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ECLI:PT:TRP:2024:570.24.8YLPRT.P1.C1

Relator: TERESA PINTO DA SILVA

Descritores: PROCEDIMENTO ESPECIAL DE DESPEJO DIFERIMENTO DE DESOCUPAÇÃO DO LOCADO

Processo: 570/24.8YLPRT.P1

Nº Convencional: JTRP000

Nº do Documento: RP20241125570/24.8YLPRT.P1

Data do Acordão: 25/11/2024

Votação: UNANIMIDADE

Texto Integral: S

Nível de acesso: 1

Meio Processual: APELAÇÃO

Decisão: CONFIRMADA

Indicações eventuais: 5ª SECÇÃO

Área Temática: .

Sumário

I - No âmbito do procedimento especial de despejo mostrando-se transitada em julgado a decisão que autoriza a entrada imediata no domicílio do arrendatário, o locador passa a dispor de um título executivo de desocupação do locado, que lhe permite, caso o arrendatário não venha a desocupar o imóvel voluntariamente, passar à fase executiva não judicial, prevista no artigo 15º-J, do NRAU, tendo em vista a efetivação dessa desocupação.
II - Nessa situação, não tendo o arrendatário requerido o diferimento da desocupação do locado no prazo previsto para deduzir a oposição, a que alude a alínea b), do nº1, do artigo 15º-D, da Lei nº 6/20026, não pode posteriormente suspender a entrega do locado ao abrigo do disposto no artigo 863º, do Código de Processo Civil, nem obter o diferimento da desocupação do locado prevista no artigo 864º do citado diploma fundamental.

Decisão Texto Parcial

Não disponível.

Decisão Texto Integral

Processo nº 570/24.8YLPRT.P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto

Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia – Juiz 3

Recorrente: AA

Recorrida: A..., S.A.

Relatora: Teresa Pinto da Silva

1º Adjunto: Carlos Gil

2ª Adjunta: Ana Paula Amorim

Acordam na 5ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO

Em 19.03.2024, A..., S.A. apresentou no Balcão do Arrendatário e do Senhorio pedido de despejo de imóvel urbano destinado a habitação contra AA, alegando que o contrato de arrendamento que sustentava a ocupação desse imóvel pelo Requerido cessara por via de resolução por falta de pagamento de rendas. Pediu também a condenação do Requerido no pagamento da quantia de €6.230,00 (seis mil, duzentos e trinta euros), a título de rendas não pagas e vencidas desde dezembro de 2023 a março de 2024, acrescida de juros de mora à taxa legal.

Em 3.05.2024, o Requerido opôs-se a tal pretensão, invocando a exceção de não cumprimento do contrato para recusar o pagamento das rendas reclamadas, porquanto o imóvel padece de inúmeros problemas e patologias que foram por ele várias vezes denunciados à Requerente, a qual sempre respondeu que os iria solucionar, o que não sucedeu, situação que coloca em causa a habitabilidade do mesmo, considerando, por isso, que lhe assiste o direito a suspender o pagamento das rendas enquanto não lhe for proporcionado o efetivo gozo do locado.

Os autos foram remetidos para distribuição ao Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia em 14 de maio de 2024.

Em 16.05.2024 foi proferido despacho a determinar que o processo aguardasse o prazo previsto no artigo 570º, nº3, 1ª parte, do Código de Processo Civil, uma vez que não se mostrava junto aos autos o comprovativo do pagamento da taxa de justiça por parte do Requerido.

Em 27.05.2024, a Requerente, invocando o preceituado no artigo 3º, nº3, do Código de Processo Civil, veio responder à matéria de exceção alegada pelo Requerido na sua oposição, pugnando pela improcedência da argumentação daquele e pelo prosseguimento dos autos com o despejo.

Em 06.06.2024 foi proferido despacho a ordenar a notificação do Requerido nos termos e para os efeitos do previsto no artigo 570º, nº3, do Código de Processo Civil.

Em 02.07.2024, o Tribunal de 1ª instância, atendendo à circunstância de o Requerido, devidamente notificado, não ter procedido ao pagamento da taxa de justiça devida, considerou como não deduzida a oposição apresentada, nos termos do artigo 15.º-F, n. º6, da Lei 6/2006, de 27 de fevereiro, e proferiu decisão, de acordo com o disposto no artigo 15º-EA, nº1, al. b), do mesmo diploma legal, com o seguinte dispositivo:

“Em face do exposto, considera-se o presente procedimento de despejo totalmente procedente, por provado, e, em consequência:

- Autoriza-se a entrada imediata no domicílio sito na fração autónoma descrita no ponto 1. dos factos provados.

