantias de acautelar todas as situações configuráveis na pendência de ação de invalidade de patente interposta perante o TPI contemporânea da ação por infração que corre no tribunal arbitral necessário. A articulação entre ambas as ações através da suspensão da instância do processo arbitral é possível, mas incerta, pois o requerimento de suspensão não equivale necessariamente ao seu deferimento e em caso de indeferimento ou de não suspensão, no geral, subiste um défice de defesa que redunda numa impossibilidade de exercício do direito à tutela jurisdicional efetiva.
Mesmo nos casos em que o requerente da AIM de medicamento genérico, demandado na ação arbitral, obtém a suspensão dessa instância, a solução alternativa encontrada apresenta-se também nesse caso como uma restrição significativa ao direito de acesso à tutela jurisdicional efetiva, por impor ao requerente o ónus de litigar numa ação independentemente de tal ser em seu interesse, forçando-o a prosseguir interesses de terceiros, seus concorrentes, e o interesse público.
A impossibilidade de invocação da nulidade da patente como defesa por exceção na ação arbitral implica um sacrifício significativo – por vezes, absoluto – do direito de defesa, com o fim de proteger a existência de uma via processual única (a ação de declaração de nulidade ou anulação da patente) e a competência exclusiva do TPI, que estão relacionados com a natureza da patente. É necessário, pois, aferir da proporcionalidade da imposição desta restrição, face a este fim.
O privilégio atribuído pela patente dá ao seu titular o direito a opor-se a que um terceiro explore a sua invenção, o que tem um valor económico protegido pelo direito fundamental de propriedade. É para tutelar este direito exclusivo que o legislador, concretizando o seu direito de acesso à tutela judicial efetiva, criou a via de acesso aos tribunais arbitrais e o respetivo processo. É de referir, no entanto, que a patente não atribui ao seu detentor o direito de lançar o medicamento no mercado pois para tal terá ainda de submetê-lo a ensaios clínicos a apreciar pela autoridade administrativa competente. Note-se, igualmente, que a proteção constitucional do direito de propriedade privada, que abrange também o direito de exclusivo económico atribuído pela patente, não é absoluta (cfr. J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 801), podendo ser objeto de restrições decorrentes da colisão com normas referentes a outros direitos fundamentais ou mesmo do modelo constitucional de Estado social (a função social da propriedade privada ou razões de interesse público ou da coletividade podem justificar limitações ao direito de propriedade privada). Embora se compreendam as preocupações que levam à imposição de apenas uma via processual e um tribunal no âmbito do conhecimento da invalidade das patentes, o sistema montado para prosseguir este fim é suscetível de ter como consequência, por vezes, uma ablação total do direito de defesa ou, noutras vezes, uma significativa compressão. Inexiste a demonstração cabal de que a possibilidade de o tribunal arbitral se pronunciar sobre a validade da patente, com meros efeitos inter partes, produza danos irreversíveis ou gravosos à proteção da patente, equivalentes ao sacrifício imposto ao direito de defesa do requerente de AIM. Efetivamente, afastar esta possibilidade pode ter como consequência, ainda que apenas por vezes, impedir um agente económico de exercer a sua liberdade de iniciativa com base numa patente nula ou inválida – o que dificilmente encontra justificação. A proteção da patente, valor central no nosso ordenamento, não justifica a restrição do direito de defesa a este nível, podendo ser alcançada por outras vias.
Assim, a norma objeto do presente julgamento revela-se excessiva porquanto prejudica de modo desproporcionado o direito à defesa do requerente de AIM. Termos em que deve ser julgada inconstitucional por violação do princípio da proibição de indefesa (artigo 20.º da Constituição em conjugação com o seu 18.º, n.º 2).”
Aderindo resolutamente a este entendimento, só podemos concluir que o art. 3º nº 3 da Lei nº 62/2011, de 12-12, na redação que lhe foi conferida pelo DL n.º 110/2018, de 10-12 não padece da inconstitucionalidade invocada.
Ao invés, a sua aplicação imediata a processos pendentes à data da entrada em vigor do último diploma referido configura a concretização de uma dimensão interpretativa que se impunha enquanto interpretação conforme a Constituição, até porque os processos arbitrais instaurados na pendência da redação originária da Lei 62/2011 mantiveram obviamente a sua natureza de arbitragem necessária.
