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ECLI:PT:TRL:2019:779.19.6YRLSB.L1.7.0A

Relator: HIGINA CASTELO

Descritores: PROPRIEDADE INDUSTRIAL MEDICAMENTO GENÉRICO ARBITRAGEM NECESSÁRIA PROCEDIMENTO CAUTELAR

Processo: 779/19.6YRLSB.L1-7

Nº do Documento: RL

Data do Acordão: 02/07/2019

Votação: UNANIMIDADE

Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO

Decisão: IMPROCEDENTE

Sumário

I. Perante o disposto no art. 338-I do Código da Propriedade Industrial aprovado pelo DL 36/2003, de 5 de março (introduzido pela Lei 16/2008, de 1 de abril, que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva 2004/48/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004), bem como perante o disposto no art. 345 do novo Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo DL 110/2018, de 10 de dezembro, para o decretamento de uma providência cautelar é suficiente que se verifique uma violação em curso de um direito de propriedade industrial; só se exige que seja previsível a lesão grave e dificilmente reparável quando a violação seja apenas iminente ou provável a breve trecho.
II. O art. 21 da Lei da Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei 63/2011, de 14 de dezembro, estabelece requisitos para o decretamento das providências cautelares semelhantes aos previstos no CPC.
III. Quer as regras da LAV, quer as do CPC, são regras gerais que cedem perante regras especiais aplicáveis a determinados procedimentos, como é o caso das regras do CPI que regem sobre a mesma matéria (requisitos do decretamento de um procedimento cautelar), mas para o caso particular dos procedimentos destinados a acautelar direitos de propriedade industrial (v. art. 7.º, n.º 3, do CC, art. 338-P do CPI de 2003, e art. 358 do CPI de 2018).
IV. A concessão de um «certificado complementar de proteção» (CCP), nos termos do disposto no Regulamento (CE) n.º 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de maio de 2009 (assim como antes nos termos do Regulamento (CEE) 1768/92, de 18 de junho de 1992) exige, entre outros requisitos, que o produto (o princípio ativo ou associação de princípios ativos contidos num medicamento) esteja protegido por uma patente de base em vigor; e que tenha obtido, enquanto medicamento (substância ou associação de substâncias com propriedades curativas ou preventivas em relação a doenças humanas ou animais), uma autorização válida de introdução no mercado (art. 3.º do Reg. 469/2009).
V. A proteção conferida pelo certificado abrange apenas o produto coberto pela autorização de introdução no mercado do medicamento, dentro dos limites da proteção assegurada pela patente de base, delineados pelo conteúdo das reivindicações.
VI. Se o CCP tiver sido concedido à revelia destes requisitos, o mesmo é inválido, podendo ser anulado.
VII. Estando o CCP invocado pela requerente (no qual fundamenta o decretamento das providências requeridas no presente procedimento cautelar) anulado por decisão judicial, ainda que não transitada, e tendo certificados análogos baseados na mesma patente europeia sido declarados inválidos por tribunais de vários Estados europeus, é provável que se venha a confirmar o juízo de nulidade do CCP 202.

Decisão Texto Parcial

Decisão Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
G... SCIENCES, INC., requerente nos autos de procedimento cautelar agora em recurso com o número identificado à margem, em que é requerida Z... K.s., notificada do acórdão de 17 de janeiro, proferido no procedimento cautelar, e com o mesmo não se conformando, interpôs o presente recurso.
A requerente deu início ao procedimento cautelar, em abril de 2018, invocando o artigo 2.º da Lei 62/2011, de 12 de dezembro, e o artigo 338-I do Código da Propriedade Industrial, então em vigor, e alegando, em síntese, que:
- é uma empresa de investigação biofarmacêutica sedeada na Califórnia, cujo objeto se traduz no desenvolvimento de tratamentos para doentes em áreas com necessidades não atendidas, em especial através do desenvolvimento de terapêuticas inovadoras para o tratamento de doenças potencialmente fatais;
- na investigação necessária, a requerente despendeu cerca de 3 biliões de dólares, em 2017, 5 biliões de dólares, em 2016, 3 biliões de dólares, em 2015, e 3 biliões de dólares, em 2014;
- a proteção das patentes relativas às invenções resultantes da sua atividade é crucial para obtenção dos necessários meios financeiros;
- tem uma carteira de 11 medicamentos para o tratamento do HIV, com relevo para o tratamento comercializado com a designação comercial de Atripla®: inovador, ele compreende as substâncias ativas tenofovir disoproxil (TD) sob a forma de ácido fumárico (TDF), a emtricitabina (FTC) e o efavirenz (EFV);
- é titular da Patente Europeia n.º 0915894 (EP ‘894), pedida em 25 de julho de 1997, com a menção publicada no Boletim Europeu de Patentes, em 14 de maio de 2003;
- vigorou até 25 de julho de 2017, sem oposições e sem pedidos de declaração de nulidade;
- a tradução da EP ‘894, tal como concedida, foi apresentada junto do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), tendo assim a EP ‘894 estado plenamente válida e em vigor em território português;
- a Reivindicação 1 abrange os compostos de fórmula 1.ª pela qual se chega a TD (Tenofovir Disoproxil), bem como TDF (sal  de  ácido  fumárico  de tenofovir disoproxil), TDP (sal  de  ácido  fosfórico  de tenofovir disoproxil), TDM (sal de ácido maleico de TD) e TDS (sal de ácido succínico de TD);
- a Reivindicação 2 abrange também os compostos de fórmula 1.ª e os seus sais, hidratos, tautómeros e solvatos;
- a Reivindicação 25 reivindica o “bis(isopropiloximetilcarbonato) de (R)-9-[2-(fosfonometoxi)propil] adenina = Bis(POC)PMPA”; tenofovir disoproxil é a DCI de (R)-bis(POC)PMPA; estes dois nomes constam do texto de referência, o Merck Index (vd. a 13.ª edição do Merck Index) – pelo que, a Reivindicação 25 protege o composto tenofovir disoproxil;
- a Reivindicação 27 da EP ‘894 é uma composição farmacêutica que compreende um composto de acordo com qualquer uma das reivindicações 1-25, juntamente com um veículo farmaceuticamente aceitável e opcionalmente outros ingredientes terapêuticos; a FTC é um ingrediente terapêutico que é um inibidor nucleosídeo da transcriptase inversa do HIV-I.12; o TD (e o seu composto-mãe, tenofovir) é um inibidor nucleótido da transcriptase inversa; ambos os inibidores de nucleosídeos e os inibidores de nucleótidos da transcriptase reversa são comumente denominados “INTRs”;
- qualquer composição farmacêutica que compreenda TD (ou um seu sal) e um outro antirretroviral, tal como FTC, conjuntamente com um veículo farmaceuticamente aceitável, inclui-se no âmbito da reivindicação 27 da EP ‘894;
- a G... é, ainda, titular do Certificado Complementar de Proteção n.º 202 (CCP 202), concedido pelo INPI, em 30 de setembro de 2005, nos termos do Regulamento (CEE) 1768/92, de 18 de junho de 1992, na base da EP ‘894 e da autorização para a TRUVADA®, CCP esse que entrou em vigor no dia 25 de julho de 2017, estando a sua caducidade prevista para 24 de fevereiro de 2020;
- em 25 de agosto de 2017, o Infarmed publicitou na lista dos “genéricos”, como pedido de registo da requerida, a substância ativa efavirenz + emtricitabina + tenofovir disoproxil, fosfato, sendo o medicamento de referência a Atripla;
- vendo-se na posse da AIM, a Z... começou a oferecer o seu medicamento genérico com o nome “Efavirenz + Emtricitabina + Tenofovir disoproxil Z...” a hospitais, nomeadamente às unidades do grupo José de Mello Saúde e, eventualmente a outros que a requerente não tem forma de identificar sem a colaboração da requerida;
- em 2015, 2016 e 2017 o volume de vendas da Atripla, em Portugal, foi de 20.935, 17.410 e 12.894 milhões de euros, respetivamente;
- em média, nos próximos 36 meses, as vendas de quaisquer genéricos da Z... “Efavirenz + Emtricitabina + Tenofovir disoproxil Z...” e/ou quaisquer outros genéricos TD+FTC+EFV poderão atingir € 737.272,30 por mês.
Termina requerendo que sejam decretadas as seguintes providências cautelares:
«(i) intimação da Requerida para suspender imediatamente a oferta e/ou fornecimento, por si ou por terceiro, dos medicamentos “Efavirenz + Emtricitabina + Tenofovir disoproxil Z...” aos hospitais do grupo “José de Mello Saúde”, e bem assim qualquer outra conduta nos termos do artigo 101.º, n.º 2 do Código da Propriedade Industrial que esteja a ser praticada junto de qualquer hospital, público ou privado, ou qualquer autoridade pública responsável por processos centralizados de aquisição de medicamentos, tais como o SPMS;
«(ii) intimação da Requerida para retirar imediatamente do mercado português, a suas expensas, os medicamentos “Efavirenz + Emtricitabina + Tenofovir disoproxil Z...” que já tenham sido fornecidos, diretamente pela Z... ou através de um terceiro;
«(iii)    intimação da Requerida para informar qualquer hospital a quem tenham sido oferecidos e/ou fornecidos os medicamentos “Efavirenz + Emtricitabina + Tenofovir disoproxil Z...” de que essa oferta e/ou o fornecimento são ilícitos;
«(iv) intimação da Requerida para se abster de oferecer e/ou fornecer, por si ou por terceiro, o produto “Efavirenz + Emtricitabina + Tenofovir disoproxil Z...” a qualquer outro hospital (mediante participação em concursos públicos ou outros) bem como de, no território português, ou com vista à comercialização naquele território, importar, oferecer, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou usar o “Efavirenz + Emtricitabina + Tenofovir disoproxil Z...” ou, sob qualquer outro nome comercial, qualquer outro medicamento que compreenda a associação de princípios ativos tenofovir disoproxil (ou sal do mesmo) e emtricitabina (incluindo TD+FTC+EFV) enquanto os direitos de propriedade industrial da G... decorrentes do CCP 202 se encontrarem em vigor, i.e. até 24 de fevereiro de 2020;
«(v) intimação da Requerida para prestar a informação solicitada nos artigos 82 e 83.
«Com vista a garantir o exercício dos direitos da Requerente, deve ser a Requerida intimada a não transmitir a terceiros a AIM identificada no artigo 69 do presente Requerimento Inicial, ou quaisquer AIMs ou pedidos de AIM relativos a produtos que compreendam a associação dos princípios ativos tenofovir disoproxil (ou sal do mesmo) e emtricitabina (incluindo TD+FTC+EFV), enquanto o CCP 202 se encontrar em vigor.
«Mais se requer, nos termos do artigo 829.º-A do CC, que seja fixada uma sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a € 30.000,00 (trinta mil euros), a ser paga pela Requerida por cada dia de atraso no cumprimento das intimações que lhe vierem a ser feitas nos termos do acima requerido.
«Requer-se ainda a condenação da Requerida nas custas da ação arbitral, incluindo o reembolso das provisões iniciais pagas pela Requerente e o pagamento dos honorários dos mandatários da Requerente.»
Os artigos 82 e 83 do requerimento inicial têm a seguinte redação:
«82. É, assim, fundamental para a G... saber que entidades estão a ser contatadas / fornecidas pela Z... relativamente ao “Efavirenz + Emtricitabina + Tenofovir disoproxil Z...”, para que possa garantir a total cessação da violação dos seus direitos de propriedade industrial.
«83. Assim sendo, nos termos do artigo 338.º-H, n.º 1 do Código da Propriedade Industrial, vem a G... requerer a este Tribunal se digne ordenar a Z... a prestar informação completa e detalhada, relativamente ao seguinte:
- lista de hospitais contactados pela Z... oferecendo o seu produto “Efavirenz + Emtricitabina + Tenofovir disoproxil Z...”;
- condições oferecidas;
- quantidades disponibilizadas;
- encomendas feitas (preços, quantidades);
- contactos feitos com o SPMS e eventual oferta de venda a esta entidade enquanto representante dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde nos processos de contratação pública com vista à aquisição de medicamentos.»

A requerida deduziu oposição, excecionando a ilegitimidade ativa, impugnando factos pessoais da contraparte, defendendo a falta de aparência de direito da requerente, dada a nulidade do CCP 202, e a falta de periculum in mora que entende ser requisito do procedimento intentado; suscita, ainda, a inconstitucionalidade de várias normas, segundo dadas interpretações, e a necessidade de um reenvio prejudicial.

Foi proferido o acórdão arbitral, objeto de recurso, cuja fundamentação, que culminou na decisão de indeferimento das providências cautelares requeridas, foi, exclusivamente, a que passamos a reproduzir.