- Condeno o requerido a pagar ao Requerente a quantia de €4200,00 (quatro mil e duzentos euros) a título de rendas vencidas desde novembro de 2023 a março de 2024, ao qual acrescem juros de mora à taxa legal de 4% desde o vencimento de cada uma das rendas até efetivo e integral pagamento.

Custas pelo requerido.

Valor do procedimento: €29.400,00 por referência à seguinte fórmula: [(€840,00 x 12 x 2,5) + €4.200,00] – cf. artigos 296.º, n.ºs 1 e 2, 298.º, n.º 1, 299.º, n.º 1, e 306.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Registe.

Notifique, cumprindo o disposto no artigo 15.º-EA, n.º 5, da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação conferida pela Lei n.º 56/2023, de 6 de outubro.

Oportunamente, remeta os autos ao Balcão do Arrendatário e do Senhorio.”

Em 08.07.2024, o Requerido, invocando o disposto nos artigos 861º, nº6, 863º e 864º, todos do Código de Processo Civil, veio requerer o diferimento da desocupação do locado por 180 dias.

Alegou, para tanto e em síntese, que vive com a companheira, que tem problemas de saúde, e dois filhos menores, um dos quais sofre de asma, dispondo de uma condição financeira precária, pois esteve muito tempo desempregado. A execução imediata da entrega do locado colocará inevitavelmente o Requerido e respetivo agregado familiar em sérias dificuldades, uma vez que se “verão na «rua», sem qualquer lugar onde possam acolher-se”.

Entende, por isso, estarem preenchidos todos os requisitos constantes do artigo 864º, do Código de Processo Civil, devendo, consequentemente, ser autorizado o diferimento da desocupação do imóvel em causa pelo prazo mínimo de 180 dias.

Em 29.07.2024, o Tribunal de 1ª instância proferiu decisão considerando extemporâneo o requerimento apresentado pelo Requerido em 8 de julho de 2024 tendo em vista o diferimento da desocupação do locado.

Em 05.09.2024, o Requerido, invocando o disposto nos artigos 863º a 866º do Código de Processo Civil, veio reiterar que ele e o seu agregado familiar encontram-se numa situação económica frágil, estando a sua esposa com um estado de saúde débil devido a problemas do foro psicológico, em pânico com a hipótese de ser despejada, correndo mesmo risco de vida. Os rendimentos do Requerido são insuficientes para arrendar um imóvel neste momento, não tendo família ou amigos aos quais possa recorrer, sendo certo que a Segurança Social não dispõe de qualquer alternativa. Nesta esteira, defende que a diligência de entrega tem de ser suspensa até que seja assegurado o realojamento do seu agregado familiar que, de outro modo, ficará na rua, visto não ter qualquer outra solução, o que se revela inconstitucional, por violar o direito à habitação, previsto no artigo 65º, da Constituição da República Portuguesa.

Conclui, requerendo a suspensão das diligências de entrega do imóvel que é casa de morada de família “do executado”, bem como que seja comunicado à Câmara Municipal ... e entidades assistenciais competentes, a fim de providenciarem pelo realojamento “dos executados”.

Em 09.09.2024, o Tribunal a quo pronunciou-se quanto ao requerimento apresentado pelo Requerido em 5 de setembro de 2024 nos seguintes termos:

“Notifique o requerido que estamos perante um procedimento especial de despejo, ao qual se aplicam as normas da Lei 6/2006 de 27 de fevereiro (alterada pela Lei 56/2023 de 6 de outubro) e não perante uma ação executiva. Nestes termos, o requerimento apresentado o no qual requer a suspender as diligências de entrega do imóvel que é casa de morada de família não tem cabimento legal atendendo ao facto de já ter sida tomada decisão na qual concedeu autorização para a entrada imediata na fração autónoma identificada nos autos, Ora, conferida a autorização judicial para entrada no domicílio, aplicar-se-á o artigo 15.º-J, da Lei nº 6/2006 de 27 de fevereiro, norma que prevê a tomada de posse do locado pelo agente de execução/notário, não havendo norma remissiva para o processo executivo.

Conforme já anteriormente referido ao requerido foi dada a oportunidade de se opor, momento em que deveria trazer ao processo os seus fundamentos. Contudo, esta foi desentranhada por facto imputável ao mesmo, que notificado para pagamento da taxa de justiça, cumprido o artigo 570.º, do CPC, manteve-se inerte.