Nesta conformidade, cumpre apreciar o mérito do acórdão intercalar, nomeadamente quanto à exceção de nulidade do CCP nº 202.

· Do recurso do acórdão intercalar: o mérito das pretensões cautelares, em especial a existência do requisito do fumus boni iuris face à invocada invalidade do CCP 202
Estabelece o art. 338º-I, nº 1 do CPI que “Sempre que haja violação ou fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável do direito de propriedade industrial, pode o tribunal, a pedido do interessado, decretar as providências adequadas a:
a) Inibir qualquer violação iminente; ou
b) Proibir a continuação da violação.”.
E acrescenta o nº 2 deste mesmo preceito que “O tribunal exige que o requerente forneça os elementos de prova para demonstrar que é titular do direito de propriedade industrial, ou que está autorizado a utilizá-lo, e que se verifica ou está iminente uma violação.”
Este preceito constitui uma norma especial que adapta ao contexto dos direitos protegidos pelo Código da Propriedade Industrial o regime geral do procedimento cautelar comum, consagrado nos arts. 362º e segs. do CPC.
São, pois, requisitos da procedência dos procedimentos cautelares em apreço o fumus boni iuris e o periculum in mora, aferidos no plano de uma summaria cognitio.
O direito a tutelar é o conferido pelo CCP de que a requerente é titular, o qual, como é sabido, goza de tutela análoga à consagrada pelas patentes – vd. art. 5º do Regulamento.
Oram, nos termos previstos no art. 101.º, nº 2 do CPI “a patente confere ainda ao seu titular o direito de impedir a terceiros, sem o seu consentimento, o fabrico, a oferta, a armazenagem, a introdução no comércio ou a utilização de um produto objecto de patente ou a importação ou posse do mesmo, para algum dos fins mencionados”.
Acresce que, nos termos do disposto no nº 3 do mesmo preceito “o titular da patente pode opor-se a todos os actos que constituem violação da sua patente, mesmo que se fundem noutra patente com data de prioridade posterior, sem necessidade de impugnar os títulos ou de pedir a anulação das patentes em que esse direito se funde”.
Como refere a recorrente, no contexto do presente procedimento cautelar, a prova do fumus boni iuris faz-se em princípio, mediante a demonstração da titularidade da patente ou CCP que o demandante considera violado, ou em riscos de o ser, por um qualquer comportamento do demandado.
Porém, sendo a validade do CCP questionada pelas ora demandadas, não podia o Tribunal Arbitral e não pode este Tribunal da Relação deixar de apreciar, ainda que de forma perfunctória, se tal CCP padece de qualquer vício que tolha a sua validade ou eficácia.
No caso vertente é inquestionável que a validade do CCP 202 foi seriamente questionada, a ponto de o Tribunal da Propriedade Industrial o ter considerado nulo.
Com efeito, ali se discorreu nos seguintes termos:
“O fundamento da concessão de um CCP prende-se com o facto de o período de protecção conferido por uma patente ser, de um modo geral, insuficiente para amortizar os investimentos efectuados na investigação e desenvolvimento inovador. Para obviar a isto é que o legislador comunitário criou esta figura do certificado complementar de protecção, cuja finalidade é, pois, prorrogar o prazo de validade das patentes químico-farmacêuticas, a fim de garantir uma duração efectiva adequada a amortizar os investimentos feitos com a investigação e desenvolvimento do medicamento inovador.
Do art. 1º do Regulamento nº 469/2009, do Parlamento Europeu e do Conselho de 6 de Maio de 2009, constam as seguintes definições:
a) Medicamento: qualquer substância ou associação de substâncias com propriedades curativas ou preventivas em relação a doenças humanas […];
b) Produto: o princípio activo ou associação de princípios activos contidos num medicamento;
c) Patente base: a patente que protege um produto como tal, um processo de obtenção de um produto ou uma aplicação de um produto e que tenha sido designado pelo seu titular para efeitos do processo de obtenção de um certificado;
d) Certificado: o certificado complementar de protecção;
No entanto, a concessão de um certificado depende de vários requisitos, enunciados no art. 3º do citado Regulamento (CE) nº 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho de 6 de Maio de 2009 e que são:
a) Estar o produto a que respeita protegido por uma patente de base em vigor;
b) Ter o produto obtido, enquanto medicamento, uma autorização válida de introdução no mercado;
c) Não ter o produto sido ainda objecto de um certificado;
d) Ser a autorização referida na alínea b) a primeira autorização de introdução do produto no mercado, como medicamento.