Acórdão arbitral – objeto do recurso
Fundamentação jurídica do acórdão arbitral:
«V — A justificação de Direito
«1. Aspetos gerais
«29. A presente instância é meramente cautelar; isso permite ao Tribunal poupar às partes latos desenvolvimentos sobre questões muito debatidas, como a da competência arbitral para se pronunciar sobre a validade das patentes: um aspeto a considerar no acórdão final.
«30. O Tribunal considera ainda que, para uma decisão conscienciosa e fundamentada, cabe apreciar quanto seja pedido mas não, necessariamente, todos os doutos argumentos das partes: estes (e são muitos) embora sempre ponderados, não carecem de exposições explícitas, sob pena de transformar as decisões arbitrais em pequenos tratados de Direito das patentes e de Direito da arbitragem.
«31. A demandada e ora requerida explicitou claramente que a sua defesa assenta num único e essencial ponto: o da validade da patente 894 e do certificado complementar 202; os factos já apurados, na base de afirmações não contestadas e em documentos não questionados permitiria avançar em termos interpretativos, sem prejuízo de o Tribunal poder determinar uma abertura de instrução para obter melhor prova.
«32. Tudo isso poderia ser decidido numa decisão cautelar/final conjunta: veremos se torna necessário ponderá-la, desde já.
«2. As regras aplicáveis
«33. A ata de instalação, no seu artigo 16º, limita-se a dispor sobre os articulados, na hipótese de ser requerida uma providência cautelar: requerimento inicial, oposição e resposta à exceção. O ponto 14º, relativo às regras processuais, para além da Lei nº 62/2011, de 12 de dezembro, determina que os aspetos processuais omissos sejam regulados por decisão do Tribunal Arbitral, podendo este integrá-los por remissão para o Código de Processo Civil ou para o Regulamento do CAC de 1 de março de 2014.
«34.     Por seu turno, a Lei nº 62/2011, no seu artigo 3º/8, remete os casos omissos para o regulamento do centro de arbitragem escolhido pelas partes e, subsidiariamente, para o regime geral da arbitragem voluntária.
«35.     As providências cautelares constam da LAV, aprovada pela Lei nº 63/2011, de 14 de dezembro; a esse propósito, como será expectável, o Tribunal terá em conta a obra de Menezes Cordeiro, Tratado da arbitragem (2016), 217-261, relativa aos artigos 20º a 29º desse diploma.
«36.     O Tribunal salienta os dois requisitos constantes do artigo 21º da LAV e que, de resto, foram adotados por ambas as partes: o fumus boni iuris e o periculum in mora.
«37. O fumus boni iuris ou probabilidade da existência do direito invocado pelo requerente implica, da parte do tribunal: (a) uma determinação dos factos relevantes, com um cuidado razoável; (b) uma ponderação do Direito aplicável.
«38. A determinação dos factos relevantes joga com operações variáveis, de acordo com a situação considerada. Nalguns casos, basta a leitura atenta do requerimento, da resposta, da documentação pertinente e da matéria já processualmente adquirida; noutros, há que organizar uma audiência e ouvir testemunhas; e noutros, finalmente, mais raros, impõem-se perícias e inspeções ao local.
«39. A ponderação do Direito aplicável pode envolver a prévia fixação da lei competente, seguindo-se a determinação das fontes, a sua interpretação e a aplicação ao caso concreto. Também aqui há situações múltiplas possíveis: desde imediatas até mais complexas, envolvendo o estudo de pareceres de Direito.
«40. O periculum in mora exprime o segundo requisito ínsito no 21.º/1, a) da LAV: o receio da sua lesão deve mostrar-se suficientemente fundado, ficando implícito que tal lesão deve implicar danos suplementares se não for, de imediato, travada. O legislador, ao pretender aproximar o referido artigo 21.º do (atual) artigo 368.º do Código de Processo Civil, afastou-se quer do artigo 17.º-A da Lei-Modelo da Uncitral, quer do artigo 362.º do próprio Código de Processo Civil, de onde se retiraria mais claramente o periculum in mora. Com efeito, não basta que exista um receio fundado de lesão, lesão essa que sempre poderia ser reparada pela decisão final: é necessário que tal lesão seja dificilmente reparável (362.º/1, do Código de Processo Civil) ou não-reparável de modo adequado (17.º-A da Lei Modelo).
«41. A não reparabilidade pode advir: (a) da não-convertibilidade dos danos possíveis em dinheiro, quer por se tratar de danos não patrimoniais, quer por estar em causa matéria não quantificável, como perdas de mercados, frustração de chances de negócios ou imersão em imponderáveis financeiros; (b) da não-retroatividade, prática ou jurídica, do que venha a ser decidido; por exemplo, se houver perigo de insolvência, a decisão final favorável já não faz reverter o processo; (c) da inexequibilidade prática de qualquer decisão final compensatória, seja porque o requerido, entretanto, adote opções de dissipação ou de alienação que tornem tudo irreversível, seja porque a complexidade de ulteriores cálculos indemnizatórios bloqueia saídas seguras.
«42. No juízo cautelar impõe-se, ainda, a denominada summaria cognitio. Na verdade, a sumariedade do juízo cautelar não vem expressamente consignada na LAV. Todavia, ela resulta da referência a (meras) probabilidades da existência do Direito. Infere-se, daqui: (a) que os árbitros devem formular um juízo positivo quer quanto aos factos alegados, quer quanto ao Direito aplicável, de tal modo que a providência requerida se apresente como razoavelmente justa e adequada; (b) que tal juízo fica aquém da certeza processual exigida para a decisão final. A celeridade, também decorrente da summaria cognitio, implica que, na produção de prova como nas ponderações jurídicas, os árbitros devam proceder com dinamismo. Uma vez que não se joga a decisão final, há que ser ágil, sob pena de agravar os danos intercalares e de desvirtuar o procedimento cautelar.
«43. As doutrinas alemã e suíça isolam ainda, para além do fumus boni iuris e do periculum in mora, que constituem pressupostos da procedência da ação, um pressuposto processual próprio: a urgência. Com efeito, se inicial ou supervenientemente um procedimento cautelar não for urgente, nenhuma vantagem existe em lançar mão de mais um processo que irá, depois, ser duplicado na ação final. Esse pressuposto opera entre nós, na base das regras gerais de eficiência processual.
«3. O presente caso
«44.     No processo cautelar sub judice, o tribunal faz questão em saudar os Ilustres Mandatários de ambas as partes: pela riqueza da argumentação e pelos muitos elementos levados aos autos. Compreender-se-á, contudo, que, para mais em sede cautelar, caiba ao tribunal encontrar uma saída justa e adequada ao conjunto de circunstâncias aqui reunidas.
«45.     O tribunal é ainda confrontado com uma súbita mudança da Lei: o Decreto-Lei nº 110/2018, de 10 de dezembro, que aprovou um novo Código da Propriedade Industrial, alterou os artigos 2º e 3º da Lei nº 62/2011, fixando uma vacatio ad hoc para a entrada em vigor dessas alterações (16º). Essa matéria poderá ter relevo na decisão final, como a seu tempo se verá.
«46.     Todavia, não fará sentido desenvolver os diversos aspetos substanciais subjacentes se, desde já, se verificar a falta de algum pressuposto processual cautelar ou, por maioria de razão, a ausência de algum requisito para a procedência substantiva do pedido acautelatório.
«47.     Na mesma linha, o Tribunal entende dispensável examinar, neste momento, as exceções doutamente invocadas pela requerida; se o procedimento cautelar não prosseguir, elas poderão ser comodamente ponderadas no acórdão final caso, aí, tenham oportunidade.
«4. A perda da urgência
«48. O procedimento cautelar foi doutamente requerido a 25 abr. 2018: há mais de oito meses. Por razões que ressaltam dos autos, passados oito meses, ainda não foi decidido.
«49. O Tribunal estima poder realizar a audiência de julgamento na ação final no espaço máximo de um mês, seguindo se a decisão final num prazo breve.
«50. Nestas condições, falece, objetivamente, o pressuposto cautelar da urgência.
«5. A falta de periculum in mora
«51. Ainda no circunstancialismo que rodeia a presente ação, a demora da decisão final, que se espera surgir em breve, não causa danos irreparáveis. Na hipótese de qualquer condenação, todos os danos ilícita e culposamente causados, que resultem de eventuais factos imputados à demandada e ora requerida, serão objeto de condenação.
«52. Tais eventuais danos são convertíveis em dinheiro, não havendo qualquer dúvida quanto à solvabilidade da requerida: tanto basta para que se possa aguardar pela decisão final.»
Com esta decisão não se conforma a requerente G..., que dela recorre.
A recorrente termina as suas alegações de recurso, concluindo:
«1. OBJETO DO RECURSO: O presente recurso vem interposto do Acórdão proferido no âmbito do procedimento cautelar, de 17 de janeiro de 2019, no qual o Tribunal Arbitral, constituído ao abrigo da Lei n.º 62/2011, entendeu rejeitar a providência cautelar requerida pela G... contra a Z..., por entender que não se encontravam preenchidos os requisitos da "urgência" e do "periculum in mora".
2. A providência cautelar, destinando-se a salvaguardar o direito de exclusivo que emerge do CCP 202 — e a evitar a violação do mesmo — foi requerida nos termos do artigo 338.º-I do CPI.
3. Tudo o que artigo 338.º-I do CPI estabelece para o decretamento de uma providência cautelar é que (i) o Requerente faça prova da titularidade do direito de propriedade industrial em causa, e que (ii) faça prova de que a infração seja atual ou iminente.
4. No que respeita à titularidade dos direitos emergentes do CCP 202, a G... forneceu os meios de prova necessários por meio da junção dos certificados dos respetivos títulos, nos termos do art.º 7.º n.º 4 do CPI.
5. A G... demonstrou ainda que a Z... se encontrava (e ainda se encontra) a oferecer os seus medicamentos genéricos "Efavirenz + Emtricitabina + Tenofovir disoproxil Z..." ao grupo José de Mello Saúde.
6. A mera oferta de um produto protegido pelo CCP 202 é um dos atos que o CPI considera como violador do direito de exclusivo que emerge do referido direito. A G... disponibilizou assim todos os elementos necessários à luz do artigo 338.º-I do CPI para que as medidas cautelares requeridas fossem decretadas.
7. ALEGADA "PERDA DE URGÊNCIA": a urgência não constitui um "pressuposto processual" cautelar, na medida em que o mesmo é não só inexistente no CPI (nomeadamente no artigo 338.º-I, aqui diretamente aplicável), como também não lhe é feita referência nem na Lei da Arbitragem Voluntária, nem no Código de Processo Civil, aos quais o Tribunal Arbitral alude na sua decisão — o que acaba por ser reconhecido pelo Tribunal a quo, que justifica a aplicabilidade deste pressuposto no nosso sistema legal "na base das regras gerais de eficiência processual".
8. Mesmo que considerássemos que a "urgência" como um pressuposto atendível, esta era evidente à data em que a providência cautelar foi requerida, e ainda se mantém plenamente à data de hoje, uma vez que os impactos negativos sentidos pela G... devido à oferta e fornecimento de "Efavirenz + Emtricitabina + Tenofovir disoproxil Z..." aumentam a cada dia que passa.
9. A razão apresentada pelo Tribunal a quo para justificar a perda de urgência — a expectativa de que a audiência de julgamento na ação final (principal) se realizasse no espaço máximo de um mês — também não pode proceder. Mesmo que admitíssemos a possibilidade de a audiência final ser agendada e realizada em menos de um mês, poderiam ainda decorrer 5 meses até à prolação do acórdão arbitral final (1 mês para a audiência final + 30 dias para as alegações finais + 90 dias para a prolação do acórdão — prazo este que poderia ser prorrogado pelo Tribunal Arbitral),
10. Nesta medida, não só o pressuposto na urgência não resulta da lei aplicável, como em todo o caso as razões invocadas pelo Tribunal a quo para justificar a perda de urgência não se observam.
11. ALEGADA FALTA DE "PERICULUM IN MORA": Este requisito, que se traduz na verificação de lesão grave e dificilmente reparável na eventualidade de a providência cautelar não vir a ser decretada, não se encontra espelhado de modo algum no CPI — em concreto, no seu artigo 338.º-I— nos casos em que a violação já se tenha consumado como é o presente caso.
12. A prova da lesão grave e dificilmente reparável só é requisito quando existe um fundado receio de que o direito de propriedade industrial venha a ser violado. Em situações de violação consumada, tal requisito é inexistente.
13. A irrelevância e inaplicabilidade do requisito do periculum in mora nos casos em que existe violação efetiva de direitos de propriedade industrial tem sido reconhecida, de modo pacífico,  na jurisprudência nacional, nomeadamente por este Tribunal da Relação de Lisboa (vd., a título de exemplo, os Acórdãos proferidos no âmbito dos Processo n.º 3696/11.4T2SNT.L1-6, Processo n.º 3021/11.4T2SNT.L1-A-6 e Processo n.º 210/13.0YHLSB-A.11-6).
14. Não sendo a prova da existência (ou a existência em si mesma) do periculum in mora um requisito para a concessão de uma providência cautelar quando está em causa a violação efetiva de um direito de propriedade industrial, não poderia também o Tribunal a quo ter negado a concessão da providência com base na alegada inobservância desse requisito.
15. A G... não ignora ainda a recente publicação do Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de dezembro, que promove alterações à Lei n.º 62/2011, aditando uma nova disposição (n.º 3) ao seu artigo 3.º, que agora dispõe que "no processo arbitral pode ser invocada e reconhecida a invalidade da patente com meros efeitos inter partes". No entanto, o facto de ser consagrada a nova disposição em apreço não altera o facto de qualquer declaração de invalidade de um direito de propriedade industrial com efeitos inter partes ser manifestamente inconstitucional.
16. Em face do exposto, estando preenchidos os pressupostos previstos no artigo 338.º-I do CPI, deverão ser decretadas todas as medidas cautelares requeridas pela G... no seu Requerimento Inicial.
Nestes termos, e nos melhores de direito que V. Ex.as certamente suprirão, requer-se a revogação do Acórdão proferido no âmbito do procedimento cautelar, e substituição por outro que declare preenchidos os pressupostos previstos no artigo 338.º-I e, nessa medida, decrete as providências cautelares requeridas.»
A recorrida contra-alegou, pugnando pela confirmação do acórdão arbitral, com as seguintes conclusões:
«1. A Ata de Instalação, através da qual as partes convencionaram as normas processuais aplicáveis, não estabelece quais são os critérios para decretação de providências cautelares, pelo que, nos termos do n.º 8 do artigo 3.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, devem aplicar-se, subsidiariamente, as normas processuais previstas na Lei de Arbitragem Voluntária (aprovada pela Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro);
2. Por sua vez, o artigo 14.º da Ata de Instalação determina que, em caso de lacuna, devem aplicar-se as normas processuais constantes da lei processual civil e do Regulamento de Arbitragem de 2014, da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa.
3. Assim sendo, face à lacuna de regras na Ata de Instalação, quanto aos critérios de decretação de providência cautelares, devem aplicar-se os artigos 20.º e 21.º da Lei de Arbitragem Voluntária e 368.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, de modo a que seja forçoso apreciar a existência simultânea de “fumus boni iuris" e de "periculum in mora".
4. O artigo 338.º-I do Código da Propriedade Industrial não é aplicável à tramitação da ação arbitral em causa, visto que as partes convencionaram entre si o Direito aplicável à mesma e nunca escolheram a aplicação daquelas normas processuais, antes tendo feito exclusiva escolha de norma substantiva constante do artigo 318.º daquele código, relativo ao dever de proteção de informações secretas.
5. A urgência da decretação de uma providência cautelar decorre da natureza instrumental das mesmas e constitui um pressuposto processual inultrapassável de qualquer procedimento cautelar.
6. Na medida em que a audiência de julgamento da ação principal da qual o presente procedimento cautelar já se encontra agendada para 14 e 15 de Março e se estima que a decisão final seja proferida a breve trecho — previsivelmente, antes da prolação de acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa sobre o presente recurso —, torna-se evidente que ocorreu uma perda objetiva de interesse na prolação de decisão cautelar favorável à Recorrente, conforme bem decidiu o acórdão recorrido, que deve ser mantido.