Além disso, conforme os argumentos aduzidos no despacho que antecede, o pedido de deferimento do locado está, nesta fase processual, após tomada de decisão, extemporâneo.

Pelo exposto, não tendo cabimento legal, indefere-se o requerido.

Notifique.”


*

Inconformado com este despacho, veio o Requerido dele interpor recurso, pretendendo a sua revogação, com fundamento no seguinte acervo conclusivo:

I - O Douto Despacho não faz a correcta aplicação do direito aos factos.

II - Na sequência da comunicação recebida por parte da Senhora Agente de Execução para procederem à entrega do imóvel sito na Rua ..., ..., ..., o executado veio requerer a suspensão das diligências de entrega do imóvel que é casa de morada de família do executado e família, mais requerendo que seja promovida comunicação à Câmara Municipal ... e entidades assistenciais competentes a fim de providenciarem pelo realojamento dos mesmos.

III - Concretamente, diz o nº 3 do art.º 863º CPC: “Tratando-se de arrendamento para habitação, o agente de execução suspende as diligências executórias, quando se mostre, por atestado médico que indique fundamentadamente o prazo durante o qual se deve suspender a execução, que a diligência põe em risco de vida a pessoa que se encontra no local, por razões de doença aguda.

IV - O imóvel em questão constitui a única casa de morada de família do aqui executado, composta pela companheira, e filhos menores, um dos quais com problemas de asma, enfermando a esposa de diversos problemas de saúde, nomeadamente do foro nervoso.

V - Estão a passar muitas dificuldades pois o aqui recorrente esteve desempregado muito tempo.

VI - Acresce que a esposa atravessa um fase de doença complicada, com crises frequentes que se agravam com situações de pressão e agitação, estando mesmo em risco a sua vida com a realização do Despejo, encontrando-se este agregado em pânico com esta situação, uma vez que se aperceberam que não têm qualquer alternativa se não saírem de casa, estando a ser muito complicada a obtenção de uma alternativa habitacional no momento.

VII - Tudo acrescido de problemas de saúde do foro psicológico, nomeadamente depressão.

VIII - Nestes trâmites, torna-se necessário atentar à saúde débil da sua esposa.

IX -Na verdade, a mesma tem estado sob medicação ainda mais forte tendo em conta as várias crises de ansiedade despoletadas pelo presente processo, crises essas que surgem em períodos de maior nervosismo ou excitação, estando a mesma em pânico com a hipótese de ser despejado.

X - Ora, a realidade é que os rendimentos do executado são insuficientes para arrendar, neste preciso momento, um imóvel, tendo em conta os valores exorbitantes nos quais se situam as rendas.

XI - Acrescido de tal fator, não têm neste momento qualquer família ou amigos aos quais possam recorrer.

XII - Por outro lado, não obstante a boa vontade da segurança social, facto é que não passa da intenção, não dispondo de qualquer alternativa.

XIII - Tudo isto alegou o executado.

XIV - Sucede que, o requerimento de suspensão foi indeferido, sem mais.

XV - A Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, salvo devido respeito, não procedeu a uma decisão justa e legal ao proferir o despacho de indeferimento de suspensão da entrega.

XVI - O executado usou uma faculdade que a lei lhe dá de pedir a suspensão da execução e de desocupação do imóvel exatamente porque não dispõe de outra alternativa, e não por um capricho seu, provando os problemas de saúde através da junção de documentos médicos.

XVII - Ora, se a Meritíssima Juiz entendia que não havia elementos suficientes deveria ter notificado o aqui recorrente para apresentar um atestado pormenorizado.

XVIII - Ao invés preferiu proferir despacho de indeferimento da suspensão da entrega do locado.

XIX - O n.º 6 do art.º 861º CPC refere:

“6 - Tratando-se da casa de habitação principal do executado, é aplicável o disposto nos n.ºs 3 a 5 do art.º 863.º e, caso se suscitem sérias dificuldades no realojamento do executado, o agente de execução comunica antecipadamente o facto à câmara municipal e às entidades assistenciais competentes.”

XX - Por sua vez o artº 863º CPC nos seus números 3 a 5, estipula

“3 - Tratando-se de arrendamento para habitação, o agente de execução suspende as diligências executórias, quando se mostre, por atestado médico que indique fundamentadamente o prazo durante o qual se deve suspender a execução, que a diligência põe em risco de vida a pessoa que se encontra no local, por razões de doença aguda.