Se as condições enunciadas nas alíneas b) a d) são de natureza formal e de fácil verificação o mesmo não sucede já com a enunciada na alínea a).
Por “produto”, nos termos do art. 1 do Regulamento, entende-se o princípio activo ou associação de princípios activos contidos num medicamento. E por “patente de base”, a patente que protege um produto como tal, um processo de obtenção de um produto ou uma aplicação de um produto e que tenha sido designado pelo seu titular para efeitos de processo de obtenção de um certificado.
No caso, o CCP 202 foi concedido pelo INPI, nos termos do art. 116º, 1 e 2, do Código da Propriedade Industrial.
A Autora entende, no entanto, que tal CCP é nulo por violar o disposto na alínea a) do art. 3º do Regulamento CCP
Vejamos então se o CCP 202 está protegido pela patente base – a EP 894:
O CCP 202 foi concedido para o medicamento “TRUVADA”, para uso humano, cuja composição inclui os produtos emtricitabina e tenofovir disoproxil fumarato, sendo que por decisão da comissão das comunidades europeias de 21/02/2005, foi concedida a respectiva AIM (Autorização de Introdução no Mercado).
Este medicamento é um fármaco anti-retroviral para tratamento da infecção por HIV.
Na concessão do CCP 202 consta expressamente que “o produto abrangido é EMTRICITABINA, TENOFOVIR DISOPROXIL FUMARATO, que se encontra protegido pela patente base nº 915894”.
É ponto assente, mesmo admitido pelas RR., que a emtricitabina não está especificada na EP 894. Contudo argumenta que esta substância activa está descrita de forma funcional na reivindicação 27.
A reivindicação 27 tem a seguinte redacção:
«Uma composição farmacêutica que compreende um composto em conformidade com uma das reivindicações 1 a 25, em conjunto com um excipiente aceitável e, eventualmente, outros princípios terapêuticos».
A reivindicação 25 é uma reivindicação autónoma do composto independente tenofovir disoproxil.
Por seu turno, do resumo da invenção resulta que esta divulga compostos que correspondem a duas fórmulas Markush: a fórmula (1ª) e a fórmula (1) e ainda os métodos de preparação de cada um destes compostos.
As demais reivindicações (de 28 a 33) têm por objecto métodos de preparação.
Da prova produzida, resulta claro que não assiste qualquer razão à Ré, pois da reivindicação 27 d EP 894 não é feita qualquer referência, nem sequer funcional, à emtricitabina ou a qualquer outro ingrediente retroviral.
O art. 69º, nº 1, da Convenção Sobre a Patente Europeia dispõe que “o âmbito de protecção conferida pela patente europeia ou pelo pedido de patente europeia é determinado pelo âmbito das reivindicações. Não obstante, a descrição e os desenhos servem para interpretar as reivindicações”.
O protocolo interpretativo deste art. 69º, que faz parte integrante da referida Convenção refere:
«O art. 69º não deve ser interpretado como significando que a extensão da protecção conferida por uma patente europeia é determinada no sentido estrito e literal do texto das reivindicações e que a descrição e os desenhos servem unicamente para dissipar as ambiguidades que poderiam ocorrer nas reivindicações. Nem deve ser considerado como significando que as reivindicações servem unicamente como orientação e que a protecção se estende também ao que, da consideração da descrição e desenhos por um especialista na matéria, o titular entendeu proteger. Pelo contrário, o artigo 69º deve ser interpretado como definindo uma posição, entre estes extremos, que assegura simultaneamente uma protecção justa ao titular da patente e um grau razoável de segurança jurídica para terceiros».
Por seu turno, estabelece o art. 83º da CPE que «A invenção deve ser descrita no pedido de patente europeia de forma suficientemente clara e completa para que um perito na matéria o possa executar».
E, o art. 84º que «As reivindicações definem o objecto da protecção pedida. Devem ser claras e concisas e apoiar-se na descrição».