7. O "periculum in mora" exige uma prova concludente, apta a permitir um juízo de quase-certeza ou de probabilidade forte ou reforçada, conforme exige a jurisprudência e a doutrina consolidadas nos nossos tribunais (por todos, ver Moitinho de Almeida, Providências Cautelares Não Especificadas, Coimbra Editora, 1979, p. 22); o que, manifestamente, a Recorrente não logrou fazer, quer perante o Tribunal Arbitral, quer agora, em sede de recurso.
8. Não existe qualquer fundado receio de lesão ("periculum in mora”) precisamente porque a Recorrida não podia causar uma lesão a um direito que não existe, desde 27 de julho de 2017, por força da expiração da patente (EP '894), que a Recorrente invoca.
9. Acresce que a venda do medicamento genérico, desde aquela data, em regime de concorrência, não só pela Recorrida, como por várias outras empresas comercializadoras de medicamentos genéricos (conforme abundante prova junta às presentes contra-alegações), que as fornecem às entidades que integram o Serviço Nacional de Saúde (SNS), incluindo os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS), através de ajustes diretos ou concursos públicos por elas abertos.
10. A Recorrente apresentou a concurso público, juntamente com a Recorrida e outras empresas comercializadoras de medicamentos de genéricos, e nunca invocou a ilegalidade dessas propostas, nem tão pouco impugnou os respetivos ajustes diretos e concursos públicos (conforme se provou com os documentos juntos às presentes contra-alegações).
11. Na medida em que existem, no presente momento e no momento da apresentação de requerimento cautelar, várias outras empresas a comercializar medicamentos genéricos, a Recorrente não conseguiu, nem consegue provar que tenha sido a ação da Recorrida quem lhe causou dano; até porque, se esta fosse impedida de vender o medicamento genérico em causa, o dano continuaria, visto que a procura deslocar-se-ia para os outros concorrentes que vendem medicamentos genéricos idênticos.
12. Para além disso, a apresentação de propostas com preços exorbitantes para o medicamento em causa — veja-se que a Recorrente propôs um preço de 16,7640 € unitário, por caixa, quando a proposta vencedora foi de 3,7700 € (cfr. Mapa I do doe. n.º 3) — demonstra, também, que o único motivo pelo qual a Recorrente tem sofrido danos e perdido clientes apenas se deve a ela própria.
13. Na medida em que rejeitou os pedidos cautelares com fundamento exclusivo na falta de urgência e na inexistência de “periculum in mora", o acórdão recorrido nem sequer procedeu à apreciação sobre a (in)existência de “fumus boni iuris", pelo que, caso o Tribunal da Relação de Lisboa viesse a conceder provimento ao recurso (o que não se admite, mas por mera cautela de patrocínio se pondera), sempre restaria por apreciar este último requisito de decretação de providências cautelares.
14. Apesar de a Recorrida entender que caberia, então, ao Tribunal Arbitral ponderar a reforma do seu acórdão, ainda que mantendo o mesmo sentido final da decisão, através da análise sobre a manifesta falta de preenchimento do “fumus boni iuris", certo é que o n.º 2 do artigo 665.º do Código de Processo Civil permite, em tese, ao Tribunal da Relação de Lisboa, caso entendesse dispor de todos os elementos necessários, decidir sobre este outro critério de decretação.
15. Assim sendo, apenas a título subsidiário e por mera cautela de patrocínio, mais se realça não existir qualquer probabilidade de procedência da ação arbitral principal, conforme melhor se demonstra nas presentes contra-alegações.
16. 0 Acórdão recentemente proferido, em 21 de Junho de 2018, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, Proc. n.º 777/18.7YRLSB.L1-6 (cfr. doc. n.º 5), que decidiu pela reforma de decisão que havia decretado providência cautelar contra a M…, SAS (e a favor da aqui Recorrente, G... SCIENCES, INC), proferida por tribunal arbitral constituído ao abrigo da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, demonstra, à saciedade que, ao invés de existir um “fumus boni iuris", antes existe uma dúvida fundada sobre a (alegada) existência do direito invocada pela Recorrida, visto que sucessivos tribunais europeus têm decretado a nulidade de certificados complementares de proteção fundados na patente (EP '894), aqui em causa, tendo mesmo o Tribunal de Justiça da União Europeia, no Acórdão "T… Pharma, Ltd c/ G... Sciences, Inc”, de 25 de Julho de 2018 (Proc. N.º C-121/17), fixado interpretação que exclui a validade daqueles certificados – e, por arrasto, o CCP n.º 202.
17. Desde 9 de Janeiro de 2019, por força da entrada em vigor da nova redação do n.º 3 do artigo 3.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 110/2018, passou a admitir-se, expressamente, a invocação da nulidade de patentes ou dos respetivos certificados complementares de proteção, com eficácia meramente "inter partes", confirmando-se, assim, a interpretação que os tribunais portugueses e, em especial, o Tribunal Constitucional, através do Acórdão n.º 251/2017, já faziam da referida lei.
18. A nova redação do artigo 3.º, n.º 3, da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, goza de aplicação imediata aos processos em curso, pelo que é admissível invocar, pela parte interessada, e declarar, pelo tribunal competente, a invalidade de certificado complementar de proteção.
19. Nos termos do Acórdão “T… UK Ltd", Proc. n.º C-121/17, de 25 de Julho de 2018, o TJUE veio a fixar a interpretação que deve extrair-se do artigo 3.º, alínea a), do Regulamento (CE) n.º 469/2009, relativo aos certificados complementares de proteção, «no sentido de que um produto composto por vários princípios ativos de efeito combinado é protegido por uma patente de base em vigor», na aceção desta disposição, quando a combinação dos princípios ativos que o compõem, mesmo- que não esteja expressamente mencionada nas reivindicações da patente de base, é necessária e especificamente visada nessas reivindicações. Para o efeito, do ponto de vista do especialista na matéria e com base na evolução técnica à data de depósito ou de prioridade da patente de base: a combinação desses princípios ativos deve ser necessariamente abrangida, à luz da descrição e dos desenhos da patente, pela invenção coberta _por esta, e cada um dos referidos princípios ativos deve ser especificamente identificável, à In de todos os elementos divulgados pela referida patente.»
20. Conforme abundantemente demonstrado nas presentes contra-alegações, a combinação entre tenofovir disoproxil fosfato + emtricitabina + efavirenz não podia ser vista pelos peritos na matéria, à data de 26 de Julho de 1996 (data da prioridade da EP'894) como necessariamente abrangida pela patente, visto que não era conhecida a eficácia clínica e terapêutica da combinação daquelas substâncias.
21. Em especial, a emtricitabina e o efavirenz nem sequer eram conhecidos como terapeuticamente aptos, à data da prioridade (ou seja, a 26 de Julho de 1996), pelo que não podiam ser específica e necessariamente identificáveis, pelos peritos na matéria, como integrando a referência que consta da reivindicação n.º 27 da EP'894.
22. Com efeito, o efavirenz só foi aprovado pela “Food and Drug Administration (FDA)", em 17 de Setembro de 1998, e pela “European Medicine Agency (EMA)", em 28 de Maio de 1999; ou seja, muito após a data de prioridade da EP ‘894.
23. E, por sua vez, a combinação entre tenofovir disoproxil, emtricitabina e efavirenz só viria a ser aprovada por essas mesmas FDA e EMA, muito mais tarde, respetivamente, em 7 de Dezembro de 2006 e 13 de Dezembro de 2007.
24. Em suma, o certificado complementar de proteção invocado pela Recorrente (CCP n.º 202), que se funda (errada e abusivamente) na reivindicação n.º 27 da EP'894, é nulo, nos termos do artigo 3.º, alínea a), do Regulamento (UE) n.º 469/2009, porque a combinação de tenofovir disoproxil, emtricitabina e efavirenz não beneficia da proteção que aquela EP'894 conferiu, até ter expirado, em 27 de Julho de 2017, pelo que fica demonstrada a falta de “fumus boni iuris".
25. A título meramente subsidiário e por cautela de patrocínio, caso viesse a ser conferido provimento ao recurso, invoca-se a inadmissibilidade da medida cautelar de proibição de transmissão da AIM, visto que caso a Recorrida fosse condenada a não iniciar a exploração industrial ou comercial do medicamento genérico em causa, a mesma seria sempre oponível ao eventual futuro titular ou adquirente das AIM em causa na presente ação arbitral, por constituir caso julgado material, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 619.º e 581.º, do Código de Processo Civil, sendo por isso igualmente exequível a decisão transitada contra o eventual adquirente, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 54.º e 55.º, do Código de Processo Civil.
26. Ainda que se entendesse que existiria uma situação de colisão de direitos, o que apenas se equaciona por mera cautela de patrocínio, tal como alega a Recorrente no artigo 114.º, do requerimento inicial, sempre se diria que a condenação das Recorrida à não transmissão a terceiros do pedido de AIM, ou qualquer AIM ou pedidos de AIM que detenham ou que venham a deter, relativamente a medicamentos genéricos que contenham como substâncias ativas a combinação de emtricitabina, tenofovir disoproxil e efavirenz, enquanto os seus direitos de propriedade industrial se mantiverem em vigor— o que, já vimos, apenas ocorreu até 24 de Julho de 2017 —, sempre constituiria uma restrição aos direitos fundamentais de livre iniciativa e de propriedade privada da Recorrida, mediante limitação da respetiva transmissão, a qual não encontra justificação à luz do invocado artigo 335.º, do Código Civil.
27. Atenta a específica natureza da sanção pecuniária compulsória, a procedência do pedido formulado pela Recorrente encontrar-se-ia dependente da alegação e da prova, pela mesma, de um atual ou iminente incumprimento da Recorrida, quanto à execução da obrigação a que viesse a ser condenada (cfr. artigos 397.º e 829.º-A, n.º 1, do Código Civil), o que manifestamente não foi feito.
28. Acresce que os valores usados pela Recorrente para fixar o valor da sanção pecuniária compulsórios são absolutamente irrealistas e exorbitantes, visto que Recorrida não é a única empresa, a atuar no mercado português, que vende e fornece medicamentos genéricos contendo tenofovir disoproxil, emtricitabina e efavirenz, pelo que não lhe pode ser imputado a transferência integral de quota de mercado, que não pode deixar de ser dividida com outros operadores económicos.
29. Para os efeitos previstos pelo artigo 72.º, n.º 1, da Lei do Tribunal, reitera-se a arguição de inconstitucionalidade de eventual interpretação normativa extraída da conjugação entre:
- O artigo 2.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, e os artigos 35.º, n.º 1, e 101.º, n.º 2, do Código da Propriedade Industrial quando interpretados no sentido de que, em sede de arbitragem necessária instaurada ao abrigo daquele diploma legal, a parte não se pode defender, por exceção, mediante invocação da invalidade de patente com meros efeitos inter partes, seja em sede de ação principal, seja em sede de incidente cautelar nela deduzido, por violação dos artigos 18.º, n.º 2 e 20.º, n.ºs 1 e 4, da Constituição;
- Os artigos 3.º, n.º 1, alínea a), e 15.º, n.º 1, alínea a), Regulamento (CE) n.º 469/2009, quando interpretados no sentido de que uma patente que apenas menciona a possibilidade de combinação de uma substância base com "opcionalmente outros ingredientes terapêuticos", de modo genérico e sem especificar qual o nome dessas substâncias ou sequer as suas caraterísticas ou funções terapêuticas ou farmacológicas distintivas (in casa, a Reivindicação n.º 27 da EP'894), impede que seja comercializado qualquer medicamento genérico que combine essa substância base (in casu, o tenofovir disoproxil) com emtricitabina e efavirenz (ou qualquer outro ingrediente terapêutico), por violação dos artigos 2.º, 8.º, n.º 4, 16.º, n.º 1, 18.º, n.º 2, e 61.º (ex vi artigo 17.º), todos da Constituição;
- O artigo 20.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), da Lei da Arbitragem Voluntária (ou, alternativamente, do 362.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ou, ainda, do artigo 338.º-I, n.ºs 1 e 2, do Código de Propriedade Industrial), e o artigo 335.º do Código Civil, quando interpretados, no sentido de ser admissível decretar e aplicar uma providência cautelar de proibição de transmissão de AIM de medicamento genérico, a quem dela é titular, quando aquela apenas consiste numa mera autorização administrativa para futuro exercício de atividade de comercialização de medicamento, mas não implica que haja efetiva comercialização do mesmo, por violação dos artigos 18.º, n.º 2, 61.º e 62.º (ex vi artigo 17.º), todos da Constituição.
30. Apesar de o Acórdão "T… Pharma, Ltd c/ G... Sciences, Inc", de 25 de Julho de 2018, Proc. n.º C-121/17, do TJUE, já ter fixado a interpretação aplicável, caso o Tribunal da Relação de Lisboa mantiver dúvidas sobre a melhor interpretação a dar àquele preceito normativo europeu, desde já se requer que, ao abrigo do artigo 267.º, n.º 1, alínea a), do TFUE, coloque ao TJUE uma questão prejudicial interpretativa, com vista a determinar:
iii) Se o artigo 3.º, alínea a), do Regulamento (CE) n.º 469/2009, deve ser interpretado no sentido de que pode ser concedido um certificado complementar de proteção, considerando-se que o medicamento está protegido por uma patente de base em vigor, quando da patente europeia, que já expirou, apenas consta uma reivindicação genérica, imprecisa e indeterminada, que apenas identifica a substância de base, mas nem identifica o nome do ingrediente opcional, nem tão pouco as suas caraterísticas terapêuticas ou farmacológicas, limitando-se a referir que podem ser combinados com a substância de base, "opcionalmente, outros ingredientes terapêuticos";
iv) Se os artigos 3.º, alínea a), e 15.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento (CE) n.º 469/2009, devem ser interpretados no sentido de que é nulo um certificado complementar de proteção, quando a patente europeia que protege determinado produto de base já expirou e daquela patente apenas constava, uma identificação, genérica, imprecisa e indeterminada, da substância de base, mas não a identificação do nome do ingrediente opcional, nem sequer as suas caraterísticas terapêuticas ou farmacológicas, limitando-se a referir que podem ser combinados com a substância de base, "opcionalmente, outros ingredientes terapêuticos".
31. Para além disso, deve ainda o Tribunal da Relação de Lisboa colocar uma questão prejudicial, ao abrigo do artigo 267.º, n.º 1, alínea b), do TFUE, para que se pronuncie sobre a invalidade da interpretação normativa extraída dos artigos 3.º, alínea a), e 15.º, n.º 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.º 469/2009, de acordo com a qual não é nulo um certificado complementar de proteção, quando a patente europeia que protege determinado produto de base já expirou e daquela patente apenas constava uma identificação, genérica, imprecisa e indeterminada, da substância de base, mas não a identificação do nome do ingrediente opcional, nem sequer as suas caraterísticas terapêuticas ou farmacológicas, limitando-se a referir que podem ser combinados com a substância de base, "opcionalmente, outros ingredientes terapêuticos", por violação do princípio da segurança jurídica (cfr. artigo 52.º, n.º 1, la parte, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia), que decorre do princípio do Estado de Direito democrático (cfr. artigo 2.º do Tratado da União Europeia) e por constituir uma restrição desproporcionada (cfr. artigo 52.º, n.º 1, T parte, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, e no artigo 5.º, n.º 4, do Tratado da União Europeia) da liberdade de iniciativa económica que é protegida pelo Direito da União Europeia, seja pelo artigo 16.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, seja pelos artigos 49.º, 56.º e 63.º, todos do Tratado de Funcionamento da União Europeia.
32. Por fim, mais uma vez a título subsidiário e por mera cautela de patrocínio, desde já se requer, ao abrigo do artigo 4.º, n.º 2, do Regulamento de Arbitragem de 2014, da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, aplicável ex vi artigo 14.º da Ata de Instalação, que, em caso de decretação das providências cautelares e da sanção pecuniária compulsória requerida, o Tribunal da Relação de Lisboa estabeleça como condição suspensiva daquelas a prestação de caução, perante o Tribunal Arbitral, no montante de 17.079.667,00 € (dezassete milhões, setenta e nove mil e seiscentos e sessenta e sete euros), que corresponde ao valor (ainda que não demonstrado) de vendas anuais do medicamento TRUVADA, segundo afirma a Recorrente no artigo 140.º do requerimento inicial.»