“4 - Nos casos referidos nos n.ºs 2 e 3, o agente de execução lavra certidão das ocorrências, junta os documentos exibidos e adverte o detentor, ou a pessoa que se encontra no local, de que a execução prossegue, salvo se, no prazo de 10 dias, solicitar ao juiz a confirmação da suspensão, juntando ao requerimento os documentos disponíveis, dando do facto imediato conhecimento ao exequente ou ao seu representante.

“5 - No prazo de cinco dias, o juiz de execução, ouvido o exequente, decide manter a execução suspensa ou ordena o levantamento da suspensão e a imediata prossecução dos autos.”

XXI - Ora, são requisitos para a suspensão em questão:

1) Tratar-se da casa de habitação principal do executado;

2) Apresentar-se atestado médico que indique fundamentadamente o prazo durante o qual se deve suspender a execução;

3) Apresentar-se atestado médico que indique fundamentadamente a doença aguda que sofre a pessoa que se encontra no local e a coloque em risco de vida com a realização da diligência.

XXII - Doença aguda significa doença súbita e inesperada, por contraposição a doença crónica. (Ver Rui Pinto, Manual da Execução e Despejo, CE, 2013, páginas 1061 e 1148 e seguintes, com anotação de jurisprudência.)

“As doenças agudas são aquelas que têm um curso acelerado, terminando com convalescença ou morte em menos de três meses.”

“As doenças agudas distinguem-se dos episódios agudos das doenças crónicas, que são exacerbação de sintomas normalmente menos intensos nessas condições.”

“Uma doença crónica é uma doença que não é resolvida num tempo curto, definido usualmente em três meses. As doenças crónicas são doenças que não põem em risco a vida da pessoa num prazo curto, logo não são emergências médicas.”

XXIII - Estamos perante uma doença aguda, correndo a insolvente risco da própria vida!

XXIV - Assim, entende o recorrente que preenche os requisitos legais para que seja deferida a suspensão da instância e consequentemente da desocupação do imóvel.

XXV - Nessa esteira, a concreta diligência de entrega tem de ser, necessariamente, suspensa até que seja assegurado o realojamento deste agregado familiar que, de outro modo, ficará na rua, visto não ter qualquer outra solução.

XXVI - O que se revela inconstitucional por violar, desde logo, o direito à habitação previsto no art.º 65º CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA.

XXVII - Nestes termos, espera o recorrente que V. Exªs julguem procedente a apelação e seja revogada a decisão recorrida, determinando-se, em consequência o deferimento da suspensão da execução e de desocupação do imóvel.

XXVIII - O Douto Despacho recorrido, viola por errada interpretação a aplicação do disposto nos arts.º 863º n.º 3º a 866º do CPC e 65º CRP.


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A Recorrida não apresentou resposta às alegações do Recorrente.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.

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Delimitação do objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões vertidas pelo Recorrente nas suas alegações (artigos 635º, nºs 4 e 5 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (artigo 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do artigo 663.º, n.º 2, in fine, ambos do Código de Processo Civil).

Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais prévias, destinando-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não à prolação de decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo Tribunal recorrido.

Mercê do exposto, da análise das conclusões apresentadas pelo Recorrente nas suas alegações decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito à seguinte questão:

- Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao indeferir a suspensão das diligências de entrega do imóvel e o diferimento da sua desocupação.

*
II – FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto
Os factos provados com relevância para a decisão constam já do relatório que antecede, resultando a sua prova dos autos, não se procedendo à reprodução dos mesmos, por tal se revelar desnecessário.
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Fundamentação de direito

- Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao indeferir a suspensão das diligências de entrega do imóvel e o diferimento da sua desocupação
Vem o Recorrente insurgir-se contra o entendimento do Tribunal de 1ª instância que indeferiu o requerimento por ele apresentado em 5 de setembro de 2024, nos termos do qual pugnava pela suspensão das diligências de entrega do imóvel que é a sua casa de morada de família, bem como requeria que fosse comunicado à Câmara Municipal ... e entidades assistenciais competentes, a fim de providenciarem pelo seu realojamento.
Nessa decisão, o Tribunal a quo invocou dois argumentos para o aludido indeferimento:
- Em primeiro lugar, estar-se perante um procedimento especial de despejo, ao qual se aplicam as normas da Lei nº 6/2006, de 27 de fevereiro, alterada pela Lei nº 56/2023, de 6 de outubro, e não perante uma ação executiva.
- Em segundo lugar, a circunstância de o pedido de diferimento do locado ser extemporâneo nesta fase processual.
É contra estes argumentos que o Recorrente se insurge, advogando que o despacho recorrido viola, por errada interpretação, o disposto nos artigos 863º n.º 3º a 866º do Código de Processo Civil e 65º da Constituição da República Portuguesa.
Começando por escalpelizar o primeiro argumento, não merece controvérsia a afirmação que estamos no âmbito de um procedimento especial de despejo, regulado pelos artigos 15.º a 15.ºS, da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro (alterada pela Lei 56/2023 de 6 de outubro).
Este procedimento foi criado pela Lei nº 31/2012, de 14 de agosto, que aprovou um conjunto de medidas destinadas a dinamizar o mercado de arrendamento urbano e que, para alcançar tal desiderato, alterou o regime substantivo da locação e o regime transitório dos contratos de arrendamento celebrados antes do Novo Regime do Arrendamento Urbano, criando um procedimento especial de despejo do local arrendado para permitir a recolocação célere daquele no mercado de arrendamento.
Na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 38/XII, que esteve na origem da Lei n.º 31/2012, pode ler-se: “A reforma do regime do arrendamento urbano que agora se propõe procura encontrar soluções simples, assentes em quatro dimensões essenciais: (i) alteração ao regime substantivo, vertido no Código Civil; (ii) revisão do sistema de transição dos contratos antigos para o novo regime; (iii) agilização do procedimento de despejo; e (iv) melhoria do enquadramento fiscal.
(…)
No que respeita ao regime processual, reconhece-se a necessidade e a premência de reforçar os mecanismos que garantam aos senhorios meios para reagir perante o incumprimento do contrato, assim tornando o mercado de arrendamento e o investimento na reabilitação urbana para colocação no mercado de arrendamento uma verdadeira opção para os proprietários e, mais relevantemente ainda, uma opção segura. Esta medida, concretizada mediante a agilização do procedimento de despejo, é fundamental para recuperar a confiança dos proprietários.
Até à presente data, o senhorio tinha de recorrer a um processo de despejo apresentado junto de um tribunal. Mesmo dispondo de um título executivo nos termos previstos na Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, verificou-se que o tempo médio de duração da correspondente acção executiva é ainda de dezasseis meses. Tal longa espera, muitas vezes acompanhada pelo não recebimento das rendas, revelou ser um motivo de desincentivo para a colocação de imóveis no mercado do arrendamento pelos proprietários, ou ainda para a elevação do valor da renda como forma de controlo do risco.
Para tornar o arrendamento num contrato mais seguro e com mecanismos que permitam reagir com eficácia ao incumprimento, é criado um novo procedimento extrajudicial que permite que a desocupação do imóvel seja realizada de forma célere e eficaz, num prazo médio estimado de três meses, no caso de incumprimento do contrato por parte do arrendatário.
Promove-se, por esta via, a confiança do senhorio no funcionamento ágil do mercado de arrendamento e o investimento neste sector da economia.”
Como preceitua o artigo 15.º n.º 1, dessa Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, o Procedimento Especial de Despejo é “um meio processual que se destina a efetivar a cessação do arrendamento, independentemente do fim a que este se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes”.
Nos demais casos, e de modo a fazer cessar o arrendamento sempre que a lei imponha o recurso à via judicial para promover tal cessação, deverá o senhorio recorrer à ação de despejo prevista no artigo 14º do NRAU.
De sublinhar, nesse procedimento, o seu carácter urgente (note-se que, nos termos do artigo 15.º S, n.º 5, não há lugar a qualquer dilação), bem reforçado pelo n.º 10, desse artigo 15º, que expressamente estipula que “o procedimento especial de despejo tem natureza urgente”.
No domínio desse mecanismo, e no que respeita à resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas, o requerimento de despejo – no qual o requerente deve indicar, designadamente, o fundamento do despejo - é apresentado, juntamente com a comunicação da resolução e o contrato de arrendamento, no Balcão do Arrendatário e do Senhorio (BAS) que, caso não o recuse, notifica o requerido, por carta registada com aviso de receção, para, em 15 dias, desocupar o locado – e sendo caso disso, pagar ao requerente as quantias por ele pedidas, acrescidas da taxa por ele liquidada – ou deduzir oposição à pretensão do requerente e / ou requerer a suspensão e o diferimento da desocupação do locado, nos termos do disposto no artigo 15º-M – cf. artigos 15º, nsº1 e 2, al. e), 15º -A, n.º 1, 15º-B, n.ºs 1 e 2, al. e), 15º-D, n.º 1, als. a) e b) e 15º-F, nº3, al. d) do NRAU.
Se o arrendatário, de acordo com o artigo 15º-F, deduzir validamente oposição ao procedimento especial de despejo, o BAS remete os autos para o tribunal competente (n.º 1 do artigo 15.º-H), iniciando-se então, perante o juiz, uma fase declarativa, um processo declarativo especial, regulado, naquilo que não estiver especialmente previsto, pelas regras gerais e comuns do Código de Processo Civil e, em tudo o que não estiver prevenido numas e noutras, pelo que se acha estabelecido para o processo comum de declaração – cf. artigo 549º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoarem as peças processuais ou apresentarem novo articulado sempre que tal seja necessário para garantir o contraditório (n.º 3 do artigo 15.º-H).
Se o juiz não julgar logo procedente alguma exceção dilatória ou nulidade que lhe cumpra conhecer ou não decidir logo do mérito da causa, ordenará a notificação das partes da data da audiência de julgamento (n.º 4 do artigo 15.º-H).
Nessa audiência, se se frustrar a tentativa de conciliação das partes, produzir-se-ão as provas que ao caso couber (n.º 4 do artigo 15.º-I), provas essas que ali serão oferecidas, podendo cada parte apresentar até três testemunhas (n.º 6 do artigo 15.º-I), e devendo a prova pericial ser sempre realizada por um só perito (n.º 7 do artigo 15.º-I).
A sentença deve ser ditada para a ata de imediato (n.º 10 do artigo 15.º-I), e, no caso de se julgar a oposição improcedente, deverá condenar-se o requerido a proceder à entrega do imóvel no prazo de 30 dias, valendo tal decisão como autorização de entrada imediata no domicílio (n.º 11 do artigo 15.º-I).
Resulta desta tramitação que, como refere Elizabeth Fernandez[1],o PED tem “ uma natureza tendencialmente extrajudicial, mas transforma-se numa ação declarativa a tramitar no tribunal, como um processo especial e urgente, despoletado por iniciativa do próprio arrendatário ao opor-se. Carateriza-se por ser um “processo híbrido” e “evolutivo”, pois começa por ser uma injunção, para passar a ser um processo judicial se houver oposição do arrendatário, para poder ser, no âmbito do mesmo procedimento e depois de formado o título executivo, uma execução (não judicial) para entrega de coisa certa, ou seja, para efetivação do despejo”.
Trata-se, por outras palavras, seguindo a terminologia de Rui Pinto[2], de um “processo especial sincrético”, isto é, declarativo e executivo, que se inicia com uma fase injuntória a que poderá seguir-se uma fase contenciosa, tendo em vista a formação de um título executivo, prosseguindo, se for o caso, com uma fase executiva (não judicial) destinada à realização coativa do direito à entrega do locado.