Feitas estas considerações, considerando a prova produzida e face ao texto da patente EP894 e respectivas reivindicações, teremos de concluir que a emtricitabina ou outro qualquer retroviral não está ali referenciado, nem estrutural, nem mesmo funcionalmente.
Diferentemente do alegado pelas RR., à data da reivindicação da prioridade ou até do pedido de patente, a emtricitabina, não era usada no tratamento do HIV, desde logo por se encontrar numa fase muito embrionária de investigação (in vitro e em animais).
Aliás, se assim não fosse, não se entende porque razão a R. fez, em 2003, um pedido de patente EP542 em que reivindicava a novidade e capacidade inventiva da composição dos ingredientes activos emtricitabina e tenofovir disoproxil. Se esta combinação, ou a emtricitabina eram novas em 2003 não poderiam fazer parte do estado da técnica em 1996!!!
O que as testemunhas médicos ouvidos disseram foi que o tratamento do HIV era tratado com o tenofovir e geralmente com outro medicamento, já que os doentes que sofriam dessa imunodeficiência tinham geralmente associadas outras infecções que necessitavam de ser tratadas com outros ingredientes terapêuticos.
Da prova produzida, não resultou que a patente EP894 abrangesse qualquer associação de anti-retrovirais, sendo o único usado o tenofovir disoproxil.
Ambas as partes citaram os conhecidos Acórdãos Medeva e Eli Lilly Analisemo-los pois.
No Acórdão do TJUE proferido no processo C-322/10 (Medeva Bv vs Comptroller General of Patents, Designs and Trade Marks), resultou que:
“O artigo 3º, alínea a), do Regulamento (CE) nº 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Maio de 2009, relativo ao certificado complementar de protecção para os medicamentos, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades competentes em matéria de propriedade industrial de um Estado-Membro concedam um certificado complementar de protecção para princípios activos que não são mencionados no texto das reivindicações da patente de base invocada em apoio desse pedido”.
Ou seja, se um princípio activo não está mencionado na patente base ou nas suas reivindicações, não poderá ser concedido um CCP que contenha esse princípio activo, precisamente por não estar protegido por aquela.
No Acórdão do TJUE proferido no processo C-493/12 (Eli Lilly vs. Human Genome Sciences Inc.), vai mais longe e refere que:
“O artigo 3.°, alínea a), do Regulamento (CE) n.º 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de maio de 2009, relativo ao certificado complementar de proteção para os medicamentos, deve ser interpretado no sentido de que, para se poder considerar que um princípio ativo está «protegido por uma patente de base em vigor» na aceção desta disposição, não é necessário que o princípio ativo esteja mencionado nas reivindicações desta patente, através de uma fórmula estrutural. Quando este princípio ativo estiver coberto por uma fórmula funcional contida nas reivindicações de uma patente concedida pelo Instituto Europeu de Patentes, o mesmo artigo 3.°, alínea a), não se opõe, em princípio, à emissão de um certificado complementar de proteção para este princípio ativo, na condição, porém, de que, com base nessas reivindicações, interpretadas designadamente à luz da descrição da invenção, conforme previsto no artigo 69.° da Convenção sobre a concessão de patentes europeias e no protocolo interpretativo do mesmo, seja possível concluir que essas reivindicações visavam, implícita mas necessariamente, o princípio ativo em causa, de forma específica, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.”
Em suma, quando o princípio activo estiver coberto por uma fórmula funcional contida nas reivindicações de uma patente, o art. 3.º, al. a) não se opõe, em princípio, à emissão de um CCP, desde que com base nessas reivindicações, interpretadas designadamente à luz da descrição da invenção, seja possível concluir que essas reivindicações visavam, implícita mas necessariamente, o princípio activo em causa, de forma específica.
Ou seja, não basta uma definição genérica do produto. Ainda que seja abrangido por uma definição funcional, esta terá de ser suficientemente clara e específica, que permita concluir que as reivindicações visam implícita mas necessariamente o produto em causa.
Em face destes dois Acórdãos, entendo que a reivindicação 27 ao referir «… e, eventualmente outros princípios terapêuticos», esta redigida de tal forma genérica e aberta, que não se poderá interpretá-la no sentido de esta formulação ampla poder abranger o principio activo emtricitanina ou outro ingrediente retroviral em associação, como pretendem as Rés.