Foram colhidos os vistos e nada obsta ao conhecimento do mérito.

Objeto do recurso
Sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o âmbito da apelação (arts. 635, 637, n.º 2, e 639, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Tendo em conta o teor daquelas, colocam-se as questões de saber se:
¾ A previsível celeridade do processo principal é requisito negativo do decretamento de uma providência cautelar?
¾ No caso concreto, a argumentação da solidez económica da requerida é suficiente para afastar a possibilidade do «fundado receio de lesão greve e dificilmente reparável»?
Sendo as respostas negativas a ambas as questões, e reunindo os autos os elementos necessários à apreciação das questões que o tribunal a quo deixou de conhecer, por estarem prejudicadas pelas respostas que deu às primeiras, impõe-se averiguar se:
¾ A requerente é titular do direito de que se arroga?
Para a resposta a esta questão, apreciaremos se:
i.  O certificado complementar de proteção (CCP) n.º 202 – que se funda na reivindicação n.º 27 da EP '894 – é nulo, porque a combinação de tenofovir disoproxil, emtricitabina e efavirenz não beneficia da proteção que aquela EP '894 conferiu, até ter expirado, em 27 de Julho de 2017?
ii. A norma ou a interpretação de norma que permite a declaração de invalidade de uma patente ou CCP com efeitos entre as partes é inconstitucional?

Concluindo-se pela existência do direito, haverá que apreciar as seguintes questões:

¾ O «periculum in mora» é requisito do decretamento de providência cautelar nos casos em que existe violação efetiva de direito de propriedade industrial?
¾ É fundado o receio de lesão, grave ou dificilmente reparável, do direito da requerente?

II. Fundamentação de facto
O Tribunal Arbitral considerou provados os seguintes factos («Com base em elementos constantes dos autos, o Tribunal considera apurados os factos seguintes, afirmados e não impugnados»), os quais também não foram impugnados em sede de recurso:
1. O ATRIPLA® é um medicamento inovador que compreende como substâncias ativas o tenofovir disoproxil ("TD") sob a forma de sal de ácido fumárico ("TDF"), a emtricitabina ("FTC") e o efavirenz (“EFV”).
2. O tenofovir inibe a atividade da “transcriptase inversa”, uma enzima produzida pelo VIH que lhe permite infetar mais células e produzir mais vírus. Tomado em associação com outros medicamentos antivirais (como a FTC), o tenofovir disoproxil reduz a quantidade de VIH no sangue e mantém-no em níveis baixos.
3. A SIDA é causada por uma infeção por um retrovírus denominado VIH. É considerada uma pandemia pela Organização Mundial de Saúde (“OMS”).
4. De acordo com a OMS, a infeção por VIH pode ser definida como uma infeção das células do sistema imunitário, que destrói ou afeta a sua função. A infeção com o vírus resulta na deterioração progressiva do sistema imunitário, levando a uma “deficiência imunitária”.
5. O sistema imunitário é considerado deficiente quando deixa de conseguir cumprir o seu papel de combate às infeções e doenças. A imunodeficiência resulta numa maior suscetibilidade a um amplo espectro de infeções e doenças que pessoas com sistemas imunitários saudáveis conseguem combater.
6. As infeções associadas a imunodeficiência grave são conhecidas como “infeções oportunistas”, visto que se aproveitam de um sistema imunitário enfraquecido. As infeções não são causadas pelo vírus em si, sendo tratadas autonomamente da infeção viral subjacente.
7. No final de 2016, a nível mundial, existiam 36,7 milhões de adultos e crianças a viverem com VIH. Em 2016, cerca de 1 milhão de pessoas em todo o mundo morreram com doenças relacionadas com a SIDA e cerca de 1,8 milhões de pessoas foram infetadas com VIH. No final de 2016, as doenças relacionadas com a SIDA já haviam tirado a vida a perto de 35 milhões de pessoas em todo o mundo.
8. A US Food and Drug Administration aprovou o primeiro medicamento para o tratamento da SIDA em 1987, o AZT (com a Denominação Comum Internacional [“DCI”] de zidovudina).
9. Contudo, o AZT apresentava deficiências significativas no tratamento da infeção por VIH, incluindo o desenvolvimento rápido de resistência, toxicidade e outros efeitos secundários graves.
10. O desenvolvimento de um tratamento mais seguro e mais eficaz para a infeção por VIH, adequado a uma utilização de longo prazo, tornou-se (ainda mais) crucial.
11. O tenofovir tem várias designações químicas, incluindo (R)-9[2-(fosfonometoxi)propil]adeni-na”, sendo abreviado para (R)-PMPA.
12. Embora o tenofovir tenha demonstrado atividade contra a transcriptase inversa do VIH-1, tem uma biodisponibilidade oral baixa devido à sua composição química.
13. O TD é um pró-fármaco do tenofovir. O objetivo da opção por pró-fármacos é fazer uma modificação química no composto ativo, por adição de um ou mais “pró-grupos” a um composto-mãe terapeuticamente ativo, formando assim um novo composto químico designado “pró-fármaco”.
14. O TD tem dois pró-grupos. Ambos os pró-grupos são grupos isopropoxicarbonil oximetoxi, que são geralmente referidos como grupos POC.
15. O nome químico alternativo para TD, (R)bis(POC)PMPA, deriva do facto de dois grupos POC (neste caso, indicados pela palavra “bis”) estarem ligados ao (R)PMPA, que é um nome químico alternativo para o tenofovir. Este nome alternativo do tenofovir consta igualmente do Merck Index.
16. Os direitos de propriedade industrial da G... decorrentes do Certificado Complementar de Proteção n.º 202 (que tem por base a Patente Europeia n.º 0915894), protegem, entre outros, o medicamento ATRIPLA®, que contém a associação das substâncias ativas tenofovir disoproxil (sob a forma do seu sal de ácido fumárico), emtricitabina e efavirenz.
17. A G... é a titular da Patente Europeia n.º 0915894 (adiante designada por “EP ‘894”), a qual protege diversos intermediários para análogos de nucleótidos fosfonometoxi (ou análogos fosfonometoxi de nucleótidos), em especial pró-fármacos, e os seus sais adequados para uso na administração oral eficaz desses análogos.
18. A EP ‘894 protege igualmente composições farmacêuticas que incluem os compostos referidos com outros ingredientes terapêuticos.
19. A EP ‘894 foi pedida junto do Instituto Europeu de Patentes (“IEP”) em 25 de julho de 1997 e a menção de concessão da patente foi publicada no Boletim Europeu de Patentes em 14 de maio de 2003.
20. A tradução da EP ‘894, tal como concedida, foi apresentada junto do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (“INPI”) em conformidade com o artigo 65.º da Convenção sobre a Patente Europeia e com os artigos 79.º e 80.º do Código da Propriedade Industrial (“CPI”) – tendo assim a EP ‘894 estado plenamente válida e em vigor em território português.
21. As reivindicações da EP ‘894, tal como concedida, são as que se encontram indicadas no documento apresentado como Doc. n.º 1, o qual se dá por integralmente reproduzido.
22. A Reivindicação 1 abrange os compostos de fórmula (1a) e os seus sais, hidratos, tautómeros e solvatos.
23. Se as seguintes seleções forem feitas nos grupos variáveis da fórmula (1a), chegamos a TD:



A-O-CH2-P(O)(-OC(R2)2OC(O)X(R)a)(Z)
Fórmula 1(a)
sempre que Tenofovir Disoproxil
Zé -OC(R2)2OC(O) X (R)a;
A é o resíduo do análogo antiviral nucleótido de fosfonometoxi, tenofovir.
Os parágrafos 13 e 15 da especificação da EP ‘894 exemplificam os resíduos que se integram no significado de A. O parágrafo 13 prevê que A é derivado a partir do composto precursor AOCH2P(O)(OH)2, com A tendo a estrutura geral de BQ e que, tipicamente, terá a estrutura de BCH2CH(CH3)- ou BCH2CH2-.   O parágrafo 15 exemplifica B e prevê que normalmente B é adenin-9-ilo ou 2,6-diaminopurin-9-ilo.  O resíduo do análogo antiviral nucleótido de fosfonometoxi, tenofovir é BCH2CH(CH3)- em que B é adenin-9-ilo.   Isto é ilustrado no diagrama abaixo.
Xé O;
R2é -H;
Ré alquilo C1-C12, isopropilo (um alquilo em C3 não substituído com a fórmula química -CH(CH3)2). Isopropilo (-CH(CH3)2) é especificamente identificado no parágrafo 9 da EP ‘894 como estando integrado no sentido de um alquilo C1-C12.
a é 1 quando X é O

24. A Reivindicação 1 abrange também os sais dos compostos de fórmula (1a). O parágrafo 12 da EP ‘894 descreve sais adequados. Entre estes incluem-se, designadamente, os seguintes:
a)         ácido  fumárico,  pelo  que  a  Reivindicação  1  cobre  o  sal  de  ácido  fumárico  de tenofovir disoproxil (“TDF”);
b)        ácido  fosfórico,  pelo  que  a  Reivindicação  1  cobre  o  sal  de  ácido fosfórico  de tenofovir disoproxil (“TDP”);
c)         ácido maleico, pelo que a Reivindicação 1 cobre o sal de ácido maleico de TD (“TDM”); e
d)        succinato, pelo que a Reivindicação 1 cobre o sal de ácido succínico de TD (“TDS”).
25. A Reivindicação 2 abrange os compostos de fórmula (1) e os seus sais, hidratos, tautómeros e solvatos.
26.       Se as seguintes seleções forem feitas nos grupos variáveis da fórmula (1), chegamos a tenofovir disoproxil:



fórmula 1(a)
Bé adenin-9-ilo;
Ré alquilo C1-C12, isopropilo (um alquilo em C3 não substituído com a fórmula química -CH(CH3)2). Isopropilo (-CH(CH3)2) é especificamente identificado no parágrafo 9 da EP ‘894 como estando integrado no significado de um alquilo C1-C12;
R1é -CH3;
R2é hidrogénio; e
R8é -CHR2-O-C(O)-OR;

27. A Reivindicação 2 abrange também os sais da fórmula 1. Conforme referido no número 39 supra, o parágrafo 12 da EP ‘894 descreve sais adequados. Entre estes encontram-se, entre outros, TDF, TDP, TDM e TDS.
28. A Reivindicação 25 reivindica o: bis(isopropiloximetilcarbonato) de (R)-9-[2-(fosfonometoxi)propil]adenina = Bis(POC)PMPA”.
29. Tenofovir disoproxil é a DCI de (R)-bis(POC)PMPA. Estes dois nomes constam do texto de referência, o Merck Index (vd. a 13.ª edição do Merck Index) – pelo que, a Reivindicação 25 protege o composto tenofovir disoproxil.
30. Adicionalmente, a Reivindicação 27 da EP ‘894 tem a seguinte redação:
27. Composição farmacêutica que compreende um composto de acordo com qualquer uma das reivindicações 1-25, juntamente com um veículo farmaceuticamente aceitável e opcionalmente outros ingredientes terapêuticos”.
31. A FTC é um ingrediente terapêutico. É um inibidor nucleosídeo da transcriptase inversa do HIV-I.
32. O TD (e o seu composto-mãe, tenofovir) é um inibidor nucleótido da transcriptase inversa. Ambos os inibidores de nucleosídeos e os inibidores de nucleótidos da transcriptase reversa são comumente denominados “INTRs”.
33. A G... é ainda titular do Certificado Complementar de Proteção n.º 202 (adiante designado “CCP 202”), concedido pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial em 30 de setembro de 2005, nos termos do Regulamento (CEE) n.º 1768/92 do Conselho, de 18 de junho de 1992.
34. O Regulamento (CEE) n.º 1768/92 de 18 de junho de 1992 foi entretanto revogado e substituído pelo Regulamento (CE) n.º 469/2009 de 6 de maio de 2009.
35. De acordo com o artigo 4.º do Regulamento (CE) n.º 469/2009, os certificados complementares de proteção protegem, “dentro dos limites da proteção assegurada pela patente de base (…)”, o princípio ativo (ou combinações de princípios ativos, nos termos da artigo 1.º, alínea b) do Regulamento) cuja utilização como medicamento tenha sido autorizada antes do termo da sua vigência.
36. Nos termos do artigo 5.º do mesmo Regulamento, “sem prejuízo do disposto no artigo 4.º, o certificado confere os mesmos direitos que os conferidos pela patente de base e está sujeito às mesmas limitações e obrigações”.
37. O artigo 13.º, n.º 1 do mesmo Regulamento estabelece que o certificado “produz efeitos no termo legal da validade da patente de base, durante um período que corresponde ao período decorrido entre a data da apresentação do pedido da patente de base e a data da primeira autorização de introdução no mercado na Comunidade, reduzido um período de cinco anos”.
38. A determinação do período de vigência de um determinado CCP resulta de um cálculo aritmético, tendo como variáveis a data do pedido da patente de base e a data da primeira autorização de introdução no mercado na Comunidade, a que se aplica uma redução de um período de cinco anos.
39. A EP ‘894, que serve de base ao CCP 202, foi pedida a 25 de julho de 1997.
40. A primeira autorização de introdução no mercado para o “Truvada – Emtricitabina / Tenofovir Disoproxil” foi concedida a 21 de fevereiro de 2005 e notificada a 24 de fevereiro de 2005.
41. Nos termos do artigo 97.º do CPI em vigor, “o âmbito da proteção conferida pela patente é determinado pelo conteúdo das reivindicações, servindo a descrição e os desenhos para as interpretar”,
42. O Artigo 101.º do referido CPI estabelece que “a patente confere
o direito exclusivo de explorar a invenção em qualquer parte do território português
”,
o que significa que confere o direito “
de impedir a terceiros, sem o seu consentimento, o fabrico, a oferta, a armazenagem, a introdução no comércio ou a utilização de um produto objeto de patente, ou a importação ou posse do mesmo, para algum dos fins mencionados”.
43. De acordo com o artigo 4.º do Regulamento (CE) n.º 469/2009, os certificados complementares de proteção protegem, “dentro dos limites da proteção assegurada pela patente de base (…) o produto coberto pela autorização de introdução no mercado do medicamento correspondente para qualquer utilização do produto, como medicamento, que tenha sido autorizada antes do termo da validade do certificado”.
44. Nos termos do artigo 5.º do mesmo Regulamento, e sem prejuízo do disposto no artigo 4.º referido supra, “o certificado confere os mesmos direitos que os conferidos pela patente de base e está sujeito às mesmas limitações e obrigações”.
45. Uma patente e um CCP consistem num direito exclusivo, o que significa que terceiros ficam legalmente impedidos, sem o consentimento do seu titular, de explorar a invenção patenteada, sob qualquer das formas previstas no Artigo 101.º, n.º 2 do CPI.
46. O direito resultante da patente é um direito absoluto, na medida em que goza de eficácia erga omnes, impondo a todos os sujeitos jurídicos um dever geral de respeito.
47. O direito de exclusivo resultante da titularidade de uma patente ou de um CCP goza “das garantias estabelecidas por lei para a propriedade em geral”, nos expressos termos do artigo 316.º do CPI.
48. Tal como o direito de propriedade privada em geral, é-lhe atribuída específica proteção constitucional, como direito fundamental de natureza análoga à dos “direitos, liberdades e garantias”, beneficiando, assim, do regime constitucional que a estes é aplicável, conforme resulta do artigo 17.º da Constituição da República Portuguesa.
49. A 25 de agosto de 2017, o INFARMED publicitou na lista “Medicamentos centralizados – Publicação para efeitos do artigo 15º-A do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto, de medicamentos genéricos aprovados por procedimento centralizados (atualizada)”, disponível na sua página eletrónica, o seguinte pedido de número de registo para medicamentos compreendendo efavirenz, emtricitabina e tenofovir disoproxil fosfato, nos termos que adiante se descrevem e conforme print screen da base de dados do INFARMED:
Data da
publicação do pedido de n.º de registo

Titular da AIM
Data do pedido de número de registo
Substância ativa

Dosagem

Forma farmacêutica

Medicamento de referência



25.08.2017



Z... K.s.