No caso concreto, como bem se afirma na decisão recorrida, não estamos perante uma ação executiva, mas antes perante um procedimento especial de despejo, no âmbito do qual, como decorre da breve incursão pela tramitação descrita, transitada em julgado a decisão que autoriza a entrada imediata no domicílio do arrendatário, o locador passa a dispor de um título executivo de desocupação do locado, que lhe permite, caso o arrendatário não venha a desocupar o imóvel voluntariamente, passar à fase executiva não judicial, prevista no artigo 15º-J, do NRAU, tendo em vista a efetivação dessa desocupação.

Foi claramente a este mecanismo especial de despejo que recorreu a Locadora para obter a desocupação do locado com fundamento na falta de pagamento de rendas por parte do Recorrente, ao qual este reagiu, em momento oportuno, apresentando oposição que, no entanto, veio a ser considerada como não deduzida pelo Tribunal de 1ª instância (por decisão de 2 de julho de 2024, nos termos do artigo 15.º-F, n. º6, do NRAU, atendendo à circunstância de o Requerido, apesar de devidamente notificado, não ter procedido ao pagamento da taxa de justiça devida, decisão que transitou em julgado.

Consequentemente, o incidente de suspensão das diligências de entrega do imóvel, apresentado pelo Recorrido em 5 de setembro de 2024, com fundamento no disposto no artigo 863º do Código de Processo Civil tem necessariamente de improceder, por inadmissibilidade legal, porquanto nos presentes autos não se está perante uma execução para entrega de coisa certa, com base numa ação de despejo, em que a resolução do contrato de arrendamento tenha sido operada pela via judicial.