Interpretar de outro modo, implicaria que se abrissem as portas para que, no futuro, as reivindicações fossem, deliberadamente redigidas de forma ampla, vaga e genérica de modo a cobrir uma série de substâncias que nem sequer estavam na mente do inventor, ou sequer conhecidas, quando se efectuasse o pedido da patente, impedindo-se, deste modo, que outros inventores ou utilizadores de disporem de tal produto.
A emtricitabina estaria protegida pela EP894 à luz do art. 3º, a),do Regulamento se à data da prioridade da patente, tivesse sido evidente, para um especialista na matéria, que o princípio activo em causa era identificável, de forma específica e precisa, quer estrutural ou funcionalmente, no texto das reivindicações da patente.
Isto é, o perito da especialidade deve interpretar as reivindicações à luz da descrição, com recurso ao seu conhecimento geral comum àquela data.
A questão é: Se o perito à data da prioridade – 1996 -, com base no seu conhecimento geral comum, entenderia, que a reivindicação 27, interpretada à luz da descrição, que:
- “composto de acordo com qualquer uma das reivindicações 1-25” seriam “compostos retrovirais; e que
- “ingredientes terapêuticos” seriam exclusivamente “compostos antiretrovirais”, em especial “emtricitabina”.
Esta seria a única interpretação que permitiria que o produto tenofovir didsoproxil/emtricitabina fosse considerado protegido pela patente base EP894, cumprindo-se o requisito de concessão previsto no art. 3º, a), do Regulamento (CE) nº 469/2009, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Maio de 2009.
Mas, conforme claramente decorreu da prova produzida, à data da prioridade da patente, a emtricitabina ainda estava numa fase embrionária da investigação, não tendo sido, sequer testada em seres humanos, não podendo, seguramente, um especialista da matéria identifica-la no texto da EP894.
Da prova produzida resultou claro que a emtricitabina não era usada em terapia, sozinha ou com outro antiretroviral e não fazia parte do conhecimento geral comum médico. Ninguém tal afirmou. Nem mesmo o Dr. Francisco Antunes, apesar de se ter especializado no tratamento do HIV, e ter, por isso, conhecimentos mais específicos e técnicos sobre este vírus.
De facto, conforme se escreve no Acórdão do TJUE no processo C-577/13, EU: C:2015:165, de 12/03/2015 (Activis Group PTC vs Actavis UK), «o objectivo do Regulamento nº 469/2009 não era compensar na íntegra os atrasos na comercialização de uma invenção nem compensar esses atrasos relacionados com todas as formas de comercialização possíveis da referida invenção, incluindo sob a forma de associações que derivem do mesmo princípio activo».
Em suma: Na patente base não é feita qualquer referência à emtricitabina, nem estrutural, nem funcionalmente, não sendo suficiente a menção genérica de “e, eventualmente, outros princípios terapêuticos”
E menos ainda é possível concluir que esta menção genérica, ampla e imprecisa visava, implícita mas necessariamente, de forma específica, a emtricitabina.
A combinação não está identificada no texto da descrição ou nos exemplos, nem é referido qualquer efeito aditivo ou sinérgico destas composições. Assim, a combinação opcional “com outros ingredientes terapêuticos” considerada em si mesma, não exerce qualquer função adicional para a finalidade ou utilidade da invenção.
Posto isto, não se pode concluir, como pretende a Ré, que a emtricitabina está protegida pela patente de base EP 0915894.
E não estando o produto protegido por uma patente de base em vigor, não se mostra preenchido o requisito previsto na al. a) do art. 3.º do Regulamento (CE) nº 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho de 6 de Maio de 2009, sendo, pois, o Certificado Complementar de Protecção 202 nulo, tal como concluiu e bem a Autora e ainda a Grécia, a Suécia, a Holanda, a França e, recentemente a Alemanha, os quais rejeitaram a protecção do certificado complementar de protecção do congénere CCP202.”
Muito embora a sentença citada assente em pressupostos de facto que a prova carreada para os presentes autos não permite considerar assentes na sua totalidade, o certo é que não descortinamos motivo para discordar deste entendimento.
Aliás, a pesquisa que fizemos permite-nos concluir que a grande maioria dos tribunais de outros Estados-Membros que se debruçaram sobre esta mesma questão chegaram a conclusões muito semelhantes.