25.07.2017

Efavirenz + Emtricitabina+ Tenofovir Disoproxil Fosfato


600 mg + 200
mg + 245 mg


Comprimidos revestidos por película



Atripla
50. A concessão de uma AIM constitui condição legal para a comercialização de qualquer medicamento, nos termos do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto de 2006 ou “Estatuto do Medicamento”.
51. Nos termos do disposto no art.º 29.º, n.º 1, alínea a) do Estatuto do Medicamento, o titular de AIM tem seguinte obrigação, da maior importância:
“1 – Além de outras obrigações impostas por lei, o titular da autorização de introdução no mercado:
a) Comercializa o medicamento e assume todas as responsabilidades legais pela introdução do medicamento no mercado”.
52. Resulta desta disposição que o titular da AIM é responsável por garantir a obrigação de comercializar o produto objeto da AIM, nas condições legais, que detém, quer diretamente, quer através de terceiros sob sua responsabilidade.
53. Qualquer comercialização de qualquer medicamento é da responsabilidade do titular da AIM, que a autoriza.
54. No caso de medicamentos destinados a uso exclusivo hospitalar, a concessão de uma AIM é a única condição legal para a comercialização daqueles medicamentos em hospitais privados.
55. Na posse de uma AIM, a requerida começou a oferecer o seu medicamento genérico com o nome “Efavirenz + Emtricitabina + Tenofovir disoproxil Z...” a hospitais.
56. A Z... ofereceu o seu produto “Efavirenz + Emtricitabina + Tenofovir disoproxil Z...” ao grupo “José de Mello Saúde”.
57. O grupo “José de Mello Saúde” detém várias unidades hospitalares de natureza privada e resultantes de parcerias público-privadas.
58. A requerente desconhece se, além dos hospitais do grupo “José de Mello Saúde”, a Z... oferece e/ou, inter alia, fornece o seu produto “Efavirenz + Emtricitabina + Tenofovir disoproxil Z...” a outras entidades – nem tem forma de obter aquela informação.
59. Em face ao Despacho n.º 9879/2017, essa informação torna-se ainda mais difícil de obter, pelo menos no que respeita a hospitais que estejam vinculados à legislação referente à contratação pública.
60. Por força deste Despacho, e no que aos presentes autos diz respeito, as Unidades integradas no Sistema Nacional de Saúde estão dispensadas de adquirir medicamentos antirretrovirais ao abrigo do Acordo-Quadro (estabelecido pelo Despacho 2326/2017), a partir do momento em que sejam publicitados medicamentos genéricos ou biossimilares comparticipados ou com decisão de avaliação prévia.
61. É assim provável que certos hospitais passem a abrir concursos públicos fora do âmbito do Acordo-Quadro com o propósito de adquirir medicamentos genéricos, não incluindo a G... em alguns desses concursos.
62. A G... considera fundamental saber que entidades estão a ser contatadas/fornecidas pela Z... relativamente ao “Efavirenz + Emtricitabina + Tenofovir disoproxil Z...”, para que possa garantir a total cessação da violação dos seus direitos de propriedade industrial.
63. Assim sendo, nos termos do artigo 338.º-H, n.º 1 do Código da Propriedade Industrial, veio a G... requerer ordene ao Z... a prestar informação completa e detalhada, relativamente ao seguinte:
– lista de hospitais contactados pela Z... oferecendo o seu produto “Efavirenz + Emtricitabina + Tenofovir disoproxil Z...”;
– condições oferecidas;
– quantidades disponibilizadas;
– encomendas feitas (preços, quantidades);
– contactos feitos com o SPMS e eventual oferta de venda a esta entidade enquanto representante dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde nos processos de contratação pública com vista à aquisição de medicamentos.
64. O produto “Efavirenz + Emtricitabina + Tenofovir disoproxil Z...” compreende a associação dos princípios ativos efavirenz, emtricitabina e tenofovir disoproxil (sob a forma do seu sal fosfato).
65. A Z... não solicitou nem obteve o consentimento da G... para explorar o medicamento protegido pelo CCP 202.

III. Apreciação do mérito do recurso
A. Enquadramento jurídico do litígio – emergente de direitos de propriedade industrial estando em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos –, em especial, do procedimento cautelar
Está em causa nestes autos um procedimento cautelar deduzido no seio de uma ação arbitral na qual a autora invocou a Patente Europeia n.º 0915894 (EP ‘894) e o correspondente Certificado Complementar de Proteção n.º 202 (CCP 202).
A ação e o procedimento cautelar foram intentados ao abrigo da Lei 62/2011, de 12 de dezembro, que criou um regime de composição dos litígios emergentes de direitos de propriedade industrial quando estejam em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos.
Com a Lei 62/2011, de 12 de dezembro, os litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial relacionados com medicamentos de referência e medicamentos genéricos passaram a estar sujeitos a arbitragem necessária, tendo os titulares de patentes de medicamentos de referência de instaurar uma ação perante um tribunal arbitral, sempre que pretendessem defender os seus direitos da iminente introdução de medicamentos genéricos no mercado. Apenas em sede de recurso da decisão arbitral havia acesso à jurisdição estadual, por recurso interposto para o competente Tribunal da Relação.
A ação principal da qual o presente procedimento cautelar depende iniciou-se com publicação do pedido de número de registo de uma autorização de introdução no mercado (AIM), concedida à demandada, para medicamentos genéricos contendo efavirenz, emtricitabina e tenofovir disoproxil fosfato como substâncias ativas e tendo como medicamento de referência o ATRIPLA®, da demandante.
Na pendência da ação arbitral, a demandada terá decidido comercializar o seu produto «Efavirenz + Emtricitabina + Tenofovir disoproxil Z...», para o qual tinha obtido uma AIM, optando por não aguardar o desfecho da ação arbitral.
Foi nestas circunstâncias que a demandante requereu providência cautelar não especificada, dando origem ao presente procedimento, de cuja decisão foi interposto recurso.
Os arts. 2.º e 3.º da Lei 62/2011 foram, entretanto, alterados pelo art. 4.º do DL 110/2018, de 10 de dezembro, que aboliu o regime de arbitragem necessária, passando a deixar na disponibilidade das partes a opção entre o recurso a arbitragem voluntária ou ao tribunal judicial competente. De acordo com as disposições alteradas, os litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial, incluindo os procedimentos cautelares, relacionados com medicamentos de referência, designadamente os medicamentos que são autorizados com base em documentação completa, incluindo resultados de ensaios farmacêuticos, pré-clínicos e clínicos, e medicamentos genéricos, independentemente de estarem em causa patentes de processo, de produto ou de utilização, ou de certificados complementares de proteção, podem ser sujeitos a arbitragem voluntária, institucionalizada ou não institucionalizada – é o que explicita a nova disposição.
As alterações introduzidas pelo DL 110/2018 na Lei 62/2011 entraram em vigor em 9 de janeiro de 2019 (art. 16, n.º 1, do DL 110/2018). O processo dos autos, porém, foi anteriormente instaurado, na pendência da primitiva versão da Lei 62/2011, que obrigou ao processo de arbitragem necessária onde foi tramitado em 1.ª instância.
A possibilidade de serem requeridas providências cautelares no âmbito da composição dos litígios emergentes de direitos de propriedade industrial, quando estejam em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos, sempre esteve prevista, sendo os procedimentos cautelares expressamente referidos no art. 2.º da Lei 62/2011, seja na sua versão inicial, seja na resultante do DL 110/2018.
Porém, o diploma em causa não regula o processamento do procedimento cautelar nem os pressupostos do decretamento da providência requerida, relegando tudo o que não se encontre expressamente contrariado pelas suas normas para o regulamento do centro de arbitragem, institucionalizado ou não institucionalizado, escolhido pelas partes e, subsidiariamente, para o regime geral da arbitragem voluntária (art. 3.º, n.º 8).
A ata de instalação do Tribunal Arbitral refere-se a providências cautelares no seu artigo 16, mas limita-se a dispor sobre os articulados possíveis: requerimento inicial, oposição e resposta à exceção. Relativamente a regras processuais em geral, o art. 14 remete para a Lei 62/2011 e para a decisão do Tribunal Arbitral, podendo este integrar os pontos omissos por remissão para o Código de Processo Civil ou para o Regulamento de Arbitragem do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, de 1 de março de 2014.
Quanto ao «direito aplicável», a ata de instalação determina (art. 12) que seja o «direito português constituído, integrado pelo direito da União Europeia aplicável».
A Lei da Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei 63/2011, de 14 de dezembro, regula as providências cautelares nos seus arts. 20 a 29.
O tribunal arbitral, salvo estipulação em contrário, pode, a pedido de uma parte e ouvida a parte contrária, decretar as providências cautelares que considere necessárias em relação ao objeto do litígio (art. 20, n.º 1). O n.º 2 deste artigo define providência cautelar para os efeitos da LAV, explicitando os seus possíveis conteúdos, incluindo não apenas providência tendentes à manutenção ou reposição do status quo e à prevenção de danos, como também providências conservatórias dos meios de prova.
Deixando estas últimas de parte, o art. 21 estabelece os seguintes requisitos para o decretamento de providências cautelares: a) Probabilidade séria da existência do direito invocado pelo requerente; b) Receio da sua lesão suficientemente fundado; c) Prejuízo resultante para o requerido do decretamento da providência não exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar. Os requisitos explicitados na LAV têm paralelo com os previstos no CPC para o procedimento cautelar comum (arts. 362, n.º 1, e 368, n.ºs 1 e 2, do CPC). Sobre o processamento dos procedimentos cautelares na LAV, António Menezes Cordeiro, Tratado da Arbitragem, em Comentário à Lei 63/2011, de 14 de dezembro, Almedina, 2015, pp. 217-261.

A requerente defendeu que, à luz do disposto no art. 338-I do Código da Propriedade Industrial aplicável (o revogado, aprovado pelo DL 36/2003, de 5 de março), o «periculum in mora» não é requisito do decretamento de providências cautelares quando esteja em causa uma violação de direito industrial já em curso.
De explicitar desde já que os artigos 338-A a 338-P do CPI aprovado pelo DL 36/2003, de 5 de março, foram introduzidos pela Lei 16/2008, de 1 de abril, que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva 2004/48/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual.
O texto do n.º 1 do art. 338-I do CPI (2003) inicia-se com a seguinte frase: «Sempre que haja violação ou fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável do direito de propriedade industrial…».
Importante é dizer que o início do art. 345, n.º 1, do CPI aprovado pelo DL 110/2018, que revogou o CPI de 2003, é igual.
O texto do art. 338-I, n.º 1, permite afirmar que os requisitos das providências cautelares aí reguladas são, alternativamente:
1. Titularidade de um direito de propriedade industrial; e
2.a) Violação desse direito (de propriedade industrial); ou
2.b) Fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável do direito (de propriedade industrial).
Ou seja, havendo violação em curso, face ao texto da lei, nada mais é exigido; sendo a violação iminente ou provável a breve trecho, então terá de previsivelmente causar lesão grave e dificilmente reparável. Este último requisito – fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável do direito – será dispensável quando a violação do direito de propriedade industrial já esteja em curso.
Esta interpretação literal é corroborada pela exigência de uma prova forte e não tão-só uma mera probabilidade séria de existência. Lê-se no n.º 2 do mesmo art. 338-I que «o tribunal exige que o requerente forneça os elementos de prova para demonstrar que é titular do direito de propriedade industrial, ou que está autorizado a utilizá-lo, e que se verifica ou está iminente uma violação». A prova é mais exigente do que a do procedimento cautelar comum, relativamente ao qual o art. 368 do CPC estabelece que a providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão.
Estas normas do art. 338-I do velho CPI (de resto, como referimos, mantidas no vigente) vêm na esteira da Diretiva transposta – v. nomeadamente o n.º 3 do art. 9.º e o considerando (22) da Diretiva 2004/48/CE. Como escreve Adelaide Menezes Leitão, «Em matéria de medidas provisórias e cautelares, à semelhança do que acontece com as regras sobre a prova, assiste-se na Diretiva a uma facilitação da sua instauração e do seu decretamento. Esta tendência justifica-se em prol da necessidade de assegurar a utilidade da decisão e a efetividade da tutela jurisdicional» – Adelaide Menezes Leitão, «A tutela dos direitos de Propriedade Intelectual na Diretiva 2004/48/CE», in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano no centenário do seu nascimento, I, Coimbra Editora, pp. 25-54 (p. 40). Sobre a dispensabilidade do requisito de lesão grave e dificilmente reparável, reconhece que «no Código de Processo Civil estabelecem-se pressupostos mais exigentes para a decretação das providências cautelares. Com efeito, no artigo 381.º exige-se o fundado receio de lesão grave e o caráter de difícil reparação do direito.» (p. 41). Fica implícito que assim não será na tutela dos direitos de propriedade intelectual à luz da Diretiva, com possíveis reflexos no diploma que a transpôs e de que resultou, entre outros, o art. 338-I do CPI aplicável ao caso.
Os artigos 338-A a 338-P do CPI aplicável regulam procedimentos cautelares especiais, em matéria de direito industrial, com normas próprias, só sendo de recorrer às do CPC ou de outras leis no que não esteja especialmente regulado no CPI (art. 338-P do CPI de 2003). Também assim é à luz do CPI de 2018 (v. seus arts. 345 a 358).
Concordamos, portanto, com a recorrente quando afirma que, demonstrando-se uma violação efetiva e em curso de um direito de propriedade industrial, não carece de ser demonstrado que essa violação causa lesão grave e dificilmente reparável.
A Lei da Arbitragem Voluntária, nas regras que destina ao processamento dos procedimentos cautelares pelos tribunais arbitrais, estabelece, como vimos, requisitos para o decretamento das providências cautelares semelhantes aos previstos no CPC. Quer as regras processuais da LAV, quer as do CPC, são regras gerais, que cedem perante regras especiais aplicáveis a determinados procedimentos (art. 7.º, n.º 3, do CC), como é o caso das regras do CPI que regem sobre a mesma matéria dos requisitos do decretamento de um procedimento cautelar, mas em particular dos procedimentos destinados a acautelar direitos de propriedade industrial.
Após esta pequena explicação sobre as circunstâncias processuais dos autos e as normas a ter em consideração, passamos à apreciação das questões suscitadas no recurso.