De notar, aliás, que decorre da alínea d), do nº3, do artigo 15º-F, do NRAU que será no prazo previsto para a dedução da oposição que incumbe ao arrendatário identificar qualquer das situações que motivem a suspensão da desocupação do locado, não havendo qualquer fase posterior no âmbito do Procedimento Especial de Despejo na qual possa invocar tal situação.

Esta argumentação é igualmente aplicável ao diferimento da desocupação de imóvel prevista no artigo 864º, do Código de Processo Civil, a que o Recorrente faz também referência nas suas alegações, sendo certo que quanto a esse diferimento acresce a circunstância de o Tribunal de 1ª instância ter proferido decisão em 29 de julho de 2024 a considerar extemporâneo o requerimento anteriormente apresentado pelo Requerido em 8 de julho de 2024, nos termos do qual este requereu o diferimento da desocupação do imóvel pelo prazo mínimo de 180 dias.

Com efeito, tendo a Recorrida operado a resolução por via extrajudicial, através do procedimento especial de despejo previsto nos artigos 15ºA a 15º-S, da Lei 6/2006, de 27/02, esta constitui uma lei especial, que se sobrepõe e afasta a aplicação da lei geral prevista nos artigos 859º e seguintes do Código de Processo Civil, aplicável nas situações em que a resolução do contrato de arrendamento é operada pela via judicial (cfr. artigo 7º/3 do Código Civil), pelo que não tem cabimento legal a pretensão do Recorrente de suspensão da entrega do locado ao abrigo do disposto no artigo 863º, do Código de Processo Civil, nem o diferimento da desocupação do locado prevista no artigo 864º do citado diploma fundamental. Não existe qualquer fase judicial para a execução da decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância em 2 de julho de 2024 relativa à desocupação do locado (ao contrário do que parece entender o Apelante), a tramitar por um Tribunal mediante um processo executivo para entrega de coisa certa, havendo apenas – quando a entrega do locado não venha a ter lugar voluntariamente - uma execução extrajudicial dessa decisão, a efetuar através do BAS, nos termos previstos no artigo 15º-J, do NRAU, aí regressando o processo para esse efeito (por isso o Tribunal de 1ª instância determinou, na parte final da decisão proferida em 2 de julho de 2024 “Oportunamente, remeta os autos ao Balcão do Arrendatário e do Senhorio”).
Acresce que, conforme se evidencia e reitera na decisão recorrida (apesar do trânsito em julgado da decisão de 2 de julho de 2024), o pedido de diferimento do locado sempre seria extemporâneo nesta fase processual. É que, como já decorre das considerações acima tecidas a respeito da sua tramitação, nos termos do artigo 15º-D, nº1, NRAU, intentado procedimento especial de despejo, o BAS “expede imediatamente notificação para o requerido, por carta registada com aviso de receção, para, em 15 dias, este:
a) Desocupar o locado e, sendo caso disso, pagar ao requerente a quantia pedida, acrescida da taxa por ele liquidada;
b) Deduzir oposição à pretensão e ou requerer o diferimento da desocupação do locado, nos termos do disposto no artigo 15.º-M.”

Perante esta norma, entendemos que o requerimento de diferimento da desocupação do locado (também ele admissível no âmbito do PED, face ao disposto naquela al. b), do nº1, do artigo 15º-D, da Lei nº 6/2006) tem obrigatoriamente de ser deduzido no prazo previsto para a dedução da oposição, podendo o arrendatário cumular esse requerimento com a oposição ou não, mas tendo sempre de respeitar aquele prazo de 15 dias seguintes à sua notificação para o apresentar. Decorrido esse prazo, caso o arrendatário venha a requerer o diferimento da desocupação do locado, haverá que concluir pela sua extemporaneidade, tal como fez acertadamente o Tribunal de 1ª instância.

Finalmente, o Recorrente alegou ainda, no seu requerimento de 5 de setembro de 2024, que a diligência de entrega tem de ser suspensa até que seja assegurado o realojamento do seu agregado familiar que, de outro modo, ficará na rua, visto não ter qualquer outra solução, o que se revela inconstitucional, por violar o direito à habitação, previsto no artigo 65º, da Constituição da República Portuguesa.

É certo que o direito à habitação vem previsto no artigo 65.º da Constituição da República Portuguesa, tal como alega o Recorrente, mas o direito à propriedade privada também tem consagração constitucional no artigo 62.º desse diploma fundamental e só pode ser limitado nos casos previstos na lei. Ou seja, o direito à habitação consagrado constitucionalmente não constitui um direito absoluto, que permita ao Recorrente exercê-lo em regime de autotutela contra a Recorrida, na sequência do decretamento do despejo.