Com efeito, consultem-se as seguintes sentenças e acórdãos:
· Na Alemanha, o acórdão do Tribunal Federal de Patentes, 15-05-2018, p. 4 Ni 12/17
· Em Espanha, a sentença do Juzgado Mercantil de Barcelona de 20-10-2017, procs. 190/2017 ·MI e 197/17-MI, bem como o acórdão da Audiência Provincial de Barcelona de 18-12-2018, ECLI: ES:APB:2018:7829A8,
· Em França, a sentença do Tribunal de Grande Instância de Paris de 05-09-2017, p. 17/57112;
· Na República da Irlanda (Eire), a sentença do High Court (Commercial), de 07-11-2017, p. [2017] IECH 666;
· No Reino Unido, a sentença do England and Wales High Court (Patents Court), de 18-09-2018, p. [2018] EWHC 2416 (Pat)
No sentido oposto, encontrámos apenas o acórdão do Supremo Tribunal Federal Suíço de 11-06-2018, p. 4A_576/2017. Escusado será dizer que uma vez que na Suíça não vigora o Regulamento (CE) nº 469/2009, nem os Tribunais deste país estão vinculados à interpretação que deste diploma vem fazendo o TJUE, esta posição dissonante não permite retirar, no caso vertente, conclusões seguras.
Não obstante, parece que na Bélgica o TRUVADA ainda beneficia de proteção, no âmbito de um CCP, embora se desconheça se a validade deste último foi alguma vez questionada nos Tribunais – Vd. https://bpp.economie.fgov.be/fo-eregister-view/search/detailsType/2005CSLASH030/SPC.
 Como bem se apontou no ac. RL 21-06-2018 (Mª de Deus Correia), p. 777/18.7YRLSB.L1-6, “se não nos podemos pronunciar com absoluta segurança pela invalidade do CCP 202, impõe-se concluir que essa invalidade é muito provável, dado o número de decisões judiciais que assim já o decidiram, ou pelo menos a questão é bastante controversa. Ora, estas circunstâncias sendo susceptíveis de gerar uma fundada dúvida sobre o direito da Autora dissipam o fumus boni iuris, ou seja, a probabilidade séria da existência do direito.”
Esta conclusão deve hoje considerar-se substancialmente reforçada, na medida em que, como vimos, em data posterior à prolação do acórdão em apreço foi proferida a sentença do Tribunal da Propriedade Intelectual, declarando nulo o CCP 202.
E se é verdade que esta sentença foi objeto de recurso que ainda se acha pendente neste Tribunal, não menos certo é que a tal recurso foi atribuído efeito meramente devolutivo.
Assim, tal como foi sustentado no referido acórdão desta Relação de 21-06-2018, e sufragado no acórdão arbitral recorrido, entendemos que “a “summaria cognitio” exigida no procedimento cautelar, não pode ignorar que o direito invocado pela Requerente está judicialmente posto em causa, através de acção declarativa destinada a reconhecer a sua invalidade e, inclusivamente, já foi julgado improcedente por tribunais europeus, o que só por si é motivo suficiente para concluir não existir o “fumus boni iuris”, e que portanto não se encontram reunidos os requisitos de que depende o decretamento das providências cautelares requeridas pela ora recorrente.
Nesta conformidade, afigura-se seguro concluir que num plano de summaria cognitio, não logrou a requerente e ora recorrente demonstrar ser titular de um direito válido e eficaz relativamente ao uso exclusivo da fórmula do medicamento TRUVADA, o que conduz à improcedência das providências cautelares que pretendia ver decretadas.
Consequentemente, não merece censura o acórdão intercalar, na parte em que julgou improcedentes os pedidos formulados pela demandante e ora recorrente no requerimento de providências cautelares.
Termos em que improcede o recurso interposto do acórdão intercalar.
A presente apelação improcede, por isso, na sua totalidade.

VI- DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes nesta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a presente apelação totalmente improcedente e, em consequência, confirmar as duas decisões arbitrais recorridas.
Custas pela apelante (art. 527º n.º 1 do CPC).

Lisboa, 04 de junho de 2019

Diogo Ravara
Ana Rodrigues da Silva
Micaela Sousa

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