B. Da não verificação de «periculum in mora» e de «urgência» (fundamento da decisão recorrida)
O Tribunal Arbitral partiu do pressuposto de que, além do «fumus boni iuris» (provável existência do direito), o «periculum in mora» é também requisito do decretamento das providências requeridas (por aplicação do disposto no art. 21, n.º 1, al. a), da LAV).
Expressou que o «periculum in mora» exprime o fundado receio de lesão irreparável ou dificilmente reparável do direito, se a sua violação não for de imediato travada, e esclareceu que «A não reparabilidade pode advir: (a) da não-convertibilidade dos danos possíveis em dinheiro, quer por se tratar de danos não patrimoniais, quer por estar em causa matéria não quantificável, como perdas de mercados, frustração de chances de negócios ou imersão em imponderáveis financeiros; (b) da não-retroatividade, prática ou jurídica, do que venha a ser decidido; por exemplo, se houver perigo de insolvência, a decisão final favorável já não faz reverter o processo; (c) da inexequibilidade prática de qualquer decisão final compensatória, seja porque o requerido, entretanto, adote opções de dissipação ou de alienação que tornem tudo irreversível, seja porque a complexidade de ulteriores cálculos indemnizatórios bloqueia saídas seguras.»
Para além dos requisitos do «fumus boni iuris» e do «periculum in mora», a decisão recorrida considerou, ainda, como requisito, a «urgência», afirmando que, «se inicial ou supervenientemente um procedimento cautelar não for urgente, nenhuma vantagem existe em lançar mão de mais um processo que irá, depois, ser duplicado na ação final» e acrescentando que, entre nós, esse pressuposto decorre das regras gerais de eficiência processual.
Isto dito, o tribunal a quo considerou que as providências cautelares requeridas não eram urgentes e que, além disso, falhava o requisito do periculum in mora.
A falta de urgência foi justificada nas circunstâncias de o procedimento cautelar ter sido requerido em 25/04/2018, havia mais de oito meses, e de ainda não estar decidido, estimando o tribunal poder realizar a audiência de julgamento na ação principal no máximo de um mês, seguindo-se a decisão final num prazo breve.
A falta de periculum in mora, por seu turno, foi alicerçada na ideia de que «todos os danos ilícita e culposamente causados, que resultem de eventuais factos imputados à requerida, serão objeto de condenação» e «convertíveis em dinheiro, não havendo qualquer dúvida quanto à solvabilidade da requerida».
Quid juris?
Como expusemos em III.A., os requisitos do decretamento das providências a que alude o art. 338-I do CPI de 2003, na versão da Lei 16/2008 (que transpôs a diretiva 2004/48/CE, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual), são distintos dos requisitos gerais previstos no CPC e na LAV, não sendo exigido o «periculum in mora» quando se demonstra uma violação efetiva em curso. O mesmo sucede à luz do art. 345 do novo CPI (2018). Mas ainda que assim não entendêssemos, no caso concreto, não afastaríamos os requisitos ora em causa (perigo de lesão grave e dificilmente reparável e urgência) com a argumentação do Tribunal Arbitral.
De dizer que, em geral, concordamos que se distinga entre: i. por um lado, fundado receio de lesão grave ou dificilmente reparável do direito, que é requisito da tutela cautelar, e a que vulgarmente se usa chamar «periculum in mora»; e, ii. por outro lado, urgência na decisão. Não concordamos, porém, com a identificação que o Tribunal Arbitral fez entre «falta de urgência» e «previsível celeridade do processo principal».
Na visão tradicional exposta por Calamandrei e, entre nós, por Alberto dos Reis, o perigo de lesão grave ou dificilmente reparável do direito que é fundamento da providência cautelar e o periculum in mora confundem-se; as providências cautelares são vistas como remédios contra o perigo na demora do processo principal que conferirá a tutela definitiva. O perigo intrínseco à duração do processo, radicado no próprio processo, seria o que se visa evitar com a providência cautelar.
Lemos em Alberto dos Reis: «O que justifica este fenómeno jurisdicional é o chamado periculum in mora (Calamandrei, Introduzione cit., pág. 15). Há casos em que a formação lenta e demorada da decisão definitiva expõe o presumido titular do direito a riscos sérios de dano jurídico; para afastar estes riscos, para eliminar o dano, admite-se a emanação duma providência provisória ou interina, destinada a durar somente enquanto não se elabora e profere o julgamento definitivo.» - Código de Processo Civil Anotado, I, 3.ª ed., Coimbra Editora, 1982, pp. 623-4. Mais adiante: «A função das providências cautelares consiste justamente em eliminar o periculum in mora, em defender o presumido titular do direito contra os danos e prejuízos que lhe pode causar a formação lenta e demorada da decisão definitiva.» - Alberto dos Reis, cit., p. 625. Ou seja, a ênfase é colocada na necessidade de celeridade para evitar o dano consistente ou causado pela demora do processo.
Rui Pinto, na esteira de Ovídio Araújo Baptista da Silva, alerta para o facto de a lesão grave ou dificilmente reparável a que se pretende obviar com a providência cautelar ser causada pelo comportamento do requerido e não pela demora do processo - «o objeto cautelar não é a pretensão à segurança contra o perigo de mora processual, mas a pretensão à segurança contra o perigo de dano por atuação dos sujeitos obrigados nos termos do princípio alterum non laedere.» - Rui Carlos Gonçalves Pinto, A questão do mérito na tutela cautelar, Tese de doutoramento, 2007, disponível online no Repositório da Universidade de Lisboa, http://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/168/1/16452_Microsoft_Word_-_DOUTORAM14OUTsete.pdf, p. 450 (também editada pela Coimbra Editora, em 2009).
A tónica do requisito a que se usa chamar periculum in mora deve ser transferida da demora do processo, para o lesante que, com o seu comportamento desconforme ao devido, causa dano ao lesado. Claro que, sendo esse comportamento duradouro ou reiterado, quanto mais o processo conducente à decisão definitiva demorar, maior será o dano causado. Este, porém, é causado pela contraparte e não pelo Estado. O fundamento do requisito do procedimento cautelar reside na conduta da contraparte e não no processo judicial.
Realidade distinta é a urgência, a que por vezes o direito atende, determinando que a tutela do direito seja conferida rapidamente, podendo isso significar que os prazos não se suspendam em férias e que os autos sejam tramitados com preferência sobre o serviço comum (o que sucede não apenas nos procedimentos cautelares, art. 363 do CPC, como noutros processos, v.g. processos tutelares cíveis cuja demora possa causar prejuízo aos interesses da criança – art. 13 da Lei 141/2015, de 8 de setembro –, processo de insolvência, incluindo todos os seus incidentes, apensos e recursos – art. 9.º do CIRE), ou podendo consistir num procedimento especial de tramitação reduzida e, por isso, mais célere (v.g., o procedimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000, e o procedimento de injunção – DL 269/98, de 1 de setembro).
Admitindo  que «fundado receio de lesão irreparável ou dificilmente reparável» e «urgência» são conceitos distintos, caso nesta concreta providência cautelar de direitos de propriedade industrial fosse necessário o primeiro requisito, será que poderíamos afastá-los, sem mais?
Recordamos que a decisão recorrida fundamentou a falta do «periculum in mora» dizendo não mais que: «todos os danos ilícita e culposamente causados, que resultem de eventuais factos imputados à requerida, serão objeto de condenação» e «convertíveis em dinheiro, não havendo qualquer dúvida quanto à solvabilidade da requerida».
Sucede que, lendo os factos que o tribunal a quo deu como assentes, sem reparo das partes, não encontramos neles informação que nos permita dizer que a requerida teria capacidade de indemnizar os prejuízos causados à requerente. Por outro lado, essa possibilidade estaria dependente de uma estimativa dos danos que, por seu turno, pressuporia a existência de ilícito, violação do direito, e de nexo causal entre esta violação e aqueles danos.
Com o elenco de factos adquiridos no processo, sem oposição das partes, não teríamos elementos para concluir sumária e liminarmente que, seja qual for a violação e sejam quais forem os danos dela decorrentes, estes serão integralmente convertíveis em dinheiro e a requerida terá condições financeiras para integralmente ressarcir deles a requerente.
Relativamente à «falta de urgência» fundamentada pelo tribunal a quo na previsível celeridade com que iria proferir decisão definitiva, o certo é que essa celeridade não se verificou. A brevidade nunca pode ser garantida, a prolação de uma decisão futura está sempre sujeita a imponderáveis, nenhum juiz pode garantir o «amanhã», nem a propósito das circunstâncias relativas ao processo (concentração da produção de prova, duração da audiência), nem das relativas à sua pessoa. Portanto, a previsível e sempre desejável celeridade do processo principal não é, em circunstância alguma, argumento para não ser proferida a decisão no procedimento cautelar. Se, na pendência deste, for proferida decisão no processo definitivo, haverá inutilidade superveniente da lide no procedimento cautelar, se este for destinado ao decretamento de uma providência antecipatória (pois se se destinar ao decretamento de uma providência conservatória, a utilidade poderá manter-se até à execução da decisão definitiva).

C. Da regra da substituição ao tribunal recorrido
Porquanto acima exposto, daríamos nesta parte razão à recorrente, quer porque, a provar-se a violação em curso não será necessário, à luz do art. 338-I do CPI aplicável, o «fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável», quer porque, ainda que assim não fosse, tal requisito não seria de afastar, pelo menos com a argumentação expendida pelo Tribunal Arbitral.
Tanto não significa que o recurso seja, a final, procedente. Com efeito, o tribunal a quo não apreciou o primeiro e principal requisito do decretamento das providências cautelares requeridas: a titularidade do direito de propriedade industrial  (v. art. 338-I, n.º 2, 1.ª parte, do CPI aplicável).
Nos termos do disposto no art. 665, n.º 2, do CPC, se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários. Ainda que, acrescentamos (clarificando, ou eventualmente estendendo, a letra da lei), o conhecimento das questões que tinham ficado prejudicadas conduza a que se confirme, com outros argumentos, a decisão recorrida.
Também assim o entende Abrantes Geraldes, resultando claro dos exemplos que dá que a Relação deve conhecer das questões que ficaram excluídas da primitiva decisão, por terem sido consideradas prejudicadas pelo tribunal a quo, desde que os autos reúnam elementos para delas se conhecer. Leia-se, v.g., o seguinte exemplo: «c) Na sentença, o juiz declarou a nulidade de um contrato, por tal motivo o juiz de 1.ª instância absteve-se de apreciar a exceção de prescrição ou de extrair do contrato apresentado o efeito dele decorrente. Neste caso, se a Relação contrariar aquela decisão, pode conhecer das demais questões, se dispuser de todos os factos que se mostrem necessários.»  – António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3.ª ed., Almedina, 2016, p. 291.
Na decisão recorrida, foram selecionados os factos relevantes para a decisão da causa, sem que tivessem merecido impugnação de qualquer das partes. Tais factos são suficientes para apreciar as questões que o tribunal a quo deixou de conhecer, por estarem prejudicadas pelas respostas que deu às demais, pelo que, nos termos do disposto no citado art. 665 do CPC, passamos a apreciar.

D. Do direito de propriedade industrial invocado pela recorrente
a) Súmula dos factos essenciais e do objeto do litígio
Recorrendo aos factos provados, acima listados, relembremos o essencial e suficiente para a compreensão do litígio:
- A requerente do procedimento cautelar, ora recorrente, é titular da Patente Europeia n.º 0915894 (EP ‘894), pedida junto do Instituto Europeu de Patentes (IEP) em 25 de julho de 1997, estando a menção de concessão da patente publicada no Boletim Europeu de Patentes em 14 de maio de 2003;
- Entre as reivindicações da EP ‘894, e para o que ora releva, destacam-se as n.ºs 1, 2 e 25 todas respeitantes ao Tenofovir Disoproxil;
- E a Reivindicação 27 da EP ‘894 que tem a seguinte redação: «27. Composição farmacêutica que compreende um composto de acordo com qualquer uma das reivindicações 1-25, juntamente com um veículo farmaceuticamente aceitável e opcionalmente outros ingredientes terapêuticos.»;
-  A «FTC» (ou «Emtricitabina») e a «EFV» (ou «Efavirenz») são ingredientes terapêuticos (como tantos outros), que não estavam referidos, seja pelos nomes, seja por fórmulas, seja por funções específicas que os contradistingam de outros, na EP ‘894.
- A recorrente é titular do Certificado Complementar de Proteção n.º 202 (CCP 202), concedido pelo INPI, em 30 de setembro de 2005, com base na EP ‘894, tendo entrado em vigor no dia 25 de julho de 2017, com caducidade prevista para 24 de fevereiro de 2020.
- o CCP 202 protege, entre outros, o medicamento ATRIPLA® da recorrente, que contém a associação das substâncias ativas tenofovir disoproxil (TD) sob a forma de sal de ácido fumárico (TDF), a emtricitabina (FTC) e o efavirenz (EFV).
- Em 25 de agosto de 2017, o INFARMED publicitou na lista «Medicamentos centralizados – Publicação para efeitos do artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto, de medicamentos genéricos aprovados por procedimento centralizados (atualizada)», um pedido de número de registo formulado pela requerida, ora recorrida, para comprimidos revestidos por película, contendo «Efavirenz + Emtricitabina+ Tenofovir Disoproxil Fosfato», tendo como medicamento de referência o Atripla.
- A recorrida não solicitou nem obteve o consentimento da recorrente para explorar o medicamento protegido pelo CCP 202.
- Na posse de uma AIM, a requerida começou a oferecer o seu medicamento genérico com o nome «Efavirenz + Emtricitabina + Tenofovir disoproxil Z...» a hospitais.