Acresce que não compete aos privados, mas sim ao Estado, diligenciar pela concretização do direito à habitação de cada um. Daí precisamente o regime previsto na Portaria nº 50/2024, de 15 de fevereiro, que procede à definição do reforço das garantias dos arrendatários em situação de carência de meios no âmbito do procedimento especial de despejo tramitado junto do Balcão do Arrendatário e do Senhorio (BAS), definindo o procedimento de verificação dessa situação de carência, bem como o encaminhamento para as entidades públicas competentes a fim de se garantir uma resposta habitacional digna a esses arrendatários e acautelar as devidas respostas de emergência social.

Os problemas decorrentes da resolução do contrato que se controvertem no caso sub judice são alheios ao preceito constitucional do artigo 65º, onde se alberga uma diretriz programática, traduzível, nas palavras de Inocêncio Galvão Telles[3], “no dever político imposto ao Estado no sentido de este adoptar as providências adequadas à realização – tão desejável – do nobre ideal que é o de todos poderem realmente ter, para si e sua família, uma habitação condigna, com os requisitos enunciados no citado preceito constitucional [o artigo 65º]”.

É assim que nos números seguintes do artigo 65º (escreve este autor, a propósito da denúncia, mas aplicável também ao caso da resolução) se enunciam “as grandes linhas do que o Estado deve fazer para atingir o assinalado objetivo: programar e executar uma política de habitação inserida em planos de reordenamento do território e em planos de urbanização, incentivar apoiar as iniciativas tendentes a resolver os problemas habitacionais, estimular a construção privada, adoptar uma política de rendas compatíveis com o rendimento familiar e de acesso à habitação própria, exercer o controlo do parque imobiliário e definir e executar uma adequada política dos solos.

Como se vê, trata-se de matéria que nada tem a ver com a denúncia do arrendamento para habitação do senhorio. Não se suscita nessa denúncia qualquer conflito de direitos à habitação, na acepção abstracta e imprópria em que a Constituição emprega esta fórmula, porque tais «direitos» não se movem no círculo das relações entre particulares, antes têm como alvo o Estado, no sentido de que a este cabe a responsabilidade política de planear, adoptar e executar providências tendentes a criar as condições necessárias para todos poderem ter habitação condigna. É tarefa de que têm de se ocupar os órgãos legislativos, governativos, administrativos, não os órgãos jurisdicionais”.

As considerações expostas merecem acolhimento no caso sub judice, para elas se remetendo na sua essencialidade, improcedendo também nesta parte o recurso interposto.
Improcedem, desta forma, todas as conclusões formuladas pelo apelante e, com elas, o respetivo recurso, restando apenas lembrar que, oportunamente, se deve ter em consideração o disposto no nº2, do artigo 16º, da Portaria nº 49/2024, de 15 de fevereiro (que tem como epígrafe “Comunicação de decisões judiciais ao Balcão do Arrendatário e do Senhorio”).


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Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527º do Código de Processo Civil, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que lhes tiver dado causa, presumindo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção.

Como a apelação foi julgada improcedente, mercê do princípio da causalidade, as custas serão da responsabilidade do Recorrente, sem prejuízo da decisão que vier a recair sobre o requerimento de proteção jurídica por ele formulado.

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Síntese conclusiva (da exclusiva responsabilidade da Relatora – artigo 663º, nº7, do Código de Processo Civil)
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III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes subscritores deste acórdão da 5ª Secção do Tribunal da Relação do Porto em julgar a apelação improcedente, confirmando integralmente a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente, sem prejuízo da decisão que vier a recair sobre o requerimento de proteção jurídica por ele apresentado.
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Porto, 25 de novembro de 2024
Os Juízes Desembargadores
Teresa Pinto da Silva
Carlos Gil
Ana Paula Amorim
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[1] Cf. “O procedimento especial de despejo (revisitando o interesse processual e testando a compatibilidade constitucional)”, in Revista Julgar, n.º 19, Jan-Abril 2013, Coimbra Editora, p. 78.
[2] Cf. Manual da execução e despejo, Coimbra Editora, 2013, p. 1160 e 1169.
[3] cf. “Denúncia do Arrendamento para Habitação Própria”, parecer publicado na Coletânea de Jurisprudência, ano VIII – 1983 – tomo 5, pág. 9.

Descritores:
 PROCEDIMENTO ESPECIAL DE DESPEJO DIFERIMENTO DE DESOCUPAÇÃO DO LOCADO