No âmbito do presente procedimento cautelar, a que se aplica o art. 338-I do CPI 2003, a prova do fumus boni iuris faz-se mediante a demonstração da titularidade da patente ou CCP que o demandante considera violado, ou em vias de o ser, por um qualquer comportamento do demandado (tenha-se presente o supra exposto em III.A.).
A recorrente é titular do CCP 202 que protege, entre outros, o medicamento ATRIPLA® – que contém a associação das substâncias ativas tenofovir disoproxil (TD) sob a forma de sal de ácido fumárico (TDF), a emtricitabina (FTC) e o efavirenz (EFV) –, idêntico ao que a recorrida pretende comercializar (facto 16).
Sucede que a recorrida defende que o CCP 202 é nulo na medida em que protege um medicamento contendo um conjunto de substâncias que não se encontra protegido pela EP ‘894 que está na base daquele CCP.
Para aferir da aparência do direito da recorrente impõe-se, portanto, apreciar a validade do CCP 202.

b) Da nulidade do certificado complementar de proteção (CCP) n.º 202 – que se funda na reivindicação n.º 27 da EP '894 – por a combinação de tenofovir disoproxil, emtricitabina e efavirenz não beneficiar da proteção que aquela EP '894 conferiu, até ter expirado, em 27 de Julho de 2017

CP 202 foi concedido pelo INPI, em 30 de setembro de 2005, nos termos do Regulamento (CEE) 1768/92, de 18 de junho de 1992 (de ora em diante Reg. 1768/92), com base na EP ‘894, para proteção do medicamento ATRIPLA® (facto 16), entre outros (v.g., TRUVADA®), tendo entrado em vigor no dia 25 de julho de 2017, com caducidade prevista para 24 de fevereiro de 2020.
Antes de entrarmos na análise do Reg. 1768/92 e demais normas que nos permitirão apreciar a validade do CCP 202, avançamos que a questão da validade do CCP 202 (ou de certificados estrangeiros análogos) tem-se colocado recorrentemente, no nosso país e noutros, sobretudo a propósito de um outro medicamento: o TRUVADA, que combina Tenofovir Disoproxil e Emtricitabina. Relembramos que o ATRIPLA, em causa nos autos, combina não apenas Tenofovir Disoproxil e Emtricitabina, como, ainda, Efavirenz. Nos outros processos em que o TRUVADA estava em causa, o fundamento da nulidade do CCP 202 residio na circunstância de a EP ‘894 não abranger a Emtricitabina. A propósito, os Acórdãos TRL de 21/06/2018, proc. 777/18.7YRLSB.L1-6 (Maria de Deus Correia) e de 04/06/2019, proc. 649/19.8YRLSB.L1 (Diogo Ravara), ambos procedimentos cautelares, nos quais foi considerado não se verificar o requisito da aparência do direito por aparente nulidade do CCP 202 (radicando a referida invalidade no facto de a Emtricitabina não estar abrangida pelas reivindicações da EP ‘894). Ora, a EP ‘894 não refere a Emtricitabina da mesma maneira que não menciona o Efavirenz. A aparente nulidade do CCP 202 coloca-se ainda com maior acuidade em relação ao ATRIPLA, que em relação ao TRUVADA, pois este contém apenas um ingrediente não referenciado na EP ‘894, enquanto o ATRIPLA, em causa nos presentes autos, contém dois ingredientes nessas circunstâncias.

O Reg. 1768/92, partindo da constatação de que o tempo que decorria entre o depósito de um pedido de patente para um novo medicamento e a autorização de introdução no mercado do referido medicamento reduzia a proteção efetiva conferida pela patente a um período insuficiente para amortizar os investimentos efetuados na investigação, criou um certificado complementar de proteção para os medicamentos relativamente aos quais tivesse sido dada autorização de colocação no mercado, com o fim de estender o período de proteção da patente, de forma a que o titular de uma patente e de um certificado pudesse beneficiar no total de um período máximo de quinze anos de exclusividade a partir da primeira autorização de colocação no mercado do medicamento em causa.
O certificado não podia ser concedido por um período superior a cinco anos; e a proteção que o certificado conferia era limitada ao produto abrangido pela autorização da sua colocação no mercado como medicamento.
Nos termos do art. 1.º do Reg. 1768/92 e para os efeitos nele previstos, «medicamento» era «qualquer substância ou composição com propriedades curativas ou preventivas em relação a doenças humanas ou animais, bem como qualquer substância ou composto que possa ser administrado ao homem ou a animais com vista a estabelecer um diagnóstico médico ou a restaurar, corrigir ou alterar funções orgânicas no homem ou nos animais»; «produto» era «o princípio ativo ou composição de princípios ativos contidos num medicamento»; e «patente de base» era «a patente que protege um produto, um processo de obtenção de um produto ou uma aplicação de um produto e que tenha sido designado pelo seu titular para efeitos do processo de obtenção de um certificado».
Para que o certificado fosse concedido era necessário, entre outros requisitos, que, no mesmo Estado-membro, o produto estivesse protegido por uma patente de base em vigor; e que o produto tivesse obtido, enquanto medicamento, uma autorização válida de colocação no mercado (art. 3.º do Reg. 1768/92).
Nos termos do disposto no art. 4.º do mesmo Regulamento, epigrafado «Objeto da proteção», dentro dos limites da proteção assegurada pela patente de base, a proteção conferida pelo certificado abrangia apenas o produto coberto pela autorização de colocação no mercado do medicamento correspondente para qualquer utilização do produto, como medicamento, que tenha sido autorizada antes do termo da validade do certificado.
Sem prejuízo do disposto no artigo 4.º, o certificado conferia os mesmos direitos que os conferidos pela patente de base e estava sujeito às mesmas limitações e obrigações (art. 5.º do Reg. 1768/92).
O certificado produzia efeitos no termo legal da validade da patente de base, durante um período que corresponde ao período decorrido entre a data da apresentação do pedido da patente de base e a data da primeira autorização de colocação no mercado na Comunidade, reduzido um período de cinco anos; não podendo exceder cinco anos a contar da data em que produzisse efeitos (art. 13 Reg. 1768/92).
Nos termos do disposto no art. 15.º, Reg. 1768/92 sob a epígrafe «Nulidade do certificado», o certificado seria anulado se tivesse sido concedido contrariamente ao disposto no artigo 3.º (entre outras causas).

O Regulamento (CE) n.º 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de maio de 2009 (de ora em diante Reg. 469/2009), revogou o Reg. 1768/92, à data já com diversas alterações, e entrou em vigor no vigésimo dia seguinte à sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia, que ocorreu em 16/06/2009.
Aplica-se aos certificados concedidos a partir de 2 de janeiro de 1993 (art. 21 do Reg. 469/2009) e, como tal, ao CCP 202 em discussão nos autos.
Em todo o caso, as normas relevantes são idênticas às do primeiro regulamento sobre a matéria.
As definições, também contidas no artigo 1.º deste regulamento, mantêm-se, com ligeiras alterações formais:
a) «Medicamento»: qualquer substância ou associação de substâncias com propriedades curativas ou preventivas em relação a doenças humanas ou animais, bem como qualquer substância ou associação de substâncias que possa ser administrado ao homem ou a animais com vista a estabelecer um diagnóstico médico ou a restaurar, corrigir ou alterar funções orgânicas no homem ou nos animais;
b) «Produto»: o princípio ativo ou associação de princípios ativos contidos num medicamento;
c) «Patente de base»: a patente que protege um produto como tal, um processo de obtenção de um produto ou uma aplicação de um produto e que tenha sido designado pelo seu titular para efeitos do processo de obtenção de um certificado.
Também as condições de obtenção do certificado complementar de proteção se mantêm praticamente inalteradas – o certificado é concedido se, no Estado-Membro onde for apresentado o pedido, entre outros requisitos, o produto estiver protegido por uma patente de base em vigor; e o produto tiver obtido, enquanto medicamento, uma autorização válida de introdução no mercado (art. 3.º do Reg. 469/2009).
O mesmo sucede com o objeto da proteção, que continua inalterado (sem prejuízo de ligeira diferença terminológica), lendo-se no artigo 4.º do Reg. 469/2009 que, dentro dos limites da proteção assegurada pela patente de base, a proteção conferida pelo certificado abrange apenas o produto coberto pela autorização de introdução no mercado do medicamento correspondente para qualquer utilização do produto, como medicamento, que tenha sido autorizada antes do termo da validade do certificado.
Sem prejuízo do disposto no citado artigo 4.º, o certificado confere os mesmos direitos que os conferidos pela patente de base e está sujeito às mesmas limitações e obrigações (art. 5.º do Reg. 469/2009).
O artigo 15 do Reg. 469/2009 diz-nos que o certificado é anulado se, entre outros requisitos, tiver sido concedido contrariamente ao disposto no artigo 3.º.

Em suma, sob pena de invalidade, a concessão de um CCP exige, entre outros requisitos, que o produto (o princípio ativo ou associação de princípios ativos contidos num medicamento) esteja protegido por uma patente de base em vigor; e a proteção conferida pelo CCP abrange apenas o produto, dentro dos limites da proteção assegurada pela patente de base, delineados pelo conteúdo das reivindicações.
Assim, importa neste momento explicitar o âmbito de proteção de uma patente, nomeadamente, de uma patente europeia, como a em causa nos autos.
De acordo com o nosso Código da Propriedade Industrial, a patente confere ao titular o direito exclusivo de explorar a invenção, bem como o direito de impedir que terceiros, sem o seu consentimento, fabriquem, ofereçam, armazenem, introduzam no comércio ou utilizem um produto objeto de patente, o importem ou possuam (art. 101 do CPI aprovado pelo DL 36/2003, de 5 de março, então em vigor, e art. 102 do CPI aprovado pelo DL 110/2018, de 10 de dezembro).
O âmbito da proteção conferida pela patente é determinado pelo conteúdo das reivindicações, servindo a descrição e os desenhos para as interpretar, não podendo os direitos conferidos pela patente exceder o âmbito definido pelas reivindicações (arts. 97 e 101, n.º 4, do CPI de 2003, e arts. 98 e 102, n.º 7, do CPI de 2018).
A Convenção de Munique sobre a Patente Europeia, de 5 de Outubro de 1973, aprovada, para ratificação, pelo Decreto, 52/91, descreve idêntico âmbito material de proteção para a patente europeia. Nos termos do seu art. 69, epigrafado «Âmbito de proteção», o âmbito da proteção conferida pela patente europeia ou pelo pedido de patente europeia é determinado pelo âmbito das reivindicações, servindo a descrição e os desenhos para interpretar as reivindicações.
A Convenção de Munique sobre a Patente Europeia (vulgo, Convenção sobre a Patente Europeia ou Convenção de Munique) integra um protocolo interpretativo do seu artigo 69 (mencionado no art. 164 da mesma), com o seguinte texto:
«Artigo 1.º (Princípios gerais)
O artigo 69.º não deve ser interpretado como significando que o âmbito da proteção conferida pela patente europeia é determinado no sentido restrito e literal do texto das reivindicações e que a descrição e os desenhos servem unicamente para dissipar as ambiguidades que se poderiam encontrar nas reivindicações. Não deve ainda ser interpretado como significando que as reivindicações servem unicamente de linha diretriz e que a proteção se alarga igualmente ao que, no parecer de um perito da matéria que tenha examinado a descrição e os desenhos, o titular da patente entendeu proteger. O artigo 69.º deve, pelo contrário, ser interpretado como definindo entre esses extremos uma posição que assegure ao mesmo tempo uma proteção justa ao requerente e um grau razoável de certeza a terceiros.»
Artigo 2º (Equivalentes)
Para efeitos de determinação da extensão da proteção conferida por uma patente europeia, deve ter-se em conta todo o elemento equivalente a um elemento especificado nas reivindicações.»
A invenção deve ser descrita no pedido de patente europeia de forma suficientemente clara e completa para que um perito na matéria a possa executar – assim o determina o art. 83 da Convenção sobre a Patente Europeia.
O objeto da proteção pedida é definido pelas reivindicações, que devem ser claras e concisas e apoiar-se na descrição – art. 84 da mesma Convenção.

Descrito o regime jurídico aplicável, passamos a confrontá-lo com os factos do processo (como adquiridos em 1.ª instância e acima listados).
O CCP 202 foi concedido para o medicamento ATRIPLA (facto 16), composto pelas substâncias ativas tenofovir disoproxil (TD) sob a forma de ácido fumárico (TDF), emtricitabina (FTC) e efavirenz (EFV), como se este conjunto de substâncias fosse o produto protegido pela EP ‘894.
Ora, nem a emtricitabina nem o efavirenz estão especificados na EP ‘894, nem nos parece que estejam incluídos, como a recorrente deseja, de forma funcional na reivindicação 27.
A reivindicação 27 tem a seguinte redação: «Composição farmacêutica que compreende um composto de acordo com qualquer uma das reivindicações 1-25, juntamente com um veículo farmaceuticamente aceitável e opcionalmente outros ingredientes terapêuticos.».
As reivindicações 1 a 25 descrevem o tenofovir disoproxil.
A reivindicação 27 da EP ‘894 é uma fórmula aberta onde cabem quaisquer veículos farmaceuticamente aceitáveis e opcionalmente quaisquer ingredientes terapêuticos, não se fazendo nela referência, estrutural ou sequer funcional, à emtricitabina ou ao efavirenz, que permita distingui-los de outros «ingredientes terapêuticos».
A interpretação do art. 3.º, alínea a), do Reg. 469/2009, na sua referência à proteção por uma patente de base, há de ser feita com recurso às normas sobre o âmbito de proteção das patentes, não se podendo ignorar nessa medida o protocolo interpretativo do art. 69 da Convenção sobre a Patente Europeia. Admite-se, assim, que se conceda um certificado complementar de proteção para um princípio ativo que não está mencionado nas reivindicações da patente através de uma fórmula estrutural, podendo estar coberto apenas por uma fórmula funcional, desde que seja possível concluir que essas reivindicações visavam, implícita mas necessariamente, o princípio ativo em causa, de forma específica. Assim foi concluído nos Acórdãos do TJUE citados pelas partes, proferidos nos processos C-322/10, Medeva Bv vs. Comptroller General of Patents, Designs and Trade Marks, e C-493/12, Eli Lilly and Company Ltd vs. Human Genome Sciences Inc..
Ou seja, se na reivindicação for feita uma descrição funcional de um princípio ativo, que permita identificá-lo, distinguindo-o de todos os demais do mesmo universo, o princípio em causa estará protegido, mesmo que a sua fórmula ou descrição estrutural não conste da reivindicação.
Sucede que, no caso dos autos, a emtricitabina e o efavirenz não estão mencionados na patente base ou nas suas reivindicações – nem pelos seus nomes, nem pelas suas fórmulas, nem por funções que os identifiquem com exclusão de outros ingredientes – pelo que tudo indica que não podia ter sido concedido o CCP 202 para proteção do conjunto «tenofovir disoproxil + emtricitabina» ou do conjunto «tenofovir disoproxil + emtricitabina + efavirenz», que não estão protegidos pela EP ‘894.
A reivindicação 27, ao referir «… e, eventualmente outros princípios terapêuticos», é de tal forma genérica e indeterminada que não é suscetível de proteger especificamente o conjunto formado pelo tenofovir disoproxil, a emtricitabina e o efavirenz.
Não estando o produto «tenofovir disoproxil + emtricitabina + efavirenz» protegido por uma patente de base em vigor, não se mostra preenchido o requisito previsto na al. a) do art. 3.º do Reg. 469/2009 para a concessão do CCP 202.

O CCP 202 foi anulado pelo Tribunal da Propriedade Intelectual no processo 384/16.9YHLSB,  por sentença de 11/07/2018. O indicado processo foi interposto por T… Pharma, Produtos Farmacêuticos, Lda. contra G... Sciences, INC. e G... Biopharmaceuticals Ireland UC, por a primeira pretender comercializar em Portugal composições farmacêuticas contendo os princípios ativos emtricitabina e tenofovir disoproxil fosfato abrangidos pelo CCP 202, alegadamente baseado na EP ‘894, sem que esta todavia protegesse esse conjunto.
Esta sentença foi objeto de recurso, admitido com efeito meramente devolutivo, o qual, na presente data, ainda se mantém pendente neste Tribunal da Relação de Lisboa.
Como nessa sentença foi referido, arestos de outros países (Grécia, Suécia, Holanda, França e Alemanha) já tinham rejeitado a proteção do certificado complementar de proteção congénere do CCP 202, por idênticas razões.
No Ac. TRL de 04/06/2019, proc. 649/19.8YRLSB.L1 (Diogo Ravara), encontramos uma lista de acórdãos estrangeiros sobre a anulação de CCP de proteção ao medicamento TRUVADA contendo «emtricitabina e tenofovir disoproxil fosfato»:
«i. Na Alemanha, o acórdão do Tribunal Federal de Patentes, 15-05-2018, p. 4 Ni 12/17
«ii. Em Espanha, a sentença do Juzgado Mercantil de Barcelona de 20-10-2017, procs. 190/2017 ·MI e 197/17-MI, bem como o acórdão da Audiência Provincial de Barcelona de 18-12-2018, ECLI: ES:APB:2018:7829A8,
«iii. Em França, a sentença do Tribunal de Grande Instância de Paris de 05-09-2017, p. 17/57112;
«iv. Na República da Irlanda (Eire), a sentença do High Court (Commercial), de 07-11-2017, p. [2017] IECH 666;
«v. No Reino Unido, a sentença do England and Wales High Court (Patents Court), de 18-09-2018, p. [2018] EWHC 2416 (Pat)
«No sentido oposto, encontrámos apenas o acórdão do Supremo Tribunal Federal Suíço de 11-06-2018, p. 4A_576/2017. Escusado será dizer que uma vez que na Suíça não vigora o Regulamento (CE) nº 469/2009, nem os Tribunais deste país estão vinculados à interpretação que deste diploma vem fazendo o TJUE, esta posição dissonante não permite retirar, no caso vertente, conclusões seguras.»

Parte destes acórdãos já estavam referenciados no Ac. TRL de 21/06/2018, proc. 777/18.7YRLSB.L1-6 (Maria de Deus Correia). Como neste se lê, «A “summaria cognitio” exigida no procedimento cautelar, não pode ignorar que o direito invocado pela Requerente está judicialmente posto em causa, através de ação declarativa destinada a reconhecer a sua invalidade e, inclusivamente, já foi julgado improcedente por tribunais europeus, o que só por si é motivo suficiente para concluir não existir o “fumus boni iuris”».
Presentemente, a citada ação declarativa foi julgada procedente em 1.ª instância, com a consequente anulação do CCP 202 (decisão ainda não transitada), como referimos. Cremos, portanto, não se verificar o primeiro requisito do decretamento de uma providência cautelar, o fumus boni iuris, tanto mais que, como acima dissemos, no procedimento cautelar intentado para defesa de um direito de propriedade industrial se exige, mais que a mera aparência, «que o requerente forneça os elementos de prova para demonstrar que é titular do direito de propriedade industrial» - art. 338-I, n.º 2 do CPI de 2003 e art. 345, n.º 2, do CPI de 2018. Porquanto exposto, não se mostra verificado o direito da recorrente a produzir e comercializar em exclusivo o medicamento composto pelas substâncias ativas tenofovir disoproxil (TD), sob a forma de ácido fumárico (TDF), emtricitabina (FTC) e efavirenz (EFV).

c) Da inconstitucionalidade da norma (ou da interpretação de normas) que permite a declaração de invalidade de patente ou CCP com efeitos inter partes
A recorrente invocou que a norma que permite a declaração de invalidade de patente ou CCP com efeitos inter partes é inconstitucional, assim como antes o era a interpretação de dadas normas no sentido de  permitir a declaração de invalidade de uma patente ou CCP com os ditos efeitos apenas entre as partes.
Quid juris?
O direito resultante da patente é um direito absoluto, que goza de eficácia erga omnes, impondo a todos os sujeitos jurídicos um dever geral de respeito.
A propriedade industrial tem as garantias estabelecidas por lei para a propriedade em geral (art. 316 do CPI de 2003 e art. 310 do CPI de 2018).
A propriedade intelectual (onde se inclui a industrial e o direito de autor), reconduzindo-se a propriedade privada, goza de proteção constitucional como direito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, beneficiando do regime constitucional a estes destinado (arts. 62 e 17 da Constituição da República Portuguesa).
Na vigência da primitiva versão da Lei 62/2011 e do CPI de 2003, houve quem defendesse que, em sede de arbitragem necessária instaurada ao abrigo daquele diploma legal, a parte não se podia defender, por exceção, mediante invocação da invalidade de Patente Europeia, com meros efeitos inter partes, mesmo que não lhe restasse outro fundamento ou possibilidade de defesa, e que o tribunal arbitral necessário seria materialmente incompetente para conhecer da invalidade da patente, ainda que só com meros efeitos entre as partes.
Em causa estavam as normas dos arts. 2.º da Lei 62/2011, e 35, n.º 1, e 101, n.º 2, do CPI. Nos termos da primeira: «Os litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial, incluindo os procedimentos cautelares, relacionados com medicamentos de referência, na aceção da alínea ii) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto, e medicamentos genéricos, independentemente de estarem em causa patentes de processo, de produto ou de utilização, ou de certificados complementares de proteção, ficam sujeitos a arbitragem necessária, institucionalizada ou não institucionalizada.»
Por sua vez, o artigo 35, n.º 1, do CPI de 2003, com a epígrafe «Processos de declaração de nulidade e de anulação», estatuía: «A declaração de nulidade ou a anulação só podem resultar de decisão judicial.»
E o artigo 101, n.º 2, do mesmo CPI, epigrafado «Direitos conferidos pela patente», estabelecia: «A patente confere ainda ao seu titular o direito de impedir a terceiros, sem o seu consentimento, o fabrico, a oferta, a armazenagem, a introdução no comércio ou a utilização de um produto objeto de patente, ou a importação ou posse do mesmo, para algum dos fins mencionados.»
Do conjunto destas três normas era por alguns extraída interpretação no sentido de não ser possível a invocação de invalidade de patente ou de CCP, por via de exceção, com mera eficácia entre as partes.
O Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 251/2017, de 7 de julho, pôs termo à contenda, julgando, ao invés, inconstitucional a norma interpretativamente extraível do artigo 2.º da Lei 62/2011, e artigos 35, n.º 1, e 101, n.º 2, do Código da Propriedade Industrial, ao estabelecer que, em sede de arbitragem necessária instaurada ao abrigo daquela Lei, a parte não se pode defender, por exceção, mediante invocação da invalidade de patente, com meros efeitos inter partes.
No referido acórdão, o Tribunal Constitucional argumentou com a ampla jurisprudência sobre o direito fundamental de acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efetiva consagrado no artigo 20.º da Constituição»:
«De acordo com essa jurisprudência «o direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional implica a garantia de uma proteção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efetiva, cujo âmbito normativo abrange nomeadamente: (a) o direito de ação, no sentido do direito subjetivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional; (b) o direito ao processo, traduzido na abertura de um processo após a apresentação daquela pretensão, com o consequente dever de o órgão jurisdicional sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada; (c) o direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas, no sentido de a decisão haver de ser proferida dentro dos prazos preestabelecidos, ou, no caso de estes não estarem fixados na lei, dentro de um lapso temporal proporcional e adequado à complexidade da causa; (d) o direito a um processo justo baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade, no caso daqueles direitos cujo exercício pode ser aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas» (cfr. Acórdão n.º 839/2013).
«O artigo 20.º da Constituição garante a todos o direito de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente legítimos, impondo igualmente que esse direito se efetive – na conformação normativa pelo legislador e na concreta condução do processo pelo juiz – através de um processo equitativo (n.º 4).
«Como o Tribunal Constitucional tem sublinhado, “o direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, mediante o correto funcionamento das regras do contraditório (Acórdão n.º 86/88 […]. Como concretização prática do princípio do processo equitativo e corolário do princípio da igualdade, o direito ao contraditório, por seu lado, traduz-se essencialmente na possibilidade concedida a uma das partes de “deduzir as suas razões (de facto e de direito)”, de “oferecer as suas provas”, de “controlar as provas do adversário” e de “discretear sobre o valor e resultados de umas e de outras” (entre muitos outros, o Acórdão n.º 1193/96)» (cfr. Acórdão n.º 186/2010, ponto 2).
«15. No caso em presença está em causa a específica dimensão do direito à tutela jurisdicional efetiva, designada por “proibição de indefesa”. Este princípio, decorrente do reconhecimento do direito geral ao contraditório inerente ao direito a um processo justo implicado no direito fundamental de acesso à justiça, consagrado no artigo 20.º da Constituição, afirma uma proibição da limitação intolerável do direito de defesa perante o tribunal.»
Para o essencial da fundamentação no caso concreto da possibilidade de invocar a nulidade de uma patente (ou CCP), por exceção, com meros efeitos entre as partes, extratamos:
«O recurso à ação de anulação da patente como única via de contestar a validade da patente pode deixar o requerente de AIM sem possibilidade de defesa contra uma patente inválida no âmbito de uma arbitragem. Tal significa que estaria obrigado a interpor a ação de anulação ainda antes de ser eventualmente demandado numa ação arbitral, o que o coloca na situação de estar vinculado a uma defesa por antecipação. Mesmo que tal fosse razoável, esta via não é suficiente para, só por si, dar resposta à necessidade de tutela do requerente pois, como se disse, a decisão do TPI não afeta casos julgados e que existe a probabilidade de esta apenas surgir após a pronúncia arbitral. A única forma de obstar a esta situação seria a alternativa de requerer a suspensão da instância arbitral enquanto o TPI não se pronuncia. Esta solução, no entanto, não oferece garantias de acautelar todas as situações configuráveis na pendência de ação de invalidade de patente interposta perante o TPI contemporânea da ação por infração que corre no tribunal arbitral necessário. A articulação entre ambas as ações através da suspensão da instância do processo arbitral é possível, mas incerta, pois o requerimento de suspensão não equivale necessariamente ao seu deferimento e em caso de indeferimento ou de não suspensão, no geral, subiste um défice de defesa que redunda numa impossibilidade de exercício do direito à tutela jurisdicional efetiva.
«Mesmo nos casos em que o requerente da AIM de medicamento genérico, demandado na ação arbitral, obtém a suspensão dessa instância, a solução alternativa encontrada apresenta-se também nesse caso como uma restrição significativa ao direito de acesso à tutela jurisdicional efetiva, por impor ao requerente o ónus de litigar numa ação independentemente de tal ser em seu interesse, forçando-o a prosseguir interesses de terceiros, seus concorrentes, e o interesse público.
«A impossibilidade de invocação da nulidade da patente como defesa por exceção na ação arbitral implica um sacrifício significativo – por vezes, absoluto – do direito de defesa, com o fim de proteger a existência de uma via processual única (a ação de declaração de nulidade ou anulação da patente) e a competência exclusiva do TPI, que estão relacionados com a natureza da patente. É necessário, pois, aferir da proporcionalidade da imposição desta restrição, face a este fim.»

Acolhendo a doutrina deste Acórdão do TC, o DL 110/2018, de 10 de dezembro, alterou a Lei 62/2011, passando o art. 3.º, n.º 3, deste a ter a seguinte redação:
«3 - No processo arbitral pode ser invocada e reconhecida a invalidade da patente com meros efeitos inter partes.»
Esta norma resultou das alterações introduzidas na Lei 64/2011 pelo art. 4.º do DL 110/2018, e entrou em vigor 30 dias após a sua publicação (art. 16, n.º 1, do DL 110/2018).
Vem a recorrente invocar também a inconstitucionalidade desta norma.
Aderindo à argumentação do Tribunal Constitucional no citado Acórdão, não a julgamos inconstitucional.

Em suma:
Perante o disposto no art. 338-I do Código da Propriedade Industrial aprovado pelo DL 36/2003, de 5 de março (introduzido pela Lei 16/2008, de 1 de abril, que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva 2004/48/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004), bem como perante o disposto no art. 345 do novo Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo DL 110/2018, de 10 de dezembro, para o decretamento de uma providência cautelar é suficiente que se verifique uma violação em curso de um direito de propriedade industrial; só se exige que seja previsível a lesão grave e dificilmente reparável quando a violação seja apenas iminente ou provável a breve trecho.
O art. 21 da Lei da Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei 63/2011, de 14 de dezembro, estabelece requisitos para o decretamento das providências cautelares semelhantes aos previstos no CPC.
Quer as regras da LAV, quer as do CPC, são regras gerais que cedem perante regras especiais aplicáveis a determinados procedimentos, como é o caso das regras do CPI que regem sobre a mesma matéria dos requisitos do decretamento de um procedimento cautelar, mas para o caso particular dos procedimentos destinados a acautelar direitos de propriedade industrial (v. art. 7.º, n.º 3, do CC, art. 338-P do CPI de 2003, e art. 358 do CPI de 2018).
A concessão de um «certificado complementar de proteção» (CCP), nos termos do disposto no Regulamento (CE) n.º 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de maio de 2009 (assim como antes no Regulamento (CEE) 1768/92, de 18 de junho de 1992) exige, entre outros requisitos, que o produto (o princípio ativo ou associação de princípios ativos contidos num medicamento) esteja protegido por uma patente de base em vigor; e que tenha obtido, enquanto medicamento (substância ou associação de substâncias com propriedades curativas ou preventivas em relação a doenças humanas ou animais), uma autorização válida de introdução no mercado (art. 3.º do Reg. 469/2009).
A proteção conferida pelo certificado abrange apenas o produto coberto pela autorização de introdução no mercado do medicamento, dentro dos limites da proteção assegurada pela patente de base, delineados pelo conteúdo das reivindicações.
Se o CCP tiver sido concedido à revelia destes requisitos, o mesmo é inválido, podendo ser anulado.
Estando o CCP invocado pela requerente anulado por decisão judicial, ainda que não transitada, tendo certificados análogos baseados na mesma patente europeia sido declarados inválidos por tribunais de vários Estados europeus, é provável que se venha a confirmar o juízo de nulidade do CCP 202 que fundamenta o decretamento das providências requeridas no presente procedimento cautelar.

IV. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando, ainda que com outros fundamentos, o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 02/07/2019
Higina Castelo
José Capacete
Carlos Oliveira

Descritores:
 PROPRIEDADE INDUSTRIAL MEDICAMENTO GENÉRICO ARBITRAGEM NECESSÁRIA PROCEDIMENTO CAUTELAR